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As Defensorias Públicas são instituições autônomas e independentes que exercem a função de orientação jurídica, promoção dos direitos humanos e defesa dos direitos individuais e coletivos em todos os graus (judicial e extrajudicial) de pessoas necessitadas, de forma integral e gratuita. Elas são órgãos do Estado Brasileiro que, desde a Constituição Federal de 1988, entendem que garantir o acesso à justiça é parte essencial da democracia.
Na prática, as defensorias cumprem uma função parecida com a de um advogado ou advogada em casos individuais, orientando a pessoa e realizando a sua defesa quando ela não tem condições de pagar por um advogado particular. Mas, além disso, essas instituições agem também na esfera coletiva, na defesa dos direitos fundamentais garantidos pela constituição, e de grupos considerados especialmente vulneráveis como pessoas idosas, mulheres em situação de violência, LGBTs, pessoas negras, entre outros.
As defensorias atuam em todas as áreas do sistema jurídico. Dentro de uma mesma área ocorre também uma divisão interna, que direciona o trabalho dos defensores e das defensoras para assuntos específicos. Há no país a Defensoria Pública da União, que opera em todo o território nacional, e cada estado possui sua Defensoria Pública Estadual.
A Defensoria Pública é um órgão de natureza constitucional, com a função de auxiliar nos serviços jurisdicionais do Estado, enquanto entidade que presta serviços de orientação jurídica, promoção de direitos humanos e defesa (judicial e extrajudicial) dos direitos individuais e coletivos de forma integral ou gratuita aos necessitados.
Além da Defensoria Pública da União, que atua na esfera federal, cada Estado pode criar órgãos próprios para a atuação nas áreas acima descritas, concentrando-se, na maioria dos locais, no auxílio em processos judiciais aos pobres, na acepção da lei.
Em regra, as áreas de atuação das Defensorias estão divididas em cível (ações na área de direito civil, família, consumidor, saúde, etc.), tutela coletiva (na proteção de direitos da coletividade como, por exemplo, o meio ambiente), criminal (ações penais), infância e juventude (em questões relacionadas à prática de atos infracionais ou relativas a direitos de crianças e adolescentes como, por exemplo, a adoção) e execução criminal (na defesa de direitos daqueles que tenham sido condenados criminalmente e já estejam cumprindo pena).
Para que o cidadão tenha acesso aos serviços prestados pela Defensoria, que atua tanto na propositura de ações, como na defesa, é necessário que   compareça à unidade mais próxima portando os seus documentos de identificação, além das informações relacionadas ao tipo de ação que se pretende propor ou defender-se.
O único requisito imposto para o atendimento realizado pela Defensoria Pública é que o cidadão não possua condições financeiras para arcar com os custos de um advogado, o que será avaliado por meio dos documentos de comprovação de renda, tais como holerites, carteira de trabalho, etc. Embora não haja um valor fixado, em regra, são atendidos apenas aqueles que percebam como renda mensal, no máximo, três salários mínimos.
A Defensoria Pública, se de um lado é responsável por deflagrar demandas que visem à efetividade do direito à saúde, no exercício de sua missão constitucional de assistência jurídica do carente, por outro, tem o dever de atuar na melhoria e no êxito do sistema único de saúde, seja fomentando o debate interinstitucional, seja fiscalizando a execução dessas políticas públicas, promovendo-se, em todo o caso, a participação do usuário na tomada de decisão em saúde.
Para tanto, a Defensoria deve ter assento e voz nos Conselhos de Saúde, órgãos, segundo a organização político-administrativa brasileira, incumbidos da formulação e da discussão de políticas públicas de saúde. Despontam-se, dessarte, duas necessidades básicas: 1) Atuação intersetorial e interdisciplinar; 2) a Integração e a interlocução entre órgãos, gestores e usuários.
A Lei Orgânica da Defensoria Pública (Lei Complementar nº 80/94) estabelece que o Defensor Público deve primar pela solução extrajudicial dos conflitos.
Veja-se que já no primeiro artigo da Lei Complementar n. 80, de 12 de janeiro de 1994, com as recentes alterações da Lei Complementar n. 132, define-se o perfil instrumental e a função da Defensoria Pública, nos seguintes termos:
 “Art. 1º. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal.” ((Brasil, Lei Complementar Federal n. 80, de 12 de Janeiro de 1994).
Nesse contexto, importa obtemperar que é exigência do Estado Democrático de Direito não somente a procura de repartição igualitária de oportunidades, com respeito e consideração aos direitos fundamentais, mas a conversão desses dogmas em realidades vivenciadas no cotidiano, ocasionando concretamente o imediato acolhimento às necessidades dos menos favorecidos.
É nessa perspectiva que se envolta a Defensoria Pública, como instituição capaz de garantir os interesses e direitos a que fazem jus às pessoas necessitadas de recursos financeiros, para que o ideal de Estado Democrático seja posto em prática. Dessarte, a Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988, cuidou de estabelecer uma norma impositiva entregando ao Estado a obrigação constitucional de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (CF/88, art. 5.º, inciso LXXV), incumbindo à Defensoria Pública o desempenho dessa garantia, dando orientação jurídica e promovendo a defesa, em todos os graus, dos necessitados na forma da lei, consoante estabelece o art. 134, caput, da nossa Carta Magna.
ESCOPO DA DEFENSORIA PÚBLICA
Como dito, a nossa Carta Magna encarregou a Defensoria Pública da função precípua de garantir assistência integral e gratuita, seja judicial ou extrajudicial, em todos os graus, aos que se declararem economicamente carentes de recursos, ou seja: àqueles que não possam arcar com as despesas e encargos decorrentes de um processo judicial ou administrativo, nem possam contratar um advogado para patrocinar sua defesa ou a garantia de um direito com a efetivação do adequado acesso à justiça.
Todavia, a tarefa de destrinchar os objetivos a serem alcançados por essa instituição, ficou a cargo da legislação infraconstitucional. Nesse passo, impende dizer que é na Lei Complementar n. 80, de 12 de Janeiro de 1994, com as alterações geradas pela retrocitada Lei Complementar n. 132, de 07 de Outubro de 2009, notadamente no art. 3.º-A e incisos, que se encontram expressamente consignados os objetivos da Defensoria Pública. Vejamos o citado dispositivo legal:
Art. 3º-A.   São objetivos da Defensoria Pública: 
I – a primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais; 
II – a afirmação do Estado Democrático de Direito; 
III – a prevalência e efetividade dos direitos humanos; e 
IV – a garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. (Brasil, Lei Complementar Federal n. 80, de 12 de Janeiro de 1994).
Portanto, é imperioso destacar que é a Defensoria Pública instituição permanente essencial e vocacionada à eficácia das disposições constitucionais e dos tratados internacionais firmados pelo Brasil, a fim de dar efetividade e concretude aos seus comandos essenciais. Nesse passo, importa consignar que o fortalecimento e a valorização dessa instituição, com a dotação de recursos financeiros próprios condizentes com o seu papel de protagonista no Estado Democrático de Direito é uma conquista inalienável de toda a sociedade brasileira.
O PAPEL DA DEFENSORIA PÚBLICA NO ACESSO À JUSTIÇA
Impende nesse momento ressaltar, é que na realidadenão se existirá democracia e não se promoverá cidadania se não for garantida ao indivíduo a mesma qualidade de acesso à justiça como a de qualquer outra pessoa dotada de bens e posses, a fim de fazer valer seus direitos e interesses postulando em juízo em igualdade de condições e paridade de armas.
Assim, apenas se formará cidadãos em equidade de direitos e deveres, se a todos, independentemente da classe sócio-econômica a que pertençam, forem dadas as mesmas oportunidades e os mesmos instrumentos legais e processuais de acesso ao Judiciário, para poderem lutar por seus direitos e interesses nas mesmas hipóteses em que lutariam pessoas dotadas de riquezas, inseridos na mesma sociedade.
Desse modo, percebe-se que além do indispensável acesso aos direitos sociais, como saúde, lazer, educação, habitação, trabalho e segurança, torna-se indissociável da ideia de Estado Democrático de Direito o pleno e eficaz acesso à justiça, como forma de crescimento social do homem e da sociedade.
Isso se torna uma ingrata realidade, na medida em que a existência de direitos fundamentais, sem a possibilidade de torná-los concretos no dia-a-dia do cidadão, sentindo e usufruindo dos seus direitos individuais e coletivos, é um intolerável resquício de um Estado fracassado nas suas promessas e objetivos consagrados como diretriz constitucional a ser seguidos pela República Federativa do Brasil, que se diz constituir em Estado Democrático de Direito (CF/88, art. 1.°, caput).
