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A Sangria na Terapêutica Atual

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Y h n.° 82 
, A SANGRIA^ 
NA 
f TERAPEUTICAACTUAL 
4^^^' 
T I P O G R A F I A M A R Q U E S 
( com of. de encadernação anexa) 
R. Gonçalo Cristóvão, 191 • PORTO 
-
= A sangria 
na terapêutica actual 
A sangria 
na terapêutica actual 
Tese de Doutoramento 
Apresentada à 
Faculdade de Medicina do Porto 
2Xfcrií = 1920 
Sacuiaaae 8c medicina 3o Pôrfo 
DIRECTOR - ppoi. DP. ftalmiai i nugusfo De mm Lemos 
SECRETARIQ - Prof. DP. too mineira Bastis 
P R O F E S S O R E S O R D I N Á R I O S 
Anatomia descritiva . . . . Prof. Dr. Joaquim Alberto Pires de Lima. 
Histologia e embriologia . . Prof. Dr. Abel de Lima Salazar. 
Fisiologia geral e especial . Prof. Dr. Antonio de Almeida Garrett. 
Farmacologia Prof. Dr. José de Oliveira Lima. 
Patologia geral Prof. Dr. Alberto Pereira Pinto de Aguiar. 
Anatomia patológica . . . Prof. Dr. Augusto Henriques de Almeida Brandão. 
Bacteriologia e Parasitologia. Prof. Dr. Carlos Faria Moreira Ramalhão. 
Higiene . prof. Dr. João Lopes da Silva Martins Junior. 
Medicina legal Prof. Dr. Manuel Lourenço Qomes. 
Medicina operatória e peque-
na cirurgia . . . . . Prof. Dr. Antonio Joaquim de Souza Junior. 
Patologia cirúrgica . . . . Prof. Dr. Carlos Alberto de Lima. 
Clii.ica cirúrgica Prof. Dr. Álvaro Teixeira Bastos. 
Patologia medica Prof. Dr. Alfredo da Rocha Pereira. 
Clinica medica prof. Dr. Tiago Augusto de Almeida. 
Terapêutica geral prof. Dr. José Alfredo Mendes de Magalhães. 
Clinic i obstétrica Vaga (1). 
Histo. ia da Medicina e Deon-
t o l o E i a • • Prof- Dr. Maximiano Augusto de Oliveira Lemos. 
Dermatologia e sifiligrafia . Prof. Dr. Luiz de Freitas Viegas. 
Psiquiatria P'of. Dr. Antonio de Souza Magalhães e Lemos 
Pediatria Vaga (2). 
P R O F E S S O R E S J U B I L A D O S 
José de Andrade Gramaxo 1 
,, . . _ . > lentes catedráticos. 
Pedro Augusto Dias j 
(1) Cadeira regida pelo Prof. liv Manuel Antonio de Moraes Frias. 
(2) Cadeira regida pelo Prof. ordinário Antonio de Almeida Garrett. 
A Faculdade não responde pelas doutrinas expendidas na dissertação. 
(Art. 15.0 § 2.0 do Regulamento Privativo da Faculdade de 
Medicina do Porto, de 3 de Janeiro de 1920). 
<f̂ mini}a 
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<j\' aagra&a memória be meu 
Pai 
^ mingas irmãa 
"gertlja, ^ £ c m a ^ m t U a c j£aura 
meu trmao 
J\ , méuil Bobfttt^OB 
^Jj^aría e ^ n t ô n i o 
^ meu» ^çji«8 
e Raposa 
^ mcuo cunljaàoB 
^ b u a r b o ^ e i m ã o ^arbe&o ^pinto 
e 
J^utz "garros X£K rg°^n 0 
^ ' tnemôf ta &e meix cuntjaïo 
António ^ugusto opinio be J^lmeiba 
I 
çjste pequeno trabalho sobre a sangria, 
foi-me determinado não somente pelo 
importante papel que este antigo processo de 
tratamento hoje desempenha em determinados 
processos patológicos mas, ainda, pelas inúmeras 
discussões que tantas vezes originou. 
De facto, depois de atravez dos tempos 
ter sofrido tantos e tão rudes golpes, a ponto 
de quasi se transformar nu/n elemento de simples 
valor histórico, surge de novo da sombra do 
esquecimento, baseado agora em princípios fisio-
lógicos bem determinados, identicamente a vários 
outros processos terapêuticos, pelo que, no tra-
tamento de determinadas doenças, consegue foros 
de indispensável. 
É isto que justifica o meu estudo cuja ma-
téria divido nos seguintes capítulos ; 
/ — A sangria na antiguidade. 
H— A sangria na época actual. 
Hl — Técnica dos diferentes processos de 
sangria. 
IV— Indicações. 
V — Observações. 
Como última prova do meu curso de medi-
cina, sei bem quão modesta ela ê ; no entanto, 
espero que o Ex.'"° Júri me leve em conta a boa 
vontade que a ela presidiu. 
* 
Ao Ex."'" Professor Tiago de Almeida, meu 
Ilustre Presidente de tese, apresento os meus 
agradecimentos com a minha admiração. 
C A P Í T U L O I 
Á sangria na antiguidade 
i 
1 / Ão nos referindo já, à probabilidade de 
Podaliro, filho de Esculápio, ter feito a 
primeira aplicação da emissão sanguínea, assinala-
mos, entretanto, que os Egípcios e os Seitas pra-
ticaram esta operação nos primeiros séculos da 
sua existência. 
De então para cá, a sangria, sempre conhe-
cida, foi-se sujeitando às muitas modalidades coin 
que os critérios de cada época a transformaram, 
modalidades que redundavam em períodos de apo-
logia e períodos de ataque e decadência. 
Assim, vemos Hipocrates e seus adeptos, 
460 anos antes de Cristo, concederem-lhe foros 
do mais valoroso processo de tratamento e cria-
28 A SANGRIA NA TERAPÊUTICA ACTUAL 
rem-llie assim um dos mais áureos períodos. 
No entretanto, ioo anos depois, Erasistrato ofusca-
lhe o esplendor anteriormente criado, declarando-se 
seu inimigo e argumentando com as concepções 
filosóficas da época. 
De facto, pensava-se então que a alma residia 
no sangue, e, abrir uma veia, era facilitar a fuga 
daquela, o que constituía um grave perigo. 
Posto, porém, que o mestre aconselhasse os 
seus discípulos a não praticarem a sangria, o 
facto é que estes se davam à discussão das con-
tra-indicações da flebotomia. 
Primeiro, uns, não sabiam descriminar a veia 
da artéria; outros, julgavam deixar escapar a 
pneuma, sopro vital que o pulmão aspira; outros, 
ainda, rejeitavam a flebotomia, porque doentes 
havia que tinham morrido por medo ou síncope ; 
acrescentavam outros, enfim, «não ser possível 
determinar ao certo a quantidade de sangue a 
tirar, e que, se a quantidade de líquido nutritivo 
que saía era menor do que a quantidade precisa, 
nada se tinha utilisado; se era maior, corria-se o 
risco de matar o doente». 
Galeno, modificando, a seu modo, a fórmula 
hipocrática, a nahncza cura as doenças, fazia tam-
bém a aplicação da sangria. 
« 
C A P Í T U L O I 2 9 
António Gomes Lourenço, na arte fleboto-
mática, diz: «Seis intenções queriam os antigos, 
que a sangria satisfizesse, e, por isso, mandavam 
sangrar em diversas partes do corpo. Muitos, 
porém, considerando como se faz a circula-
ção do sangue, querem que só satisfaça à 
intenção de evacuar. As seis intenções, diziam 
os antigos que eram para evacuar, para di-
vertir, para atrair, para alterar, para preser-
var e para aliviar». 
Leonardo de Pristo refere mais duas: de 
curar e de ventilar. 
