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_HISTORIA_DA_AMERICA_II

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HISTÓRIA DA AMÉRICA II
1
HHHHHISTÓRIA DAISTÓRIA DAISTÓRIA DAISTÓRIA DAISTÓRIA DA
AAAAAMÉRICA IIMÉRICA IIMÉRICA IIMÉRICA IIMÉRICA II
2
História da
América II
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Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/98.
É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito,
da FTC EaD - Faculdade de Tecnologia e Ciências - Ensino a Distância.
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♦ PRODUÇÃO ACADÊMICA ♦
Gerente de Ensino ♦ Jane Freire
Coordenação de curso ♦ Jorge Bispo
Autor ♦ Lucas de Faria Junqueira
Supervisão ♦ Ana Paula Amorim
♦ PRODUÇÃO TÉCNICA ♦
Revisão Final ♦ Carlos Magno
EQUIPE DE ELABORAÇÃO/PRODUÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO:
Editoração ♦ Diego Maia
Equipe ♦ Ana Carolina Alves, Cefas Gomes, Delmara Brito,
Diego Maia, Fábio Gonçalves, Francisco França Júnior, Israel
Dantas, Lucas do Vale.
Imagens ♦ Corbis/Image100/Imagemsource
Presidente ♦
Vice-Presidente ♦
Superintendente Administrativo e Financeiro ♦
Superintendente de Ensino, Pesquisa e Extensão ♦
Superintendente de Desenvolvimento e>>
Planejamento Acadêmico ♦
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FTC - EaD
Faculdade de Tecnologia e Ciências - Ensino a Distância
Diretor Geral ♦
Diretor Acadêmico ♦
Diretor de Tecnologia ♦
Gerente Acadêmico ♦
Gerente de Ensino ♦
Coord. de Softwares e Sistemas ♦
Coord. de Telecomunicações e Hardware ♦
Coord. de Produção de Material Didático ♦
Reinaldo de Oliveira Borba
Roberto Frederico Merhy
Jean Carlo Nerone
Ronaldo Costa
Jane Freire
Luis Carlos Nogueira Abbehusen
Romulo Augusto Merhy
Osmane Chaves
João Jacomel
Gervásio Meneses de Oliveira
William Oliveira
Samuel Soares
Germano Tabacof
Pedro Daltro Gusmão da Silva
Gerente de Suporte Tecnológico ♦
3
SumárioSumárioSumárioSumárioSumário
DA AMÉRICA COLONIAL À AMÉRICA PÓS-INDEPENDENTE
AS AMÉRICAS INGLESA E FRANCESA: DA COLÔNIA AO
IMPERIALISMO NORTE-AMERICANO
DA CRISE DO SISTEMA COLONIAL À FORMAÇÃO DOS
ESTADOS NACIONAIS LATINO-AMERICANOS
O SÉCULO XX NA AMÉRICA: NACIONALISMOS,
REVOLUÇÕES E REGIMES MILITARES
NACIONALISMO E REVOLUÇÃO NA
AMÉRICA LATINA
As colonizações inglesa e francesa na América
A Independência norte-americana
A consolidação da nação americana
Os EUA em fins do século XIX: a formação do império
Atividade Complementar
Crise do sistema colonial
As independências na América Latina
O período pós-independência
Desenvolvimento neocolonial latino-americano
Atividade Complementar
A Revolução Mexicana de 1910
Os nacionalismos na América Latina
Os movimentos revolucionários na América Latina
A Revolução Cubana de 1959
Atividade Complementar
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 07
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 17
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 21
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 25
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 32
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 33
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 34
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 41
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 44
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 51
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 53
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 55
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 57
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 61
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 67
4
História da
América II
SumárioSumárioSumárioSumárioSumário
EUA, REGIMES MILITARES, REDEMOCRATIZAÇÕES E
NEOLIBERALISMO NA AMÉRICA
O poderio norte-americano e as relações exteriores intercontinentais
Os movimentos reacionários e regimes militares
A redemocratização na América Latina
Neoliberalismo e movimentos sociais latino-americanos
Atividade Complementar
Atividade Orientada
Glossário
Referências Bibliográficas
○ ○ ○ 68
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 72
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 74
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 75
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 81
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 83
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 84
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 85
5
Apresentação da Disciplina
Caro (a) aluno (a),
O continente americano, desde seu passado colonial,
configurou-se como um espaço de contrastes a partir das áreas que
se desenvolveram de modos distintos, como, por exemplo, as regiões
norte e latino-americana. Ao mesmo tempo, percebemos que muitos
dos países (latino) americanos experimentaram, ao longo de sua
história, processos sócio-políticos e econômicos em comum, apesar
de especificidades. A América é, assim, terra de contrastes, de
contradições e antagonismos, principalmente no sentido norte-sul.
Continente rico em culturas, povos, línguas, meio ambientes e
história, a América contemporânea é fruto de seu passado colonial,
bem como de seu ulterior desenvolvimento pós-independência, quando
a sociedade de cada país recém criado procurou seu caminho, tendo
(menos) sucessos e (mais) fracassos em suas evoluções nacionais.
Como diria Eduardo Galeano, a história da América é feita de “mais
náufragos que navegantes”.
É justamente desta epopéia americana que trataremos aqui. A
disciplina História da América II tem como objetivo problematizar a
trajetória das sociedades desde a colonização (no caso da América
anglo-saxônica), passando pela crise do sistema colonial e emergência
dos Estados Nacionais de fins do século XVIII e primeiro quartel do
XIX. A consolidação dos Estados Unidos da América, enquanto nação,
ao longo de seu primeiro centenário, bem como suas relações com o
restante do continente são igualmente temas de suma importância,
como qualquer observador da atual realidade latino-americana pode
constatar.
As grandes “ondas históricas” por que passou a América Latina
ao longo do século XX, com seus nacionalismos, revoluções e regimes
militares, são vislumbradas dialeticamente com a expansão do poderio
norte-americano no mesmo período, bem como todas as influências
extracontinentais recebidas, que, por vezes, desviaram os povos latino-
americanos de seus projetos nacionais independentes.
Assim, as contradições entre os EUA desenvolvidos e os povos
subdesenvolvidos abaixo do Rio Grande, as alternativas de
desenvolvimento empreendidas pelos últimos, além dos movimentos
sociais que contesta(ra)m a ordem elitista vigente, integram o conteúdo
desta disciplina. Trabalhar a história dos latino-americanos através de
suas lutas constitui o nexo entre a pluralidade e a unidade de povos
distintos, porém iguais em sua caminhada por um caminho tortuoso,
mas que não lhes tira a esperança por mudanças.