Nessa perspectiva, temos que a obtenção do acesso à justiça, com a participação equivalente dos indivíduos dentro da sociedade, assegurando celeridade na prestação jurisdicional com a garantia do bem da vida desejado, dando-lhes a tutela jurisdicional requerida em tempo razoável e com eficiência, é princípio fundante de um país que busca seu crescimento social, cultural e econômico, tornando-se uma potência mundial, porque a garantia e a defesa dos hipossuficientes são, em última análise, a garantia e a defesa do próprio Estado de Direito, porquanto o que se busca é contribuir com máxima efetividade ao princípio constitucional da igualdade.
Temos a cidadania e a dignidade humana como fundamentos da República Federativa; e como objetivos a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com a promoção do bem de todos, sem discriminação, de origem, raça, cor, idade, sexo ou quaisquer outros tipos, como àquela por pertencer à determinada classe social. É por essa razão que o Estado é forçado a prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.
Nesse contexto, percebemos então um dos mais importantes papéis do Estado: a efetivação e a defesa dos direitos fundamentais de modo igualitário, de maneira a garantir a cada um e a todos a imediata ação da Justiça, fazendo com que pobres e ricos tenham a mesma qualidade de serviço público prestado pela jurisdição.
A defesa gratuita é dever do Estado que preceitua entre seus fins, erradicar a pobreza e promover o bem de todos. Igualmente, é direito inalienável do despojado de riquezas, sendo certo que a assistência judiciária gratuita é corolário do Estado Democrático de Direito, sendo exercida pela Defensoria Pública, que na Administração da Justiça, é instituição essencial à função jurisdicional do Estado como legítima função social, tornando-se sua ação de promoção e proteção dos pobres um agente de mudança, haja vista que assegura amparo jurídico aos necessitados na forma da lei fomentando grandes transformações sociais como um autêntico agente político do Estado.
Desse modo, é imperioso concluir que é o defensor público, mais do que qualquer outro operador da ciência jurídica, o profissional mais capacitado a prestar todo o amparo e proteção jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, para efetivamente desfrutar de seus direitos e interesses, asseverando o íntegro acesso à justiça, que hoje é visto como direito autônomo, sendo um dos princípios fundantes do Estado Democrático de Direito, fincado no princípio constitucional da igualdade.
Isso porque é o defensor público o agente estatal mais próximo da realidade vivenciada pelo indivíduo pobre, captando com maior imediatismo e sensibilidade o cotidiano dramático do povo humilde, utilizando-se de um conteúdo humanístico e instrumental de sua missão como agente de transformação social, buscando solucionar as contendas envolvendo essas pessoas carentes de recursos econômicos na melhor forma de direito e justiça, mas também, transformando o indivíduo em cidadão, com informação, educação e formação ética, fornecendo-lhes todo o arsenal imprescindível na busca por seus direitos na ordem jurídica, impedindo que o poder do Estado se torne excessivo e violador de garantias individuais e coletivas, com prejuízo a camada mais pobre da sociedade.
ASCENSÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO COROLÁRIO DA CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE
O artigo em comento traz como temática a obrigação do Estado em fornecer medicamentos de alto custo às pessoas carentes, com fundamento no direito à saúde, previsto constitucionalmente nos art. 6.° e art. 196 e seguintes da Constituição da República, que o categorizam como direito social de segunda geração, tendo como consequência a imposição ao Poder Público do dever de promover o bem de todos, assegurando saúde aos que dela necessitem, como corolário da dignidade da pessoa humana fundamento da República Federativa do Brasil (CF/88, art. 1.°, inciso III), sendo o eixo fundamental em torno do qual giram todas as normas jurídicas.
Destarte, temos que é a dignidade humana o núcleo informador de todo o ordenamento jurídico brasileiro. Para a sua observância, não há como considerar as normas de conteúdo social como desprovidas de normatividade. A própria Constituição Federal vigente, reconhece os direitos sociais como direitos fundamentais, tendo em vista a sua importância para a consecução do bem comum e, em última análise, para a inserção das pessoas na sociedade.
A dignidade da pessoa humana está diretamente relacionada com os direitos fundamentais, e esses direitos variam de acordo com a história e os valores de cada sociedade. Assim, podemos dizer que a dignidade humana é a pedra de toque e o alicerce dos direitos fundamentais sem a qual o indivíduo passa a ser coisificado, deixando de ser visto como ser humano.
Os direitos fundamentais podem ser entendidos como um conjunto de princípios e regras que possuem um elevado grau de normatividade capaz de impulsionar os dons e o potencial das pessoas, fazendo com que elas sejam vistas como seres autônomos e independentes, capazes de se desenvolver perante a sociedade em que vivem.
Segundo o jurista Ingo Wolfgang Sarlet, in Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2.ª ed, revista e ampliada. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2002, p. 62, a dignidade humana é:
“a qualidade intrínseca e distintiva de cada Ser Humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.”. (Ingo Wolfgang Sarlet. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2.ª ed, revista e ampliada. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2002, p. 62).
As lições da doutrina e da jurisprudência demonstram que a promoção da dignidade humana passa pela plena garantia do direito à saúde, por isso que na atual ordem jurídica o direito fundamental à vida (CF/88, art. 5.°, caput), consiste no direito a viver bem, com saúde e dignidade, cominando ao Estado o dever de conceder oportunidades a todos os indivíduos para a busca da felicidade,reconhecendo que os direitos sociais são igualmente direitos fundamentais, (Capítulo II do Título II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais), com aplicação imediata (CF/88, art. 5.°, § 1°), além de inaugurar um Estado Social (CF/88, arts. 1° e 3°), que para sua real concretização requer a aplicação dos direitos sociais.
Defensoria Pública
Podemos conceituar Defensoria Pública como sendo o órgão estatal incumbido de prestar a assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem a insuficiência de recursos. 97
3.1.5. Considerações acerca da distinção
Fred Didier Jr. e Rafael Oliveira, citados por Frederico Rodrigues Viana de Lima, prelecionam:
A despeito de serem constantemente utilizadas como sinônimos, os conceitos de justiça gratuita, de assistência judiciária e assistência jurídica são distintos:
a) justiça gratuita, ou benefício da gratuidade, ou ainda gratuidade judiciária, consiste na dispensa da parte do adiantamento de todas as despesas, judiciais ou não, diretamente vinculadas ao processo, bem assim na dispensa do pagamento dos honorários de advogado;
b) assistência judiciária é o patrocínio gratuito da causa por advogado público (ex.: defensor público) ou particular (entidades conveniadas ou não com o Poder Público, como, por exemplo, os núcleos de prática jurídica das faculdades de direito);
c) assistência jurídica compreende, além do que já foi dito, a prestação de serviços jurídicos extrajudiciais (como, por exemplo, a distribuição, por órgão do Estado, de cartilha contendo direitos básicos do consumidor) - trata-se, como se vê, de direito bem abrangente.98
Sobre a diferenciação técnica entre a assistência judiciária e a assistência gratuita, relevantes são os dizeres de Leonardo Greco, verbis:
A assistência jurídica integral é mais ampla do que a assistência judiciária, vez que esta se refere apenas aos meios necessários à defesa dos direitos do assistido em juízo, ao passo que aquela inclui o aconselhamento jurídico extrajudicial independentemente da existência ou da possibilidade de uma demanda em juízo.99
Quanto à jurisprudência, podemos citar de forma integral, devido sua complexidade e importância, o escólio emitido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, vale conferir:
Nesse sentido há que se diferenciar expressões comumente utilizadas como sinônimas sem que sejam de fato. A imprecisão envolve os termos assistência jurídica, assistência judiciária e justiça gratuita. Por justiça gratuita, ou gratuidade processual, entende-se basicamente, 'a gratuidade de todas as custas e despesas, judiciais ou não, relativas a atos necessários ao desenvolvimento do processo e à defesa dos direitos do beneficiário em juízo' (MARCACINI, A. T. R., Assistência jurídica, assistência judiciária e justiça gratuita, 1ª ed., 3ª tir., Rio de Janeiro : Forense, 2003, p. 31). Trata-se de instituto de direito processual. Por sua vez, a assistência judiciária vale-se da referida gratuidade processual, abrange-a, mas refere-se, sobretudo, a um 'serviço público organizado, consistente na defesa em juízo do assistido, que deve ser oferecido pelo Estado, mas pode ser desempenhado por entidades não-estatais, conveniadas ou não com o Poder Público. (...) Por sua vez, a assistência jurídica engloba a assistência judiciária, sendo ainda mais ampla que esta, por envolver também serviços jurídicos não-relacionados ao processo, tais como orientações individuais ou coletivas, o esclarecimento de dúvidas, e mesmo um programa de informação a toda a comunidade' (p.31/3). Assistência judiciária e jurídica dizem respeito, pois, a um serviço público. Estabelecido, nesses termos, o alcance de cada uma das referidas expressões, 'é lícito afirmar que a questão é trazida ao juiz se refere à concessão da justiça gratuita, não da assistência judiciária' (p. 32). Isto porque a gratuidade é um benefício processual deferido pelo magistrado a quem preencha os requisitos legais, tendo vindo a juízo por meio de advogado particular ou de instituição prestadora de assistência judiciária. Esta última, por outro lado, consiste num serviço público capitaneado pelo Poder Executivo, a cujas instituições especializadas - notoriamente, a Defensoria Pública - compete fazer a triagem dos cidadãos aptos a gozar do serviço em questão, por conta de sua baixa renda. Prossegue o referido autor: 'um exemplo, que bem demonstra os problemas que o entendimento equivocado destes conceitos pode trazer, ocorreu com certa frequência logo após a entrada em vigor da atual Constituição. É que o art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição dispõe que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos'. Não foram poucos os que entenderam que a citada regra constitucional não teria recepcionado o art. 4º da Lei nº 1.060/50, mediante o qual basta afirmar na petição inicial a condição de pobreza. (...) Conhecendo-se a distinção dos três conceitos, a solução adequada para o problema é clara e acabou prevalecendo. A norma constitucional impôs ao Estado dever muito mais abrangente do que a concessão da gratuidade processual. E, para que o necessitado tenha à sua disposição o serviço da assistência jurídica integral, podem os órgãos prestadores exigir a comprovação da condição de insuficiência de recursos'." 100
O Tribunal Superior do Trabalho, de forma sucinta, ensina sobre os institutos da assistência judiciária e da justiça gratuita:
"ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. I - Nos termos do art. 4º da Lei nº 1.060/50, a parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação de que não pode arcar com as custas do processo sem prejuízo do próprio sustento ou de sua família, presumindo-se pobre, até prova em contrário, quem alegar essa condição nos termos da lei. II - Nesse passo, cumpre registrar não haver nenhuma sinonímia entre os benefícios da justiça gratuita e o beneplácito da assistência judiciária. Enquanto a assistência judiciária se reporta à gratuidade da representação técnica, hoje assegurada constitucionalmente (art. 5º, LXXIV), a justiça gratuita refere-se exclusivamente às despesas processuais mesmo que a assistência judiciária tenha sido prestada por advogado livremente constituído pela parte.
Por fim e para fins de esclarecimento, vejamos as seguintes figuras:
Figura 1: Abrangência da assistência jurídica
Fonte: Elaborada pelo autor Guilherme Freire de Melo Barros102
Figura 2: Quadro explicativo acerca da assistência jurídica
Fonte: Elaborada pelos autores Diogo Esteves e Franklyn Roger Alves Silva103
 
3.2. PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS DA DEFENSORIA PÚBLICA
Quem define os princípios institucionais da Defensoria Pública são o artigo 134, parágrafo 4º da Constituição Federal e a Lei Complementar nº 80 de janeiro de 1994 que, por sua vez, organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados e dá outras providências, conforme extrai-se “art. 3º. São princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional”.104
Os princípios institucionais também estão dispostos na Constituição Federal de 1988:
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.
§ 1º São princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.105
Os autores Diogo Esteves e Franklin Roger Alves Silva acerca do tema, prelecionam, in verbis:
Por sintetizarem os valores básicos abrigados no ordenamento, os princípios presidem a intelecção dos preceitos legais e garantem a coerência no momento de sua aplicação. Diferentemente das regras, que possuemrelato mais objetivo e incidência mais específica, os princípios possuem maior grau de abstração e amplo espectro de incidência. Normalmente, os princípios carregam um fundamento ético, uma decisão política ou um valor socialmente relevante, indicando uma determinada direção a ser seguida pelo intérprete.
No âmbito da Defensoria Pública, os princípios institucionais espelham os postulados básicos e os valores fundamentais da Instituição, formando o núcleo essencial de sua sistemática normativa. Em virtude de sua natureza normogenética, os princípios institucionais atuam como diretrizes fundamentantes da Defensoria Pública, compondo seu espírito e servindo de critério para sua adequada compreensão.106
Desta feita, podemos extrair que de grande valia são os princípios institucionais da Defensoria Pública, desta feita, nas próximas subseções falaremos sobre cada um de forma a esclarecer as peculiaridades dos mesmos.
3.2.1. Da unidade
Em concordância com o autor Guilherme Peña de Moraes, "pela unidade ou unicidade compreende-se que a Defensoria Pública constitui um todo orgânico submetido a idênticos fundamentos, direção e finalidade".107
O autor supracitado aduz que:
Em conformidade com a teoria da imputação, as manifestações dos defensores públicos, na qualidade de titulares de órgãos de atuação, são atribuídas à Defensoria Pública, na condição de órgão composto, de sorte que a Defensoria Pública atua pela vontade externada dos defensores públicos que a integram. 108
Frederico Rodrigues Viana de Lima, acerca do princípio institucional da unidade, ensina:
A unidade representa que os Defensores Públicos integram um mesmo órgão, regidos pela mesma disciplina, por diretrizes e finalidades próprias, e sob o pálio de uma mesma chefia. Todos os membros da carreira fazem parte de um todo, que é a Defensoria Pública.109
Diogo Esteves e Franklin Roger Alves Silva, fazem uma sábia explanação acerca do prisma orgânico e funcional do princípio da unidade. Demonstram que, acerca do prisma orgânico, a unidade existe apenas no âmbito de cada Defensoria Pública, tendo em vista que compõem estruturas organizacionais e tem chefia institucional diferentes. Portanto, não há que se falar unidade orgânica entre Defensoria Pública Estadual, Defensoria Pública da União ou de Defensoria Pública de Estados diversos. Todavia, em se tratando do prisma funcional, é claramente possível identificar-se a unidade entre todas as Defensorias Públicas, tendo em vista que dividem as mesmas funções institucionais e têm entre si a mesma finalidade ideológica.110
3.2.2. Da Indivisibilidade
Segundo os autores Diogo Esteves e Franklin Roger Alves Silva esse princípio constitui verdadeiro corolário do princípio da unidade, ou seja, estes dois princípios relacionam-se lógica e dependentemente.111
Francisco Rodrigues Viana de Lima explica com louvor que,
A indivisibilidade indica que os membros da Defensoria Pública podem ser substituídos uns pelos outros sem que haja prejuízo ao exercício das funções do órgão. Isto é, podem se alternar entre si sem que haja paralisação do serviço jurídico prestado pela Defensoria Pública.