São de Zacuto Lusitano as seguintes con-
siderações: «A sangria é de grande utilidade 
quando na virilidade os indivíduos apresentam 
dores intensíssimas de cabeça. 
Nos indivíduos de idade avançada está con-
traíndicada aquela operação, a não ser que se 
mostrem musculosos, robustos e com o sistema 
m 
sanguíneo muito desenvolvido ; nas supressões de 
menstruação a flebotomia do pé é de incontestável 
vantagem ; nas mulheres grávidas, deve haver 
grande cautela em praticar a sangria, porque, 
sendo intempestiva e imoderada, pode provocar o 
aborto; a flebotomia é muito necessária para os 
casos de inflamação dos olhos, etc». 
30 .A SANGRIA NA TERAPÊUTICA ACTUAL 
Galeno empregou a sangria, tendo o cuidado 
de olhar ao vigor do paciente, nunca sangrando 
antes dos 14 anos, e procurando.de preferência 
o princípio da doença como melhor época para 
a operação. Quanto ao logar da operação, umas 
vezes escolhia as veias do braço, outras, as jugo-
lares e as safenas, tendo sempre em vista dimi-
nuir a 'pletora, fazendo a diversão ou revolução 
sanguínea. 
Desta forma se mantiveram as noções médi-
cas até ao século XVI. 
Ao entrar no século XVII aparece um adver-
sário de peso : Van-Helmont. Segundo este autor, 
a sangria tirava ao organismo um elemento ne-
cessário ao equilíbrio das suas funções e era jul-
gada como prejudicial, e até, contrária ao fim que 
se propunha. 
Por outro lado, .Sydenham, que viveu no 
mesmo século, aconselhava com grande frequên-
cia a sangria abundante, fundamentando esta prá-
tica na crença de que toda a doença provinha 
duma inquinação que sofria o organismo pela 
aquisição de elementos estranhos que, não sendo 
idênticos aos humores do organismo, corrompiam 
e infeccionavam o sangue quando com êle se 
misturavam. 
http://procurando.de
C A P Í T U L O I 31 
No século da Renascença, Brissate Botai, 
entre outros, advogaram a flebotomia, ojnbora, 
mais como meio derivativo do q u e revulsivo, 
como queria a escola Arabe. 
Botai, pouco preocupado com a questão que 
então se ventilava da prioridade da derivação 
sobre a revulsão, ou vice-versa, entendia que con-
vinha sangrar, e sangrar muito, em todos os esta-
dos mórbidos, fosse qual fosse o ponto em que 
se sangrasse. 
Por esta época, embora as suas opiniões 
fossem vivamente combatidas a ponto do parla-
mento de Paris as ter condenado, rapida-
mente se espalharam por toda a França e 
pela Península. 
Pode dizer-se que a operação da sangria se 
foi mantendo na sciência médica embora sujeita 
às modificações de cada médico e sem grande 
desfavor do mundo clínico. 
Da mesma forma, Guy Patin, deu notável 
incremento á sangria, sendo do domínio médico o 
conhecimento de grande número de sangrias con-
secutivas, (20 e mais) que praticavam em certos 
doentes. 
Chirac, seguia a maneira de ver de Guy Patin 
e, ignorando a importância do líquido nutritivo 
32 A SANGRIA NA TERAPÊUTICA ACTUAL 
na economia, desconhecendo a natureza das suas 
alterações e julgando erradamente à cerca da 
intervenção do sangue nos processos inflamató-
rios, sangrava até nos estados de saúde, para 
prevenir os estados mórbidos. 
Esta prática frutificou em Portugal a ponto 
dos frades se sangrarem na primavera. Moderna-
mente, o povo, em determinadas estações do 
ano e longe dos grandes centros, piocura ainda 
submeter-se à mesma operação com o fim de pre-
venir doenças. 
Em pleno século XVIII usa-se e abusa-se da 
sangria: Borden, sangra n vezes no braço e 
5 vezes no pé uma rapariga portadora de um 
abcesso numa nádega ; Hecquel afirma que há 
sempre muito sangue para viver, e Broussais, 
que gosou de grande influência no seu tempo 
com a sua teoria sobre a inflamação, ainda exa-
gerou mais a mania sanguinária, 
Sangrar em todas os casos, eis a única tera-
pêutica conhecida. 
Em Portugal, não foi o emprego da san-
gria efectuado com maiores restrições e, as-
sim, para demonstrarmos a importância que 
no século XVIII se ligava a este processo de 
tratamento, basta dizer que as vegetações ade-
C A P Í T U L O ! 33 
noides e uma adenopatia cervical, levaram os 
médicos a sangrar D. José na idade de 3 
anos. 
Era então, entre nós, tão frequente a san-
gria, que não posso fugir à tentação de trans-
crever o seguinte período extraído do livro 
«Outros Tempos» do ilustre médico e escritor 
Dr. Júlio Dantas: «Todo o bom viajante do 
século XVIII, neste sagrado recanto de Portugal, 
chamava o padre para o confessar à partida e o 
barbeiro para o sangrar à chegada». 
Todo o abuso determina uma reacção : e, 
assim, a sangria efectuada a torto e a direi-
to, e em quantidades por vezes despropor-
cionais — como o fazia Bouíllard que em alguns 
dias subtraía ao organismo 7^5 de sangue — 
originou a campanha de descrédito levantada 
por Louis e seguida em 1869 por Beau que 
se manifestam contra a flebotomia, enquanto 
Trousseau a reduz ás suas verdadeiras pro-
porções. 
Eis que, daí em diante, sob as influên-
cias destes dois grande clínicos se deixou de 
sangrar^ 
Médicos houve que passaram uma vida 
inteira de clínica, sem fazer u m a sangria, 
3 
34 A SANGRIA NA TERAPÊUTICA ACTUAL 
como em estudantes a não fizeram nem vi-
ram fazer. 
Enquanto Broussais acusa a pletora e a 
inflamação como únicas causas morbigénicas, 
mais tarde alega-se simplesmente a debilidade 
e a astenia e faz-se com que na terapêu-
tica, a poção de Todd v e n h a substituir a 
sangria. 
Foi ainda um erro. 
C A P I T U L O I I 
Á sangria na época actual 
A. época actual, ocupa a sangria o logar 
que muito bem lhe compete, determi-
nado por um mais perfeito conhecimento da fisio-
logia da circulação e da patologia. 
O seu modo de acção está hoje perfeitamente 
demonstrado, e isto, se por um lado reduz consi-
deravelmente o número de casos em que 
deve ser aplicada, por outro lado, nomeada-
mente nas doenças do coração, concede-lhe, 
por vezes, foros dum dos mais eficazes pro-
cessos de tratamento. 
O desenvolvimento das sciências médicas, 
alargando os horizontes anatómicos e dando-nos 
um mais perfeito conhecimento da funcção san-
12 
38 A SANGRIA NA TERAPÊUTICA ACTUAL 
guinea, a descoberta dos agentes microbianos e 
suas toxinas, e consequentemente as noções de 
asepsia e antisepsia, iluminaram este antigo 
processo terapêutico e reduziram consideravel-
mente os acidentes dele dependentes. 
Assim, sabe-se hoje que uma sangria provoca 
um abaixamento da tensão arterial que, embora 
volte a elevar-se progressivamente durante as 
primeiras 2.4 horas, se conserva no entanto, pas-
sado este tempo, um pouco inferior á tensão 
primitiva, o que é d'um grande valor para o 
tratamento das doenças que se fazem acompanhar 
de hipertensão. 
Sabe-se mais que, devido a uma doença 
infecciosa, um envenenamento ou uma insuficiên-
cia de eliminação renal, o organismo se carrega 
de toxinas prejudicialíssimas à vitalidade proto-
plásmica, e que, a sangria, subtraindo à circu-
lação uma determinada quantidade de sangue, 
réalisa d'uma forma rápida a eliminação duma 
proporcional quantidade de princípios tóxicos. 