Forte abraço,
Lucas Junqueira
6
História da
América II
7
DA AMÉRICA COLONIAL À AMÉRICA
PÓS-INDEPENDENTE
AS AMÉRICA INGLESA E FRANCESA: DA COLÔNIA AO
IMPERIALISMO NORTE-AMERICANO
Desde 1492, quando Cristóvão Colombo chegara
ao continente americano, os povos nativos sofreram com
a conquista e conseqüente colonização por parte dos
europeus – primeiramente ibéricos (espanhóis e
portugueses), posteriormente ingleses, franceses e
holandeses – configurando-se o mundo colonial
americano, com seus desenvolvimentos diferenciados a
partir dos modelos de colonização implementados.
Trataremos, agora, das colonizações levadas a acabo pelos “retardatários” na colonização
americana: ingleses, franceses e holandeses.
As Colonizações Inglesa e Francesa na América
É conhecido o pioneirismo ibérico na realização das grandes navegações devido à
anteriorconfiguração dos Estados nacionais português e espanhol. Ingleses e franceses,
somente após a partilha de grande parte do continente americano entre os ibéricos, lograram
estabelecer-se enquanto Estados nacionais, passo fundamental para a realização dos
empreendimentos coloniais. Assim, o desenvolvimento de seus projetos coloniais foram
retardatários em relação aos ibéricos, pertencendo ao século XVII, quando as monarquias
hispânica e lusa perderam seus postos de vanguarda na expansão marítima-comercial pelo
mundo.
Entretanto, o atraso cronológico e as condições em que foram gerados os projetos
inglês e francês determinaram caminhos distintos daqueles traçados pelos ibéricos, bem
como por estabelecer um domínio menos duradouro para suas possessões, pois a grande
roda da História não pára, nem gira para trás.
• A América Inglesa
 No século XV, enquanto os portugueses empreenderam sua expansão africana
tendendo alcançar as riquezas orientais, o que lograram concluir com a viagem de Vasco
da Gama à Índia (1497-8), e os espanhóis, em seu processo de Reconquista da Península
Ibérica contra os mouros, forjaram seu Estado nacional, os ingleses iniciaram seu processo
de unificação política. Duas guerras contribuíram para o êxito em tal empreitada: a Guerra
dos Cem Anos (1337-1453) e a Guerra das Duas Rosas (1455-1485). A dinastia Tudor
(1485-1603) fora a responsável pela afirmação do poder real frente à nobreza (KARNAL,
2001, pp. 19-20). A Reforma religiosa empreendida por Henrique VIII, no século XVI, ao
fundar o anglicanismo aumentou o poderio da realeza, agora chefe da estatal Igreja
Anglicana. Estava em formação o Estado centralizado que possibilitara a emergência de
um projeto colonizador no século XVII.
8
História da
América II
Não obstante, entre fins do século XV e durante o século XVI, iniciativas
foram tomadas no sentido de descobrir novas rotas comerciais, enquadradas
no que Marc Ferro denominou de “’nacionalização’ das forças econômicas”
na Inglaterra (FERRO, 1996, p. 66). Tratava-se de aumentar a importância
comercial inglesa, dinamizando a economia. Não havia então um “projeto
colonizador” propriamente dito, e sim tentativas de seguir o sucesso dos
ibéricos nas “Grandes Navegações”. Giovanni Gaboto, comandando cinco
navios da Marinha inglesa, tentara descobrir uma rota pelo Noroeste da América, em 1497,
visando alcançar a Ásia. No ano seguinte realiza nova empreitada, tendo em suas viagens
navegado pelas costas da América do Norte e encontrado rios e baías que futuramente
seriam as portas de entrada da colonização.
Contudo, fora durante o reinado de Elizabeth I, em fins do século XVI, que os ingleses,
em crescente rivalidade com os espanhóis, deram um impulso “à construção naval e ao
comércio marítimo, envolvendo também a atividade corsária” (AQUINO, 2000, p. 123). O
poderio espanhol era uma ameaça concreta para os ingleses, tendo estes em resposta
formulado os princípios do seu mercantilismo:
Se para a Inglaterra só interessavam, ainda no final do século
XVI, as rotas e o comércio, uma reviravolta ocorre na época
de Elizabeth I, quando Walter Raleigh torna-se o teórico de
uma espécie de imperialismo marítimo: “Quem comanda o
mar comanda o comércio; quem comanda o comércio
comanda a riqueza do mundo, e por conseguinte o próprio
mundo...” (FERRO, 1996, p. 67)
A partir daí se intensificaram as viagens à América, “seja para saquear as
embarcações e colônias espanholas, ou para empreender lucrativo contrabando
nas Antilhas, seja para começar a colonização” (AQUINO, 2000, p. 123). Os ingleses,
assim como os franceses, tiveram inicialmente uma atitude parasitária para com
os negócios coloniais espanhóis. Somente nas três expedições de Raleigh à
América do Norte – 1584, 1585 e 1587 – houvera o intento de iniciar a colonização,
sendo, contudo frustrados seus planos pela resistência indígena, que dizimara os
colonos. Os conflitos entre nativos e colonos foram constantes no período colonial, e
mesmo no pós-colonial. Não havia projeto de evangelização das populações
indígenas, com apoio estatal e levado a cabo por missionários, nos moldes
vislumbrados na América ibérica.
O processo de colonização inglesa sofrera uma pausa por conta da guerra
contra a Espanha, mais poderoso Estado ocidental. A tentativa malograda de
invasão à Inglaterra pela Invencível Armada espanhola, em1588, fora o ponto crítico
para a guinada no jogo das forças entre os Estados europeus. Com a derrota
fragorosa, a Espanha veria seu poder em declínio ser suplantado por uma Inglaterra
que abrira caminho para sua vocação marítima se tornar imperial e mundial, processo
consolidado entre os séculos XVII e XIX. Somente as duas guerras mundiais do
século XX levaram ao ocaso do imperialismo britânico.
