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Abandono afetivo e convívio familiar

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Abandono afetivo e convívio familiar.
 Não há na vida bem mais precioso do que o amor e o cuidado dedicado pelos pais. Deste é o resultado, em grande parte, de nosso caráter, das conquistas e derrotas durante nossa jornada. Apenas quem passa por este tipo de abandono sabe a falta que estas pessoas fazem na vida, e o preconceito, sim, em 2012 as pessoas ainda tratam o próximo com diferença, que sofrem por esta falta. No momento em que nos expomos (métodos contraceptivos estão ai, ao alcance de todos) e corremos o risco de criar uma nova vida, somos responsáveis por ela e temos que arcar financeiramente e afetivamente com ela. Pais que dão a desculpa de que foram impedidos de ver os filhos e por isso não cumpriram suas obrigações estão enchendo o Brasil, e o peso do abandono paterno e do materno é o mesmo. Ambos são responsáveis e “desistir” de um contato com o filho é um crime tão grande quanto se omitir ou não tentar.
Abandono afetivo tem valor financeiro?
 De forma inédita, o Superior Tribunal de Justiça condenou um pai a pagar indenização por abandono afetivo, ou seja, não ter participado da vida da filha, nem ter lhe dado à devida atenção e carinho. Para o STJ não basta só pagar pensão alimentícia, os pais devem acompanhar de perto e participar do crescimento dos filhos. Porém, a decisão levanta uma questão séria: a valorização do sentimento entre pais e filhos.
Superior Tribunal de Justiça
Qualquer relação parental em que haja sofrimento, mágoa e tristeza pode gerar pagamento de indenização à parte provocadora de tais sentimentos. Foi a partir desta tese que o Superior Tribunal de Justiça decidiu que um pai terá que pagar indenização de R$ 200 mil por danos morais decorrentes do abandono afetivo de sua filha. A decisão inédita indica que os danos decorrentes das relações familiares não podem ser diferenciados dos ilícitos civis em geral. 
 O caso julgado é de São Paulo. A autora obteve reconhecimento judicial de paternidade e entrou com ação contra o pai por ter sofrido abandono material e afetivo durante a infância e adolescência. O juiz de primeira instância julgou o pedido improcedente e atribuiu o distanciamento do pai a um "comportamento agressivo" da mãe dela em relação ao pai. A mulher apelou à segunda instância e afirmou que o pai era "abastado e próspero". 
 Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reformou a sentença e fixou a indenização em R$ 415 mil. No recurso ao STJ, o pai alegou que não houve abandono e, mesmo que tivesse feito isso, não haveria ilícito a ser indenizável e a única punição possível pela falta com as obrigações paternas seria a perda do poder familiar. O valor de indenização estabelecido pelo TJ-SP, porém, foi considerado alto pelo STJ, que reduziu a R$ 200 mil.
Dos elementos necessários à caracterização do dano moral.
É das mais comezinhas lições de Direito, a tríade que configura a
responsabilidade civil subjetiva: o dano, a culpa do autor e o nexo causal. Porém, a simples lição ganha contornos extremamente complexos quando se focam as relações familiares, porquanto nessas se entremeiam fatores de alto grau de subjetividade, como afetividade, amor, mágoa, entre outros, os quais dificultam, sobremaneira, definir, ou perfeitamente identificar e/ou constatar, os elementos configuradores do dano moral.
No entanto, a par desses elementos intangíveis, é possível se visualizar, na relação entre pais e filhos, liame objetivo e subjacente, calcado no vínculo biológico ou mesmo auto imposto – casos de adoção –, para os quais há preconização constitucional e legal de obrigações mínimas.
Culpa
Além da inquestionável concretização do dano como elemento da configuração de dever de indenizar, torna-se necessária a comprovação da culpa do genitor não-guardião, que deve ter se ocultado à convivência com o filho, e deliberadamente se negado a participar do desenvolvimento de sua personalidade, de forma negligente ou imprudente. Como o caso é de abandono afetivo, com a concomitante inobservância dos deveres de ordem imaterial atinentes ao poder familiar, expressão maior da relação paterno/materno-filial, configurar-se-á a culpa em sua modalidade omissiva. 
 Desta forma, na conduta omissiva do pai ou da mãe (não-guardião) estará presente a infração aos deveres jurídicos de assistência imaterial e proteção que lhes são impostos como decorrência do poder familiar. 
Assim, não se há falar em culpa do não-guardião, sempre que se apresentar, por exemplo, fatores que o impedem de conviver com o filho, como será o caso da fixação do domicílio em distância considerável, que encareça os deslocamentos a fim do cumprimento do dever de educar e conviver, mormente em hipóteses de famílias menos abastadas, assim como na hipótese de doença do genitor que, a bem dos filhos, prefere se afastar para não os colocar em situação de risco, além, ainda, da comum hipótese de não se saber se, realmente, “este suposto incumprimento é imputável à própria omissão do genitor não-guardião ou aos obstáculos e impedimentos por parte do genitor guardião”
Os atos pelos quais se exteriorizou o abandono, que devem ser considerados neste processo, não são genéricos, mas, sim , concretos, apontados na petição inicial como fatos integrantes da causa de pedir (e-STJ fls. 6 e seguintes), ou seja:
1º) Aquisição de propriedades, por simulação, em nome dos outros filhos;
2º)Desatendimento a reclamações da autora quanto a essa forma de aquisição disfarçada;
3º) Falta de carinho, afeto, amor e atenção, apoio moral, nunca havendo sentado no colo do pai, nunca recebendo conselhos, experiência e ajuda na escola, cultural e financeira;
4º) Falta de auxílio em despesas médicas, escolares, abrigo, vestuário e outras; 
5º) Pagamento de pensão somente por via judicial;
6º) Somente haver sido reconhecida judicialmente como filha.
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
 A ministra , da Terceira Turma, no entanto, entendeu que é possível exigir indenização por dano moral decorrente de abandono afetivo pelos pais. "Amar é faculdade, cuidar é dever", afirmou ela na sentença. Para ela, não há motivo para tratar os danos das relações familiares de forma diferente de outros danos civis.
 "Muitos, calcados em axiomas que se focam na existência de singularidades na relação familiar - sentimentos e emoções -, negam a possibilidade de se indenizar ou compensar os danos decorrentes do descumprimento das obrigações parentais a que estão sujeitos os genitores", afirmou a ministra. "Contudo, não existem restrições legais à aplicação das regras relativas à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar, no direito de família". A ministra ressaltou que nas relações familiares o dano moral pode envolver questões subjetivas, como afetividade, mágoa ou amor, tornando difícil a identificação dos elementos que tradicionalmente compõem o dano moral indenizável: dano, culpa do autor e nexo causal. Porém, entendeu que a paternidade traz vínculo objetivo, com previsões legais e constitucionais de obrigações mínimas. "Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos", argumentou a ministra. No caso analisado, a ministra ressaltou que a filha superou as dificuldades sentimentais ocasionadas pelo tratamento como "filha de segunda classe", sem que fossem oferecidas as mesmas condições de desenvolvimento dadas aos filhos posteriores, mesmo diante da "evidente" presunção de paternidade e até depois de seu reconhecimento judicial.
 Alcançou inserção profissional, constituiu família e filhos e conseguiu "crescer com razoável prumo". Porém, os sentimentos de mágoa e tristeza causados pela negligência paterna perduraram, caracterizando o dano.

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