O que se quer com o princípio institucional da indivisibilidade é que a assistência jurídica prestada pela Defensoria Pública não sofra solução de continuidade, ou seja, que não se permita que ela cesse em virtude da ausência temporária de um dos seus integrantes.112
A indivisibilidade acaba por garantir ao Defensor Público que sua atuação aconteça sem interrupção, seja representando os hipossuficientes ou exercendo sua função de controle. É justamente por conta desse princípio que os membros da instituição não são vinculados aos processos que atuam, sendo comum que o mesmo processo seja conduzido por Defensores Públicos distintos quando há necessidade de sucessão.113
O grande autor Nelson Nery Costa, sucintamente e de forma louvável explica o presente princípio, vejamos:
O princípio da indivisibilidade significa que os atos dos Defensores Públicos fazem parte de um todo que não pode ser dividido, pois implica numa atuação uníssona e inquebrável da Defensoria Pública como instituição. Não podem dividir seus atos, sob pena de perda da substância.114
3.2.3. Da Independência funcional
Paulo Cesar Ribeiro Galliez conceitua:
A independência funcional assegura a plena liberdade de ação ao defensor público perante todos os órgãos da administração pública, especialmente o judiciário. O princípio em destaque elimina qualquer possibilidade de hierarquia diante dos demais agentes políticos do Estado, incluindo magistrados, promotores de justiça, parlamentares, secretários de estado e delegados de polícia.115
Silvio Roberto Mello de Moraes também preleciona acerca do assunto que:
A independência funcional é princípio dos mais valiosos para a Instituição. Para que cumpra seu dever constitucional de manutenção do Estado Democrático de Direito, assegurando a igualdade substancial entre todos os cidadãos, bem como instrumentalizando o exercício de diversos direitos e garantias individuais, representando junto aos Poderes constituídos, os hipossuficientes, não raras vezes contra o próprio Estado, é necessário que a Defensoria Pública guarde uma posição de independência e autonomia em relação aos demais organismos estatais e ao próprio Poder ao qual encontra-se, de certa forma, vinculada. Para tanto, é preciso que a Instituição esteja a salvo de eventuais ingerências políticas, para que possa atuar com autonomia e liberdade. Isto porque, como bem observa Diogo de Figueiredo Moreira Neto, referindo-se às Instituições essenciais à função jurisdicional do Estado, 'seria um contrassenso que estas funções não gozassem de independência, porque qualquer pressão oriunda de um Poder do Estado poderia cercear a promoção, ou seja, a atuação do órgão de provedoria de justiça. A independência destas funções é essencial à justiça...'.116
Ou seja, percebe-se que o supracitado princípio garante ao Defensor Público que, em sua atuação, ele goze de autonomia, convicção no exercício de suas funções. Consequentemente, protege o mesmo de interferências políticas ou de fatores exógenos, dos opressores e dos antidemocráticos. A independência funcional pode ser interpretada como um escudo invulnerável.117
Isso significa que no exercício de suas atividades laborais os Defensores Públicos não devem sofrer interferências nem de agentes externos, bem como também estão protegidos ao se tratar de poder hierárquico interno, não estando submissos à recomendações de escalões superiores da própria Defensoria Pública.118
3.3. OBJETIVOS DA DEFENSORIA PÚBLICA
3.3.1. Definição
A Lei complementar 132/2009, que deu nova redação a inúmeros dispositivos da Lei Orgânica da Defensoria Pública (LC 80/94), também inovou na definição de seus objetivos. De acordo com Diogo Esteves e Franklyn Roger Alves Silva, ensinam:
Por apresentarem conteúdo aberto e irresoluto, os objetivos institucionais possuem ampla volubilidade e mutabilidade, sendo capazes de assumir novas formas e significados a medida que incorporam os valores jurídico-sociais germinados pelo processo evolutivo. Com isso, cada nova conquista gerada pela transposição das barreiras do conservadorismo acaba abrindo novas portas e revelando novos horizontes a serem buscados pela atuação funcional da Defensoria Pública, fazendo com que os objetivos institucionais nunca sejam realizados inteiramente. Por essa razão, os objetivos elencados no art. 3º-A da LC 80/1994 devem ser compreendidos como designação a ser seguida, e não como destino a ser alcançado.119
3.3.2. Dos objetivos em espécie
A Lei Complementar 80/94 enumera em seu artigo 3º-A os objetivos da Defensoria Pública, como sendo:
Art. 3º-A. São objetivos da Defensoria Pública:
I - a primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais;
II. a afirmação do Estado Democrático de Direito;
III. a prevalência e efetividade dos direitos humanos; e
IV. a garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.120
Com a simples leitura do artigosupracitado, podemos ressaltar que são objetivos susceptíveis à ampla interpretação, de natureza aberta.121
Diante disso, falaremos sobre cada inciso nos pontos a seguir para melhor entendimento.
Como já é sabido a dignidade da pessoa humana é um fundamento da República Federativa do Brasil, sendo considerada um valor superlativo. Ou seja, esse princípio demonstra que pelo simples fato de existir no mundo, o indivíduo deve ser protegido como sujeito de direito, devendo ser amparado física, moral e psicologicamente.122
Portanto, "(...) se a primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais se constituem finalidades da Instituição, a regularidade de qualquer orientação jurídica deve necessariamente passar por estes filtros."123
Diogo Esteves e Franklyn Roger Alves Silva de forma clara ensinam que:
Por serem todas as pessoas iguais em dignidade, a atuação funcional da Defensoria Pública deve garantir a respeito recíproco de cada pessoa à dignidade alheia, além de assegurar o respeito e a proteção da dignidade humana pelo Poder Público e pela sociedade em geral. Nesse âmbito de proteção fundamental da pessoa humana se inclui a tutela do mínimo existencial, que identifica o conjunto de bens e utilidades básicas necessárias à subsistência digna e indispensáveis ao desfrute dos direitos em geral.
Partindo da ideia de que todas as pessoas possuem idêntico valor intrínseco, o art. 3º-A, I da LC 80/1994 indica também como objetivo institucional da Defensoria Pública a redução das desigualdades sociais. Esse dispositivo legal reafirma o art. 3º, III da CRFB e qualifica a Defensoria Pública como instrumento implementador do objetivo fundamental da República Federativa do Brasil de "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais".124
No artigo 3-A da Lei Complementar nº 80/1994 está previsto que é objetivo da Defensoria Pública “a afirmação do Estado Democrático de Direito”125.
Diogo Esteves e Franklin Roger Alves prelecionam que:
Apesar das pequenas variações semânticas em torno do conceito de Estado Democrático de Direito, essa fórmula condensa duas qualidades importantes do Estado Constitucional contemporâneo: (i) O Estado Democrático, que denota a organização política em que o poder emana do povo, que o exerce diretamente ou através de representantes eleitos, mediante sufrágio universal e voto direto e secreto, em eleições livres e periódicas; e (ii) O Estado de Direito, que proclama a primazia da lei e a observância obrigatória da legalidade pela administração pública, concretizando o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais incorporados à ordem constitucional.
Como função essencial à justiça, a Defensoria Pública possui a irrenunciável incumbência de garantir a perpetuidade da democracia e a continuidade da ordem jurídica, afastando a tendência humana ao autoritarismo e à concentração de poder.126
Não obstante, a Defensoria Pública exerce o importante papel de fiscalizar o processo eleitoral, para que ele seja efetivado de maneira honesta livre, além de controlar a legalidade, moralidade e legitimidade da atuação dos representantes eleitos pela população. Isso ocorre para justamente garantir a participação do povo na elaboração de leis e no processo de administração do estado. 127
Conclui-se portanto que:
[...] sem a atuação concreta e efetiva da Defensoria Pública, a sociedade brasileira estaria impossibilitada de afirmar o Estado Democrático – pela cidadania sem ação –, de realizar o Estado de Direito – pela ilegalidade sem sanção – e de caminhar em busca da justiça – pela imoralidade sem oposição.128
A doutrina dos direitos humanos acaba por demonstrar a maior expressão da dignidade do indivíduo. Eis que a denominação “direitos humanos” advém do caráter fundamental para que o ser humano goze de uma vida digna, visando sua proteção integral como sujeitos de direito e, diante disso, elevando suas capacidades potenciais. 129
Justamente por isso a Lei Complementar nº 132/2009 previu como objetivo institucional da Defensoria Pública a prevalência e efetividade dos direitos humanos (Art. 3º - A, III, da LC nº 80/1994), como forma de assegurar maior proteção à vítima e de fortalecer o combate à impunidade. Sem dúvida, a atuação ativa e permanente da Defensoria Pública nesse campo aumenta a expectativa de resposta efetiva às graves violações dos direitos humanos, aprimorando a sistemática nacional de proteção da vida humana digna.
Por restar constitucionalmente incumbida de prestar a assistência jurídica aos necessitados, a Defensoria Pública conserva permanente contato com a população carente e marginalizada, possuindo melhores condições de identificar eventuais violações aos direitos humanos – que, via de regra, ocorrem justamente em face dos desprovidos de fortuna.130
Está previsto no artigo 3º-A da Lei Complementar 80/1994 em seu inciso IV que é também objetivo da Defensoria Pública “a garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório”131.
Diogo Esteves e Franklin R. A. Silva, dão a lição:
Para garantia a ampla e equilibrada participação dos interessados no processo, a defesa dos interesses em litígio deve ser efetuada por profissional tecnicamente habilitado, de modo que o deslinde da conflitualidade ocorra por motivos substantivos e não por eventual desdobramento na qualidade de atuação das partes. Como nem todos possuem condições de arcar com o pagamento dos honorários cobrados pelos advogados, a Constituição Federal garantiu aos necessitados o direito à assistência jurídica integral e gratuita prestada pela Defensoria Pública (art. 5º, LXXIV, c/c o art. 134 da CRFB).