Livres da ameaça espanhola e tendo concluída a ascensão da dinastia Stuart
(1603), puderam os ingleses retomar suas investidas coloniais na América. A
conjuntura inglesa era agora favorável – não obstante as conturbações políticas. Senhora
dos mares, a Inglaterra e sua crescente burguesia dispunham de condições para reativar
negócios coloniais. Assim, o rei Jaime I concedeu a duas companhias – a Cia. de Londres
e a Cia. de Plymouth – parte do litoral norte-americano. Entre os paralelos 34º e 38º e 41º e
45º, tiveram as companhias de Londres e Plymouth, respectivamente, seus espaços de
atuação, resguardando-se a faixa territorial entre eles para evitar disputas.
9
• As Colônias do Sul
No natal de 1606, a Cia. de Londres mandara a
primeira vaga de colonização efetiva inglesa, com a
fundação de Jamestown, em 1607-8, na Virgínia. O começo
para os colonos lá estabelecidos fora difícil, flagelados pela
fome e pelos ataques indígenas. O povoado fora
massacrado pelos nativos em 1622, perdendo um quarto
de sua população (FERRO, 1996, p. 68). Superando os
obstáculos, conseguiram os colonos empreender o cultivo
daquele que seria o produto responsável pela
prosperidade das colônias do sul: o tabaco.
O endividamento (por conta dos investimentos) da Cia. de Londres frente ao progresso
da Virgínia levara a Coroa a convertê-la em colônia real (1624). O Estado também passara
a conceder territórios a figuras destacadas para a fundação de colônias. Assim nascera
Maryland, em 1634, com o estabelecimento de colonos católicos que se dedicaram ao
cultivo do tabaco.
Mas quem eram estes colonos que para a América vieram? Fruto da conturbada
conjuntura inglesa do século XVII, a imigração para o Novo Mundo teve múltiplos estímulos.
A começar pela situação rural inglesa, com o processo dos cercamentos (enclouseres),
que impelira o excedente camponês expulso do campo para as cidades. Levas de
empobrecidos camponeses apinhavam os centros ingleses, reservatórios de imigrantes
rumo à América. Carentes de mão-de-obra para expandir a colonização (os indígenas,
relativamente pouco numerosos e resistentes ao trabalho não se configuravam como força
produtiva disponível), as companhias, a Coroa ou os detentores de doações no Novo Mundo
escoavam o excedente populacional inglês em direção das plantações americanas.
Para custear a vinda para a América, os pobres ingleses assinavam um contrato de
servidão por sete anos. Tal servidão por dívidas (indentured servant) fora generalizada nas
Treze Colônias, atingindo cerca de 70 % dos imigrantes (AQUINO, 2000, p. 125). Segundo
Pierre Chaunu, a servidão branca era “de facto uma forma de escravatura, cujas modalidades
práticas, senão as suas bases jurídicas, não diferem fundamentalmente da escravatura [dos
negros africanos trazidos para a América]” (CHAUNU, 1969, p. 117).
Além dos pobres dos centros ingleses, os condenados pela justiça, mulheres e
crianças raptadas, e renegados de toda sorte estiveram incluídos nas sucessivas levas de
imigrantes, bem como os perseguidos pelas disputas religiosas, dos quais trataremos
adiante.
Com a restauração dos Stuart, novas colônias surgiramno Sul:
A Carolina do Norte e a Carolina do Sul, doadas a dois
proprietários: John Coleton e William Berkeley (1663).
Povoadas por grupos deslocados de outras colônias, de
huguenotes franceses e imigrantes da Escócia, Suíça e
Alemanha, as duas colônias basearam sua economia no
cultivo do índigo e do arroz, produzidos por escravos negros
em grandes propriedades.” (AQUINO, 2000, pp. 129-30)
A mão-de-obra escrava composta pelos negros africanos viera a complementar a
servidão branca ao longo do século XVII, tendo o primeiro carregamento chegado na Virgínia
em 1619. Em fins deste século já predominava, nas colônias do Sul, empregados nas
monoculturas das plantations.
Outra colônia que seguira este modelo econômico fora a Geórgia, última colônia a
ser fundada na região (1732), formada inicialmente por condenados à prisão por dívidas,
Massacre de Jametown.
Gravura de Theodore de Bry
10
História da
América II
trazidos pelo proprietário James Oglethorpe. Em 1752, passara a Geórgia a
ser colônia real, onde os escravos negros trabalhavam no cultivo do arroz em
grandes propriedades.
 A estrutura social das colônias do Sul advinha de sua organização
econômica. Os latifúndios das plantations escravistas conformavam uma
sociedade polarizada entre uma aristocracia fundiária ávida por terras e uma
massa de escravos negros, assim como uma parcela de servos brancos.
Devido ao esgotamento das terras pelo cultivo do tabaco, novas fronteiras latifundiárias
eram abertas, tendo a terra altos valor e impostos, o que bloqueava a difusão de pequenos
proprietários, ademais sem condições de adquirir a mão-de-obra escrava ou mesmo resistir
à pressão dos latifúndios por mais terras. Muito mais ligado à metrópole, o Sul escravista
seria o bastião do mercantilismo e do conservadorismo na América inglesa, mesmo na
época das lutas pela independência.
• As Colônias do Norte
Paralela ao desenvolvimento dos latifúndios destinados às plantations escravistas
do Sul, ao Norte a colonização desenvolvera-se diversamente. A partir de 1620, as
perseguições religiosas na Inglaterra levaram católicos, huguenotes, quakers e puritanos
(entre outras dissidências protestantes) a imigrarem para a América, situando-se na região
da Nova Inglaterra. Fora esta última leva, a dos
puritanos, que entrara para a história norte-americana
como o núcleo original de sua cultura.
Em 1620, quando chegaram à costa do que
seria Massachusetts, a bordo do Mayflower, um grupo
de puritanos (entre muitos outros passageiros) firmara
um pacto (The Mayflower Compact).
 Este grupo ficara conhecido como os “Pais
Pelegrinos” (Pilgrim Fathers). Fundaram New
Plymouth, posteriormente absorvida por
Massachusetts, que era ligada à Cia. da Baía de
Massachusetts, dirigida por uma “burguesia puritana”. Esta Cia. trouxera uma nova leva de
puritanos, em 1630, quando desembarcaram na Baía de Massachussetts os colonos
liderados por John Winthrop, também considerados “Pais Pelegrinos”. Winthrop, ao longo
da viagem, pregava entre os seus: Nós seremos como uma cidade no alto da colina, e os
olhos de todos se voltarão para nós [...] a nossa história será contada e dela será passada
palavra pelo mundo” (BOORSTIN, 1997, p. 15). Antes de desembarcarem do navio Arbela,
Winthrop também firmou um pacto (The Arbela Compact), declarando:
Nós devemos agir nessa empreitada como um só homem,
devemos alegrar-nos na companhia dos nossos, divertir-nos
juntos, tendo sempre presente no espírito a missão de nossa
comunidade, na qual todos devem ser membros de um
mesmo corpo. (In: História Viva, n°17, março de 2005, p. 63)
Os ditos “Pais Pelegrinos” vieram para a América devido à intolerância religiosa
inglesa do século XVII, pois desejavam atingir uma pureza religiosa em meio ao ambiente
anglicano inglês (os puritanos formavam a Igreja Congregacionista). Procuraram estabelecer
esta pureza religiosa na Nova Inglaterra, intentando fundar uma “Nova Jerusalém”.
