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Disciplina: Introdução ao Pensamento Geográfico Aula 5: A Geografia Tradicional: A Geografia Regional de Vidal de La Blache Apresentação Em meados do século XIX a disputa territorial entre a França e a Prússia se acirrou, culminando na Guerra Franco-Prussiana de 1870 e marcando o fim da hegemonia francesa na Europa. O chanceler prussiano Otto von Bismarck derrotou o exército de Napoleão III, e anexou à Alemanha os territórios da Alsácia e de Lorena, pertencentes à França. Até a época da Guerra Franco-Prussiana, a Geografia na França era muito negligenciada, ensinada nas universidades como disciplina auxiliar ao ensino de História. Entretanto, após terem sido derrotados, os franceses perceberam a importância do ensino e da pesquisa em Geografia. Paul Vidal de La Blache (1845-1918) personificará a Escola Francesa de Geografia. Para entender a produção acadêmica deste autor e sua contribuição para o desenvolvimento da Geografia, é necessário contextualizar o desenvolvimento de sua obra. Nesta aula, apresentaremos a influência do Possibilismo na Geografia Tradicional e os principais conceitos desenvolvidos por La Blache. Objetivos Analisar o contexto histórico da Institucionalização da Geografia Francesa; Examinar a Geografia Francesa e o pensamento de Vidal de La Blache; Identificar os principais conceitos formulados por Vidal de La Blache. O contexto histórico da institucionalização da Geografia Francesa 1804 Napoleão Bonaparte foi coroado imperador da França. O Império Napoleônico promoveu uma intensa política expansionista, conquistando Itália, Holanda, parte da Alemanha, se aliando à Rússia e estabelecendo o bloqueio continental à Inglaterra, em 1806. 1814 Ingleses, austríacos, russos e prussianos, formaram uma poderosa coligação militar e invadiram Paris, destituindo Napoleão, exilando-o na Ilha de Elba. Napoleão conseguiu fugir e restabelecer seu poder, iniciando o Governo dos Cem Dias. 1814 As tropas militares dos países aliados contra a França finalmente derrotaram o exército francês na famosa Batalha de Waterloo. Segundo Rodrigues (2008), os representantes das potências europeias, sob a liderança da Inglaterra, Áustria, Prússia e Rússia, se reuniram no Congresso de Viena e redistribuíram os territórios do Império Napoleônico entre os países vencedores, restaurando as fronteiras alteradas pelas guerras. 1830 a 1832 Os movimentos liberais e burgueses originados na França, se espalharam pelo continente europeu, iniciando o período conhecido como Revoluções Liberais. Esses movimentos revolucionários foram responsáveis pela eliminação definitiva do Antigo Regime na França, que se tornou uma monarquia constitucional, onde a alta burguesia adquiriu papel preponderante no Estado, dando início ao processo de industrialização. Segundo Moraes (1993), durante a Revolução Francesa, a burguesia agiu como uma classe revolucionária, levantando-se contra a estrutura social existente e formulando um projeto hegemônico progressista, que aglutinava os interesses do conjunto da sociedade. O desenvolvimento do capitalismo na França assumiu um caráter revolucionário, que ampliou a representação e a ação política, incluindo as camadas populares. A França foi o país que realizou de forma mais pura uma revolução burguesa. A unificação territorial e a centralização do poder já haviam sido garantidas pela monarquia absoluta que foi destituída do poder. Os resquícios feudais foram totalmente varridos com a Revolução Francesa e a burguesia instalou o seu governo, dando ao Estado a feição que mais atendia aos seus interesses. Burguesia francesa. Em 1848, as crises econômicas e a falta de liberdade civil acentuaram a oposição à monarquia constitucional. Os conflitos entre as classes começaram a se acirrar com o desenvolvimento do capitalismo e a burguesia percebeu os perigos das revoluções, tomando consciência de que seus anseios políticos poderiam ser alcançados pela via do sufrágio universal, evitando confrontos. Conforme Moraes (1993), os ideais e as propostas progressistas, forjadas na fase revolucionária, caíram por terra. Entretanto, esses ideais foram mantidos no discurso, forjando-se uma ideologia da defesa das liberdades formais, subjugadas à lei e à ordem. A democracia, anteriormente relacionada com os ideais da revolução, prestava-se também à manutenção da ordem social. O movimento republicano, neste contexto, foi sufocado por um governo antipopular e conservador, posicionando definitivamente burguesia e proletariado