Landouzy, estudando este assunto, demons-
trou que, «a depuração de 50 centigramas de 
matérias extractivas, custava apenas ao nosso 
organismo 30 gramas pela sangria, 250 gramas 
pelas secreções alvinas e 1500 gramas pelas uri-
C A P Í T U L O I I 39 
nas, enquanto que a mesma, pela pele, exigia 
ioo litros de suor». 
Lander Brunton, considera a sangria como 
uma forma de seroterápia e assim, diz: «sou 
levado a crer que a subtração do sangue por 
meio de sanguesugas, escarificações ou fleboto-
mia, constitue, até um certo ponto, uma forma 
de seroterápia: eu penso que, seguidamente à 
sangria, s e produz u m a transsudação mais 
abundante dos líquidos tecidulares p a r a os 
vasos sanguíneos. Nós modificamos assim a 
constituição do líquido em circulação e, conse-
quentemente, praticamos uma espécie de sero-
terápia ou organoterâpia ». 
Esta teoria é suficientemente demonstrada 
pelos fenómenos osmóticos do n o s s o conheci-
mento, efectuados ao nível dos capilares. A perda 
de qualquer quantidade de sangue, determinando 
um desiquilíbrio entre a coluna líquida sanguínea 
e o líquido intersticial, origina em seguida 
um afluxo de líquido tecidular para a corrente 
sanguínea e por conseguinte a modificação da 
constituição do líquido circulante. 
Com a noção da asepsia e antisepsia, os aci-
dentes inflamatórios (flebites, linfangites, e t c ) 
outrora tão frequentes, foram afastados; a picada 
40 A SANGRIA NA TERAPÊUTICA ACTUAL 
duma artéria, dados os desenvolvidos conheci-
mentos anatómicos, tornou-se excepcional, se 
bem que, na época presente, as consequências 
deste acidente não sejam para recear. 
A técnica operatória, tornou-se perfeita, a 
ponto de podermos hoje substituir a lancêta ou o 
bisturi por uma simples agulha de platina, redu-
zindo ao mínimo a ferida do vaso e dos tegu-
mentos, obstando à formação de trombus, e 
assegurando uma mais perfeita hémostase. 
* 
* * 
A quantidade de sangue a retirar em cada 
sangria, foi um problema que bastante tempo 
levou a resolver. 
Os antigos, como já foi referido, extraíam 
por uma só vez, quantidades desproporcionais 
(dois litros e mais) e ainda, Broussais, sangrava 
algumas vezes até a síncope, podendo nós rela-
cionar com esta exagerada sangria uma das 
causas dos inúmeros insucessos. 
Baseados no princípio de não ser impune-
mente que se roubava á circulação geral uma 
tão grande quantidade de sangue, alguns clínicos 
C A P Í T U L O I I 4 1 
efectuavam pequenas sangriasde 60 a iooc-c- com 
alguns dias de intervalo. 
A verdade é que, hoje, ambos os princídios 
são seguidos, mas bem diferenciados na sua 
aplicação e, assim, a sangria massiça, única, 
variável entre 500c-c ' e um litro, é hoje empregada 
nos grandes processos dispneicos e tóxicos, 
mormente na eclampsia, podendo nós anularos 
acidentes resultantes d'uma tão grande perda de 
sangue com a aplicação duma injecção de idêntica 
quantidade de soro o que constitue um processo 
aperfeiçoado e da máxima utilidade. As pequenas 
sangrias repetidas (60 a iooc-c- uma ou duas vezes 
por semana) aplicam-se nos processos de longa 
duração. 
Na Alemanha, as pequenas sangrias suces-
sivas de 60 a iooc-c-, são empregadas no tratamento 
da clorose, dadas as propriedades hematopoïéticas 
deste processo. 
Carnot, demonstrou que o sangue dum coelho 
sangrado várias vezes, possue estas propriedades, 
e que, injectado ao homem em doses de io c c - , 
produz rapidamente um aumento de glóbulos 
rubros, tendo por este processo, conseguido 
grandes melhoras em tuberculosos anemiados. 
Tudo o que refiro, demonstra bem a inúmera 
42 A SANGRIA NA TERAPÊUTICA ACTUAL 
luz que sobre este assunto se tem feito a ponto 
desta operação constituir hoje um processo 
terapêutico duma precisão indiscutível. 
* * 
A sangria comporta duas divisões : a sangria 
local e a sangria geral. 
A primeira, actua sobre os capilares e efe-
ctua-se por intermédio de ventosas escarificadas 
ou sanguesugas ; a sua acção, é puramente local 
dada a reduzida quantidade de sangue que por 
este processo podemos obter e que não vai alem 
de algumas dezenas de gramas, a não ser que 
prolonguemos por muito tempo a operação. 
A sangria geral, reduzida presentemente á 
flebotomia, efectua-se por intermédio da lancêta, 
bisturi ou agulha e a sua acção faz-se sentir sobre 
as principais vísceras, visto que a quantidade de 
sangue a eliminar é bastante elevada. 
Esta sangria, pode efectuar-se sobre qualquer 
veia do corpo, contanto que esta seja suficiente-
mente volumosa para poder dar saída à quanti-
dade de sangue requerido ; devemos, contudo, dar 
a nossa preferência a uma veia facilmente dilata-
C A P Í T U L O I I 43 
vel e existente numa região de pele bastante fina, 
susceptível de deixar observar facilmente, por 
transparência, o vaso a atacar. 
Nestas condições estão as veias da prega do 
cotovelo, bem visíveis, deixando-se influenciar 
pelas contracções dos músculos do ante-braço que, 
combinadas com a compressão circular exercida 
sobre o braço por intermédio da ligadura, se 
tornam bem volumosas, facilitando ao máximo a 
operação. 
C A P Í T U L O I I I 
Técnica dos diferentes processos 
■ - - - de sangria - = - = 
A época actual o processo de sangria 
mais em voga é a flebotomia. Contudo, 
como os meios e condições em que devemos exer-
cer a nossa actividade profissional podem variar 
imenso, julgo conveniente referir, embora levemen-
te, a técnica de cada um do processos de sangria 
conhecidos, e, assim, falar ainda da aplicação das 
sanguesugas e ventosas escarificadas. 
Sanguesugas. — A sanguesuga é um anelídeo 
da ordem dos Hirudíneos, que habita os pântanos 
e as pequenas ribeiras de curso muito lento da 
Europa e norte de África, 
As suas dimensões médias são de 16 centí-
£ 
48 A SANGRIA NA TERAPÊUTICA ACTUAL 
metros de comprido por 2 de espessura na sua 
parte mais volumosa. 
Ha duas varidades de sanguesugas aplicá-
veis : a verde, (Hirudo oficinalis) e a cinzenta 
(Hirudo medicinalis). O que nestes animais se 
torna mais importante distinguir, é a cabeça da 
cauda : a cabeça é a extremidade mais adelgaçada 
e é constituída por um aparelho de sucção, for-
mada por uma ventosa um pouco côncava, no 
fundo da qual se abre a boca munida de três 
maxilares eguais, em forma de pequenas serras 
com as quais o animal corta os tegumentos, aspi-
rando em seguida o sangue, por intermédio da 
ventosa; a cauda, é a extremidade mais volumosa 
e é portadora duma outra ventosa que serve 
para o animal se fixar ou progredir. 
Para que uma sanguesuga se considere boa 
é necessário que qualquer pressão exercida sobre 
a porção mais volumosa do animal não origine a 
expulsão de sangue pela boca e que o peso médio 
do animal seja de dois gramas, 
O número de sanguesugas a aplicar é variá-
vel com á extensão da região e com a maior ou 
menor quantidade de sangue a eliminar. 
Escolhido o local onde o animal ou animais 
devem fixar-se, faz-se uma lavagem seguida duma 
C A P Í T U L O I I I 49 
leve fricção, não somente para extrair dos tegu-
mentos todas as substâncias capazes de provocar 
a repulsão dos vermes mas, ainda, para provo-
car uma vaso - dilatação local susceptível de 
abreviar a sua fixação aguçando o apetite do 
animal. 
