Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.net/publication/320058555 Caracterização Mecânica de Cerâmicos Chapter · September 2017 CITATIONS 0 READS 1,145 1 author: Some of the authors of this publication are also working on these related projects: Transition metals carbide and nitride synthesis under concentrated solar thermal energy View project H2020-LCE-2016-ERA: Integrating National Research Agendas on Solar Heat for Industrial Processes View project Luis Guerra Rosa University of Lisbon 199 PUBLICATIONS 1,023 CITATIONS SEE PROFILE All content following this page was uploaded by Luis Guerra Rosa on 27 September 2017. The user has requested enhancement of the downloaded file. https://www.researchgate.net/publication/320058555_Caracterizacao_Mecanica_de_Ceramicos?enrichId=rgreq-fdc9f3f2e8d812beba25e6cba566c1a3-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyMDA1ODU1NTtBUzo1NDMxNTk1NDYzMzUyMzJAMTUwNjUxMDczNTgwNA%3D%3D&el=1_x_2&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/publication/320058555_Caracterizacao_Mecanica_de_Ceramicos?enrichId=rgreq-fdc9f3f2e8d812beba25e6cba566c1a3-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyMDA1ODU1NTtBUzo1NDMxNTk1NDYzMzUyMzJAMTUwNjUxMDczNTgwNA%3D%3D&el=1_x_3&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/project/Transition-metals-carbide-and-nitride-synthesis-under-concentrated-solar-thermal-energy?enrichId=rgreq-fdc9f3f2e8d812beba25e6cba566c1a3-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyMDA1ODU1NTtBUzo1NDMxNTk1NDYzMzUyMzJAMTUwNjUxMDczNTgwNA%3D%3D&el=1_x_9&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/project/H2020-LCE-2016-ERA-Integrating-National-Research-Agendas-on-Solar-Heat-for-Industrial-Processes?enrichId=rgreq-fdc9f3f2e8d812beba25e6cba566c1a3-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyMDA1ODU1NTtBUzo1NDMxNTk1NDYzMzUyMzJAMTUwNjUxMDczNTgwNA%3D%3D&el=1_x_9&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/?enrichId=rgreq-fdc9f3f2e8d812beba25e6cba566c1a3-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyMDA1ODU1NTtBUzo1NDMxNTk1NDYzMzUyMzJAMTUwNjUxMDczNTgwNA%3D%3D&el=1_x_1&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Luis_Rosa2?enrichId=rgreq-fdc9f3f2e8d812beba25e6cba566c1a3-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyMDA1ODU1NTtBUzo1NDMxNTk1NDYzMzUyMzJAMTUwNjUxMDczNTgwNA%3D%3D&el=1_x_4&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Luis_Rosa2?enrichId=rgreq-fdc9f3f2e8d812beba25e6cba566c1a3-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyMDA1ODU1NTtBUzo1NDMxNTk1NDYzMzUyMzJAMTUwNjUxMDczNTgwNA%3D%3D&el=1_x_5&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/institution/University_of_Lisbon?enrichId=rgreq-fdc9f3f2e8d812beba25e6cba566c1a3-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyMDA1ODU1NTtBUzo1NDMxNTk1NDYzMzUyMzJAMTUwNjUxMDczNTgwNA%3D%3D&el=1_x_6&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Luis_Rosa2?enrichId=rgreq-fdc9f3f2e8d812beba25e6cba566c1a3-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyMDA1ODU1NTtBUzo1NDMxNTk1NDYzMzUyMzJAMTUwNjUxMDczNTgwNA%3D%3D&el=1_x_7&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Luis_Rosa2?enrichId=rgreq-fdc9f3f2e8d812beba25e6cba566c1a3-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyMDA1ODU1NTtBUzo1NDMxNTk1NDYzMzUyMzJAMTUwNjUxMDczNTgwNA%3D%3D&el=1_x_10&_esc=publicationCoverPdf Caracterização Mecânica de Cerâmicos Luís Guerra Rosa Departamento de Engenharia Mecânica, Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa (2017) Sumário O interesse na utilização de materiais cerâmicos em aplicações estruturais obriga a uma correta caraterização do seu comportamento mecânico. A natureza, à partida frágil, destes materiais torna-os criticamente dependentes da presença de defeitos (poros, fendas internas, superficiais, etc.) responsáveis não só por um abaixamento significativo da resistência à rotura relativamente aos valores que seriam expectáveis caso não existissem defeitos, mas também por uma acentuada dispersão dos valores obtidos experimentalmente. Esta última circunstância impõe o uso de técnicas estatísticas adequadas ao cálculo da probabilidade de fratura de componentes mecânicos. Este capítulo apresenta os métodos de ensaio geralmente usados para a correta caraterização do comportamento mecânico de materiais cerâmicos. Ao longo do capítulo dá-se relevância às metodologias que são recomendadas pelas normas internacionais. Mais do que apresentar conceitos teóricos, pretende-se essencialmente fornecer ao leitor uma visão prática de como pode executar os testes e conduzir as experiências. Ao longo do texto são apresentados os métodos de estudo de vários tipos de propriedades mecânicas, incluindo nomeadamente, propriedades elásticas, tração, compressão, flexão uniaxial e biaxial, tenacidade à fratura, crescimento subcrítico de fendas ou fadiga estática, comportamento em curva-R, dureza, etc. É dada também a devida relevância aos novos materiais cerâmicos com maior tenacidade, e, em especial, aos compósitos de matriz cerâmica reforçados por fibras contínuas. Estes compósitos apresentam-se como uma das classes de materiais com maiores potencialidades de utilização para fins estruturais, em particular a elevadas temperaturas e ambientes hostis. Objetivos Apresentar os principais métodos experimentais usados na caracterização do comportamento mecânico de materiais cerâmicos e, simultaneamente, referir as normais internacionais existentes para cada tipo de ensaio, mostrando que as atividades de normalização são essenciais para o desenvolvimento e aceitação destes materiais. Recapitular os conhecimentos teóricos necessários à compressão dos fenómenos associados ao comportamento mecânico Abordar os mecanismos que explicam a fragilidade Abordar os mecanismos que permitem dissipação de energia e aumento da tenacidade Mostrar a necessidade de analisar estatisticamente os resultados de resistência mecânica Salientar as propriedades mecânicas de novos materiais cerâmicos e de novos compósitos de matriz cerâmica L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 2 Conclusões As normas existentes cobrem praticamente a totalidade do tipo de ensaios necessários à correta caraterização do comportamento mecânico dos materiais cerâmicos, sejam eles cerâmicos tradicionais, cerâmicos técnicos ou compósitos de matriz cerâmica. Nas atuais bases de dados e catálogos de materiais, para cada material é usual existir informação sobre as seguintes propriedades mecânicas: módulo de Young, coeficiente de Poisson, módulo de elasticidade ao corte, módulo volumétrico de elasticidade, tensão de cedência (limite elástico), tensão de rotura, extensão de rotura, resistência à compressão, resistência à flexão, dureza Vickers, tenacidade à fratura, e resistência à fadiga para 107 ciclos. A resistência mecânica de materiais frágeis é consequência de dois fatores: a tenacidade à fratura (KIc, valor intrínseco do material) e a distribuição (em tamanhos e orientação) da população de defeitos presentes nos espécimes usados nos ensaios. Uma fenda, descontinuidade geométrica ou outra heterogeneidade, que provoca um efeito concentrador de tensão/deformação e é efetivamente responsável pela fratura é denominado defeito crítico (critical flaw em inglês). Existem normas para o tratamento estatístico dos resultados de resistência obtidos em materiais frágeis. Os compósitos de matriz cerâmica reforçados por fibras contínuas são materiais especialmente tenazes, desenvolvidos para aplicações a alta temperatura. Estes compósitos são objeto de normas para a validação de procedimentos destinados à caracterização quer do compósito como um todo, quer dos seus elementos constituintes. As propriedades da interface matriz-reforço desempenham um papel importante no comportamento mecânico dos compósitos cerâmicos. L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 3 Capítulo: Caracterização Mecânica de Cerâmicos Índice 1. Introdução ...........................................................................................................................5 2. As dificuldades dos ensaios de tração em materiais frágeis ................................................ 10 3. Resistência à tração e resistência à compressão ................................................................. 12 4. Ensaios com momento fletor ............................................................................................. 14 4.1. Flexão equibiaxial .................................................................................................. 16 4.2. Provetes do tipo C-ring .......................................................................................... 20 5. Caracterização do comportamento elástico ....................................................................... 21 5.1. Relações entre E, G, K e 𝜈 ...................................................................................... 23 5.2. Métodos para a determinação de E, G e ............................................................. 23 6. Aspetos estatísticos importantes para a análise dos resultados de resistência mecânica .... 27 6.1. Distribuição de Weibull a dois parâmetros ............................................................. 27 6.2. Efeitos de volume e de superfície .......................................................................... 31 6.3. Considerações sobre a análise dos resultados ........................................................ 