em campos opostos. A Comuna de Paris Na segunda metade do século XIX, a França e a Prússia disputavam a hegemonia no controle continental da Europa. Tal situação culminou com a Guerra Franco-Prussiana, em 1870, na qual a Prússia saiu vencedora. A França perdeu os territórios da Alsácia e da Lorena, vitais para a sua industrialização, pois neles se localizavam as principais reservas de carvão. Em 1871, no contexto da Guerra, ocorreu o levante da Comuna de Paris, que foi a primeira tentativa de criação e implantação de um governo socialista, na História. Teve início com a revolução proletária na capital francesa, durando de 18 de março a 28 de maio de 1871. Uma insurreição popular, derrubou o governo republicano em Paris e constituiu um novo governo para a cidade, chamado de Comuna de Paris. De acordo com Rodrigues (2008), a Comuna da Paris instituiu o fim dos privilégios e a distinção entre as classes, o ensino gratuito e obrigatório, o controle de preços dos alimentos, dos aluguéis e distribuição da renda pelo sistema de cooperativas. Entretanto, os antigos governantes, representantes do governo republicano burguês que haviam sido retirados do poder, conseguiram organizar uma reação ao governo revolucionário socialista da Comuna de Paris. Após 72 dias de poder, a Comuna de Paris foi derrotada por um forte aparato militar e policial. A alta burguesia da cidade reagiu com força e violência, prendendo ou executando os líderes e demais integrantes da Comuna de Paris. Mais de vinte mil revolucionários foram mortos. Nesse contexto a Geografia francesa ganhou força e se institucionalizou como disciplina autônoma, já que a perda da guerra pela França foi atribuída não ao exército alemão, e sim à Geografia, a forma como ela era ensinada e aplicada. O governo republicano se deparou com a necessidade de reorganizar o ensino, dando ênfase às disciplinas de Geografia e História no nível secundário. Com isso, conseguiria garantir, também, maior alcance se seus ideais para a manutenção do poder. Vejamos como a Geografia se desenvolveu na França, com pensamento de Vidal de La Blache. A Geografia Francesa e o pensamento de Vidal de La Blache Vidal de La Blache (1845-1918) é considerado o fundador da Escola Francesa de Geografia. Era de historiador de formação e fez doutorado em Geografia. Em 1875, foi nomeado conferencista de Geografia na Universidade de Nancy. Em 1898, tornou-se professor na Universidade de Sorbonne. Entre suas principais obras destaca-se o Tableau de la Géographie de la France. Fundou a revista Annales de Géographie e a Escola Francesa de Geografia, conhecida como Escola Possibilista, colocando a França como um dos principais centros de discussões da ciência geográfica. De acordo com Moraes (1993), o pensamento geográfico desenvolvido por La Blache foi, antes de tudo, um diálogo com a obra e o pensamento de Ratzel. Os dois autores veicularam, por meio do discurso científico, os interesses das classes dominantes de seus respectivos países. Enquanto a proposta de Ratzel exprimia o autoritarismo que permeava a sociedade alemã e privilegiava a análise do Estado; a proposta de Vidal manifestava um tom mais liberal, consoante com a evolução francesa. Sua análise partiu do homem abstrato do liberalismo . Segundo Moraes (1993), Vidal de La Blache elaborou várias críticas às formulações da Geografia alemã: 1ª crítica Estava dirigida à politização explícita do discurso de Ratzel e a vinculação entre o pensamento geográfico e ocaráter apologético dos interesses expansionistas alemão, contidos no discurso desse autor. La Blache defendia a necessidade da neutralidade do discurso científico, propondo despolitização da disciplina. No entanto, essa proposição de uma neutralidade científica era só aparente, visto que o posicionamento de acobertar o conteúdo político da ciência representava o temor da burguesia em relação ao poder revolucionário do avanço das ciências. 2ª crítica Incidia sobre o caráter naturalista do pensamento de Ratzel. Vidal criticou a minimização do elemento humano, que aparecia como passivo nas obras de Ratzel, defendendo o componente criativo contido na ação humana. Porém, em suas análises, La Blache preocupava-se com o resultado da ação humana na paisagem, e não a ação humana em si mesma. 