Toma-se depois cada um dos vermes a fixar 
pela sua extremidade mais volumosa e aplica-se 
a cabeça sobre o ponto a sangrar, ou, então, 
introduz-se o animal num tubo de vidro que se 
volta em seguida sobre a região. 
Acontece por vezes o animal demorar a sua 
fixação e, então, deve humedecer-se a região com 
qualquer substância doce, ou irritar o verme com 
productos de sabor desagradável, como sejam, o 
suco de maçã, o vinho ou a água salgada, e fazer 
em seguida a sua aplicação. 
A sanguesuga deve permanecer aplicada 
durante dois a três quartos de hora e deve, 
durante a sua permanência, aumentar progressi-
vamente de volume, 
Se alguns instantes após a sua fixação o 
animal cai, deve imediatamente ser rejeitado; e, 
se findo o tempo julgado conveniente não se solto 
voluntariamente devemos obrigá-lo a tal, tocanda 
a sua extremidade bocal com um pouco de 
A SANGRIA NA TERAPÊUTICA ACTUAL 
água salgada, vinho -ou qualquer substância 
ácida. 
A quantidade média de sangue retirada pelo 
animal é de 15 gramas ; no entanto, aproveitando-
nos da pequena hemorragia consecutiva de que a 
picada é sede e que por vezes demora várias horas, 
podemos elevar a sangria a 100 ou 200 gramas. 
Depois de terminada a operação, procedemos 
ao penso da região, tocando a picada ou picadas 
com tintura de iodo, nitrato de prata, ou a ponta 
dum termo-cautério, sobre o que se faz manter 
durante 24 horas uma compresa de gaze. 
# 
Os acidentes devidos à aplicação das san-
guesugas reduzem-se à dôr, que é quási nula, 
às infecções (erisipela, flemão, etc.) que presen-
temente, com a aplicação dos pensos esterili-
sados teem sido afastados, e à hemorragia, sendo 
este último acidente o que, de mais grave, de-
vemos ter em vista 
A causa desta hemorragia tem originado 
variados estudos, estando mais ou menos assente 
que as sanguesugas actuam, injectando nos vasos 
C A P Í T U L O I I 5t 
uma substância anticoagulante capaz de provocar 
uma hemorragia regional. 
De facto, experiências efectuadas in vitro, 
com este sangue, demonstraram que êle possue 
as mesmas propriedades do sangue hemofílico. 
Como, porém, na época presente podemos facil-
mente deter em qualquer momento a hemorragia, 
quer por meio da compressão, quer pela aplica-
ção de substências hemostáticas como a antipi-
rina em solução a 1:10, o tanino que reúne à sua 
funcção hemostática propriedades de desinfec-
tante, o soro antidiftérico ou de cavalo e em 
último recurso a laquearão do vaso sangrante, 
este acidente não é muito para recear. 
* # 
Ventosas escarificadas — A técnica deste pro-
cesso é a seguinte: Escolhe-se e desinfecta-se a 
região onde se deve operar e faz-se sobre ela a 
aplicação duma ou mais ventosas simples, afim 
de provocar uma forte congestão local. Após isto, 
retiram-se estas e com qualquer instrumento 
cortante, como seja, o bisturi ou a lanceta, faz-se 
uma série de escarificações (10 ou 15 por cada 
52 A SANGRIA NA TERAPÊUTICA ACTUAL 
ventosa) sobre a região, que, pelo facto da apli-
cação prévia da ventosa ou ventosas, se apresenta 
nitidamente determinada. Algumas gotas de san-
gue negro, fazem imediatamenle o seu apareci-
mento ao nivel das incisões e, então, não nos 
resta mais do que elimina-lo com uma compressa 
de gaze esterilisada e fazer novamente a aplicação 
da ventosa ou ventosas que serão retiradas desde 
que a quantidade de sangue existente na ampola 
assim o determine. 
Se a quantidade de sangue retirada não é 
suficiente, nova aplicação do instrumento pode-
mos efectuar sobre a mesma região, depois do 
queefectuamos uma lavagem com água fervida 
ou com um soluto antiséptico e aplicamos um 
penso esterilisado que fazemos manter durante 
um ou dois dias, 
Muitos clínicos simplificam esta t é c n i c a 
pondo de parte a aplicação prévia das ventosas 
simples e efectuando, logo após a lavagem, a 
série de escarificações, para o que ainda alguns 
se servem dum aparelho especial conhecido pelo 
nome de escarificador, cujo modelo mais conhe-
cido, consta de uma caixa metálica cilíndrica 
fechada de ambos os lados por duas tampas; 
uma destas é recortada por um certo número 
C A P Í T U L O I I I 53 
de fendas que servem para dar saída a egual 
número de lâminas cortantes existentes dentro 
da caixa e cujo movimento rápido é deter-
minado por um aparelho de relojoaria; a outra 
tampa tem uma chave destinada a carregar o 
aparelho e um botão de descarga que serve para no 
momento oportuno pôr as lâminas em acção. 
A. aplicação deste aparelho é das mais sim-
ples : depois de lhe ser dada a corda, não nos 
resta senão fazer a adaptação do instrumento 
sobre a região a escarificar, tendo o cuidado de 
observar que a tampa fendida esteja bém em con-
tacto com a pele. 
Depois disto, uma pressão exercida sobre o 
botão produz a descarga imediata da corda, que, 
com o seu movimento rápido, vai fazer saltar 
atravez das fendas as lâminas cortantes produ-
zindo duma só vez todas as escarificações e dando 
ao doente a impressão de ter recebido apenas um 
único golpe. 
Flebolomia — Uma grande sangria não deve 
efectuar-se sem que para com o doente tenhamos 
um determinado número de cuidados prévios. 
54 A SANGRIA NA TERAPÊUTICA ACTUAL 
Assim, nunca praticaremos a flebotomia num 
doente em pleno período de digestão e actuaremos 
de forma que este se possa conservar numa boa 
posição que nos será dada pelo decúbito dorsal. 
No entanto, como nos processos dispneicos 
intensos o doente não consentirá tal, podemos 
permitir a posição assentada, desde que as 
espáduas e a cabeça fiquem bem assentes em 
travesseiros. 
A flebotomia é de preferência efectuada nas 
veias da região da prega do cotovelo, cuja pele, 
bastante fina, deixa seguir por transparência o 
trajecto das arborisações venosas, e por conse1 
qùência facilita ao máximo o ataque do vaso 
escolhido. 
Presentemente, os processos de abertura 
duma veia por intermédio do bisturi, lancêta, 
ou agulha, em quasi nada diferem entre si, a não 
ser que, nos dois primeiros, o doente sente o 
sangue correr numa certa extensão do seu membro, 
o que, nas pessoas de temperamento nervoso, pode 
provocar qualquer acidente, em quanto que por 
intermédio da agulha fazemos desaparecer este 
inconveniente. 
A. técnica da operação é a seguinte : quatro 
ou cinco dedos acima do ponto escolhido para a 
C A P Í T U L O I I I 55 
nossa intervenção, detemos a circulação venosa 
fazendo uma compressão circular do braço por 
intermédio duma ligadura que fixamos com uma 
laçada, ou então, com um tubo de borracha que 
mantemos com uma pinça de pressão. 