34 7. Tenacidade à fratura .......................................................................................................... 35 7.1. Métodos-standard para determinação da tenacidade à fratura ............................. 36 7.2. Método de indentação Vickers e medição direta de fendas ................................... 37 8. Crescimento lento (subcrítico) de fenda ............................................................................. 40 9. Caracterização do comportamento em curva R .................................................................. 42 10. Dureza ............................................................................................................................... 47 10.1. Dureza de penetração............................................................................................ 47 10.2. Dureza de riscagem ............................................................................................... 50 11. Mecanismos de aumento da tenacidade e comportamento de materiais compósitos de matriz cerâmica ...................................................................................................................... 52 11.1. Como aumentar significativamente a tenacidade................................................... 54 11.2. Caracterização da resistência mecânica de fibras cerâmicas................................... 56 11.3. Caracterização da resistência mecânica de multifilamentos contínuos usados em compósitos cerâmicos e carbono-carbono ......................................................................... 62 11.4. Comportamento de compósitos do tipo CFCC ........................................................ 68 11.5. Mecanismos de dissipação de energia ................................................................... 71 11.6. Caracterização mecânica da interface fibra-matriz ................................................. 73 12. Fadiga cíclica e fluência em materiais cerâmicos e compósitos de matriz cerâmica ............ 75 L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 4 Referências ............................................................................................................................. 76 Outra bibliografia recomendada ............................................................................................. 79 ANEXOS .................................................................................................................................. 80 A. Lista de algumas normas de ensaio para caracterização mecânica de determinados tipos de vidros e cerâmicos tradicionais ............................................................................. 80 B. Lista de algumas normas de ensaio para caracterização mecânica de materiais cerâmicos avançados não reforçados ou monolíticos ......................................................... 81 C. Lista de algumas normas de ensaio para caracterização de compósitos cerâmicos e seus reforços...................................................................................................................... 84 L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 5 1. Introdução Quais as consequências da entrada de um elefante numa loja de porcelanas e de louças, ou numa loja de vidros ou de cristais? Todos sabemos. Uma das características mais conhecidas dos materiais cerâmicos tradicionais e dos vidros não-reforçados, é sua fragilidade. Em geral até podemos dizer que os compósitos de matriz cerâmica (CMC’s) se desenvolveram precisamente por necessidade de melhorar este aspeto menos favorável dos cerâmicos monolíticos. Vidros (sejam eles: sódico-cálcicos, de borosilicato ou Pyrex, ou de sílica quase pura), cerâmicos tradicionais (como por exemplo: o betão, o gesso, o tijolo ou barro vermelho cozido, a faiança e a porcelana, as rochas naturais) e cerâmicos técnicos (como: a alumina, o carboneto de silício, o carboneto de tungsténio) fraturam quase sempre de uma maneira frágil, ou seja, sem mostrarem qualquer evidência de que ocorreu deformação plástica. Quantos de nós não colámos já uma peça cerâmica partida, juntando os cacos de modo a reconstituir a forma da peça original? Usando as colas de colagem rápida e com baixa tensão superficial (as colas de cianoacrilato) é possível que nem se note que a peça está partida. É uma questão de juntar todas as peças e colá-las devidamente. Fig. 1. Este jarrão antigo de porcelana chinesa sofreu um acidente, mas os cacos que se soltaram foram colados e voltaram exatamente para o sítio que antes ocupavam no jarrão. L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 6 Neste Capítulo abordamos as metodologias e as técnicas que têm sido desenvolvidas no sentido de avaliar adequadamente as propriedades e o comportamento mecânicos dos materiais cerâmicos e dos vidros inorgânicos. A abordagem é um pouco diferente do que é habitual, pois recorremos às principais normas e procedimentos que estão disponíveis e, com base nessas normas, fazemos uma digressão pelas diferentes propriedades mecânicas. Achamos que é a partir da observação ou descrição do comportamento dos materiais, que se devem extrair conclusões com interesse para a compreensão dos fenómenos associados ao seu comportamento em serviço. A caracterização mecânica dos materiais cerâmicos, dos vidros cerâmicos e dos compósitos de matriz cerâmica inclui hoje em dia um vasto conjunto de técnicas e constitui uma temática fascinante, exigindo conhecimentos altamente especializados. Em todo o mundo industrializado, a comunidade técnico-científica ligada à Ciência e Tecnologia de Materiais, numerosos grupos de investigação, e vários comités técnicos dos organismos de normalização nacionais e internacionais, têm contribuído para o atual estado do conhecimento, e, acompanhando o desenvolvimento industrial destes materiais, têm desenvolvido um enorme esforço de sistematização do saber acumulado. Existe já um conjunto vasto de Normas com o objetivo de facilitar a correta caracterização, visando garantir a qualidade dos produtos comercializados. Nos Anexos no final de Capítulo apresenta-se uma listagem de Normas dedicadas à caraterização mecânica de materiais cerâmicos e de vidros. Por exemplo na ASTM (American Society for Testing and Materials; hoje ASTM International) o Comité 28 “Cerâmicos Avançados” constituído em 1986 produziu até hoje variadíssimasNormas. Tal como outros comités semelhantes que existem em outros organismos de normalização, esse comité tem como objetivo promover o conhecimento, estimular a investigação e o desenvolvimento de normas (classificações, especificações, nomenclatura, métodos de ensaio) que abordam o processamento e a caracterização das propriedades e do desempenho dos denominados cerâmicos avançados. Os comités técnicos das várias organizações colaboram habitualmente entre si, uma vez que os organismos nacionais e internacionais de normalização têm interesses comuns. Na Tabela 1 resumem-se algumas das normas em vigor em 2016 dedicadas aos cerâmicos avançados do tipo monolítico que foram elaboradas pelo Comité 28 da ASTM. De notar que, para os compósitos de matriz cerâmica, os revestimentos cerâmicos e os cerâmicos porosos, foram desenvolvidas outras normas específicas (algumas das quais serão referidas mais adiante neste Capítulo). É aconselhável efetuar as determinações das propriedades através de normas ou procedimentos recomendados por comités técnicos. As normas preocupam-se com a fiabilidade e rigor das medições experimentais, bem como com a análise da inevitável dispersão dos resultados das medições efetuadas. Como veremos mais adiante, existem até normas específicas para o tratamento estatístico dos resultados. L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 7 Tabela 1. Resumo de algumas das normas em vigor em 2016 elaborados pelo Comité 28 da ASTM e dedicadas aos cerâmicos avançados do tipo monolítico. C 1198 Módulo elástico (em vibração contínua) C 1259 Módulo elástico (excitação por impulsos) C 1161 Resistência à flexão (à temperatura ambiente) C 1211 Resistência à flexão (a alta temperatura) C 1368 Crescimento lento de fenda (à temperatura ambiente) C 1465 Crescimento lento de fenda (a alta temperatura) C 1576 Crescimento lento de fenda (à temp. amb., tensão de rotura) C 1684 Resistência à flexão (provetes cilíndricos) C 1834 Crescimento lento de fenda (a alta temp., tensão de rotura) C 1499 Flexão equibiaxial (à temperatura ambiente) C 1273 Resistência à tração (à temperatura ambiente) C 1291 Fluência, Rotura em fluência C 1361 Fadiga cíclica C 1366 Resistência à tração (a alta temperatura) C 1323 Tensão de rotura em provetes do tipo C-ring C 1424 Resistência à compressão (à temperatura ambiente) C 1322 Fratografia C 1678 Determinação da zona espelho na superfície de fratura C 1421 Tenacidade à fratura (à temperatura ambiente) C 1326 Dureza Knoop C 1327 Dureza Vickers L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 8 A exemplo do que acontece com os outros tipos de materiais usados em engenharia, as propriedades mecânicas dos materiais cerâmicos são hoje apresentadas nos catálogos elaborados pelas empresas fornecedoras dos produtos ou estão disponíveis em inúmeras bases de dados. Podemos recorrer a um exemplo para melhor ilustrar a situação atual. Conforme se mostra na Tabela 2, os principais parâmetros que se usam para caracterizar o comportamento mecânico destes materiais são: - o “módulo de Young”, o “coeficiente de Poisson”, o “módulo