1 file:///W:/2018.2/introducao_ao_pensamento_geografico__GON950/aula5.html 3ª crítica Estava dirigida à concepção fatalista e mecanicista da relação entre os homens e a natureza, atacando a ideia da determinação da História pelas condições naturais. La Blache adotou uma postura relativista, afirmando que tudo o que se refere ao homem é mediado pelas contingências. Vidal de La Blache concebeu o objeto da Geografia como a relação homem- natureza, na perspectiva da paisagem. Na sua concepção, o homem é um ser ativo que sofre com a influência do meio natural ao mesmo tempo em que atua sobre este, transformando-o, de acordo com as suas necessidades. Com essa perspectiva, La Blache definiu a base do Possibilismo na Geografia. Com o Possibilismo, o homem é visto como um ser ativo, que recebe a influência do meio, mas que também atua sobre este, transformando-o. De acordo com essa concepção, as necessidades humanas são condicionadas pela natureza e, nesse processo, o homem procura as soluções para satisfazê-las a partir das condições oferecidos pelo próprio meio. Nessa interação homem-meio, a natureza é vista como um conjunto de possibilidades para a realização da ação humana, sendo o homem um importante agente geográfico, uma vez que cria formas sobre a superfície 2 file:///W:/2018.2/introducao_ao_pensamento_geografico__GON950/aula5.html terrestre, transformando o meio e a paisagem que o cerca. A prática vidaliana do trabalho de campo é indissociável de suas pesquisas. Para La Blache, a observação empírica da realidade, e da diferenciação das diversas paisagens terrestres, configuram o principal método de identificação dos diferentes gêneros de vida e da delimitação das regiões, principais conceitos desenvolvidos pelo autor, conforme veremos a seguir. Principais conceitos formulados por Vidal de La Blache O gênero de vida Em sua relação histórica com o meio natural, os grupos humanos se defrontam com as condições ambientais e passam a acumular um conjunto de hábitos, costumes e técnicas transmitidas de geração em geração. A este conjunto construído e transmitido socialmente para as gerações futuras, Vidal de La Blache denominou gênero de vida. O conjunto de ações e as formas por meio das quais os homens tiram proveito das possibilidades oferecidas pela natureza são dados pela diversidade dos gêneros de vida. Conforme Dantas e Medeiros (2011), a noção de gênero de vida permite a análise geográfica vidaliana compreender as relações que os homens tecem com o seu meio. Essas relações são estabelecidas pelas técnicas, pelas formas de trabalho, pelas formas de habitação, pela cultura, entre outros aspectos. A Região Para Vidal de La Blache, a região é concebida como um espaço síntese da relação homem e meio natural. A região é caracterizada como uma unidade espacial que apresenta uma individualidade específica, que exibe uma homogeneidade que a difere de outros espaços ao seu redor. Pela observação empírica seria possível delimitá- la e localizá-la. A região se apresentou como um novo conceito da Geografia e ainda a sua base de investigação. As regiões existem como unidades básicas do saber geográfico, não como unidades morfológica e fisicamente pré-constituídas. São o resultado do trabalho humano em um determinado ambiente. Para descrever uma região é necessário considerar as formas de civilização, a ação humana e os gêneros de vida de cada área, visando encontrar sua identidade e sua singularidade. O método de investigação recomendado é a observação e a descrição dos fatores responsáveis pela diferenciação de cada paisagem. Conforme Moraes (1983), a ideia de região propiciou o que viria a ser a majoritária e mais usual perspectiva de análise do pensamento geográfico: a Geografia Regional. Com a realização de monografias, os geógrafos passaram a produzir análises circunscritas à área enfocada, buscando chegar a um conhecimento cada vez mais profundo dessas áreas, com a observação e descrição dos fenômenos e elementos presentes. A Geografia Regional divide o estudo geográfico em: De acordo com Rodrigues (2008), os trabalhos monográficos e regionais se apresentam da seguinte forma: Localização da área, por meio de projeções cartográficas. Quadro físico, como relevo, solo, hidrografia, clima, vegetação e outros. Formação histórica de ocupação humana do território Estrutura agrária; a estrutura urbana Estrutura industrial. Conclusão para demonstrar a relação entre os elementos humanos e naturais da região. De acordo com Moraes (1983), Vidal de La Blache acentuou o propósito humano da Geografia, vinculando todos os estudos geográficos à Geografia Humana. No entanto, esta foi concebida como o estudo da paisagem. A Geografia de La Blache estuda: A população, e nunca a sociedade. Os estabelecimentos humanos, não as relações sociais. As técnicas e instrumentos de trabalho, não os processos de produção. A relação homem-natureza, não a relação entre os homens. Nesta aula, estudamos o desenvolvimento da Geografia na França e o pensamento de Vidal de La Blache. Na próxima aula, analisaremos a Geografia Racionalista. Atividade 1. Apresente, sinteticamente, os conceitos de Gênero de Vida e de Região, conforme formulado por Vidal de La Blache. 