Depois disto, com uma compressa embebida 
de alcool, procedemos á desinfecção da região, 
tendo o cuidado de exercer um certo atrito da ex-
tremidade para a raiz do membro afim de provocar 
um maior afluxo sanguíneo e consequentemente um 
aumento de volume do vaso. Se este, apesar disto 
não se torna suficientemente visível, ordenamos 
ao doente que durante um certo tempo efectue 
movimentos de preensâo com a mão, afim de 
facilitar o acesso da coluna sanguínea. Em seguida 
firmamos o cotovelo do doente com a nossa mão 
esquerda, de forma que o polegar venha exercer 
pressão a juzante do vaso a atacar, provocando 
ainda mais a sua evidência e fixação. Resta agora 
proceder á abertura ; para isso, operando com 
bisturi, devemos agir obliquamente e de forma que 
a abertura do vaso se faça no sentido sagital ou 
um pouco obliquamente e que a ponta seja a 
primeira parte do instrumento a actuar fi-
cando o seu dorso voltado para o polegar 
do operador. 
56 A SANGRIA NA TERAPÊUTICA ACTUAL 
A 
Este, depois de se certificar num rápido 
golpe de vista da perfuração da veia pela ponta 
do bisturi, exerce um rápido movimento de abai­
xamento do punho, alargando desta forma sufi­
cientemente a ferida. 
Alguns autores aconselham a descoberta pré­
via do vaso por dissecação. Isto demora um pouco 
mais a operação porque obriga a proceder em pri­
meiro logar à anestesia local, ó que, para um doente 
enfraquecido e inquieto já por uma dispneia intensa 
ou por outro qualquer motivo, pode dar logar a 
uma marcha irregular do resto da intervenção, 
Apesar de tudo, este processo tem que ser 
seguido naqueles indivíduos cuja abundância de 
tecido celular subcutâneo ou de edemas torna 
impossível a observação do vaso pelos processos 
já citados. 
A sangria pela lanceia — Pouco diverge da 
efectuada pelo bisturi. Dada a sua forma especial 
em duplo cortante, constitue quasi exclusivamente 
o primeiro tempo da operação efectuada por este 
instrumento, 
Aberta a veia, o sangue salta em jacto para 
dentro do recipiente a esse fim destinado, mas, 
dentro em pouco, em virtude do seu esvasiamento 
■ 
C A P Í T U L O I I I 57 
contínuo, a quantidade do sangue que sai torna-se 
cada vez menor; podemos então, nesta altura, 
passar qualquer objecto para a mão do doente 
(um rolo de gaze, por exemplo) para que exerça 
sobre êle movimentos alternados de pressão e 
relachamento a fim de facilitar a subida da coluna 
líquida e por conseguinte a sua saída. 
Desde que a quantidade de sangue extraída 
seja considerada suficiente, ordenamos a um aju-
dante que solte a ligadura aplicada a montante 
do vaso, enquanto que nós, mantemos aplicada 
sobre a ferida, uma compressa esterilisada. 
Após isto, completamos o penso, mas de 
forma que a ligadura, ligeiramente compressiva, 
mantenha o antebraço em ângulo recto com o 
braço. 
Sangria pela agulha — Esta forma de sangrar 
constitue o processo modernamente mais seguido, 
se bem que muitos clínicos o empreguem apenas 
nas pequenas sangrias de ioo ou 150"', alegando 
a fácil obstrução da agulha pela formação de 
coágulos. 
A verdade é que este acidente, de facto bas-
tante frequente, constitue apenas uma ligeira 
pausa na marcha da operação, porquanto basta 
58 A SANGRIA NA TERAPÊUTICA ACTUAL 
que por intermédio duma seringa de Pravaz se 
efectue uma ligeira aspiração para que o coágulo 
se destaque e se restabeleça novamente a saída 
do líquido. Alem disso, o emprego de agulhas 
especiais, mais curtas e de maior calibre que as 
empregadas para injecções, afasta bastante este 
pequeno acidente, que nada vale, se entrarmos 
em linha de conta com aqueles que a presença 
dum bisturi pode provocar num paciente nevro-
pata. 
A agulha a empregar, deve ter um compri-
mento médio de um centímetro e meio e o seu 
calibre não deve ser inferior a dois milímetros ; 
além disto, deve ter um bisel mais curto que o 
das agulhas vulgares. 
Os primeiros e últimos tempos da operação 
são idênticos aos empregados nos processos pela 
lancêta ou bisturi ; em seguida, fixada a agulha 
entre o polegar e o indicador da mão direita, é 
esta introduzida obliquamente, fazendo um ângulo 
médio de 50o em relação com o eixo da veia, 
suavemente, não só para que o operador possa 
observar o caminho por ela percorrido, mas ainda, 
para obstar a que qualquer movimento brusco 
possa desviar o vaso do local primitivo, ou faça 
com que a agulha atravesse duma só vez as duas 
C A P Í T U L O I I I 59 
paredes da veia. A passagem da agulha atravez 
da parede anterior do vaso, determina o apareci-
mento imediato e contínuo do sangue ao nível do 
pavilhão, o que nos dá a certeza de termos sido 
bem sucedidos na operação. 
Resta, então, deixar sair a quantidade de 
líquido julgada necessária e, em seguida, retirar 
a agulha, fazendo ao nível da picada a aplicação 
duma pincelada de tintura de iodo. 
No caso de alguma gotas de sangue conti-
nuarem a fazer o seu aparecimento, um pouco de 
colódio elástico deterá esse insignificanteinci-
dente. 
C A P Í T U L O IV 
- = = = Indicações = = - = 
Vy OMO nos capítulos anteriores tenho entra-
do sempre em linha de conta com os 
três métodos de sangria, ou sejam, pelas sangue-
sugas, ventosas escarificadas e flebotomia, julgo 
conveniente, em antes de entrar em considerações 
sobre as indicações da sangria em geral, fazer 
algumas referências à oportunidade de cada um 
dos métodos. 
Na época actual, podemos afirmar que, numa 
intervenção de urgência, o clínico está sempre 
preparado para efectuar uma flebotomia ou apli-
car algumas ventosas escarificadas e raramente 
para fazer a aplicação de sanguesugas. 
De facto, é fácil a qualquer médico fazer-se 
64 A SANGRIA NA TERAPÊUTICA ACTUAL 
acompanhar dum instrumento com que possa 
abrir uma veia ou fazer algumas escarificações 
sobre a pele do doente, improvisando em segui-
da uma ventosa com um pequeno copo de vidro; 
jà não é fácil, porem, encontrar sanguesugas em 
todos os logares onde tenha de exercer a sua acti-
vidade profissional. 
No entanto, a aplicação de sanguesugas 
ainda hoje está indicada nas pequenas emissões 
sanguíneas locais sempre que o processo patoló-
gico se faz acompanhar de fenómenos congestivos 
e dolorosos bem localisados, e que o indivíduo 
por qualquer motivo, não permite outro processo 
de sangria ; quando a forma da região, o seu 
estado inflamatório ou a emaciaçâo do doente 
obsta á fixação das ventosas e, ainda, quando a 
emissão sanguínea a efectuar sobre um ponto 
bastante restricto tem de ser considerável. 
Presentemente, nos grandes centros, a aplica-
ção de sanguesugas, quando se efectua, não vai 
além dos seguintes casos : nas congestões cerebrais, 
fazendo-se a sua aplicação nas mastoides e nas con-
gestões renais, com fixação no triângulo de Petit. 
Ao contrário disto, nalgumas terras da pro" 
víncia este processo terapêutico mantém ainda um 
mais vasto campo de aplicação. 
C A P Í T U L O I V 65 
Ventosas escarificadas. — Tendo em vista os 
inconvenientes já citados, determinados pela apli-
cação das sanguesugas, parece-me justo preferir 
o emprego das ventosas escarificadas em todos 
os estados inflamatórios locais, sempre que a 
forma ou o estado da região o permita. 
De facto, por este processo, mais facilmente 
se podem pôr em prática os preceitos de asepsia, 
obstar à hemorragia consecutiva resultante da 
hemofilia local que esta espécie de anelídeos pro-
voca, e ainda, o que muito é para atender, subtrair 
o doente ao contacto do animal, que para muitos 
se torna imensamente repugnante. 