de elasticidade ao corte” e o “módulo volumétrico de elasticidade” (parâmetros referentes ao comportamento elástico); - a “tensão de cedência (limite elástico)”, a “tensão de rotura” e a “extensão de rotura”, que caraterizam o comportamento em esforço uniaxial de tração; - a “resistência à compressão”; - o “módulo de flexão” e a “resistência à flexão”; - a “dureza Vickers”; - a “tenacidade à fratura”; - a “resistência à fadiga para 107 ciclos”. Estes parâmetros serão tratados em detalhe mais adiante neste Capítulo. L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 9 Exemplo Apenas a título de exemplo e para salientar a relevância das propriedades mecânicas, na Tabela 2 apresenta-se informação extraída da base de dados CES EduPack 2016 relativa à ficha de um material cerâmico de grande utilização: Tabela 2 Valor mínimo Valor máximo Unidade Preço * 16,7 25,1 EUR/kg Densidade 3,95 4,03 kg/cm3 Porosidade fechada 0 % Porosidade aberta 0 % Propriedades mecânicas Módulo de Young 366 384 GPa Tensão de cedência (limite elástico) * 219 242 MPa Tensão de rotura * 219 242 MPa Extensão de rotura * 0,06 0,07 % Resistência à compressão * 2190 2420 MPa Módulo de flexão (flexural modulus) * 366 384 GPa Resistência à flexão (modulus of rupture) 429 473 MPa Módulo de elasticidade ao corte (shear modulus) * 148 155 GPa Módulo volumétrico de elasticidade (bulk modulus) * 235 246 GPa Coeficiente de Poisson * 0,21 0,27 Dureza Vickers * 656 725 HV Resistência à fadiga para 107 ciclos * 186 217 MPa Tenacidade à fratura (fracture toughness) 6,5 13 MPa.m1/2 Na Tabela 2, os valores assinalados com * foram obtidos por estimativa; enquanto os que restantes resultam diretamente das medições efetuadas através de ensaios específicos. L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 10 Perguntas: Porque razão na Tabela 2 se indicam valores mínimos e valores máximos? Porque razão na Tabela 2 a tensão de cedência e a tensão de rotura apresentam valores máximos e mínimos iguais? A resistência à flexão é um valor que é determinado usando uma determinada norma ou procedimento de ensaio; quantos provetes idênticos do mesmo material devem ser usados para essa determinação? 2. As dificuldades dos ensaios de tração em materiais frágeis Os ensaios de tração ‒ tão generalizados na determinação de parâmetros do comportamento mecânico de materiais metálicos ou de natureza polimérica ‒ são de difícil execução nos materiais cerâmicos. As dificuldades de realização dos ensaios de tração em cerâmicos e vidros advêm fundamentalmente de três tipos de problemas: A) dificuldade nas técnicas de corte e torneamento de provetes; B) dificuldade de obtenção de perfeito alinhamento das amarras; C) necessidade de impedir efeitos mordedura (ou indentação) e concentração de tensões nas zonas de amarração (ligação entre as cabeças do provete e as amarras). As dificuldades do tipo A podem obrigar a que, por vezes, os provetes tenham de ser obtidos praticamente na sua forma final, através dos tradicionais processos de compactação/prensagem e sinterização, podendo, quanto muito, ser submetidos a operações de pequenos desbastes, retificações e polimentos. Os problemas do tipo B são geralmente ultrapassados através da utilização de amarras especiais, por exemplo, amarras hidráulicas auto-alinháveis ou de chumaceiras esféricas de gás. O alinhamento é fundamental para a boa execução dos ensaios. Bressers [1] é autor de um código de procedimento para a medição do grau de desalinhamento provocado por momentos fletores que podem surgir nos provetes quando sujeitos a um carregamento de tipo uniaxial (tração ou compressão). A origem dos momentos fletores e os seus efeitos sobre os resultados dos ensaios são explicados nesse trabalho. Os problemas do tipo C podem ser minimizados por meio de várias soluções como, por exemplo, a utilização de provetes com cabeças coladas (ver exemplo na Figura 2). L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 11 Fig. 2. Fotografia de um ensaio de tração uniaxial executado sobre um provete paralelepipédico com extensómetros (strain gages). Usou-se um sistema de amarração com cardans no qual as extremidades (cabeças) do provete estão coladas por uma resina epoxídica. [2] No entanto, as soluções para os problemas dos tipos B e C podem acarretar custos extraordinariamente elevados que levam a que por vezes se recorra a ensaios alternativos que simulam o esforço de tração pura, deque são exemplos o ensaios de compressão de provete (Fig. 3.a), de flexão de viga com secção com secção especial (Fig. 3.b) ou de flexão de provete “sanduiche” (Fig. 3.c). No caso da compressão de provete na forma de (teta) o provete proporciona um estado uniaxial de tensão no troço central quando é comprimido segundo a direção diametral indicada na Figura 3.a. No caso de provete com secção especialmente calculada, representado na Figura 3.b, consegue-se que a parte inferior do provete possua praticamente um estado uniaxial de tensão quando sujeito a flexão em 4 pontos. O mesmo se passa no provete “sanduiche” representado na Figura 3.c, no qual o material cerâmico que se deseja ensaiar à tração é colocado na parte inferior. L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 12 Fig. 3. Exemplos de ensaios alternativos que simulam o esforço de tração pura: a) Compressão de provete ; b) flexão em 4 pontos de provete com secção especial; c) flexão em 4 pontos de provete do tipo “sanduiche”. 3. Resistência à tração e resistência à compressão Os parâmetros mais usados para caracterizar a resistência de um material a esforços monótonos são: a tensão de cedência (limite elástico), a tensão de rotura, a extensão de rotura, e resistência à compressão; todos eles geralmente expressos em unidades de MPa ou MN/m2. No caso dos materiais com comportamento frágil, a resistência depende muito do modo de carregamento. Conforme se mostra na Figura 4, em tração a denominada “tensão de cedência” (ou limite elástico) coincide com a tensão de rotura. No entanto, a resistência à compressão é muito maior. a) Material a estudar Material de baixo módulo de Young Material de alta resistência à compressão c) Zona de prova b) L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 13 Fig. 4. Curvas tensão vs. extensão para um material cerâmico, quando ensaiado em tração e em compressão. A extensão de rotura é habitualmente referida em relação ao comportamento em tração; representando a percentagem de alongamento no momento da rotura em tração. Em cerâmicos e vidros, a problemática que envolve a realização experimental dos ensaios de tração leva a que outros tipos de ensaios (nomeadamente, ensaios de compressão ou de flexão) sejam de utilização muito mais frequente. A determinação das constantes elásticas (E, , G, etc.) não obriga à realização de ensaios de tração. Aliás, as constantes elásticas podem ser medidas não só através das técnicas de extensometria elétrica de resistência, como também através de métodos vibracionais ou de medição da velocidade de propagação do som. Estes e outros métodos para determinação das constantes elásticas serão abordados mais adiante. Quanto aos parâmetros de rotura que se obtêm a partir da curva σ - (tensão - extensão), nomeadamente a tensão de rotura e a extensão de rotura, há que referir que habitualmente eles são diferentes em esforço uniaxial de tração e em esforço uniaxial de compressão. Devido aos mecanismos de propagação de fendas (defeitos) neste tipo de materiais frágeis, a tensão de rotura à tração é sempre inferior à tensão de rotura em compressão, sendo as diferenças geralmente de 5 a 10 vezes, embora possam nalguns materiais ser até superiores a 10 vezes. Na Figura 5 mostram- se esquematicamente as diferenças de comportamento num caso e noutro. Enquanto que no esforço de tração o parâmetro σR representa a tensão necessária para que a fenda crítica se propague, no esforço de compressão várias fendas podem propagar-se, alterando a sua direção de propagação (devido a propagação em modo misto), com tendência a tomar a direção paralela ao eixo de compressão. Neste caso, a fratura não é causada pela propagação rápida de uma fenda (fenda crítica), mas sim pela extensão progressiva de muitas fendas, que ao encontrarem as suas vizinhas formam uma zona de material fissurado, a qual vai aumentando. T en sã o , σ Extensão, tração compressão declive = E tensão de rotura em tração tensão de rotura em compressão L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 14 Fig. 5. (a) Em tração, é a fenda ou defeito crítico que se propaga instavelmente; (b) Em compressão, várias fendas podem propagar-se. 4. Ensaios com momento fletor Devido às dificuldades, enunciadas na secção 2, de realização dos ensaios com esforço uniaxial de tração (muitas vezes os provetes fraturam no interior das amarras) há uma acentuada tendência para efetuar a determinação de parâmetros do comportamento mecânico utilizando ensaios em fenda que se propaga instavelmente fendas que se propagam estavelmente (a) (b) σ σR σ σ C σ R σ σ σC L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 15 que o provete do material cerâmico é solicitado por flexão simétrica em 3 ou em 4 pontos. Nestes casos, a tensão máxima de tração é obtida na superfície da viga no instante da rotura e é geralmente designada por resistência à flexão ou módulo de rotura (à flexão), σr , sendo: σr = Mr h 2 I (1) em que Mr é o máximo momento aplicado, I é o momento de inércia da secção e h é a altura