Consideravam-se os eleitos por Deus para iniciar uma nova civilização e todas as provações
(eram muitas as dificuldades, sendo que a celebração da primeira colheita realizada por
eles, em 1621, dera origem ao Dia de Ação de Graças – Thanksgiving – data nacional dos
EUA) pelas quais passaram na travessia e no início de seu estabelecimento reforçaram a
Perseguição religiosa na
Inglaterra do Séc. XVII
11
idéia de que eram predestinados. É o mito fundador da América WASP (white, anglo-saxon,
protestant – branca, anglo-saxônica e protestante). Os norte-americanos (ou estadunidenses,
se preferir) consideram este o ponto de partida para sua história de sucesso – não a
colonização virginiana. Sobre o grau de penetração deste mito no imaginário daquele povo
Chaunu escrevera: A Nova-Inglaterra não é a primeira América inglesa, os Pilgrim
Fathers nem sequer foram os seus fundadores. E contudo a
sua lenda é mais verídica que a história. 1620-1621 acaba
por marcar profundamente uma viragem capital na história
da América. (CHAUNU, 1969, p. 118)
É praticamente onipresente esta versão mítica dentro da historiografia norte-
americana. Não é por acaso que Daniel Boorstin inicia sua trilogia sobre a história dos EUA
com a narrativa deixada pelo governador que presenciou a chegada dos “Pais Pelegrinos”,
e todas as provações a que foram submetidos, arrematando em seguida:
Nunca antes uma terra prometida fora tão pouco promissora.
Porém, no espaço de século e meio – mesmo antes da
revolução americana – este cenário que os tolhia transformara-
se numa das partes mais civilizadas do mundo. Haviam
nascido os contornos gerais de uma civilização nova.
(BOORSTIN, 1997, p. 8)
Os puritanos e sua Igreja Congregacionista, situados no
âmbito da Cia. da Baía de Massachusetts, estabeleceram uma
forma de governo, ou comunidade política baseada em preceitos
religiosos, sediada em Boston, mais importante centro da Nova-
Inglaterra. Estabeleceu-se, portanto, “a união entre Igreja e
Estado, cabendo o governo a elementos da Igreja
Congregacionista. O predomínio da oligarquia puritana resultou
na intolerância religiosa.” (AQUINO, 2000, p. 131)
Tal intolerância levou colonos não puritanos a deixarem Massachusetts, daí originando
outras colônias na região. Rhode Island, fundada por uma corrente de dissidentes (1636),
teve sua Carta de reconhecimento pelo Parlamento inglês em 1644, à qual fixava “a separação
entre Igreja e Estado, a liberdade religiosa, a proibição da servidão e da escravidão, a
obediência às leis aprovadas pela maioria e ao governo eleito pelos próprios colonos”.
(AQUINO, 2000, p. 132) originando outras col Massachussetsna rno a elementos da Igreja
Congregacionista.iedades.na Inglaterra, dos quais trataremos a
No bojo do processo de dissidência na Nova-Inglaterra foram fundadas também New
Hampshire (1623, convertida em colônia real em 1679) e Connecticut (1635). Diferenças
religiosas e políticas à parte, em termos sócio-econômicos havia certa homogeneidade
entre as colônias do Norte. O clima temperado (semelhante ao da Inglaterra) inviabilizava a
implementação das monoculturas para exportação, portanto excluía as plantations
escravistas existentes nas colônias do Sul. A estrutura fundiária estabelecida na Nova-
Inglaterra fora marcada pela pequena propriedade, cultivada pelas famílias dos colonos,
acrescidas dos servos brancos quando possível. As desigualdades sociais não foram assim
tão grandes como no Sul.
A economia das colônias do Norte era baseada na plantação de gêneros de
subsistência (que também geravam excedentes comerciáveis) como o trigo, a aveia, o milho,
bem como na criação de gado, porcos e ovelhas. À produção do campo juntava-se a pesca
como importante atividade, bem como a indústria naval, beneficiada pela grande quantidade
de madeira propícia disponível. O desenvolvimento das cidades fez com que tanto as
manufaturas quanto o comércio prosperassem, apesar das proibições e restrições impostasa uma e outra atividade. O comércio de peles, valiosas no mercado europeu, também
compunha o quadro econômico da região.
A chegada dos Pais Pelegrinos
com John Winthrop.
12
História da
América II
No âmbito da dinâmica interna da colonização, o Sul, voltado à
agroexportação, carecia de gêneros de subsistência para alimentação da
escravatura, adquirindo os produtos necessários nas colônias do Norte. Estas,
além deste comércio, desenvolveram amplamente um circuito comercial não
só ligado à Inglaterra, como também à África e às Antilhas. O controle
metropolitano sempre fora burlado, perfazendo o contrabando cerca de 84%
do comércio realizado pelas Treze Colônias. (CHAUNU, 1969, p. 172) O mapa
abaixo apresenta os dois circuitos contidos no “comércio triangular” Europa-
América-África.
• As Colônias do Centro
Entre os territórios delegados à Cia. de Londres e à Cia. de Plymouth desenvolvera-
se um terceiro grupo de colônias, denominadas colônias do Centro. O vazio territorial fora
ocupado por outros europeus, principalmente holandeses. Entre os anos de 1624 e 1633, a
Cia. das Índias Ocidentais holandesa funda uma série de estabelecimentos, destacando-
se a Nova Amsterdã (núcleo original de Nova Iorque). Suecos, finlandeses e alemães também
juntaram-se aos holandeses no vale de Delaware (CHAUNU, 1969, pp. 150-1).
A restauração dos Stuart, na década de 1660, levara os ingleses a um novo impulso
colonizador, sendo o centro da América do Norte o alvo primordial da sua expansão. Nesta
região os ingleses, entre idas e vindas, conseguem estabelecer o controle sobre a colônia
holandesa, agora denominada Nova Iorque.