2. Nos últimos anos, a ciência geográfica tem passado por grandes mudanças conceituais e metodológicas. Com relação à Geografia, seus métodos, concepções, princípios e evolução, marque a opção correta: a) O espaço geográfico nada mais é do que a descrição da paisagem. b) Friedrick Ratzel, defendeu o possibilismo geográfico. c) Os homens não tiram proveito das possibilidades oferecidas pela natureza. d) No Possibilismo, o homem é visto como um ser ativo, que recebe a influência do meio, mas que também atua sobre este, transformando-o. e) Vidal de La Blache não valorizava a pratica do trabalho de campo em suas pesquisas. 3. Vidal de La Blache elaborou várias críticas às formulações da Geografia alemã, com excessão da crítica: a) À politização explícita do discurso de Ratzel, b) À vinculação entre o pensamento geográfico e o caráter apologético dos interesses expansionistas alemão. c) Ao caráter naturalista do pensamento de Ratzel. d) À concepção fatalista e mecanicista da relação entre os homens e a natureza. e) À defesa da neutralidade do discurso científico presente na obra de Ratzel. 4. Sobre o conceito de Região e a Geografia Regional, é correto afirmar: A região é caracterizada como uma unidade espacial que apresenta uma individualidade específica, que exibe uma homogeneidade que a difere de outros espaços ao seu redor. Para Vidal de La Blache é impossível identificar, delimitar e localizar uma região pela observação empírica. Para descrever uma região não é necessário considerar as formas de civilização, a ação humana e os gêneros de vida de cada área. A ideia de região pouco influenciou o desenvolvimento do pensamento geográfico. Embora a Geografia Regional divida o estudo geográfico em quadros físicos, humanos e econômicos, ela não se configura como um ramo importante da Geografia. Notas Liberalismo É uma teoria política e social que enfatiza fundamentalmente os valores individuais da liberdade eda igualdade. Para os liberais, todo indivíduo têm direitos humanos inatos. De acordo com a filosofia política liberal, a sociedade e o governo devem proteger e promover a liberdade individual, em vez de impor constrangimentos; a pluralidade e a diversidade devem ser encorajadas e a sociedade deve ser igual e justa na distribuição de oportunidades e recursos. Possibilismo Geográfico O Possibilismo discute as relações homem-meio natural, mas diferentemente do Determinismo, não entende a natureza como fator determinante do comportamento humano. Com o Possiblismo entende-se que o ambiente não explica tudo, pois é preciso perceber a presença do homem como agente que modifica o ambiente em que ele vive. Referências ANDRADE, Manuel Correia de. Geografia: ciência da sociedade. Recife: UFPE, 2006. DANTAS, Aldo; MEDEIROS, Tássia Hortência de Lima. Introdução à ciência geográfica. Natal: EDUFRN, 2011. MORAES, Antônio Carlos Robert Moraes. Geografia: pequena história crítica. São Paulo: HUCITEC, 1983. MOREIRA, Ruy. O que é Geografia. São Paulo: Brasiliense, 1985. SANTOS, Vera Maria dos. História do pensamento geográfico. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, CESAD, 2009. RODRIGUES, Auro de Jesus. Geografia: introdução à ciência geográfica. São Paulo: Avercamp Editora, 2008. Próximos Passos A geografia racionalista de Alfred Rettner e Richard Hartshorne. 1 2 Explore mais Pesquise na internet sites, vídeos e artigos relacionados ao conteúdo visto. Em caso de dúvidas, converse com seu professor online por meio dos recursos disponíveis no ambiente de aprendizagem. Leia os textos: Guerra Franco-Prussiana <http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/historiageral/guerra-franco- prussiana.htm> Revolução de 1848: movimentos revolucionários populares no mundo <https://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia/revolucao-de-1848- movimentos-revolucionarios-populares-no-mundo.htm> . http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/historiageral/guerra-franco-prussiana.htm https://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia/revolucao-de-1848-movimentos-revolucionarios-populares-no-mundo.htm