Nesse ponto, a atuação jurídico-assistencial da Defensoria Pública funciona como elemento equilibrador do status social no processo, garantindo aos deserdados de fortuna a mesma oportunidade de influir na formação da decisão judicial. Por essa razão, ao cumprir o objetivo preconizado pelo art. 3°-A, IV, da LC nº 80/1994, a Defensoria Pública preserva e garante a realização processual do princípio da isonomia dentro da essência filosófica da democracia.132
3.4.BREVE EXPLANAÇÃO SOBRE A EMENDA CONSTITUCIONAL 80/2014
Como exposto no decorrer do presente trabalho, grande é a importância da Defensoria Pública no cenário jurídico brasileiro. Tamanha é sua relevância que foi promulgada em 04 de junho de 2014 a Emenda Constitucional nº 80, que por sua vez traz à tona transformações no tocante à instituição da Defensoria Pública e à democratização do acesso à justiça enquanto direito fundamental.
Também conhecida vulgarmente como "PEC Defensoria para Todos", "PEC das Comarcas" ou "PEC das Defensorias", veio para fortalecer a Defensoria Pública e dar à mesma a devida importância em virtude do papel que exerce na sociedade.133
Carlos Eduardo Rios do Amaral, Defensor Público do Estado do Espírito Santo, comenta sobre o assunto:
Talvez a maior alteração trazida pela EC nº 80/2014 seja a de conferir à Defensoria Pública natureza própria e singular. Advocacia é Advocacia, Defensoria Pública é Defensoria Pública. Tais funções essenciais ao funcionamento da Justiça encontram-se cada uma em Seção exclusiva, assim como acontece com o Ministério Público. Não cabe mais qualquer enlace ou confusão entre as figuras do Advogado e a do Defensor Público. Assim como o Promotor de Justiça, agora, o Defensor Público caminha por vereda constitucional própria com atribuições constitucionais de matiz inigualável.134
Outro ponto que merece destaque é que a Emenda Constitucional em comento alterou a redação do artigo 134 da Constituição Federal que versa justamente sobre a Defensoria Pública. Além disso, os princípios que anteriormente eram assegurados aos Magistrados dispostos no artigo 93 da Constituição Federal e assegurados também aos membros do Ministério Público, hoje, graças ao advento da EC 80/2014 também são garantidos à Defensoria Pública. Agora, as carreiras dos Juízes, Promotores de Justiça e Defensores Públicos estão equiparadas constitucionalmente,fazendo prevalecer a isonomia entre essas instituições tão essenciais para a sociedade. Outrossim, confere também aos membros da Defensoria Pública o que está disposto no inciso II do artigo 96 da Magna Carta, garantindo ao Defensor Público Geral iniciativa de projetos de lei que versem sobre o número de seus membros, criação e extinção de cargos e órgãos, remuneração de seus serviços auxiliares, dentre outras prerrogativas que asseguram autonomia à instituição.135
A Emenda Constitucional ainda em seu bojo extinguiu todas as dúvidas acerca da legitimidade da Defensoria Pública para ajuizar ações que tutelam interesses individuais homogêneos, difusos ou coletivos como, por exemplo, a ação civil pública. Portanto, a Defensoria Pública está autorizada a intervir sempre que houver desrespeito à democracia e aos direitos humanos.136
Outra mudança de grande valia implementada pela EC 80 de 2014 é que a União, os Estados e o Distrito Federal devem, no prazo de 08 (oito) anos, adotar medidas tendentes à implantação da Defensoria Pública em todas as unidades jurisdicionais, observando a proporcionalidade da efetiva demanda pelo serviço dos Defensores Públicos e à população, outrossim, o prazo deverá respeitar que, prioritariamente serão lotados Defensores Públicos em áreas com maior índice de exclusão social e adensamento populacional (Art. 98 do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias).137
Por fim, urge mencionar que o Conselho Nacional de Defensores Públicos Gerais – CONDEGE – , tem realizado reuniões constantes para debater o efetivo alcance da EC 80/14, pois ainda não se tem, precisamente, a inovação por ela trazida no ordenamento jurídico pátrio.
4. CONCLUSÃO
A presente monografia buscou demonstrar a real importância da Defensoria Pública no ordenamento jurídico atual, como sendo instituição merecedora de valor por ser uma grande ferramenta criada justamente para efetivar o acesso aos hipossuficientes à justiça.
Vimos que o acesso à justiça ultrapassa as redes do judiciário. Pois, conforme foi exposto no decorrer do trabalho, o acesso à justiça vai muito além do acesso à um procedimento judicial, engloba também, por exemplo, o aconselhamento extrajudicial ao necessitados. Essa instituição é, a garantia que os cidadãos à margem da sociedade têm de acessar à justiça.
É justamente pelo que foi exposto que a Defensoria Pública deve ser respeitada como instrumento modificador da sociedade, atribuindo à mesma todas as ferramentas necessárias para cumprir sua missão institucional, e, como citamos no último ponto da presente monografia que trata da Emenda Constitucional 80/94, as modificações trazidas pelas mesma são de grande valia para o fortalecimento da Defensoria Pública.
Finalizando, por ser instrumento efetivador do direito ao acesso à justiça e gozar de status de garantia fundamental, a Defensoria Pública é essencial para que seja garantido à sociedade o Estado Democrático de Direito, não devendo ser tratada como menos importante que os demais órgãos, devendo, por sua vez, prevalecer isonomia, pois, se houver afronta a esse princípio, haverá consequentemente o retrocesso no objetivo de construir uma sociedade justa e livre. Ou seja, dar o real valor à Defensoria Pública é valorizar a população brasileira e dizer que o povo têm direito ao acesso à justiça é o mesmo que afirmar que o povo tem direito à Defensoria Pública.
À luz da doutrina e da jurisprudência moderna do país, conclui-se que o direito à saúde é direito fundamental que pode ser exigido do poder público, podendo ser garantido por todos os entes federativos, sendo sua prestação de natureza solidária da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, tendo como órgão instrumental do acesso à justiça para a efetivação desse direito a Defensoria Pública, através das ações e do acolhimento por parte de seus agentes oficiais – os defensores públicos.
Como é de sabença geral, os recursos financeiros são finitos, cabendo ao gestor público otimizá-los da melhor e mais eficiente forma possível, com rigorosa obediência ao princípio do equilíbrio financeiro, realizando políticas públicas e ações sociais seguindo a reserva do economicamente possível; não podendo a Fazenda Pública, ao arrepio da lei e da jurisprudência, proceder ao apego irrestrito ao referido princípio, para esquivar-se intencionalmente do cumprimento de suas obrigações constitucionais.
Sendo o direito à saúde, direito de segunda dimensão (direito social prestacional), exigindo-se do Estado prestações positivas em prol da sociedade, não pode a administração pública valer-se do princípio da separação dos poderes ou da supracitada cláusula da reserva do possível, para impedir a intervenção do Judiciário na efetivação desse direito. Devendo, dessa forma, ser garantido ao cidadão o mínimo existencial por meio de prestações básicas à qualidade de vida, permanecendo incólume o núcleo essencial da dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, cabe ressaltar que apenas de modo excepcional é possível a intervenção do Poder Judiciário na plena concretização do direito à saúde, sendo certo que a avaliação do caso concreto posto ao crivo desse poder dever ser ponderada, realizada de modo responsável e prudente, levando em consideração elementos valorativos e reais, visando a impedir decisões inconsequentes que somente realizam a micro justiça, deixando de lado a produção da macro justiça, de forma ampla e geral para todos.
Portanto, é forçoso concluir que o Estado está constrangido a prover de forma permanente e integral os serviços adequados de saúde a pessoa carente portadora de moléstia grave, mediante a disponibilização de recursos financeiros necessários para aquisição dos medicamentos especificados, de alto custo, de que o paciente necessita, porquanto a saúde é direito de todos e dever do Estado, sendo certo que o Sistema Único de Saúde (SUS) visa à integridade da assistência à saúde, seja individual ou coletiva, devendo acolher aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade, de forma que, restando comprovado o acometimento do individuo por determinada moléstia, necessitando de determinado medicamento prescrito por médico, este deve ser fornecido gratuitamente.
Apesar da existência de regras e padrões pré-estabelecidos socialmente, é
impossível evitar conflitos entre os cidadãos e entre o Estado e os cidadãos. Isto acontece
porque o ser humano é de natureza complexa e quando ele trava relações sociais a
complexidade afigura-se maior.