do provete (ver Figura 6). Poder-se-ia ser levado a pensar que os valores de σr (habitualmente designado em inglês modulus of rupture) seriam iguais aos valores de σR (tensão de rotura à tração). No entanto, tal não se verifica, sendo geralmente σr > σR por razões que envolvem o volume de material sujeito à tensão máxima nos casos de flexão e de tração, e os consequentes efeitos na probabilidade de fratura (relacionada com a probabilidade de existência de um defeito mais crítico num volume maior de material). As diferenças de distribuição de momento fletor (M) e de esforço transverso (V) nos ensaios de flexão simétrica em 3 e em 4 pontos são apresentadas na Figura 6. Face à possibilidade de realização de ensaios de flexão usando um determinado tipo de provete, deve ser dada preferência à utilização de ensaios de flexão em 4 pontos pelas seguintes razões: a) muito maior volume de material sujeito à tensão máxima (uma vez que na flexão em 3 pontos apenas uma pequeníssima porção do provete está sujeita a essa tensão máxima); b) ausência de esforço transverso e consequente obtenção de um esforço de flexão pura na mesma zona referida em a). Fig. 6. Distribuição de esforços na flexão em 3 pontos e na flexão em 4 pontos. s so si h b 𝑠 2⁄ 𝑠𝑜 − 𝑠𝑖 2 Esforço transverso, V Momento fletor, M F 𝐹 2⁄ 𝐹 2⁄ 𝐹 2⁄ 𝐹 2⁄ + 𝐹 2⁄ − 𝐹 2⁄ + 𝐹𝑠 4⁄ Esforço transverso, V + 𝐹 2⁄ − 𝐹 2⁄ Momento fletor, M 𝐹(𝑠𝑜 − 𝑠𝑖) 4 L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 16 Apesar de poder parecer relativamente simples à primeira vista, a realização experimental de ensaios de flexão em materiais frágeis não deixa de apresentar algumas dificuldades, como sejam, a necessidade de se eliminarem efeitos de atrito nos apoios e de se obter perfeito paralelismo entre faces opostas dos provetes a fim de não se introduzir nenhum esforço de torção em torno do eixo longitudinal dos mesmos. Recomenda-se, portanto, a utilização de jigs de flexão totalmente articulados, de modo a permitir auto-alinhamento do provete durante o ensaio. A Figura 7 esquematiza os graus de liberdade que se exigem aos roletes em jigs de flexão totalmente articulados. Os roletes devem ser montados de modo a que seja possível rodarem sobre o seu eixo (por isso se chamam roletes …) e assim se minimizar a influência de esforços devidos ao atrito. Na parte inferior, um dos suportes deve também ser capaz de rodar em torno de um eixo paralelo ao eixo longitudinaldo provete para que o provete se possa alinhar quando sujeito ao carregamento. O rolete ou roletes na parte superior devem possuir as mesmas rotações de modo a garantir que o carregamento é uniforme. As normas de ensaios de flexão para materiais cerâmicos dão indicações precisas sobre as precauções a ter nestes ensaios. Fig. 7. Graus de liberdade que se exigem aos roletes em jigs de flexão totalmente articulados. 4.1. Flexão equibiaxial O ensaio para determinação da resistência à flexão equibiaxial de cerâmicos técnicos é, na nossa opinião, um dos mais interessantes métodos para testar o comportamento mecânico monótono dos materiais frágeis. Habitualmente usa-se o termo comportamento mecânico monótono em oposição ao mecânico dinâmico ou cíclico. Os provetes para este tipo de ensaio são discos circulares ou retângulos com espessura relativamente baixa, de modo a comportarem-se segundo a denominada “teoria das placas”. Na Figura 8 mostra-se um sistema anel-sobre-anel (em inglês, ring-on-ring) usado para ensaios de flexão equibiaxial à temperatura ambiente. O jig que provoca o estado de flexão equibiaxial está colocado entre pratos de compressão de uma máquina de ensaios mecânicos. O provete (neste caso um disco de alumina) é ensaiado por carregamento entre dois anéis concêntricos de diâmetros diferentes. L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 17 Fig. 8. Aspeto de uma montagem entre pratos de compressão para realização de um ensaio do tipo anel-sobre-anel. Para se efetuarem ensaios do tipo anel-sobre-anel a temperatura alta, o jig é construído com materiais resistentes a essa temperatura. A Figura 9 mostra um esquema de montagem para ensaios até 1300°C. Fig. 9. Esquema de montagem para ensaio do tipo anel-sobre-anel a alta temperatura (1300°C). O sistema anel-sobre-anel cria uma zona no provete em que o estado de tensão é do tipo equibiaxial, ou seja, uma zona em que as tensões principais no plano do provete são iguais (σ1 = σ2). Essa zona em estado equibiaxial restringe-se à parte do provete que fica no “interior” do anel menor. Para melhor compreensão do fenómeno e dos critérios de fratura de materiais frágeis L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 18 quando sujeitos a um estado de tensão biaxial (ver Figura 10) recomenda-se a leitura da bibliografia indicada no final do Capítulo. Fig. 10. Fenda inclinada num estado de tração biaxial. No caso de σ1 = σ2 o estado denomina-se equibiaxial. Se considerarmos coordenadas polares (r, ) para representar as componentes do estado de tensão, pode afirmar-se que, para os pontos situados a uma distância 𝑟 ≤ 𝑅𝑖 = 𝐷𝑖 2 num ensaio anel-sobre- anel, as componentes radial (𝜎𝑟) e tangencial (𝜎𝜃) são iguais, sendo o seu valor máximo em tração (na superfície do provete que fica oposta ao anel menor) dado por: σmáx = 3 F 2 π h2 × [(1 − ) DS 2 − Di 2 2 D2 + (1 + ) ln DS Di ] (2) representando: F a força aplicada; 𝐷𝑆 o diâmetro do anel maior ou de suporte; 𝐷𝑖 o diâmetro do anel menor ou interior; 𝐷 o diâmetro do provete (disco); ℎ a espessura do provete; o coeficiente de Poisson do material do provete. L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 19 Exemplo Como se comportam em ensaio de flexão equibiaxial provetes idênticos de alumina pura? Na Figura 11 mostra-se o aspeto geral de um conjunto de discos de alumina pura que foram sujeitos a ensaio anel-sobre-anel à temperatura ambiente. . Fig. 11. Conjunto de discos de alumina pura que foram sujeitos a ensaio do tipo anel-sobre- anel. Foram ensaiados 21 discos. Verificou-se que os discos eram geometricamente iguais. As dimensões dos provetes (discos de alumina) e dos anéis do jig de flexão, são as seguintes: 𝐷(diâmetro do provete disco) = 29.2 mm; ℎ (espessura do provete) = 1.9 mm; 𝐷𝑆 (diâmetro do anel maior ou de suporte) = 24.1 mm; 𝐷𝑖 (diâmetro do anel menor ou interior) = 12.0 mm. A Tabela 3 resume os valores de σmáx calculados para a força aplicada no momento da rotura, ou seja, a tensão de rotura (ou MOR) em estado equibiaxial, considerando as dimensões acima referidas e o coeficiente de Poisson da alumina = 0.25. Tabela 3. Valores de força máxima e MOR em ensaio de flexão equibiaxial. disco F máx (N) MOR (MPa) disco F máx (N) MOR (MPa) #1 1793,99 251,04 #12 2291,06 320,60 #2 2097,33 293,49 #13 1915,59 268,06 #3 1997,02 279,45 #14 146,68 20,53 #4 2337,09 327,04 #15 1606,13 224,75 #5 1007,17 140,94 #16 2257,96 315,97 #6 1128,50 157,92 #17 274,37 38,39 #7 2094,12 293,04 #18 1067,15 149,33 #8 3718,43 520,34 #19 1175,45 164,49 #9 2163,89 302,80 #20 699,48 97,88 #10 2473,79 346,17 #21 64,19 8,98 #11 3816,65 534,08 L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 20 Perguntas: Como se explica a grande variação dos valores de resistência? Consegue identificar na Tabela 3 um ou mais provetes nos quais a resistência mecânica se revelou extraordinariamente baixa? Quais as possíveis razões para esses resultados de resistência demasiado baixa? 4.2. Provetes do tipo C-ring A geometria dos provetes do tipo C-ring (ver Figura 12) proporciona a determinação da tensão de rotura de cerâmicos e vidros que sejam produzidos na forma tubular. Para minimizar os efeitos devidos ao volume de material ensaiado (ver Secção 6.2) os provetes devem refletir, tanto quanto possível, a microestrutura e a população de defeitos da peça cujo comportamento mecânico pretendemos caracterizar. Fig. 12. Detalhes da geometria de um provete do tipo C-ring, e indicação do ângulo para o ponto de iniciação da fratura. Segundo a norma ASTM C 1323, a largura b do provete deve satisfazer a condição: 1 ≤ 𝑏 𝑟o − 𝑟i ≤ 4 (3) estando as dimensões b, 𝑟o e 𝑟i, definidas na Figura 12. b L σmax ri ro r F F L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 21 A altura do rasgo (L) deve ser pelo menos igual ao valor de b, para garantir que é maior que o deslocamento que se atinge nessa zona no momento da rotura, ou seja, para garantir que as superfícies superior e inferior do rasgo não contactam uma com a outra até ao momento da rotura do provete. A expressão usada para calcular a tensão de rotura (tensão máxima em tração segundo a direção da geratriz do anel) é a seguinte: 𝜎θ𝑚𝑎𝑥 = 𝐹 𝑅 𝑏 𝑡 𝑟o ( 𝑟o − �̅� �̅� − 𝑅 ) (4) em que F é o valor máximo da carga de compressão; 𝑡 = 𝑟o − 𝑟i ; sendo R e �̅� calculados pelas expressões: 𝑅 = (𝑟o − 𝑟i) 𝑙𝑛 ( 𝑟o 𝑟i ) (5) �̅� = (𝑟o + 𝑟i) 2 (6) A Eq.(4) é usada assumindo que todas as roturas têm origem na zona exterior do anel em pontos ao longo da geratriz correspondente a um ângulo = 0. No entanto, caso se verifique através de análise fratográfica que a rotura teve origem noutro ponto, o valor da tensão de rotura pode ser calculado através da expressão geral para o estado de tensão em função do raio r e do ângulo : 𝜎θ = 𝐹 𝑅 𝑏 𝑡 𝑟 ( 𝑟 − �̅� �̅� − 𝑅 ) cos θ (7) 5. Caracterização do comportamento elástico Módulo de Young, E Nos materiais com comportamento elástico de tipo linear, a deformação é proporcional à força ou tensão (força por unidade de área), mas há que distinguir os vários tipos básicos de tensões e de deformações (Figura 13). No caso de um esforço uniaxial (Figura 13.a), o regime de comportamento elástico é caracterizado pelo facto da extensão linear 𝜀 (deformação por unidade de comprimento) ser diretamente proporcional à tensão normal 𝜎, tal que: 𝜎 = 𝐸. 