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LITERATURA BRASILEIRA II AULA 03 : A Segunda Geração Romântica: a Poesia Egótica de Álvares de Azevedo O trecho a que você assistiu é um dos momentos mais eletrizantes da peça “O fantasma da ópera”, inspirada no romance francês de Gaston Leroux, publicado em 1911. O enredo se desenvolve no teatro Ópera, de Paris, no século XIX. A protagonista Christine, uma jovem bailarina e cantora, é amada por um homem que vive escondido nos subterrâneos do teatro, Erik. Por ter o rosto oculto por uma máscara devido a uma deformidade, os atores e empregados do teatro acreditam que Erik é um fantasma. Toda a peça transcorre em um ambiente de mistério e terror, nele o romance impossível é o tema soturno da peça. Na história da humanidade, ciclicamente, a sensação de melancolia, depressão e fuga da realidade se expressam na arte por meio de manifestações com características muito semelhantes. A extrema subjetividade, o gosto pela noite, a morte e a depressão tornam-se temas recorrentes. A segunda geração do Romantismo, conhecida como ultrarromântica, egótica ou byroniana, representa na nossa literatura a matriz desse tipo de sentimento, muito comum na adolescência: o tédio. E é a partir dele que se desenvolve uma série de outros que lhe são complementares. Também é comum denominar essa como a “Geração Mal do século”. Alguns estudiosos associavam a expressão “mal do século” à tuberculose que acometia muitos jovens nessa época, doença para a qual não havia remédio. Entretanto, pesquisas mais recentes percebem que o “mal do século” se refere a uma sensação de descontentamento, de desajuste entre as expectativas grandiosas e a realidade insatisfatória. Em nossa literatura, Manoel Antônio Álvares de Azevedo é o poeta que melhor representa essa geração, seja por trazer o tema muito bem desenvolvido em obra variada, seja pela erudição precoce. Afinal, nosso jovem poeta faleceu aos 21 anos e deixou uma obra que assombra pelo volume e variedade, já que também escreveu contos e uma peça de teatro. Leia uma crítica de Machado de Assis à obra de Lira dos Vinte Anos, de Álvares de Azevedo: “Álvares de Azevedo era realmente um grande talento: só lhe faltou o tempo, como disse um dos seus necrólogos. Aquela imaginação vivaz, ambiciosa, inquieta, receberia com o tempo as modificações necessárias; discernindo no seu fundo intelectual, aquilo que era próprio de si, e aquilo que era apenas reflexo alheio, impressão da juventude, Álvares de Azevedo, acabaria por afirmar a sua individualidade poética. Era daqueles que o berço vota à imortalidade. Compare-se a idade com que morreu aos trabalhos que deixou, e ver-se-á que seiva poderosa não existia, naquela organização rara. Tinha os defeitos, as incertezas, os desvios, próprios de um talento novo, que não podia conter-se, nem buscava definir-se.” Texto “ Se eu morresse amanhã”, de Álvares de Azevedo Se eu morresse amanhã, viria ao menos Fechar meus olhos minha triste irmã; Minha mãe de saudades morreria Se eu morresse amanhã! Quanta glória pressinto em meu futuro! Que aurora de porvir e que manhã! Eu perdera chorando essas coroas Se eu morresse amanhã! Que sol! Que céu azul que doce n'alva Acorda a natureza mais louçã! Não me batera tanto amor no peito Se eu morresse amanhã! Mas essa dor da vida que devora A ânsia de glória, o dolorido afã... A dor no peito emudecera ao menos Se eu morresse amanhã! Também nesse poema, Álvares de Azevedo reúne uma série de temáticas contempladas em sua obra, mas a que sobressai é a morte. A antecipação da morte, a reação dos familiares ao passamento do eu-lírico, bem como os desejos póstumos confirmam o seu protagonismo na cena. Assim, a morte não é rejeitada pelo eu-lírico, pelo contrário, ela é aguardada com grande expectativa, pois representa o término de angústias, de desejos insatisfeitos, de ilusões vãs da “alma errante”, consumida pelo fogo insensato das paixões da juventude e da vida mundana. É interessante notar que o egotismo romântico encontra expressão diferenciada na última estrofe; nela, o apelo do eu-lírico se volta à natureza, para que permita que a luz da lua focalize a sua lápide, como o refletor em uma cena, e para que também ela chore pelo seu fim. O ambiente sombrio também serviu de cenário à obra Noites da Taverna. Embora em prosa, seus contos macabros, de temática satânica, constituem material significatico a compor o perfil do poeta, juntamente com a peça Macário. Apesar de não ser uma vertente muito divulgada na obra de Álvares de Azevedo, e embora possa parecer paradoxal, o humor também encontra lugar em sua poética, principalmente na segunda parte da Lira dos vinte anos. O poema, a seguir, ilustra bem essa faceta: avance a tela para ver o poema. Namoro a cavalo Eu moro em Catumbi. Mas a desgraça Que rege minha vida malfadada Pôs lá no fim da rua do Catete A minha Dulcineia namorada. Alugo (três mil-réis) por uma tarde Um cavalo de trote (que esparrela!) Só para erguer meus olhos suspirando A minha namorada na janela... Todo o meu ordenado vai-se em flores E em lindas folhas de papel bordado Onde eu escrevo trêmulo, amoroso, Algum verso bonito... mas furtado. Morro pela menina, junto dela Nem ouso suspirar de acanhamento... Se ela quisesse eu acabava a história Como toda a Comédia – em casamento. Ontem tinha chovido... que desgraça! Eu ia a trote inglês ardendo em chama, Mas lá vai senão quando uma carroça Minhas roupas tafuis encheu de lama... Eu não desanimei. Se Dom Quixote No Rocinante erguendo a larga espada Nunca voltou de medo, eu, mais valente, Fui mesmo sujo ver a namorada... Mas eis que no passar pelo sobrado Onde habita nas lojas minha bela Por ver-me tão lodoso ela irritada Bateu-me sobre as ventas a janela... O cavalo ignorante de namoros Entre dentes tomou a bofetada, Arripia-se, pula, e dá-me um tombo Com pernas para o ar, sobre a calçada... Dei ao diabo os namoros. Escovado Meu chápeu que sofrera no pagode Dei de pernas corrido e cabisbaixo E berrando de raiva como um bode. Circunstância agravante. A calça inglesa Rasgou-se no cair de meio a meio, O sangue pelas ventas me corria Em paga do amoroso devaneio!... O Dom Quixote brasileiro e romântico, como é descrito o eu- lírico desse poema, é protagonista de uma ação que se desenvolve por meio da paródia à obra de Cervantes. No breve enredo, o eu-lírico está enamorado de uma jovem, por quem faz grandes despesas, como alugar cavalo, comprar flores e papéis de carta. Humilde e sonhador, como Dom Quixote, não se intimida nem mesmo quando fica todo enlameado por uma carroça. Obstinado em encontrar a jovem, passa pela casa da moça, mas ela fica irritada e bate com a janela em seu rosto, assustando o cavalo, que o joga no chão e rasga a sua roupa. A ironia e o humor estão presentes e revelam a gaiatice e a leveza do jovem culto, complementando uma imagem não apenas feita de tristeza. As características que marcaram a Segunda Geração do Romantismo encontram ecos nos dias de hoje, seja por meio de atitudes que cultivam a melancolia e a introversão, seja mediante posturas mais radicais, como os grupos góticos. Se você quer conhecer um pouco mais, pesquise também sobre os poetas Junqueira Freire e o popular Casimiro de Abreu
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