Diante disso, o Estado, através da organização e normas, tem o poder de dirimir
conflitos que envolvem as pessoas (inclusive o próprio Estado), decidindo sobre as
pretensões apresentadas e impondo as decisões.
A necessidade de garantir o acesso à justiça
A história demonstra que as normas jurídicas e o sistema judiciário foram criados
com intuito de pacificar, tornar mais justa e melhorar a vida das pessoas, porém por muitos
fatores - sendo os principais deles a desigualdade e os elevados níveis de pobreza - os
indivíduos não possuem a mesma capacidade de fazer valer os direitos que lhes são
formalmente garantidos. Enquanto os que possuem maior poder aquisitivo têm acesso
facilitado aos órgãos estatais, os mais pobres, além de viverem em uma situação precária e
terem quase todos os seus direitos básicos desrespeitados (saúde, educação, saneamento
básico, dentre outros) são também privados de levar seus problemas e contendas aos órgãos
administrativos ou judiciários, por lhes faltar conhecimento e recursos que possibilitem o
franco acesso ao judiciário ou executivo
Considerando o quadro acima é que visualizamos a relevância de meios
facilitadores do acesso à Justiça, mais especificamente da Defensoria Pública que deve
contribuir para a melhoria das condições daqueles que necessitam de auxílio para que seus
direitos sejam respeitados. Defendemos o pressuposto que se o direito foi criado para
melhorar e facilitar a vida das pessoas é inadmissível que a legislação e o judiciário se
afastem da realidade de seus jurisdicionados. Diante do expostoé possível afirmarmos que
há um “abismo” entre os indivíduos que são efetivamente tutelados pelo Estado e recebem
todos os benefícios a que têm direito e a grande massa de excluídos. Estes mal conhecem a
gama de direitos dos quais são destinatários
 
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REVISTA DE DIREITO PÚBLICO, LONDRINA, V. 2, N. 2, P. 59-74, MAIO/AGO. 2007.
Defensoria pública brasileira: sua história
Simone dos Santos Oliveira1
Resumo
O artigo trata da relação entre o Direito e a Sociedade; o importante papel do
judiciário para realização da justiça social; da garantia do acesso à justiça através da
Defensoria Pública e sua história no ordenamento jurídico brasileiro. O principal
objetivo do trabalho é despertar o interesse para esta importante função estatal
que é tão desprivilegiada e os reflexos da falta de estruturação da instituição na
vida da população, principalmente dos indivíduos mais pobres.
Palavras-Chave: Direito; Sociedade; Acesso à justiça; História; Defensoria pública.
1 Introdução
A idéia deste trabalho nasceu da nossa indignação gerada pela observação da
realidade social, na qual constatamos que apesar de existir de uma Constituição Federal
conhecida como Constituição Cidadã, composta por muitas normas protetivas, os benefícios
que deveriam advir de tal legislação não se realizam e não alcançam os progressos sociais
esperados, visto que a realidade aponta que a população está cada vez mais distante e
alheia às estruturas estatais criadas para lhe dar suporte e garantir uma vida digna. A função
jurisdicional do Estado deveria desempenhar um papel importante, juntamente com as
funções executiva e legislativa, uma vez que é ela que tem maior débito perante a
sociedade, porque não raras vezes se fecha em si mesma, não se volta para a sociedade para
compreendê-la e, apesar disso, acaba decidindo a vida de pessoas das quais ignora a
realidade.
Nesse sentido, João Baptista Herkenhoff (1997, p. 129): “A par da reforma de
códigos e leis, é indispensável reformar a estrutura judiciária: seu pessoal, sua dinâmica,
suas bases materiais, suas praxes obsoletas”.
A partir de tal cenário, fica latente a urgência de repensar a ideologia dos membros
do judiciário e também da valorização de alternativas, tais como: os Juizados Especiais, o
1
Pós-graduanda em Direito do Estado/Constitucional/2006 – Universidade Estadual de Londrina.
Simone dos Santos Oliveira
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trabalho do Ministério Público protegendo a sociedade e a Defensoria Pública atuante em
todas as localidades do país.
Frente ao acima exposto, a atuação da Defensoria Pública, enquanto instrumento
de acesso à justiça, é indispensável na busca da tão sonhada justiça social. Isto posto, ela
passará a ser o foco principal desta reflexão.
2 Jurisdicionalização da sociedade
Antes de adentrarmos ao tema central - a Defensoria Pública e sua história - faz-se
necessário situar o leitor sobre os motivos da jurisdicionalização da sociedade, sua
importância, seus reflexos sociais e também os problemas relacionados ao Direito e à
sociedade.
A constatação de que o ser humano é um ser social vem de longa data, pois o
homem necessita de seus semelhantes para alcançar a realização plena, e na mesma medida
que o homem precisa viver em grupo a sociedade necessita de regras para pacificá-la e
tornar essa convivência harmoniosa. Daí ser a expressão ubi societas ibu jus emblemática do
entendimento de que não existe sociedade sem direitos.
Antônio Carlos de Araújo Cintra (2003, p. 19) explica que a correlação entre direito
e sociedade existe porque o direito exerce função ordenadora, isto é, a coordenação dos
interesses manifestados na vida social, de modo a organizar a cooperação entre pessoas e
compor os conflitos que emergem entre seus membros, como asseveram Sérgio Cruz
Arenhart e Luiz Guilherme Marinoni (2004, p. 27),
é necessária a existência de regras jurídicas para a harmônica convivência social, e
como pode existir dúvida em torno de sua interpretação, ou mesmo intenção de
desrespeitá-las, podem eclodir no seio da sociedade conflitos de interesses.
Como a insatisfação de um interesse, principalmente quando essa insatisfação
decorre da resistência de alguém, pode gerar tensão aos contedores e até mesma
tensão social, é importante que os conflitos sejam eliminados e encontrada a paz
social, escopo do Estado.
As regras impostas pela vida em grupo são de vários tipos: morais, éticas, jurídicas,
entre outras, sendo que as jurídicas são as que possuem maior poder de coação sobre os
indivíduos. Além do que, apenas elas têm relação direta com o objeto deste estudo, daí
porque discorreremos sobre tais normas, que segundo Humberto Theodoro Jr. (2004, p. 5) é
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impossível a vida em sociedade sem uma normatização do comportamento
humano. Daí surgir o Direito como conjunto de normas gerais e positivas,
disciplinadoras da vida social.
Mas não basta traçar a norma de conduta. O equilíbrio e o desenvolvimento sociais
só ocorrem se a observância das regras jurídicas fizer-se obrigatória.
Assim, o Estado não apenas cuida de elaborar as leis, mas, especificamente,
instituir meios de imposição coativa do comando expresso na norma.
Antônio Carlos Wolkmer (2003, p. 19) confirma que a vida em sociedade necessita
de normas, porque
toda a cultura tem um aspecto normativo, cabendo-lhe delimitar a existencialidade
de regras e valores que institucionalizam modelos de conduta. Cada sociedade
esforça-se para assegurar uma determinada ordem social, instrumentalizando
normas de regulamentação essenciais, capazes de atuar como sistema eficaz de
controle social, elemento material para prevenir, remediar ou castigar os desvios
das regras prescritas. A lei expressa a presença de um direito ordenado na tradição
e nas práticas costumeiras que mantêm a coesão do grupo social (WOLKMER, 2003,
p. 19).
Apesar da existência de regras e padrões pré-estabelecidos socialmente, é
impossível evitar conflitos entre os cidadãos e entre o Estado e os cidadãos. Isto acontece
porque o ser humano é de natureza complexa e quando ele trava relações sociais a
complexidade afigura-se maior.
Diante disso, o Estado, através da organização e normas, tem o poder de dirimir
conflitos que envolvem as pessoas (inclusive o próprio Estado), decidindo sobre as
pretensões apresentadas e impondo as decisões.
Entre os povos primitivos a tutela dos interesses era feita pelas próprias partes.
Naquela época, prevalecia a justiça privada e não a pública (administrada pelo Estado). A
transição entre a justiça privada e a pública adveio da longa evolução dos povos.