𝜀 (8) sendo a constante de proporcionalidade E denominada módulo de Young. No caso de uma solicitação uniaxial em tração, queros valores de 𝜎 como os de 𝜀 são considerados como sendo positivos (i.e. com sinal +). No entanto, a Eq.(8) é também válida para solicitações de compressão uniaxial, embora nestes casos 𝜎 e 𝜀 sejam considerados como tendo sinal – (i.e. valor negativo). L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 22 (a) (b) (c) Fig. 13. (a) tensão normal, 𝜎 = 𝐹 𝐴 ; (b) tensão de corte, 𝜏 = 𝐹𝑠 𝐴 ; (c) pressão hidrostática, p. O módulo de Young (E) é a constante elástica mais medida nos materiais. Em monocristais (mesmo do sistema cúbico) o valor de E depende da orientação do cristal, pelo que os módulos elásticos são apresentados numa matriz em função da orientação cristalina. No entanto, os cerâmicos policristalinos com orientação aleatória de grão e os cerâmicos amorfos (vidros) são considerados isotrópicos em termos de elasticidade, pelo que o valor de E não varia com a direção do esforço. Se porventura os cerâmicos policristalinos apresentarem algum tipo de textura, o módulo de Young pode eventualmente variar com a direção do esforço. Módulo de elasticidade ao corte ou módulo de Coulomb (shear modulus), G No caso do material ser solicitado apenas em modo de torção (ver Figura 13.b) o comportamento elástico manifesta-se de modo que a um dado valor da tensão de corte 𝜏 corresponde uma distorção 𝛾, segundo a relação: 𝜏 = 𝐺. 𝛾 (9) em que G representa o módulo de elasticidade ao corte ou módulo de Coulomb (muitas vezes também denominado módulo de rigidez ou módulo de torção). Módulo volumétrico de elasticidade (bulk modulus), K O módulo volumétrico de elasticidade (em inglês, bulk modulus) representa a constante de proporcionalidade entre o valor da pressão hidrostática 𝑝 (ver Figura 13.c) e o valor da variação de volume por unidade de volume, Δ𝑉 𝑉0 , segundo a relação: 𝑝 = 𝐾 Δ𝑉 𝑉0 (10) em que K é o módulo volumétrico de elasticidade, 𝑉0 é o volume inicial e Δ𝑉 é a variação de volume sofrida pelo provete sob a ação da pressão 𝑝 (a qual tem o mesmo valor em todas as direções). F F FS FS FS p p p p p p L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 23 Coeficiente de Poisson, 𝝂 Um material quando é esticado por um esforço de tração uniaxial aplicado segundo uma dada direção, geralmente contrai (encolhe) nas direções transversais (laterais). O coeficiente de Poisson é definido como sendo o valor positivo que satisfaz a relação: = ‒ 𝜀𝑡𝑟 𝜀 (11) em que 𝜀𝑡𝑟 representa a extensão lateral ou transversal, e 𝜀 representa a extensão segundo a direção do esforço uniaxial aplicado. 5.1. Relações entre E, G, K e 𝜈 Quando um material é suficientemente homogéneo e isótropo, são válidas as seguintes relações entre E, G, K e : 𝐺 = 𝐸 2 (1 + ) (12) 𝐾 = 𝐸 3 (1‒ 2) (13) Os módulos E, G e K têm as mesmas unidades que a tensão ou força por unidade de área (N/m2 ou Pa). No entanto, é conveniente apresentar os valores em 109 Pa, Giga-pascal ou GPa. 5.2. Métodos para a determinação de E, G e A medição de E pode ser realizada através de leituras diretas da tensão e de deformação, e posterior cálculo através da Eq.(8). Enquanto que os valores de 𝜎 são obtidos a partir da força aplicada e da geometria do provete, a determinação dos valores de 𝜀 requer especial cuidado pelo facto de serem habitualmente muito pequenos e sujeitos a imprecisões. À temperatura ambiente e até temperaturas moderadas, podem usar-se extensómetros elétricos de resistência (Figura 14). Para temperaturas altas, há que usar extensómetros especiais. L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 24 Fig. 14. Extensómetros elétricos (strain gages) com 5 mm de comprimento colados em faces opostas de um provete. [2] Através da técnica de extensometria de resistência elétrica, quer o módulo de Young quer o coeficiente de Poisson podem ser determinados em tração uniaxial (Figura 2) ou em compressão uniaxial (Figura 15). Fig. 15. Fotografia de um ensaio de compressão uniaxial executado sobre um provete paralelepipédico com extensómetros (strain gages). [2] Conforme em seguida se explica com mais detalhe, o módulo de Young pode também ser determinado recorrendo a métodos de ressonância (vibração) e a técnicas de medição da velocidade de propagação de ultrassons. L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 25 Métodos de ressonância Os métodos de ressonância permitem a determinação das propriedades elásticas em modo dinâmico (em oposição aos denominados ensaios monótonos ou em modo estático) e baseiam-se no facto do provete de um material possuir frequências de ressonância das vibrações mecânicas bem definidas as quais são determinadas pelas propriedades elásticas do material (módulos de elasticidade), pela massa do provete e pela sua geometria. Deste modo, as propriedades elásticas de um material podem ser calculadas a partir do conhecimento da geometria, da massa e das frequências de ressonância de um dado provete (com geometria paralelepipédica ou cilíndrica). O módulo de Young dinâmico (E) é calculado usando a frequência de ressonância em modo de vibração em flexão ou em modo de vibração longitudinal. O módulo de elasticidade ao corte (G) é calculado usando vibrações de torção. Uma vez determinados os valores de E e de G, pode então calcular-se o coeficiente de Poisson (𝜈) usando a Eq.(12), ou seja, escrevendo-a de outra forma: = 𝐸 2 𝐺 ‒ 1 (14) Existem normas específicas para a realização destes ensaios, podendo usar-se provetes paralelepipédicos (secção retangular) ou discos (secção circular). Entre os equipamentos mais usados para determinação de E e de G encontram-se os modelos “Resonant Frequency and Damping Analyser (RFDA)” e os modelos GrindoSonic®. Estes equipamentos usam a técnica de impulsos de excitação. No caso de um provete paralelepipédico (com comprimento L, largura b e espessura h) a norma ASTM C 1259 indica que o módulo de Young E e o módulo de Coulomb G podem ser calculados através das expressões: 𝐸 = 0.9465 𝑚 𝑓𝑓 2 𝑏 ( 𝐿3 ℎ3 ) 𝑇1 (15) 𝐺 = 4 𝐿 𝑚 𝑓𝑇 2 𝑏 ℎ 𝑇2 (16) em que 𝑓𝑅 representa a frequência fundamental de ressonância do provete em flexão; 𝑓𝑅 representa a frequência fundamental de ressonância do provete em torção; m é a massa do provete; 𝑇1 e 𝑇2 são fatores de correção que atendem às dimensões dos provetes e que estão definidos na norma. No entanto, através do software do equipamento, uma vez introduzidos os valores referentes às dimensões, o cálculo de E e G é automático. No caso de provetes cilíndricos, com diâmetro D e comprimentos L, as fórmulas são outras: 𝐸 = 1.6067 𝑚 𝑓𝑓 2 ( 𝐿3 𝐷4 ) 𝑇3 (17) 𝐺 = 16 𝐿 𝑚 𝑓𝑇 2 𝜋 𝐷2 (18) L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 26 estando também o fator de correção 𝑇3 definido na norma ASTM C 1259 ou em norma equivalente, por exemplo, EN 843-2. Medição da velocidade de propagação do som A velocidade de propagação de ondas sonoras no interior de um material depende das suas propriedades elásticas. Usando um equipamento de ultrassons, podem gerar-se ondas longitudinais e determinar-se a sua velocidade de propagação (𝑣𝑙 ) num provete do material que se deseja estudar. O equipamento eletrónico (PUNDIT: “Portable Ultrasonic Nondestructive Digital Indicating Tester”, da C.N.S. Electronics Ltd., Inglaterra) mostrado na Figura 16, possui um gerador de impulsos ultrassónicos e dois transdutores eletroacústicos (emissor e recetor), sendo possível medir o tempo de transito entre os dois transdutores que estão colocados um em frente do outro e perfeitamente acoplados ao provete.Dividindo o tempo de transito pela distância entre os transdutores, obtém-se a velocidade de velocidade de propagação (𝑣𝑙 ). Fig. 16. Medição da velocidade de propagação de impulsos ultrassónicos. [2] Segundo a norma ASTM C 597 [3], a relação entre 𝑣𝑙 e E é dada pela equação: 𝑣𝐿 = √ 𝐸(1 − ) 𝜌 (1 + )(1 − 2) ≈ √𝐸 𝜌⁄ (19) em que 𝜌 é a densidade do material e o seu coeficiente de Poisson. Caso se considere a relação: 𝑣𝐿 = 𝐶 ′ √𝐸 𝜌⁄ (20) verifica-se que: 𝐶′ = 1.05 para v = 0.2; 𝐶′ = 1.10 para v = 0.25; 𝐶′ = 1.16 para v = 0.3. A comparação dos valores das constantes elásticas obtidos no mesmo material através de vários métodos mostra que existem diferenças que podem ser significativas [2]. L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 27 6. Aspetos estatísticos importantes para a análise dos resultados de resistência mecânica Se ensaiarmos um determinado número de provetes iguais de um mesmo material frágil, verificamos que a sua resistência mecânica apresenta uma dispersão considerável de provete para provete. Essa dispersão é muito superior ao que é habitual encontrar nos materiais metálicos. Assim, para se avaliar corretamente a resistência de um dado material frágil é necessário testar um número elevado de provetes. Na Figura 17 comparam-se as distribuições de resistência (𝜎, habitualmente a tensão de rotura em MPa) de um material cerâmico (frágil) e de um material metálico (dúctil). Fig. 17. Comparação das distribuições de resistência, σ, de um material cerâmico (frágil) e de um material metálico (dúctil). Enquanto que nos materiais dúcteis (i.e., em que a rotura envolve mecanismos de plasticidade) a distribuição dos valores experimentais de tensão de rotura se ajusta razoavelmente a função normal ou de Gauss, nos materiais frágeis (i.e., em que a rotura não revela plasticidade apreciável) é a distribuição do denominado defeito crítico que decide a distribuição dos valores de tensão de rotura. No caso dos materiais frágeis, o modelo adotado é o da teoria do elo mais fraco (weakest link model, em inglês). Para efeitos do tratamento estatístico dos resultados de resistência mecânica de materiais frágeis, existem documentos de referência: a norma ASTM C 1239, a Norma europeia EN 843-5, e a norma ISO 20501. O objetivo de todas elas é simplesmente especificar o método de análise estatística de resultados de resistência mecânica de materiais cerâmicos em termos de uma única distribuição de Weibull a dois parâmetros, assumindo que a dimensão de cada amostra estatística (conjunto de resultados obtidos sob condições nominalmente idênticas) é suficiente para se efetuar a análise. 