 Outras colônias foram fundadas, na esteira da conquista inglesa. Deleware, habitada
originalmente por suecos, após um rasgo de dominação holandesa, passara ao controle
inglês em 1664, ligada a Nova Iorque. Seria transformada em colônia autônoma em 1701.
No mesmo ano da conquista de Delaware, surgira Nova Jérsei, já habitada por puritanos
ingleses e holandeses vindos da Nova-Inglaterra, agora propriedade de Lord John Berkley
e Sir George Carteret. Igualmente Carlos II doara a Willian Penn, líder dos quakers, um
território, dando origem a colônia da Pensilvânia (1681). A liberdade religiosa e a facilidade
na aquisição de terras trouxeram imigrantes de diversas partes da Europa, principalmente
alemães.
Marcadas pela heterogeneidade do povoamento e de religiosidade, ao longo de
seu desenvolvimento as colônias centrais perderiam parte de sua originalidade, ao
assemelhar-se gradualmente a Nova-Inglaterra. Contribuíra para tal a imensa vaga de colonos
germânicos – 9000 habitantes em 1685 (CHAUNU, 1969, p. 152) – levando os descendentes
O COMÉRCIO TRIANGULAR
Fonte: AQUINO, 2000 , p. 134.
13
dos primeiros imigrantes extremistas à formação de uma sociedade aristocrática e censitária,
para garantir suas prerrogativas e privilégios, e barrar a diluição de sua cultura em meio às
demais contribuições “estrangeiras”.
• As Instituições Político-administrativas.
O processo de colonização inglesa na América, realizado através do empenho das
companhias privadas e de proprietários e colonos responsáveis pela viabilização e defesa
dos empreendimentos coloniais, conformara um modelo colonizador distinto dos
vislumbrados na América ibérica. Como afirmara Leandro Karnal, o “Estado e a Igreja oficial,
na verdade, não acompanharam os colonos ingleses” (KARNAL, 2001, p. 27). Situação
diversa da encontrada nas Américas espanhola e portuguesa, onde seus Estados
metropolitanos e a Igreja Católica a eles interligada fizeram-se presentes.
As instituições político-administrativas das Treze Colônias tiveram variações entre
si, mas de modo geral todas possuíam suas próprias autoridades e autonomia em relação
as demais e a metrópole. Podem ser enquadradas em três modelos administrativos:
- Colônias de companhias de comércio – foram as primeiras a ser fundadas: Virgínia
e Massachusetts;
- Colônias de proprietários – concedidas a particulares pela Coroa: Maryland, New
Hampshire, Nova Jérsei, Carolina do Norte, Carolina do Sul, Pensilvânia, Nova Iorque e
Geórgia;
- Colônias reais – foram aquelas que a Coroa assumira a direção da colonização,
sendo que nenhuma fora fundada pelo Estado. A primeira fora a da Virgínia. No século VXII
constituíam a menor parte das colônias, mas ao longo do XVIII se tornaram a maioria, exceto
Maryland, Deleware, Pensilvânia, Connecticut e Rhode Island.
AS TREZES COLÔNIAS INGLESAS
Fonte: AQUINO, 2000 , p. 128.
14
História da
América II
As instâncias administrativas contidas em cada colônia eram a) um
governador, representante dos interesses metropolitanos, possuindo amplos
poderes. Nas colônias das companhias o governador era eleito pelos colonos,
geralmente para um mandato de um ano e sem direito a veto às leis das
assembléias, b) um conselho ou câmara alta composto por membros
nomeados dentre os colonos mais influentes, ou eleitos, funcionando como
órgão assessor do governador e c) as assembléias eleitas pelos homens
livres, geralmente de forma censitária, que elaboravam leis e fixavam impostos nas colônias
(AQUINO, 2000, p. 138).
Esta forma de governo, bastante distinta da América ibérica, levava os colonos a
experimentarem um sentimento de autogoverno, o que contribuiu para a emancipação quando
a Inglaterra lançara mão de medidas que pretendiam estabelecer um maior controle
administrativo e tributário sobre as Treze Colônias.
• As Antilhas e as Guianas
Na região das Antilhas, ingleses, franceses, holandeses e dinamarqueses, entre
outros, se aproveitaram do declínio do poderio espanhol e do vazio deixado pelo genocídio
da época da conquista nos séculos XV e XVI. Este vazio fora preenchido, ao longo do
século seguinte, quando a Inglaterra (São Cristóvão, Nevis, Montserrat, Barbados e Jamaica),
a França (principalmente a parte de São Domingos, denominada Haiti), a Holanda (Curaçao,
Margarida, Bonária, Santo Eustáquio e Aruba) e a Dinamarca (os dinamarqueses fundaram
a Companhia Dinamarquesa das Índias Ocidentais em 1671, sendo que permaneceram
nas Ilhas Virgens até 1917) partilharam as ilhas tomadas à Espanha (CHAUNU, 1969, p.
142).
Contudo, juntamente com as espanholas Cuba, São Domingos e Porto Rico, foram a
Jamaica e o atual Haiti as mais importantes porções antilhanas para o comércio colonial.
Seu produto principal, o açúcar, florescera pelo lucrativo comércio, beneficiado pelo eclipse
do Nordeste açucareiro da América portuguesa.
Tanto os ingleses como os franceses deixaram para trás o século XVI da pirataria e
do corsarismo, levado a cabo por flibusteiros baseados em ilhas tomadas ou abandonadas
para estabelecer bases econômicas nos moldes das plantations escravistas no século XVII.
Podemos perceber o desenvolvimento da parte francesa de São Domingos pela descrição
feita, em 1789, por Moreau de Saint-Méry:
[...] 793 engenhos de açúcar, 3150 plantações de anil, 789 de
algodão, 3117 de café, 182 destilarias de cachaça e outras
aguardentes de cana, 36 fábricas de tejolos e telhas, 6 fábricas
de curtumes, 370 fornas de cal, 29 olarias e 50 plantações de
cacau, independentemente de um sem número de outros
estabelecimentos conhecidos [...] (in: CHAUNU, 1969, p. 143)
A parte inglesa das Antilhas, além de integrar-se de
forma mais completa no projeto mercantilista inglês,
participará do comércio triangular com as colônias norte-
americanas, trocando açúcar e melaço por produtos
manufaturados e rum, bem como consumia sucessivas levas
de escravos africanos trazidos pelos comerciantes coloniais
e metropolitanos.