José Carlos Moreira Alves (1992, p. 124) apresenta em quatro etapas a provável
evolução da proteção dos direitos entre os povos primitivos:
• na primeira etapa, os conflitos entre particulares eram, em regra, resolvidos pela
força (entre a vítima e o ofensor, ou entre grupos de que cada um deles faz parte),
mas o Estado – então incipiente – intervém em questões vinculadas à religião; e os
costumes vão estabelecendo, paulatinamente, regras para distinguir a violência
legítima da ilegítima;
• na segunda, surge o arbitramento obrigatório: a vítima, ao invés de usar da
vingança individual ou coletiva contra o ofensor, prefere, de acordo com este,
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receber uma indenização que a ambos parece justa, ou escolher um terceiro (o
árbitro) para fixá-la;
• na terceira etapa, nasce o arbitramento obrigatório: o facultativo só era realizado
quando os litigantes o desejassem, e, como esse acordo nem sempre existia, daí
resultava que, as mais das vezes, se continuava a empregar a violência para a
defesa do interesse violado; por isso, o Estado não só passou a obrigar os litigantes
a escolherem árbitro que determinasse a indenização a ser paga pelo ofensor, mas
também a assegurar a execução da sentença, se, porventura,o réu não quisesse
cumpri-la, e
• finalmente, na quarta e última etapa, o Estado afasta o emprego da justiça
privada, e, por funcionários seus, resolve os conflitos de interesses surgidos entre
os indivíduos, executando a força se necessário, a sentença.
Segundo José Reinaldo de Lima Lopes (2003, p.398) o direito do Estado julgar o
conflito entre os cidadãos se consolidou com o desenvolvimento da forma moderna de
Estado, processo que se iniciou na Baixa Idade Média, com a progressiva centralização
monárquica e nacional da Europa Ocidental. Junto com a centralização do poder de decisão
sobre os conflitos na mão do Estado ocorreu a profissionalização dos atores processuais,
como explica:
Pode-se também perceber que a profissionalização crescente dos atores relevantes
(advogados, juízes, promotores, cartorários, policiais) acompanhou o
desenvolvimento das formas estatais modernas. O direito do antigo regime, por
seu turno, foi obrigado a conviver com os não-profissionais: viveu um conflito
permanente entre as duas formas de poder.
De um lado, como impedir, numa sociedade estratificada, estamental e pouco
urbanizada (como as sociedades européias e respectivas colônias americanas), que
o mandonismo e o senhorio local se apropriassem da justiça? De outro lado, como
evitar que a centralização e a profissionalização alienassem o povo, ou cidadão
ordinário, das funções públicas da administração da justiça? Ao longo da história, a
presença dos leigos ou a participação popular na administração da justiça assumiu
diversas formas (LOPES, 2003, p. 399).
Ainda sobre a profissionalização das funções judiciais:
[...] a primeira era o fim da gratuidade da justiça, a segunda o distanciamento do
saber jurídico da experiência comum dos leigos. Se a função de julgar ou a
organização dos tribunais exigia um grupo especial de pessoas, que não os
cidadãos comuns, que não por simples honra de servir o bem comum, era preciso
remunerar seus serviços, criando prebendas, rendas ou taxas. O fim da gratuidade
da justiça fez que surgisse o problema da defesa do direito dos pobres (privilégio
que a Igreja se deu, avocando para a jurisdição eclesiástica, ex ratione personae, as
causas das miserabiles personae) e do dever (ou não dever) da advocacia gratuita
em favor dos miseráveis. O distanciamento do saber jurídico do senso comum de
razoabilidade estabeleceu entre os juristas uma linguagem técnica expressa num
jargão, não mais língua falada pela população em geral (LOPES, 2003, p. 416).
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Consideramos que a profissionalização das pessoas envolvidas no processo de
julgamento das lides foi fator determinante para o afastamento do cidadão comum dos
órgãos jurisdicionais. A partir daí, paulatinamente, o processo se afasta dos leigos exigindo
cada vez mais, conhecimentos extremamente técnicos, e o indivíduo passa a ser refém dos
detentores do conhecimento. Tais detentores são os profissionais da área jurídica que
permaneceram por muito tempo afastados de todas as outras áreas do conhecimento
acreditando que o Direito se bastava por si mesmo, esquecendo-se de uma importante lição:
que o Direito existe para servir ao homem e não o homem servir o Direito. E foi esse
comportamento que contribuiu de forma decisiva para dificultar o acesso à Justiça.
Nos últimos tempos vem ocorrendo uma revolução no pensamento jurídico, e nela
prospera uma nova visão que passa a considerar o Direito em função da sociedade, contudo
muitos profissionais ainda continuam com a idéia arraigada de que nada pode atingir o
Direito Positivo e que o conhecimento jurídico não deve ser acessível a toda população.
Sobre a transformação do pensamento jurídico e do sistema judicial:
a grande tentativa de reforma e ruptura do sistema judicial e processual deu-se
com a Revolução Francesa, no que diz respeito ao direito continental. As funções
judiciais haviam sido apropriadas por toda parte como cargos patrimoniais, como
são até hoje os cartórios privados. O processo revolucionário desejava incluir a
justiça na esfera da cidadania formal e liberal, e para tanto impôs novas
características. Em primeiro lugar toda justiça precisava ser (re) ligada diretamente
ao estado: as jurisdições não estatais foram suprimidas (como a eclesiástica) ou
consideradas existentes por permissão e sob supervisão do Estado (como os
tribunais mercantis). Em segundo lugar, considerando que a soberania popular se
exercia pela eleição dos oficiais públicos, havia dois caminhos a seguir quanto ao
aparelho judicial: ou se elegiam os juízes (solução adotada inicialmente para
algumas jurisdições) ou se subordinavam os juízes à vontade popular expressa nas
leis votadas pelos representantes eleitos (solução que se generaliza) (LOPES, 2003,
p. 417).
Segundo Humberto Theodoro Jr. (2004, p. 5), cabe ao Estado a função jurisdicional,
pois ele utiliza método próprio, que é o processo. Para regular esse método de composição
dos litígios, cria, o Estado, normas jurídicas que formam o direito processual, também
denominado formal ou instrumental, por servir de forma ou instrumento de atuação da
vontade concreta das leis de direito material ou substancial para solucionar o conflito de
interesses estabelecidos entre as partes.
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3 A necessidade de garantir o acesso à justiça
A história demonstra que as normas jurídicas e o sistema judiciário foram criados
com intuito de pacificar, tornar mais justa e melhorar a vida das pessoas, porém por muitos
fatores - sendo os principais deles a desigualdade e os elevados níveis de pobreza - os
indivíduos não possuem a mesma capacidade de fazer valer os direitos que lhes são
formalmente garantidos. Enquanto os que possuem maior poder aquisitivo têm acesso
facilitado aos órgãos estatais, os mais pobres, além de viverem em uma situação precária e
terem quase todos os seus direitos básicos desrespeitados (saúde, educação, saneamento
básico, dentre outros) são também privados de levar seus problemas e contendas aos órgãos
administrativos ou judiciários, por lhes faltar conhecimento e recursos que possibilitem o
franco acesso ao judiciário ou executivo.
Antônio Carlos de Araújo Cintra (2003, p.25), fala sobre a função jurisdicional na
atualidade:
hoje, prevalecendo as idéias do Estado social, em que ao Estado se reconhece a
função fundamental de promover a plena realização dos valores humanos, isso
deve servir, de um lado, para pôr em destaque a função jurisdicional pacificadora
como fator de eliminação dos conflitos que afligem as pessoas e lhes trazem
angústia; de outro, para advertir os encarregados do sistema, quanto á necessidade
de fazer do processo um meio efetivo para a realização da justiça.
Considerando o quadro acima é que visualizamos a relevância de meios
facilitadores do acesso à Justiça, mais especificamente da Defensoria Pública que deve
contribuir para a melhoria das condições daqueles que necessitam de auxílio para que seus
direitos sejam respeitados. Defendemos o pressuposto que se o direito foi criado para
melhorar e facilitar a vida das pessoas é inadmissível que a legislação e o judiciário se
afastem da realidade de seus jurisdicionados. Diante do exposto é possível afirmarmos que
há um “abismo” entre os indivíduos que são efetivamente tutelados pelo Estado e recebem
todos os benefícios a que têm direito e a grande massa de excluídos. Estes mal conhecem a
gama de direitos dos quais são destinatários.
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4 Primórdios da defensoria pública e defensoria pública no Brasil
Se a Defensoria Pública se afirma como instrumento de defesa dos direitos é
importante conhecer sua história, bem como, seus antecedentes mais remotos.