6.1. Distribuição de Weibull a dois parâmetros A caracterização da resistência mecânica de materiais frágeis, com comportamento linear elástico até à rotura/fratura, é geralmente realizada assumindo que as variáveis tensão de rotura e extensão L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 28 de rotura − de uma série de experiências efetuadas em condições nominalmente idênticas − se ajustam bem a uma distribuição de Weibull a dois parâmetros. Será conveniente recordar aqui a definição de função de densidade de probabilidade. Assim, a função f(x) de uma variável aleatória contínua é uma função de densidade de probabilidade se cumprir os seguintes critérios: f(𝑥) ≥ 0 (21) e ∫ f(x) dx = 1 +∞ −∞ (22) Por seu turno, a probabilidade P da variável x assumir valores entre a e b é dada por: P(a ≤ x ≤ b) = ∫ f(x) dx = F(b) − b a F(a) (23) em que F representa a função de distribuição. Uma variável aleatória contínua x segue uma distribuição de Weibull a dois parâmetros se a função de densidade de probabilidade f(x) for representada por: f(x) = ( m β ) ( x β ) m−1 exp [− ( x β ) m ] para x > 0 (24) f(x) = 0 para x ≤ 0 (25) e a função de distribuição F(x) é dada por: F(x) = 1 − exp [− ( x β ) m ] para x > 0 (26) ou F(x) = 0 para x ≤ 0 (27) em que: m é o denominado módulo de Weibull (ou parâmetro de forma) β é o parâmetro de escala (>0). No caso da variável x representar os valores de tensão de rotura (σr) dos provetes ensaiados, só se admitem valores positivos para a variável. Assim, a probabilidade Pr (função de distribuição empírica) de um provete romper com um valor de tensão σ é representada pela seguinte equação: Pr = 1 − exp [− ( σ σo ) m ] (28) L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 29 onde σo é o parâmetro de escala (também denominado “valor característico de resistência mecânica”). Para os valores de extensão de rotura (εr), obtém-se uma equação idêntica à Eq.(28). Logaritmizando duas vezes a Eq. (28) e dando-lhe outra forma, chega-se à seguinte relação: ln (−ln (1 − Pr)) = − m ln σo + m ln σ (29) Assim, ao representarem-se graficamente os valores de ln (−ln (1 − Pr)) versus ln σ os resultados deverão teoricamente ajustar-se uma reta cujo declive é o módulo de Weibull m, e a ordenada na origem (i.e. para ln σ = 0) é − m ln σo . Por outro lado, m ln σo = m ln σ para ln (−ln (1 − Pr)) = 0 (30) ou seja, σo = σ para ln (−ln (1 − Pr)) = 0 (31) e como: ln (−ln (1 − Pr)) = 0 para Pr = 1 − 1 e⁄ = 0.632 (32) sendo o número de Euler e ≈ 2.71828, constata-se que o parâmetro de escala denominado “valor característico de resistência mecânica”, σo , representa o valor de tensão de rotura que corresponde a um valor de Pr = 63,2 % Exemplo Como estimar os valores dos parâmetros de uma distribuição de Weibull? Vamos assumir como representativos do comportamento da alumina todos os valores de MOR que constam na Tabela 3 com exceção dos obtidos com os discos #14, # 17 e #21, uma vez que estes discos apresentaram defeitos extrínsecos evidentes que causaram a sua rotura prematura. Assim, em vez de 21 resultados de MOR vamos considerar apenas os 18 valores de MOR indicados na Tabela 4. Tabela 4. Valores de MOR em ensaio de flexão equibiaxial usados para caracterizar o comportamento da Alumina referida anteriormente na Tabela 3. disco MOR (MPa) disco MOR (MPa) #1 251,04 #12 320,60 #2 293,49 #13 268,06 #3 279,45 #4 327,04 #15 224,75 #5 140,94 #16 315,97 #6 157,92 #7 293,04 #18 149,33 #8 520,34 #19 164,49 #9 302,80 #20 97,88 #10 346,17 #11 534,08 L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 30 Segundo as normas atualmente em vigor, os parâmetros da distribuição de Weibull ajustada aos resultados de resistência mecânica devem ser estimados através do método da máxima verosimilhança. Estudos recentes [4] [5] [6] mostram que a realização de estimativas dos parâmetros de Weibull através do método de máxima verosimilhança constitui em si mesmo uma ferramenta poderosa que permite distinguir entre diferentes populações de origens dos defeitos-críticos (por exemplo, distinguir defeitos intrínsecos de defeitos extrínsecos). O método da máxima verosimilhança para estimação de parâmetros de distribuições está implementado na maioria dos softwares estatísticos. Entre estes, recomenda-se o programa R da Free Software Foundation’s GNU (General Public License) disponível na Internet [7]. Através do software R é possível ajustar uma distribuição de Weibull a dois parâmetros (m e β) aos valores de MOR indicados na Tabela 4, obtendo-se as estimativas e respetivos erros padrão (indicados entre parêntesis): m, parâmetro de forma (shape) ou módulo de Weibull = 2.6 (± 0.5) β, parâmetro de escala (scale) = 313.65 (± 30.19) MPa O software R também fornece o histograma e a função de densidade (função Weibull) ajustada aos valores conforme se mostra na Figura 18.Fig. 18. Histograma e função de densidade ajustada aos valores da Tabela 4. L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 31 Exercício: Para cada um dos intervalos indicados no histograma da Figura 18, indique o número de resultados de MOR que constam da Tabela 4. Intervalo de MOR (MPa) Nº de resultados na Tabela 4 0 a 100 100 a 200 200 a 300 300 a 400 400 a 500 > 500 Total = 18 6.2. Efeitos de volume e de superfície Nos materiais frágeis, a resistência à rotura depende do tamanho e da distribuição das fendas, estejam elas no interior ou na superfície do material. Peças de maior dimensão, sujeitas a esforço aplicado num maior volume (ou área) apresentarão em princípio um maior número de fendas (ou defeitos concentradores de tensão), e por isso terão uma maior probabilidade de ativar uma fenda- crítica de maior dimensão (originando uma menor resistência à rotura). A extrapolação dos resultados obtidos em pequenos provetes para serem aplicados nas peças maiores usadas em serviço é um assunto importante uma vez que há que considerar vários efeitos, como tais o efeito de volume, o efeito do gradiente ou da concentração de tensões, e o efeito das multiaxialidade das tensões. Extraídos da literatura existente [8] [9] [10] [11], apresentamos a seguir alguns modelos teóricos para prever a resistência à rotura que têm em conta as condições de carregamento. Assim, se assumirmos que a resistência à rotura é determinada pelos defeitos presentes num volume V sujeito a tensões positivas, podemos considerar que a probabilidade Pf de um provete romper num determinado volume V pode ser calculada pela expressão: Pf = 1 − exp [− ∫ ( σ σo ) m dV V ] (33) No entanto, existem situações em que o processo de fratura é controlado por defeitos essencialmente superficiais, i.e., existentes numa área superficial A sob tensões positivas; então, nestes casos, a expressão adequada para cálculo da probabilidade Pf é: Pf = 1 − exp [− ∫ ( σ σo ) m dA A ] (34) L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 32 Os efeitos da dimensão do provete e do estado de tensão podem ser analisados usando os conceitos de “volume efetivo” e de “área efetiva” os quais têm em conta a distribuição de tensões. Assim, as Equações (33) e (34) podem ser reescritas, tomando a forma: Pf = 1 − exp [− Vef ( σmax σo ) m ] (35) Pf = 1 − exp [− Aef ( σmax σo ) m ] (36) em que σmax é a máxima tensão presente no material; Vef é o volume efetivo; e Aef é a área efetiva. O volume efetivo e de área efetiva são calculados através de integrais em que a tensão aparece como função da sua localização no corpo do material: Vef = ∫ ( σ σmax ) m dV V (37) Aef = ∫ ( σ σmax ) m dA A (38) Quando a probabilidade de rotura é calculada em termos de volume efetivo ou de área efetiva, os efeitos da dimensão do provete e do estado de tensão são tidos em conta. Deste modo é possível comparar teoricamente as resistências de cerâmicos e vidros quando se muda de configuração do provete ou quando se muda a distribuição do estado de tensão. Por exemplo: σf1 σf2 = ( Vef2 Vef1 ) 1/m (39) σf1 σf2 = ( Aef2 Aef1 ) 1/m (40) em que: σf1 e σf2 são as resistências dos provetes do tipo 1 e do tipo 2 (os quais podem ter diferentes tamanhos e distribuições de tensão); Vef1 e Vef2 são os volumes efetivos; Aef1 e Aef2 são as áreas efetivas; e m é o módulo de Weibull. Como tipicamente todos os valores de m determinados em materiais frágeis se situam no intervalo 3 < m < 20, as Equações (39) e (40) confirmam que os provetes ou peças de maiores dimensões são menos resistentes (devido à maior probabilidade de nelas se encontrarem maiores fendas-críticas). Por exemplo, se considerarmos que Vef2 = 2 Vef1 