Engenho da Martinica
15
As guianas seguiram o mesmo padrão da conquista antilhana, por conta da
incapacidade espanhola em efetivar o povoamento da costa Norte da América do Sul, dando
origem às três guianas – inglesa, holandesa e francesa:
Assim, entre o Orenoco e o Amazonas, toda uma frente
costeira,por traição da Espanha, demasiado longe da América,
demasiado sobrecarregada de trabalhos na Europa, escapará
no fim das contas e definitivamente aos Ibéricos. O primeiro
estabelecimento inglês duradouro na Guiana – obra de Walter
Raleigh – data de 1595; a primeira colônia holandesa
duradoura, de 1621, é o forte “Kijk over all”, numa ilha costeira.
O forte Nassau data de 1624. Quanto aos Franceses,
expulsos da França equinoxial, instalam-se na Cayenne em
1650, sob a égide da Companhia do cabo do Norte. (CHAUNU,
1969, p. 111)
• A América Francesa
A França em relação à sua história colonizadora na América, passara por um processo
semelhante ao inglês nas etapas iniciais: fora retardatária, devido ao atraso em sua
centralização política em comparação aos ibéricos, bem como vacilante em suas iniciativas,
ainda mais que os ingleses. Porém tivera uma diferença básica em relação aos ingleses
que os aproximava dos ibéricos: a presença de missionários no Canadá, com o fito de
catequizar os indígenas, processo sempre incompleto.
Não obstante o atraso na concretização de um projeto colonizador, os franceses não
estiveram alheios à expansão marítima ibérica:
Aliás, Francisco I pediu para ver “a cláusula do testamento de
Adão” que, segundo o papado, o excluiu da partilha do mundo.
Na verdade, por muito tempo faltaram à França meios para
montar um grande dispositivo comercial, e no século XVI
ninguém teve realmente essa idéia. Foi preciso que a guerra
de corso se iniciasse para que Saint-Malo, Nantes etc. se
lançassem, mas várias décadas depois de Portugal e
Espanha, e com menos determinação do que a Inglaterra.
Foi preciso, sobretudo, que o Estado quisesse ter colônias.
(FERRO, 1996, p. 61)
Envolta pelas guerras religiosas e pelo conflito interno entre católicos e huguenotes,
a França indispunha de energias para rivalizar com espanhóis e lusitanos nos
empreendimentos coloniais americanos. Entretanto, no bojo da centralização política e
construção do Estado absolutista, iniciativas foram tomadas, em parte decorrentes dos
conflitos religiosos. Foi assim que entre 1555 e 1567 huguenotes chefiados por Nicolau de
Villegagnon fundaram a França Antártica, destruída pelos portugueses. Expulsos da Baía
da Guanabara, tentaram ainda se estabelecer ao norte, no litoral maranhense, sendo
igualmente repelidos pelos lusitanos.
Seria na América do Norte, contudo que os franceses lograriam estabelecer-se. O
estímulo inicial se dera pela pesca, praticada há tempos no Mar do Norte. Mas não somente
pela pesca. Assim como os ingleses, os franceses intentaram descobrir uma passagem ao
norte para o Pacífico, objetivando o contato com o Oriente asiático. Jacques Cartier, em
1535 descobre a rota do São Lourenço, via de penetração para o interior continental.
Entretanto Cartier não logrou estabelecer uma ocupação duradoura na região.
Somente no reinado de Henrique IV (1589-1610), quando o absolutismo encontrava-
se consolidado e a política mercantilista tornara-se uma de suas bases de sustentação, os
16
História da
América II
franceses efetivaram sua presença em terras americanas. Samuel Champlain,
em 1605, fundou Port-Royal no litoral atlântico e Quebec (1608), nas margens
do rio São Lourenço. Entretanto, o povoamento significativo não se dera senão
após um longo período de relativo abandono, tendo o Estado pouco investido
na colonização. Neste momento inicial prevalecia a pesca e o comércio com
os nativos, fornecedores das peles negociadas na Europa. Em 1660, apenas
2000 colonos habitam as povoações francesas da Nova França (CHAUNU,
1969, p. 113).
Franciscanos e jesuítas encetaram o trabalho missionário durante o
governo do cardeal Richelieu, dificultado pela resistência nativa e pelos conflitos decorrentes.
Os iroqueses, verdadeiros algozes dos franceses no Canadá, dificultaram maiores
empreendimentos pelo interior.
Um novo impulso na colonização ocorrera durante o
reinado de Luis XIV, enquadrado na política mercantilista
desenvolvida por Colbert, secretário das finanças. O Canadá foi
transformado em colônia real, bem como medidas foram tomadas
para aumentar a ocupação da região, que manteve-se porém
pequena, dispersa, ligada principalmente ao comércio de peles.
Para estabelecer o comando metropolitano fora criado o
governo geral, situado em Quebec, além do intendente (justiça e
finanças) e um Conselho formado por representantes de Quebec,
Montreal e Trois Rivières. Dera-se estímulo à emigração para a
Nova França. Entretanto, ao longo de todo o período colonial o
povoamento mantivera-se diminuto e disperso.
O comércio de peles incentivava expedições pelos grandes rios do interior, sendo
que nelas se descobrira o Mississipi, dando origem a uma nova zona de colonização: a
Louisiana. Na virada do século XVII para o XVIII foram fundadas Biloxi e Mobille, núcleos
que atraíram colonos para a região. New Orleans, criada pela companhia organizada para
a exploração da Louisiana, se tornou a capital desta colônia. Não obstante as iniciativas, a
Louisiana permaneceu fracamente povoada (muitos dos que vieram eram engajés, ou
engajados, servos brancos – por três anos – semelhantes aos existentes nas Treze Colônias)
e constantemente ameaçada pelos ataques de indígenas, de espanhóis da Flórida e de
colonos das Treze Colônias que se chocavam com os franceses em sua expansão para o
interior.
A colonização francesa, menos expressiva que a inglesa, sentira o peso dos conflitos
contra os nativos, ao mesmo tempo em que se aliava a algumas nações nativas para
atacarem os colonos ingleses. Foram constantes os choques e guerras na América do Norte,
seguindo a lógica da rivalidade franco-inglesa na Europa. Com a derrota na Guerra dos
Sete Anos (1756-63) e a decorrente assinatura do Tratado de Paris, a colonização francesa
na América iniciara seu ocaso, com a entrega do Canadá e de diversas ilhas das Antilhas
ao poderio inglês.