Encontramos registro do tratamento especial dispensado àqueles que se
encontravam em situação desprivilegiadano Código de Hamurabi, que data de 1694 a.C:
Parágrafo 48, XIV Se um awilum2 tem sobre si uma dívida e (se) Adad3 inundou seu
campo ou a torrente (o) carregou, ou (ainda) por falta de água, não cresceu cevada
no campo, nesse ato ele não dará cevada ao seu credor. Ele umedecerá a sua tábua
e não pagará os juros desse ano (BOUZON, 2003 p. 86).
Na passagem acima, do Código de Hamurabi, apesar de não abordar propriamente
a idéia de defesa do acesso à Justiça, notamos que já existe a preocupação em proteger
aquele que se encontra em uma situação de dificuldade. Sendo assim, o homem, naquele
momento, já estava atento à necessidade de proteção aos que se encontrassem em situação
desigual.
Em Atenas e em Roma encontramos formas de proteção aos necessitados mais
parecidas com as que adotamos hoje.
Em Atenas, na Grécia antiga, podemos vislumbrar uma atuação mais concreta junto
aos pobres. Nesta região eram designados anualmente dez advogados para
defender esses menos favorecidos contra os poderosos diante dos tribunais civis e
criminais. Em Roma, existiam diversos dispositivos legais que resguardavam os
direitos dos necessitados, e era uma questão de honra para os governantes,
observar se seus governados mantinham entre si uma certa igualdade perante a lei,
cabendo a estes governantes sanar qualquer abuso (ORIGEM, 2006).
Humberto Peña Moraes (1984, p.21) registra que se atribui a Constantino (288-337)
a primeira iniciativa de ordem legal que se incorporou à Legislação de Justiniano (483-565):
prover advogado a quem não possuísse meios materiais para remunerar um defensor.
Com o aparecimento do cristianismo, a caridade, um dos grandes temas da doutrina
cristã, impôs aos advogados o dever da defesa, sem honorários, e aos juízes o de julgar,
renunciando às custas, mas na Idade Média, por influência do feudalismo, os costumes e a
idéia do patrocínio profissional aos indigentes foram sendo deixados de lado.
2
Awilum: representava, na sociedade babilônica, o homem livre, o cidadão em pleno uso de seus direitos.
3
Adad: forças da natureza.
Simone dos Santos Oliveira
66
REVISTA DE DIREITO PÚBLICO, LONDRINA, V. 2, N. 2, P. 59-74, MAIO/AGO. 2007.
Após a revolução Francesa, em 1789, e com a difusão dos ideais de igualdade,
liberdade e fraternidade, o Estado foi impulsionado a organizar instituições oficiais para
prestação de assistência judiciária aos pobres. Porém, isto não quer dizer que foi implantada
assistência aos necessitados de forma satisfatória. Neste momento histórico, havia apenas a
preocupação com a igualdade formal e imperava a idéia dos direitos individuais.
O primeiro grande impulso dado à questão acesso à justiça ocorreu na década de
70, através do “Movimento de Acesso à Justiça”. Porém, o reconhecimento da necessidade
de propiciar aos desprivilegiados do sistema condições de acesso à Justiça e o direito à
igualdade vem de longa data, pois as sociedades antigas já se preocupavam com tal
problema.
a própria natureza com seus desígnios supranaturais, estabelece, entre os homens,
inúmeras diferenças fundamentais, inclusive, de fortuna, impondo a todos a tão
discutida, mas não menos verdadeira, desigualdade natural, fundamento de toda
teoria moderna da Igualdade perante a Lei (MORAES, 1984, p.18).
.
Portanto, conforme podemos verificar, já nas antigas sociedades organizadas havia
a preocupação de garantir igualdade de tratamento e de oportunidades diante das
diferenças individuais causadas pela desigualdade da fortuna.
Apercebidos que tal desigualdade ocasionaria, fatalmente, diferença de
oportunidade, procuraram inserir, nos seus ordenamentos legais, princípios de
ordem pública que ensejassem aos pobres a mesma oportunidade de invocar
jurisdição, possível de ser exercida, por expensas próprias pelos afortunados
(MORAES, 1984, p. 19).
O asseguramento do direito de acesso de todos à prestação jurisdicional,
independentemente de suficiência de recursos, permaneceu, no mundo moderno,
mantidas as peculiaridades locais, como um dos principais objetivos das legislações
próprias, aperfeiçoada, sob o influxo de novas concepções sócio-jurídicas,
econômicas e políticas, embora ainda sejam registrados sistemas bastante
primários de ajuda legal (MORAES, 1984, p. 28).
No Brasil, a Defensoria Pública é a nossa mais nova instituição jurídica. Ela, em
média, foi instituída há treze anos, nas diversas Unidades da Federação nas quais atua
(BRASIL, 2004). No entanto, podemos citar iniciativas e normas, no decorrer de nossa
história, que dizem respeito à busca pela garantia da igualdade e acesso à justiça que
atualmente a Defensoria Pública passa a defender.
67
Em alguns textos consultados, observamos que os autores fizeram referência às
Ordenações Afonsinas
4
(Livro 3º, Título 8º, Livro 3º e Titulo 5º) como sendo a primeira
iniciativa de amparo aos menos favorecidos de que se teve conhecimento em nosso país.
Todavia, a maioria dos estudiosos do tema afirma que a primeira manifestação
acerca da assistência jurídica, no Brasil, encontra-se nas Ordenações Filipinas, no Livro III,
Título 84, parágrafo 10:
Em sendo o agravante tão pobre que jure não ter bens móveis, nem de raiz, nem
por onde pague o agravo, e dizendo na audiência uma vez o Pater Noster pela alma
del Rey Don Diniz, ser-lha-á havido como que pagasse os novecentos reis, contanto
que tire de tudo certidão dentro do tempo, em que havia de pagar o gravo.
(DEFENSORIA, 2006)
Humberto Peña Moraes (1984, p. 94) comenta que os dizeres acima correspondem
ao que hoje chamamos de afirmação de pobreza.
Embora esta Ordenação date de 1603, somente em 1823 estes dispositivos vieram a
vigorar por força de lei. Alguns anos depois, outros dispositivos vieram sobre forma de leis e
regulamentos, estabelecendo, de forma mais concreta, a assistência judiciária no país. Em
um primeiro momento, essas leis disciplinavam essa assistência em processos penais.
Entretanto, posteriormente, outras leis vieram lhe dar um caráter mais abrangente,
compreendendo o processo civil.
Apesar da existência dos dispositivos citados acima, não conseguimos encontrar
registros de que no período imperial o Estado investia na assistência jurídica, através de instituições oficiais
Pelo contrário, em texto de página na Internet, “Direitos e Desejos
Humanos no Ciberespaço”, há a seguinte afirmação:
A única resposta é que ou os pobres ficavam completamente desamparados
juridicamente ou este serviço acabava por recair sobre a classe dos advogados.
Ora, vejamos, a estes profissionais restava acumular seus serviços particulares, dos
quais dependia sua sobrevivência, com a “caridosa” prestação da assistência
judiciária gratuita. Obviamente, tal sistema mereceu justas críticas por parte de
muitos estadistas, aos quais não agradava ver a força de trabalho destes
profissionais explorada, gratuitamente, pelo Estado. Tornou-se evidente o clamor
de uma nova construção legislativa que regulasse de maneira mais justa o
assunto.(ORIGEM, 2006)
Diante da falta de iniciativa por parte do Estado, é criado, em 1870, pelo Instituto
dos Advogados Brasileiros, um Conselho com a finalidade de prestar assistência judiciária
aos necessitados em causas civis e criminais.
Sobre tal Conselho, Humberto Peña Moraes (1984, p. 81), registra que Nabuco de
Araújo, que na época era o presidente do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, foi
o grande incentivador da assistência jurídica aos pobres e necessitados. Inconformado com a
situação e diante da insuficiência de sua iniciativa e de seus companheiros. Nabuco de
Araújo (apud MORAES, 1984, p. 85) disse:
Se não se pode tudo, faz-se o que é possível. No estado actual da nossa legislação,
e attendendo às despesas que uma demanda custa, pode-se dizer, sem medo de
errar, que a igualdade perante a lei não é uma palavra vã. Que importa ter direito,
se não é possível mantê-lo? Se um outro pode vir privar-nos delle? Que importa ter
uma reclamação justa, se não podemos apresentál-la e seguil-la por falta de
dinheiro? A lei é, pois, para quem tem dinheiro, para quem pode pagar as despesas
dasdemandas (mantida a grafia da época)
	
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