ou Aef2 = 2 Aef1 os rácios σf1 σf2⁄ serão sempre superiores a 1 conforme se mostra na Tabela 5. Se as diferenças de volumes ou áreas efetivas foram ainda maiores também as diferenças de resistência serão maiores. L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 33 Tabela 5. Valores dos rácios σf1 σf2 calculados através das Equações (39) e (40) considerando diferentes valores de m e de Vef2 Vef1 ou de Aef2 Aef1 . m = 3 m = 5 m = 10 m = 20 m = + Vef2 = 2 Vef1 1.26 1.15 1.07 1.04 1 Aef2 = 2 Aef1 Vef2 = 5 Vef1 1.71 1.38 1.17 1.08 1 Aef2 = 5 Aef1 Vef2 = 10 Vef1 2.15 1.58 1.26 1.12 1 Aef2 = 10 Aef1 Através de métodos numéricos é possível calcular o volume efetivo Vef e a área efetiva Aef para vários tipos de provetes e configurações de carregamento. Não cabe neste Capítulo apresentar os detalhes envolvidos no cálculo de cada uma das situações, pelo que, a título de exemplo, apenas se revelam as soluções teóricas encontradas para três comparações: 1) Provetes paralelepipédicos de igual secção: Comparação entre a resistência em ensaio de tração uniaxial, σt , e a resistência em ensaio de flexão em 4 pontos, σ4p , assumindo que o comprimento de prova em tração é igual à distância entre roletes interiores na flexão em 4 pontos, e considerando que os defeitos críticos se distribuem no volume do provete [11]: σ4p σt = [ 4 (m + 1)2 m + 2 ] 1/m (41) 2) Provetes cilíndricos de igual diâmetro (assumindo que os defeitos críticos se localizam na superfície): Comparação entre a resistência em ensaio de tração uniaxial, σt , e a resistência em ensaio de flexão em 4 pontos, σ4p , assumindo que o comprimento de prova em tração é igual à distância entre roletes interiores na flexão em 4 pontos, e considerando que os defeitos críticos se distribuem apenas pela superfície do provete [9]: σ4p σt = [ 2 π1/2 [(m + 2)/2] [(m + 1)/2] ] 1/m (42) em que [ ] representa a função Gama: (z) = ∫ xz−1 ∞ 0 e−x dx (43) L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 34 3) Provetes cilíndricos de igual diâmetro (assumindo que os defeitos críticos se localizam na superfície): Comparação entre a resistência em ensaio de flexão em 4 pontos, σ4p , e a resistência em ensaio de flexão em 3 pontos, σ3p , assumindo a mesma distância entre roletes interiores na flexão em 4 pontos e entre roletes exteriores na flexão em 3 pontos, e considerando que os defeitos críticos se distribuem apenas pela superfície do provete [9]: σ4p σ3p = ( 1 m + 1 ) 1/m (44) Para efeitos de comparação, na Tabela 6 apresentam-se alguns valores calculados através das Equações (41), (42) e (44) para diferentes valores de m . Tabela 6. Valores calculados através das Equações (41), (42) e (44) considerando diferentes valores de m . m = 3 m = 5 m = 10 m = 20 m = + σ4p σt pela Eq. (41) 2.34 1.83 1.45 1.25 1 σ4p σt pela Eq. (42) 1.68 1.43 1.23 1.13 1 σ4p σ3p pela Eq. (44) 0.63 0.70 0.79 0.86 1 6.3. Considerações sobre a análise dos resultados Os métodos de análise estatística dos resultados experimentais devem ser vistos como uma ferramenta poderosa (a exemplo de uma sonda ou um microscópio). No entanto, não se devem confundir dois assuntos que efetivamente são diferentes: 1) Um assunto é proceder à estimação dos valores dos parâmetros da distribuição da variável que está a ser analisada (tensão de rotura ou extensão de rotura), assumindo que essa variável segue uma única distribuição de Weibull a 2-parâmetros. O método aconselhado para se efetuar a estimação dos parâmetros é o método da máxima verosimilhança1, embora muitos investigadores apenas usem o denominado “método gráfico” (simples representação dos pontos experimentais num gráfico de Weibull do tipo apresentado na Fig. 40), ajustando uma reta aos pontos e determinando os parâmetros (deforma ou módulo de Weibull m e o parâmetro de escala σo ou εo) a partir da equação da reta. 2) Como por vezes num gráfico de Weibull os pontos experimentais se desviam da reta ajustada, outro assunto é avaliar a adequabilidade de se considerar que uma única distribuição de Weibull é a melhor solução teórica. De facto, alguns estudos [4] [5] mostram que em certos casos o comportamento da variável (por exemplo, observando os pontos experimentais num gráfico de Weibull) é melhor explicado através de uma mistura de duas ou mais distribuições de Weibull. L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 35 7. Tenacidade à fratura Desenvolvido pela disciplina de Mecânica da Fratura, o parâmetro denominado tenacidade à fratura KIc (fracture toughness, em inglês) representa a resistência de um material à propagação de uma fenda e é assumido como sendo uma propriedade intrínseca do material que é determinada experimentalmente usando condições de estado plano de deformação (plane strain, em inglês) procurando-se, por razões ligadas à sua utilidade em projeto mecânico, que o valor de KIc seja minimalista. No Sistema Internacional, a tenacidade à fratura é habitualmente apresentada em unidades de MPa.m1/2. A designação “tenacidade à fratura” não deve ser confundida com “tenacidade ao entalhe”. Esta outra designação é muitas vezes usada para os resultados obtidos dos ensaios de impacto realizados com provetes com entalhe, nomeadamente ensaios Charpy ou Izod, e tem unidade em joules (J). A Mecânica da Fratura assume que o material contém fendas e outros defeitos concentradores da tensão mecânica (poros, inclusões, microfissuras). No entanto, excluem-se os defeitos a nível atómico, como as lacunas e as deslocações. O principal objetivo é determinar o valor máximo da tensão que um material pode suportar em face da presença de uma descontinuidade geométrica (em inglês usa-se o termo flaw). A descontinuidade geométrica tem de estar bem caracterizada não só em termos da sua dimensão como também da geometria da peça em que se insere. Na prática, o valor de 𝐾𝐼𝑐 é medido através um ensaio realizado sobre um provete que contém uma fenda introduzida deliberadamente, de modo que se conhece o seu comprimento a. Ensaiando o provete de forma monótona, ou seja, aumentando gradualmente a tensão aplicada, regista-se a tensão máxima σmax ou a força máxima Fmax que provocam a propagação súbita da fenda. O valor crítico do fator de intensidade de tensão é dado por qualquer uma das seguintes expressões: 𝐾𝐼𝑐 = 𝑌1 σmax√𝜋. 𝑎 (45) 𝐾𝐼𝑐 = 𝑌2 Fmax 𝑏. 𝑤 √𝜋. 𝑎 (46) em que 𝑌1 e 𝑌2 são fatores geométricos, com valores próximos de 1 mas que dependem da geometria do provete e do tipo de carregamento; b e w representam a espessura e a largura do provete. Medida desta maneira, a tenacidade à fratura 𝐾𝐼𝑐 apresenta valores bem definidos quando se trata de materiais frágeis (como é o caso dos cerâmicos, dos vidros, e de alguns polímeros que são frágeis). No caso dos materiais dúcteis, desenvolve-se uma zona plástica em redor da extremidade da fenda. Se essa zona plástica for pequena quando comparada com todas as outras dimensões do provete, a determinação de 𝐾𝐼𝑐 permanece válida; caso contrário, é necessário recorrer a uma metodologia mais complexa. De acordo com a teoria da Mecânica da Fratura, o valor de 𝐾𝐼𝑐 corresponde à sua determinação em condições de estado plano de deformação, e o seu valor já não depende da espessura do provete. Por isso, o valor de 𝐾𝐼𝑐 é considerado uma propriedade intrínseca do material. A capacidade de um material resistir à propagação de uma fenda depende de vários fatores. Maiores comprimentos de fenda fazem reduzir a tensão máxima que pode ser aplicada ao material. Por isso, as técnicas de prensagem isostática a quente aplicadas no fabrico de cerâmicos por pulverotecnologia reduzem o tamanho dos defeitos e melhoram a sua tenacidade à fratura. Num material do tipo monolítico (i.e., que não é um compósito) a obtenção de um menor tamanho de L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 36 grão provoca um aumento da tenacidade à fratura. Também em certos materiais cerâmicos é possível tirar vantagem de certas transformações de fase que induzem a presença de tensões compressivas no interior do material e que fazem aumentar a sua tenacidade à fratura. 