Presentemente, as ventosas escarificadas são 
muito úteis nas congestões renais, com aplicação 
ao nível das regiões lombares; nas congestões 
pulmonares, resultantes tanto duma infecção gri-
pal como dum mal de Bright ou duma arterio-es-
clerose ; nas congestões hepáticas e esplénicas e, 
ainda, ao nível da região precordial para certas 
doenças cardíacas, como sejam, pericardites e endo-
cardites, sempre que a taquicardia, a dispneia ou 
os fenómenos dolorosos se tornam mais notáveis. 
A sangria por flebotomia — Como processo de 
sangria geral, deve ser empregada sempre que, 
66 A SANGRIA NA TERAPÊUTICA ACTUAL 
pela subtracção duma determinada quantidade de 
sangue à circulação geral, nós queiramos reduzir 
o trabalho de algumas vísceras do nosso organis-
mo, ou ainda, eliminar á corrente sanguínea subs-
tâncias tóxicas, tanto de origem interna como 
externa, susceptíveis de pôr em risco a vida do 
doente. Sobre este ponto de vista, A. Robin diz 
o seguinte: «É o meio mais poderoso de que 
podemos lançar mão para desembaraçar o orga-
nismo dos micróbios e sobretudo das suas toxi-
nas que são a causa de todo o mal. 
Destes princípios, resulta a classificação da 
sangria geral' em «depleiiva e depurativa», classifi-
cação esta que alguns autores modificaram, consi-
derando ainda uma sangria hematopoïética. Esta 
última propriedade terapêutica da sangria, foi já 
tocada, embora levemente, no capítulo II, e a sua 
aplicação, baseada em princípios experimentais, 
tem sido efectuada por alguns clínicos alemães e 
com bons resultados. 
Entre nós, não é do meu conhecimento 
que a sangria tenha sido efectuada com um 
tal fim. 
A sangria depleiiva. — Tem um papel indis-
cutível nos casos de hipertensão arterial sempre 
C A P Í T U L O IV 67 
que o doente se veja ameaçado duma hemorragia 
ou congestão cerebral. 
De facto, nestes casos, uma sangria semanal 
de joo ou 150°° diminue a tensão arterial e, con-
sequentemente, reduz a s i n t o m a t o l o g i a dela 
resultante. 
No início da hipertensão arterial ligada á 
artério-esclerose podem aparecer sintomas de 
congestão cefálica as quais Thierry descreve da 
seguinte forma : «O rosto do doente é vermelho, 
facilmente cianosado e a vista injectada, sente a 
cabeça pesada, tonturas, vertigens, zumbidos 
nos ouvidos, angústia torácica sobretudo após 
as refeições, as emoções e os trabalhos inte-
lectuais.» 
Nestes casos, aconselha Huchard uma sangria 
de 300cc afim de diminuir a tensão venosa que 
pode constituir um perigo. 
A sangria no curso duma asistolia, reduz o 
trabalho do coração tornando-se assim um poderoso 
factor do levantamento cardíaco. 
Deve ser empregada sempre que a compen-
sação cardíaca seja insuficiente e, deste modo, 
considera-se uma medicação de urgência em todas 
as assistolias dependentes duma cardiectasia, nas 
estases e congestões passivas, na adipose car-
68 A SANGRIA NA TERAPÊUTICA ACTUAL 
díaca, nos acidentes grávido-cardíacos originados 
quer numa antiga lesão mitral, como seja um 
retraimento, quer numa dilatação cardíaca depen-
dente duma degenerescência gravídica do mio-
cárdio, em que o aumento da tensão venosa e as 
estases da coluna sanguínea constituem um aci-
dente gravíssimo incapaz de ser debelado pelos 
processos usuais, como sejam, o repouso, o regi-
men lácteo e a digitalis; neste caso, uma sangria 
constitue o único processo de terapêutica, pois 
que, reduzindo o peso da coluna líquida, facilita 
a circulação geral e dá logar a que a digitalis 
possa depois ser administrada com sucesso. 
No edema agudo do pulmão, quer de natu-
reza mecânica, quer infecciosa, a sua função como 
processo terapêutico de urgência está em absoluto 
demonstrada. 
A sangria como agente de depleção, constitue 
por vezes uma terapêutica de urgência, imensa 
mente eficaz. 
A sua acção, como já foi referido, consiste 
em subtrair á corrente circulatória, duma forma 
rápida, um certo número de produetos tóxicos 
susceptíveis de provocar graves alterações do 
equilíbrio e constituição globulares e consequen-
temente das vísceras mais importantes do nosso 
C A P Í T U L O I V 69 
organismo, alterações essas que se traduzem por 
congestões intensas das quais resultam por vezes 
complicações duma tal gravidade, como sejam, a 
uremia e o edema agudo do pulmão, que obrigam 
o médico a estar sempre de sobreaviso, para não 
se sujeitar ao desgosto de assistir á morte do 
doente pela falta de não ter efectuado uma sangria 
a tempo. 
Porem, segundo A. Robin, a sangria não 
actua simplesmente pelas toxinas que elimina á 
circulação, mas ainda, diz êle «auxiliaria o orga-
nismo a desembaraçar-se das toxinas, oxidando-as 
e transformando-as por esta oxidação em productos 
pouco tóxicos muito solúveis facilmente elimináveis. 
Os fenómenos produzidos pela sangria, não 
seriam pois, mais do que o resultado da supracti-
vidade dos fenómenos da nutrição elementar». 
Seja porem, qual for o seu modo de acção, 
o que hoje se sabe e está perfeitamente demons-
trado é que, na uremia aguda ou sôbre-aguda, 
qualquer que seja a causa ou a forma clínica, na 
eclampsia puerperal e ainda, no edema agudo do 
pulmão, já citado a propósito das complicações 
nas cardiectasias, a sangria constitue um trata-
mento de urgência indispensável. 
Quando numa nefritc aguda surgem feno-
70 A SANGRIA NA TERAPÊUTICA ACTUAL 
menos urémicos, uma sangria de 400 a 500cc 
pode debelá-los por completo. 
A sua acção é tão incontestável quedoentes 
há, que, após ela, conseguem sair do coma e outros, 
na eminência asfíxica, começam a normalisar a 
sua respiração. 
Nestes casos, a sangria apresenta-se sob uma 
tríplice acção: antitóxica, descloretante e descon-
gestionante. 
A sangria na eclampsia tem sido empregada 
desde os mais antigos tempos pela maior parte 
dos parteiros como M. Lachapelle, Dubois, Ca-
zeaux e, ainda, Delpaul que chegava a subtrair à 
paciente dois litros de sangue duma só vez. 
Bard, declara que os excelentes resultados 
colhidos pela sangria no tratamento da eclampsia 
fazem com que, apesar de todas as objecções que 
se teem feito a este processo terapêutico, êle se 
mantenha na prática. Fabre aconselha-o em todos 
os casos de hipertensão notável, isto é, 20 a 25 
centímetros no oscilómetro Pachon, mas isto, nas 
mulheres fortes e vigorosas, nas quais o edema e 
a hemorragia cerebral são para temer. 
Genin e Gueniot aconselham uma sangria de 
300 a 400cc logo que se desconfie duma eclampsia, 
muito embora os acidentes não tenham feito ainda 
C A P Í T U L O I V 71 
o seu aparecimento e por pouco elevada que seja 
a tensão arterial. 
Depois do acesso declarado, a não ser que a 
doente acabe de fazer uma hemorragia de «déli-
vrance» a sangria deve ainda ser praticada., e tanto 
mais abundante quanto maior for a tensão arterial, 
ou seja, de 200 a 400cc se o pulso é pouco tenso, 
de 600 a 800cc se a tensão arterial é muito elevada. 
Se ao fim de 24 a 36 horas a hipertensão 
persiste e a mulher se apresenta muito congestio-
nada, pode repetir-se a sangria. 