• Os Holandeses na América
Tradicionalmente ligados ao mar (os Países Baixos formam uma região de
aterramentos e diques), os holandeses, em sua luta pela independência frente à Espanha,
deram sua partida para a expansão ultramarina. A União Ibérica (1580-1640) transformara
as possessões portuguesas em alvos primordiais para os holandeses, por conta de sua
fragilidade. A República das Províncias Unidas, instituição política dos Países Baixos, teve
sua complementação econômica nas Companhias das Índias Orientais e Ocidentais, que
fizeram da primeira metade do século XVII um período de hegemonia holandesa. O lucro
era seu único objetivo: “Quando os holandeses se lançam mundo afora, têm um projeto
simples: ganhar dinheiro. Jesus Cristo está ausente de suas preocupações, evangelizar
não lhes interessa.” (FERRO, 1996, p. 65)
Jean Baptiste Colbert
17
Na América os holandeses da Companhia das Índias Ocidentais atacam Salvador
(1624) e conquistam parte do Nordeste, centrados em Pernambuco (1630-54). Ao Norte,
ocuparam os espaços entre os territórios das companhias de Londres e Plymouth, fundando
o futuro núcleo da cidade de Nova Yorque.
O sucesso holandês estava escorado na fraqueza ibérica momentânea e no seu
modelo de gestão empresarial, visando unicamente o lucro, e dirigido pelas companhias do
ocidente e oriente. Mas, quando tiveram que sustentar a implantação do aparato colonial e
defender-se da reação dos colonos brasileiros, bem como da concorrência do comércio
inglês, os holandeses perderam seu ímpeto e foram forçados a recuar para pequenos
enclaves ao redor do mundo, terminando assim a fase áurea de seu desenvolvimento
colonialista.
A Independência Norte-americana
Vimos que, ao longo do primeiro século da colonização inglesa na América do Norte,
os colonos tiveram autonomia para se desenvolverem e prosperarem por seus próprios
méritos. O empreendimento colonial se dera muito mais pela atuação de companhias e
particulares do que pelo empenho estatal. A começarpela defesa. Cada colono era
responsável por salvaguardar suas terras e família dos ataques indígenas. Coletivamente, a
defesa dos povoados e colônias era realizada pelas milícias organizadas pelos próprios
colonos, que tantas vezes teriam que enfrentar as nações indígenas e os franceses (aliados
ou não aos nativos). A presença das tropas inglesas era reduzida, somente se tornando
mais constante a partir da Guerra dos Sete Anos.
É justamente no segundo quartel do século XVIII que a metrópole se lançara com
afinco no projeto de consolidação do império ultramarino, através de um controle mais rígido
dos negócios e da vida coloniais. Pierre Chaunu faz uma síntese do processo:
Ao império britânico, comunidade antiga mas realidade política
recente, falta o peso dos hábitos duas vezes e meia seculares
que actuam a favor do Império espanhol. No momento em
que a Inglaterra procura dar-lhe um conteúdo mais preciso,
as dificuldades surgem de todos os lados. Tanto mais que a
Inglaterra está mais distante da América que a América da
Inglaterra.
O tempo, ademais, aumenta as dificuldades. Uma temtativa
de império teria sido mais fácil no século XVII. Mas o século
XVII com sua vida econômica enfadonha não se prestava a
tais construções custosas. Entretanto, pouco a pouco a
América inglesa individualiza-se em relação à Inglaterra. De
muitas maneiras: o modo de vida, a distância, a fraca
densidade das comunidades, a interrupção prematura da
emigração propriamente inglesa. A população anlgo-
americana é, desde meados do século XVIII, crioula em 97
ou 98%. Seu aumento é essencialmente natural. Os novos
emigrantes são na maioria alemães, irlandeses, escoceses.
(CHAUNU, 1969, p. 170)
Assim, quando a metrópole intentara reforçar os laços com as colônias – reverter sua
“Negligência Salutar” – o projeto se mostrara anacrônico. Pertence a um outro tempo. Os
ventos do liberalismo iluminista do século XVIII sopravam na América inglesa. Processo
facilitado por dois motivos: primeiramente, o alto índice de alfabetização entre os colonos
(pois todo bom protestante tinha que ler a Bíblia para concretizar sua religiosidade), derivado
da criação de instituições de ensino – Harvard e Yale, por exemplo –; se junta a isto a ausência
18
História da
América II
de instituições restritivas como a Inquisição, presente nas terras da América
espanhola. O acesso às obras iluministas, portanto era aberto.
Para além da influência das idéias iluministas, havia um conjunto de
fatores que impulsionaram os colonos à independência: senso de autonomia,
liberdade religiosa em relação à Igreja Anglicana, heterogeneidade de
povoamento, resistência às imposições fiscais...
Durante o século XVIII, os encargos coloniais, bem como a fiscalização
e controle sobre o contrabando, foram aumentados. As guerras e conflitos geravam despesas
que a metrópole intentava compartilhar com as colônias. O Estado inglês saíra vitorioso,
porém endividado, da Guerra dos Sete Anos. O Parlamento britânico queria dividir com as
colônias o custo de 400 mil libras anuais que as tropas inglesas na América acarretavam.
Para os colonos, eliminado o perigo francês do Canadá, pagar a conta parecia indigesto:
tinham que “pagar por um exército que, a rigor, estava ali para policiá-los.” (KARNAL, 2001,
p. 71) Acreditavam que, pelo contrário, sem a presença francesa ao Norte não careciam
das tropas inglesas para segura-las.
Mas, sem voz no Parlamento inglês, viram encargos sendo criados sem contrapartidas.
A Lei do Açúcar (1764) reduzira o imposto sobre o melaço estrangeiro, ao mesmo tempo
em que estabelecia impostos adicionais sobre vários produtos. Fora criada uma corte na
Nova Escócia com jurisdição sobre as Treze Colônias para punição dos que burlassem o
fisco, o que prejudicava o tradicional comércio triangular dos colonos. A corte estava
enquadrada no âmbito da política mercantilista revigorada.
Houve reação. Para os colonos, imbuídos pelo princípio inglês de que “taxação sem
representação é ilegal”, protestaram, além de boicotar artigos importados da Inglaterra.