7.1. Métodos-standard para determinação da tenacidade à fratura É aconselhável efetuar a determinação de 𝐾Ic segundo uma norma. Ao longo dos anos os métodos têm vindo a ser melhorados e hoje em dia há acordo no que respeita aos métodos recomendados, os quais utilizam uma fenda de geometria bem definida, uma boa configuração de carregamento (a flexão simétrica em 4 pontos) e soluções rigorosas para o cálculo do fator de intensidade de tensão (K). De acordo com as normas publicadas pelas principais organizações de normalização (ASTM, CEN, ISO), existem três métodos que recorrem a ensaios de flexão em 4 pontos mas que diferem do tipo de fenda que é introduzida no provete (ver Figura 19). Assim, podem usar-se: A) Provetes do tipo viga de secção retangular com fenda lateral introduzida artificialmente (precracked beam test specimen), em que a fenda tem uma frente direita e atravessa a totalidade da espessura do provete (straight through crack). B) Provetes do tipo viga de secção retangular com fenda lateral introduzida por indentação (surface crack in flexure) de modo que a fenda tem uma frente semielíptica (semi-elliptical surface crack). C) Provetes do tipo viga de secção retangular com entalhe do tipo chevron (chevron- notched beam test specimen) em que a fenda se propaga a partir da ponta do chevron. Fig. 19. Geometria das fendas ou entalhes em provetes para determinação de 𝐾𝐼𝑐 através de ensaios de flexão em 4 pontos: (A) fenda com frente direita e que atravessa a totalidade da espessura do provete; (B) fenda semielíptica introduzida por indentação; (C) entalhe do tipo chevron (corte em V) em que a fenda se propaga a partir da ponta do chevron. A Figura 20 mostra a configuração usada para um ensaio de determinação de 𝐾𝐼𝑐 com um provete do tipo A atrás referido, no qual a fenda inicial consiste num rasgo direito que atravessa a totalidade da espessura do provete (b) e que foi introduzido por maquinação. Para a maquinação do rasgo usou-se uma máquina de corte por fio diamantado; fio esse que tinha 0.3 mm de diâmetro e que estava revestido com partículas de diamante com diâmetro de 60 m. b b b ao w w w ao a1 superfície polida indentação e pré-fenda (A) (B) (C) L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 37 Fig. 20. Provete com fenda com frente direita ensaiado em flexão em 4 pontos para determinação de 𝐾Ic . O material ensaiado é um granito (cerâmico natural). Programas internacionais de comparação inter-laboratorial (round robin) confirmaram que os resultados obtidos por estes 3 métodos possuem suficiente exatidão. A exatidão (accuracy, em inglês) consiste no grau de conformidade de um valor medido ou calculado em relação à sua definição ou com respeito a uma referência padrão. A exatidão de um método pode ser demonstrada pela comparação dos resultados obtidos com o material de referência padrão ou com outro método validado cujo erro regular não é significativo. Uma forma de verificar a exatidão de um método é comparar a média dos resultados obtidos com a média obtida do programa inter- laboratorial. Não se deve confundir exatidão com precisão. A precisão é o grau de variação de resultados de uma medição. Enquanto que a exatidão de um método se refere à sua conformidade com o valor real, a precisão tem como base o desvio-padrão de uma série de repetições da mesma análise. Para o cálculo de 𝐾Icatravés dos métodos atrás descritos devem ser usadas as equações que são indicadas pela norma que foi adotada. 7.2. Método de indentação Vickers e medição direta de fendas Quando apenas é possível a preparação de pequenos provetes do material (por exemplo, em materiais dentários, pastilhas de corte, ou outros materiais produzidos por tecnologia de pós) muitos dos métodos referidos anteriormente são tecnicamente impraticáveis, pelo que se recorre ao chamado método direto de medição de fendas (direct crack measurement) após realização de uma indentação por ensaio de dureza Vickers. No entanto, este método apenas é referido numa norma em vigor (JIS R 1607), sendo questionado pelo facto de não conduzir a resultados de 𝐾Ic exatos e precisos [12] pelo que deve ser usado apenas para efeitos de comparação entre materiais e não para a obtenção de valores absolutos de 𝐾Ic . O método de indentação e medição direta de fendas recorre a um ensaio de dureza Vickers, uma vez que a generalidade dos materiais frágeis quando são indentados desenvolvem tensões de tração que, por seu turno, provocam o aparecimento de fendas que emanam das arestas da indentação provocada pelo penetrador Vickers conforme se mostra na Figura 21. O método baseia-se no facto de haver correlação entre o valor de 𝐾Ic do material e os comprimentos das L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 38 fendas geradas. Essa correlação depende do valor da carga aplicada no indentador Vickers, bem como da elasticidade do material. Para cargas aplicadas semelhantes e materiais com dureza e elasticidade semelhantes, será de esperar que quanto maiores sejam as fendas geradas, menor será a tenacidade à fratura do material. Comparativamente aos métodos normalizados, o método direto de medição de fendas (direct crack measurement) é mais fácil e rápido, uma vez que permite a obtenção simultânea de duas grandezas (a dureza 𝐻𝑉 e a tenacidade à fratura 𝐾Ic ) e não exige a execução de um provete com uma geometria específica para o efeito. Fig. 21. Fotografia de uma indentação de dureza HV50 na superfície de uma pastilha de WC-4.5 wt% Co (grade KFD01). Para a correlação entre 𝐾Ic e o comprimento das fendas geradas, existem dois modelos mais frequentemente considerados: o modelo que assume fissuras semicirculares (apresentado pela primeira vez num trabalho de Evans e Charles [13]) e o modelo que assume que as fissuras geradas são semielípticas e do tipo de Palmqvist [14] . A diferença da geometria das fendas geradas está ilustrada na Figura 22 para os dois modelos. L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 39 Fig. 22. Geometrias assumidas para: (a) fendas semicirculares; e (b) fendas semielípticas do tipo Palmqvist, produzidas por uma indentação Vickers. No caso de considerarmos que as fendas geradas pela indentação têm a forma semicircular, pode usar-se a seguinte expressão, proposta por Miyoshi [15] para se estimar o valor de 𝐾𝐼𝑐 : 𝐾Ic = 0.018 ( 𝐸 𝐻𝑉 ) 1/2 𝑃 𝑐3/2 (47) sendo E o módulo de Young (unidade: N.m-2), 𝐻𝑉 a dureza Vickers (também em N.m -2), P a carga de indentação, e c metade do comprimento médio das fendas medido na superfície. No caso de considerarmos que as fendas geradas pela indentação são semielípticas e do tipo de Palmqvist, a expressão usada para cálculo de 𝐾𝐼𝑐 foi proposta por Shetty et al. [16]: 𝐾Ic = 𝛽 ( 𝐻𝑉 𝑃 𝐿 ) 1/2 (48) em que 𝐿 = ∑ 𝑎𝑖 (i.e. somatório dos comprimentos medidos à superfície das 4 fendas de Palmqvist) e 𝛽 é um fator de correlação cujo valor pode depender do tipo de material, obtendo-se boa correlação com o valor real (determinado por outros métodos) com 𝛽 = 8.89 × 10-2 em cermets WC-Co. Voltamos a referir que o método de indentação Vickers seguido de medição direta de fendas para cálculo de 𝐾Ic deve ser usado com muitas reservas. Para além de não existir uma equação globalmente aceite, os modelos atrás referidos podem também não ser adequados para determinados materiais, nomeadamente quando se trata de compósitos reforçados por partículas a 1 2 c a 3 a 4 a 2 a 2 a 4 Vista de topo Secção fenda de Palmqvist fenda semicircular (a) (b) L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 40 grandes ou por fibras. Alguns materiais cerâmicos podem apresentar características de deformação que provocam fendas com formas diferentes. A comunidade científica que trabalha em Mecânica da Fratura coloca sérias reservas ao método. Assim, os resultados de 𝐾Ic obtidos por este método devem ser considerados meras estimativas, uma vez que podem diferir consideravelmente do valor real. 8. Crescimento lento (subcrítico) de fenda Para muitas peças e componentes estruturais fabricados em material cerâmico, a sua vida em serviço é frequentemente limitada pela ocorrência de um processo de crescimento lento de fendas. Este crescimento subcrítico de fenda pode ser consequência de mecanismos do tipo corrosão sob tensão (corrosão química provocada pelo meio ambiente que é acelerada pelo efeito da presença de tensões mecânicas), mas também pode ser consequência de mecanismos de difusão (a temperaturas altas) que provocam o crescimento da fenda. O fenómeno de crescimento subcrítico de fenda é importante para muitos materiais cerâmicos e pode ser estudado através de ensaios adequadamente planeados. Existem também normas que ajudam a realizar estes ensaios. Para a maioria dos materiais cerâmicos e vidros, a velocidade de crescimento lento de uma fenda pode ser calculada usando uma relação do tipo exponencial [17] [18]: 𝑣 = 𝑑𝑎 𝑑𝑡 = 𝐴 ( 𝐾I 𝐾Ic ) 𝑛 (49) sendo: v a velocidade de crescimento lento de fenda; a o comprimento de fenda; t o tempo; A e n parâmetros determinados experimentalmente; 𝐾I o fator de intensidade de tensão (em modo I); e 𝐾Ic a tenacidade à fratura (em modo I). Para uma tensão σ aplicada segundo o modo I i.e. perpendicularmente ao plano da fenda, o fator de intensidade de tensão pode ser representado por: 𝐾I = 𝑌 𝜎 √𝑎 (50) em que Y é o fator geométrico respeitante à geometria do provete e ao tipo de carregamento. Usando a Eq.(49) e a Eq.(50), e manuseando as expressões adequadamente, pode chegar-se a uma relação entre a denominada tensão de rotura intrínseca ou em ambiente inerte 𝜎𝑖 (em que não ocorre crescimento lento de fenda) e a tensão de rotura em condições de ocorrência de crescimento lento de fenda, 𝜎𝑓 , tal que: 𝜎𝑓 𝑛−2 = 𝜎𝑖 𝑛−2 − 1 𝐵 ∫ [𝜎(𝑡)]𝑛 𝑑𝑡 𝑡 0 (51) em que B representa um parâmetro específico do par material-ambiente, o qual pode ser representado por: 𝐵 = 2 𝐾𝐼𝑐 2 𝐴 𝑌2(𝑛 − 2) (52) Se considerarmos que efetuamos um ensaio com velocidade de tensão contante, ou seja, com 𝜎(𝑡) = 𝜎 𝑡̇ , então a Eq.(51) passa ter a forma: 𝜎𝑓 𝑛+1 = 𝐵 (𝑛 + 1) 𝜎𝑖 𝑛−2 �̇� (53) L. Guerra Rosa Caracterização Mecânica de Cerâmicos draft version nº1 (2017) 41 Ao obter a Eq.(53) assumimos que (𝜎𝑓 𝜎𝑖⁄ ) 𝑛−2 ≪ 1 , uma vez que 𝑛 ≥ 5 para a maioria dos cerâmicos. Agora, logaritmizando ambos os membros da Eq. (53) temos: log 𝜎𝑓 = 1 𝑛 + 1 log �̇� + log 𝐷 (54) sendo: log 𝐷 = 1 𝑛 + 1 log [𝐵 (𝑛 + 1)𝜎𝑖 𝑛−2] (55) Deste modo, com base na Eq. (54), representando o logaritmo dos valores experimentais de tensão de rotura (log 𝜎𝑓) em função do logaritmo da velocidade de tensão (log �̇�) e efetuando uma regressão linear podemos determinar os parâmetros n e D. Aconselha-se que se usem velocidades de tensão muito distintas, separadas por um fator de 10; por exemplo, 3 × 10-2 MPa/s, 3 × 10-1 MPa/s, 3 MPa/s, 30 MPa/s. A norma ASTM C 1465 é dedicada à determinação dos parâmetros n e D num dado ambiente a uma temperatura elevada.
Compartilhar