Maygrier diz : que «quando os sintomas reves-
tem uma grave intensidade (perturbações da visão 
indo até á cegueira, agitação extrema, etc.) uma 
sangria geral ou local (ventosas escarificadas 
sobre os rins)-pode prestar grandes serviços; uma 
sangria de 300 a 500cc está indicada quando a 
mulher é pletórica, apresentando um pulso ckeio, 
hipertenso, ou quando existe febre». 
Presentemente e a pesar de estar aconselhado 
não levar uma sangria além de iooocc o trata-
mento da eclampsia na maternidade de Paris 
consiste essencialmente numa sangria muito co-
piosa indo atá 1500 e0, a não ser que esteja con-
traíndicada pelo acentuado estado de fraqueza da 
doente em cujo caso se reduz a 500 ou 300cc. 
72 A SANGRIA NA TERAPÊUTICA ACTUAL 
No edema agudo do pulmão, como já referi, 
seja qual for a sua origem, podemos afirmar que 
a vida da doente depende duma sangria de 500 
a 800cc efectuada a tempo. 
Os fenómenos dispneicos, a tosse, a angús­
tia e o pulso melhoram consideravelmente e nós, 
embora não possamos restabelecer as funções 
vitais ao nível da porção invadida, opomos con­
tudo uma barreira à marcha ameaçadora do pro­
cesso. 
* * 
Alguns autores mandam ainda empregar a 
sangria num grande número de doenças dos dife­
rentes aparelhos, como sejam : 
Aparelho respiratório—■ Na pneumonia a san­
gria passou por uma época em que, em todos os 
casos, era sistematicamente aplicada. 
Como porém, as mais das vezes, os resulta­
dos não eram nada lisongeiros, imediatamente 
foi por completo posta de parte o que resultou 
numa falta, pois que, nomeadamente em certas 
complicações pneumónicas, apresenta este pro­
cesso de tratamento a sua oportunidade. 
C A P Í T U L O I V 73 
Hoje, a sangria é efectuada nos pneumônicos 
■bletóricos com um fundo de artritismo, apresen­
tando uma dispneia violenta, a face cianosada, as 
veias do pescoço dilatadas e uma expectoração 
mucosa e sanguinolenta demonstrando uma con­
gestão pulmonar grave. 
Quando a pontada do lado é muito intensa, 
um sangria de 200 a 500cc atenua­a considera­
velmente. 
Na bronquite aguda do adulto com dispneia e 
febre, uma subtracção de 150 a 200cc de sangue 
traz ainda bastantes melhoras. 
Finalmente, em todas as congestões pulmo­
nares secundárias, revelando uma certa gravidade, 
devemos ter sempre em vista que uma sangria 
efectuada a tempo, pode constituir o tratamento 
de maior valor. 
Sistema nervoso — Nas meningites e nas mielites 
agudas e nas convulsões infantis, os professores 
Grasset e Vires recomendam a sangria. Ela des­
embaraça o organismo dum certo número de toxi­
nas e exerce ainda uma acção descongestionante. 
Nas doenças por auto-intóxicação — Em certos 
artríticos pletóricos, nomeadamente nos gotosos, 
A SANGRIA NA TERAPÊUTICA ACTUAL 
apresentando fenómenos congestivos, como sejam, 
vertigens, cefaleias e sonolência, está a sangria 
aconselhada. 
Nas doenças infecciosas — Certos autores acon-
selham o seu emprego, tendo em vista que o 
processo mórbido é o resultado duma intoxicação 
de origem microbiana. No entanto, a sangria 
geral deve ser manejada com imensas precauções 
e somente em indivíduos bastante vigorosos, 
limitando-se o clínico, nos outros casos, a fazer 
simples emissões sanguíneas regionais. 
Na gripe a sangria tem sido efectuada nas 
suas complicações pulmonares e renais. 
Nas intoxicações agudas. — Quando a acção 
do médico se exerce algumas horas após a 
absorpção do tóxico, isto é, quando este já tem 
passado para a circulação, além do trata-
mento geral, deve ser efectuada uma boa sangria 
de 500 a 800co para eliminar uma certa quantidade 
de veneno, a qual fazemos seguir duma injecção 
intravenosa de igual quantidade de soro fisiológico, 
afim de diluir a quantidade restante e facilitar 
assim a sua eliminação pelos rins. 
« 
Observações 
I 
Doente A. M. da 2.a Cl. M. — Enf. E. S. n.° 16. 
Idade 37 anos. 
Entrada em 25-10-919. 
Diagnóstico. — Asistolia. 
Em 21-1-920 a doente encontra-se sentada no 
leito com movimentos respiratórios superficiais e 
muito frequentes; cianose da face e dos lábios, 
veias do pescoço engorgitadas ; pulso frequente 
e pequeno. 
Congestão, das bases pulmonares. Edemas 
periféricos e uma forte oligúria (20oc-c-). 
7« O B S E R V A Ç Õ E S 
Feita uma sangria de i5o c c - , a cianose 
diminue imediatamente, a dispneia atenua-se e o 
pulso torna-se menos frequente. Pouco depois, já 
a posição horizontal se torna possível e a 
congestão pulmonar diminue um pouco, bem como 
os edemas, elevando-se a diurese nos dias seguintes 
a 700 c-c-, 000c,c- e ioooc , c-. 
Em 22-2-920 a doente volta a ter dispneia e 
os edemas aumentam ; apresenta-se bastante cia-
nosada e tem vómitos ; a oligúria acentua-se. 
Faz-se uma nova sangria de iooc-c- cujos 
benéficos efeitos se sentem imediatamente, no 
que respeita à dispneia, á cianose e aos vómitos. 
No entanto sobre os edemas e a oligúria a sua 
acção não se manifesta tão clara como quando 
da primeira sangria. 
Estes últimos sintomas eram desta vez 
menos acentuados que no acesso anterior. 
I I 
M. B. de 40 anos — doméstica de Arêgos 
Diagnóstico. — Broncopneumonia. 
Esta doente adoeceu durante a epidemia da 
gripe e a sua sintomatologia determinou o 
diagnóstico citado. 
Alem dos sintomas característicos revelados 
pela auscultação entre os quais prevalecia a forte 
congestão das bases pulmonares, manifestavaaínda, 
cefaleias, hipertensão, uma temperatura de 39o a 
39°,5 e uma dispneia intensíssima que a obrigava 
a estar sempre sentada e lhe provocava insónias. 
80 O B S E R V A Ç Õ E S 
A. terapêutica empregada, foi a aconselhada 
em tais casos incluindo os metais coloidais. 
No entanto, como durante 15 dias toda a 
sintomatologia e nomeadamente a dispneia per-
sistia e a doente inervada me pedia aflictivamente 
que lhe diminuísse aquela «falta de ar» eu, tendo 
em vista a robustez da doente e a hipertensão 
existente, resolvi fazer-lhe uma sangria por meio 
de ventosas escarificadas aplicadas nas bases 
pulmonares. 
De facto, a subtracção de cerca 250c-c- de san-
gue trouxe á doente consideráveis melhoras que se 
traduziram sobretudo por um abaixamento da 
tensão arterial e da temperatura e por uma 
considerável redução da dispneia, o que muito 
contribuiu para que a doente caminhasse rapida-
mente para a convalescença visto que com as 
melhoras produzidas obtive ainda o seu levanta-
mento moral, factor de valor a considerar em 
qualquerforma de tratamento. 
I 
I I I 
C. F. D. — 23 anos, solteira, serviçal. (1918-
1919) Reg. de Cl. Méd. 1. (férias). 
Diagnóstico. — nefrite crónica sifilítica. 
Observação á data da entrada para a 2.a 
Clínica Médica (15 de Junho de 1919): 
Anorexia, febre, palidez da pele e das muco-
sas ; edemas dos membros inferiores, do tronco, 
das pálpebras e ligeira ascite ; língua saburrosa, 
vómitos, dores epigástricas espontâneas e à pres-
são, diarreia serosa abundante e às vezes san-
guinolenta; dispneia, sarridos de congestão e 
6 
82 O B S E R V A Ç Õ E S 
submacissez nas bases pulmonares ; tosse com 
alguma espectoração muco ­ purulenta ; pulso 136, 
muito pequeno, regular, TM = 1 1 , Tm = 5, 5, ruí­ ■ 
dos cardíacos ensurdecidos, o 1,° mitral desdobrado; 
pontos renais e uretrais dolorosos, oligúria 
abundante e albuminúria (8 grs.) ; gânglios ingùi­
niais volumosos. 
Reacção de Wassermann ligeiramente po­
sitiva. 
Ausência de bacilos de Koch na espectoração. 
Em 21 junho. 
Os edemas estavam reduzidos aos membros 
inferiores. Persistia a outra sintomatologia e ti­
nha­se acentuado o emagrecimento e a astenia. 
De noite a doente foi tomada de grande 
agitação, e delírio e impulsões suicidas. 
Em 22 de Junho. 
De manhã sangria de 150 c.c. 
Gs efeitos sobre a agitação foram imediatos. 
Em 23 de Junho. 
Estado comatoso ; respiração muito super­
ficial, pálpebras cerradas, pulso 136 muito pe­
queno e hipotenso. ■ •­"•■ 
O B S E R V A Ç Õ E S «3 
Em 24 de Junho. 
. Sangria de 120 c.c. e injecção de 100 c.c. de 
soro glicosado isotónico. 
A tarde atenuação dos sintomas e regresso 
à consciência. 
Em 25 de Junho. 
Lucidez de espírito completa; pulso 124, 
movimentos respiratórios frequentes e superfi-
ciais, dispneia, tosse com espectoração muco 
purulenta, astenia profusa e diarreia. 
Nos dias subsequentes a doente melhorou 
deste impulso urémico. 
Mas a 6 de Julho a energia cardíaca já 
muito enfraquecida baixou de repente, a taquicar-
dia exagerou-se, o pulso tornou-se filiforme, os 
sons cardíacos mal se percebiam, a prostração era 
completa c a doente faleceu no dia seguinte. 
Nesta observação fica bem afirmado o valor 
da sangria no acesso urémico que acometeu a 
doente em 21 de junho. Duas únicas emissões 
sanguíneas de 150e-c ' e i20c-c- bastaram para 
dominar a sintomatologia e conjurar a iminência 
do perigo. 
IV 
A. F. L., — 24 anos, solteiro, sapateiro 
(1918-1919) Reg. de Clínica Médica — 6 1 . 
Diagnóstico. — nefrite crónica sifilítica. 
Observação á data da entrada para a 2.a 
Clínica Médica (21 de maio de 1919): 
Edemas periféricos generalisados e muito 
acentuados na face e pálpebras, ascite abundante, 
macissez e sarridos crepitantes nas bases pulmo-
nares, com hidrotorax bilateral confirmado pela 
puncçao exploradora ; ligeira dispneia e ausência 
de tosse ; oligúria (600c-c) e albuminúria abundante 
86 O B S E R V A Ç Õ E S 
(io gr.) ; pontos renais anteriores dolorosos ; pulso 
8o, regular, amplo, TM = 18, Tm = 11 ; i.° ruído 
soprado no foco umitral e o z.° acentuado no foco 
aórtico; gânglios inguinais. 
Reacção de Wassermann negativa. 
Antecedentes sifíliticos. 
Em i de junho. 
A tarde, algumas horas depois de ingerir 
um caldo com sal, perdeu a consciência, entrou 
em convulsões generalisadas, sobrevindo por 
crises e seguidas de respiração estertorosa. 
Em 2 de junho. 
Inconsciência, acessos convulsivos, pálpebras 
cerradas, midríase, pulso 140, amplo incontinência 
de urinas e de fezes. De manhã, sangria de 200 c- c , 
seguida de clister de sene ; injecção de cafeína e 
inhalações de oxigénio. A tarde : nova sangria de 
200 c c - e injecção de 5 mgrs. de morfina. 
As convulsões não se repetiram de noite. 
Em 3 Junho. 
Sem convulsões, ainda inconsciente, pulso 
frequente pupilas em midríase. 
Soro glicosado e oxigénio em injecção. 
O B S E R V A Ç Õ E S 87 
Em 4 de Junho. 
Pulso 100, mais regular; respiração mais 
calma ; edema palpebral menos intenso A tarde 
começou a abrir os olhos. 
A mesma terapêutica da véspera. 
Em 5 de Junho. 
Pulso regular, tenso amplo e um pouco 
bradicardíaco (60). Melhora de todos os sintomas. 
Injecção de soro glicosado. 
Em 6 de Junho. 
Consciência recuperada, articulação de algu-
mas palavras; abatimento, sonolência; pulso 72. 
Em 7 de Junho. 
Lucidez de espirito completa ; pulso 84. 
As melhoras foram-se estabilisando não vol-
tando o doente a fazer uma recrudescência 
urémica. 
No entanto, como aconteceu na doente 
anterior, a potência cardíaca marcada pela tensão 
máxima foi fletindo progressivamente; de 23,5 
que marcou em 1 de julho, desceu a 13,5 em 20 
do mesmo mez. A tensão mínima não baixou na 
88 O B S E R V A Ç Õ E S 
mesma proporção e o miocárdio acabou por 
se esgotar. 
Ainda como na observação anterior a sangria 
revelou bem a sua eficácia no combate da uremia 
que atacou o doente em i de junho. 
Foi bem de certo á custa da depuração 
exercida pelas 2 sangrias do dia 2 que os fenó-
menos convulsivos se aquietaram. 
E a desaparição destes indica uma espe-
rançosa diminuição da intoxicação urémica, como 
se comprovou no decurso da crise. 
V 
J. S. G. 52 anos, casado, sapateiro (1918 
1919) — Reg. de Clínica Médica 23 (férias). 
Diagonóstico. — Assistolia por enfisema. 
Observação á data de entrada (5 de setem-
bro de 1919). 
Tacquipneia ; edema dos membros inferiores 
e do tronco, ascite abundante; signais de enfise-
ma pulmonar e de bronquite crónica; pulso 100, 
regular e amplo; ruídos cardíacos ensurdecidos; 
cianose dos lábios, veias do pescoço engorgita-
das ; oligúria (500c-c). 
go O B S E R V A Ç Õ E S 
Purgante de sulfato de soda. 
ïeobromina 3 hóstias de 5 decigramas. 
Digitalina X gotas. 
Sangria 100 cc. 
No dia imediato (7 de Setembro). 
A diurese subiu a 1700 cc. ; o estado geral 
é melhor; a dispneia é menos intensa. 
TM = 1 7 . Tm. ==9. 
Frequência de pulso 120. 
Teobromina. 
Digitalina. 
Nova sangria de 80 cc 
Em 8 de Outubro. 
A diurese alcançou 2/500; os edemas estão 
a atenuar-se muito sensivelmente ; o doente está 
muito calmo, dorme bem e respira socegada-
mente. 
As melhoras progrediram e o doente saiu 
limpo dos seus edemas, clareado da sua cianose, 
com o impulso asistólico subjugado. 
Nesta observação, a despeito de se ter feito 
uso da teobromina e da digitalina, pôde bem 
O B S E R V A Ç Õ E S 9i 
crêr-se que a acção depletiva da sangria interveio 
eficazmente para o rápido dominio dos sintomas, 
diminuindo em z dias a cianose e a engorgitação 
das veias do pescoço, dreinando os edemas 
e elevando o débito urinário de 600c-c- a 
2/500. 
VISTO. PODE IMPRIMIR-SE. 
	DEDICATÓRIAS
	CAPÍTULO I - A sangria na antiguidade
	CAPÍTULO II - A sangria na época actual
	CAPÍTULO III - Técnica dos diferentes processos de sangria
	CAPÍTULO IV - Indicações
	Observações

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