Iniciava-se o processo de contestação-rompimento. Desejavam os colonos co-participação
nas decisões do império. Não foram atendidos, porém os protestos obrigaram a revogação
da Lei dois anos depois. Entretanto não impedira que mais leis restritivas e taxativas fossem
criadas:
• Mesmo antes, em 1763, o rei declarara a proibição do acesso dos colonos a
diversas áreas entre os Apalaches e o Mississipi, reconhecendo a soberania indígena sobre
a região, numa tentativa de apaziguar os nativos. Isto feria diretamente os interesses dos
colonos comerciantes de peles e produtores de tabaco, interessados na expansão da área
de cultivo.
• Lei da Moeda (1764), que proibia a emissão de papéis de crédito, o que
prejudicava o comércio.
• Lei do Selo (1765), que obrigava a utilização de selo em qualquer documento,
jornais ou contratos nas colônias, afetando a todos os setores da sociedade colonial,
principalmente os comerciantes. A oposição radical à Lei criou o início da resitência
organizada das Treze Colônias, conseguindo novamente a revogação da Lei, em 1766.
• Atos Townshend (1767), como ficaram conhecidas as leis que taxavam a
importação de diversos produtos de consumo, além de criavam os Tribunais Alfandegários
que aumentaram a fiscalização. A reação, principalmente em Boston, fora reprimida,
ocorrendo o denominado Massacre de Boston (1770).
• Lei do Chá (1773), que garantia o monpólio do comércio de chá para a Cia. das
Índias Orientais, contrariando os interesses coloniais. Novamente em Boston a reação dos
colonos gerara incidentes como a Boston Tea Party, quando uma carga de chá fora lançada
ao mar.
• Leis Intoleráveis (1774), impostas após a manifestação do Porto de Boston,
interditavam o porto da cidade, bem como convertiam Massachussets em colônia real,
maximizando o poder do governador indicado por George III.
• Ato de Quebec (1774), que impedia que as colônias de Massachussets, Virgínia,
Connecticut e Pensilvânia ocupassem terras à oeste.
19
Todas estas medidas serviram para unificar diversos grupos de interesses nas
colônias frente à dominação inglesa. Clubes de radicais formavam comitês que discutiam a
indepandência, enquanto moderados preferiam a manutenção do status quo, em movimentos
concilliatórios.
A partir de 1774, os anglo-americanos, divididos entre partidários da separação e
os defensores da conciliação (temerosos da participação popular no movimento, o que
ameaçava seus privilégios), organizaram o Primeiro Congresso Continental, em Filadélfia,
um dos mais importantes centros das colônias. Era chegada a hora de unificar as
dissidências para sanar o impasse metrópole-colônias. Representantes das Treze Colônias
(exceto da Geórgia) elaboraram uma petição ao rei protestando contra as medidas
metropolitanas.
A reação inglesa fora aumentar os efetivos ingleses, gerando atritos com os grupos
patriotas. Em Lexington e Concord ocorreram os primeiros choques (1775), dando início à
Guerra de Independência. Neste mesmo ano reunira-se o Segundo Congresso Continental
de Filadélfia, contando com a presença de todas as colônias, que enviaram líderes seus
mais destacados líderes, como Thomas Jefferson, Benjamin Franklin, Samuel Adams etc.
Enquanto debatiam a situação de rebeldia, um folheto intitulado Commom Sense, escrito
por Thomas Paine deu corpo às idéias e protestos anti-metropolitanos:
A Inglaterra é, apesar de tudo, a pátria mãe, dizem alguns.
Sendo assim, mais vergonhosa resulta sua conduta, porque
nem sequer os animais devoram suas crias nem fazem os
selvagens guerras a suas famílias; de modo que este fato
volta-se ainda mais para a condenação da Inglaterra [...]
Europa é nossa pátria mãe, não a Inglaterra. Com efeito, este
novo continente foi asilo dos amantes perseguidos da
liberdade civil e religiosa de qualquer parte da Europa [...] a
mesma tiraniaque obrigou aos primeiros imigrantes a deixar
o país, segue perseguindo a seus descendentes. (in:
KARNAL, 2001, p. 84)
Gradualmente, os elementos resistentes tiveram que ceder à aprovação da Declaração
de Independência (tendo Thomas Jefferson como principal autor), finalmente redigida em 4
de julho de 1776 – data cívica máxima para os norte-americanos. Estava aberta a luta
completa pela independência, que seria dirigida por George Washington, rico proprietário
de terras e comandante miliciano. Foi criado o Exército Continental, chefiado por Washington,
que juntamente com as milícias combatera as tropas inglesas.
A Declaração de Independência fora recebida com entusiasmo pela maioria dos
colonos. A estátua do rei George III foi derrubada pela população eufórica de Nova Yorque.
Porém, ao deixar de fora do texto (ver mais a frente a seção História através de documentos)
qualquer referência sobre a escravidão, exigência dos aristocratas escravistas do Sul, excluía
de seus princípios liberais cerca de um sexto da população ( perto de 500 mil escravos e
2.5 milhões de homens livres). A soberania popular, essência da Declaração, não era para
todos.
Os patriotas se organizando: mulheres fazendo boicoteMassacre de Boston
20
História da
América II
Declerar a independência era apenas uma das
etapas de luta patriota. Organizar a combate conjunto
aos (13) Estados Unidos (termo de 1776) contra as
forças inglesas mostrara-se mais complicado. O
apego à autonomia e o medo de uma revolução
popular fizeram-se presentes, dificultando o
andamento da Guerra. Para conduzir o conflito e
sistematizara a união entre os Estados, entre 1778-
88 vigorou a Confederação:
ou seja, não havia um governo central forte, mas uma
instância que deveria reunir e analisar as vontades e interesses
dos 13 estados. Tal instância era chamada de Congresso
Continental, o qual tomava decisões baseadas num conjunto
de normas chamado de Artigos da Confederação. Como não
podia deixar de ser, tal arranjo criou alguns problemas: alguns
estados tinham sua própria milícia, outros cunhavam a sua
própria moeda, outros ainda comercializavam com quem
queriam de acordo com interesses particulares. Era então
um país ou 13 países? (JUNQUEIRA, 2001, p. 21)
A pergunta da Profª. Mary Junqueira é realmente pertinente. Apenas foi respondida
pelos estadunidenses ao longo do século XIX, no processo de cosntrução do Estado nacional.
Mas antes era preciso derrotar os ingleses...
A Guerra, que durou seis anos, começou com uma série de vitórias inglesas. Os
desencontros entre o Exército Continental e as milícias, que relutavam em seguir os generais
sob comando de Washington, foram sintetizados pelo mesmo:
Se, para todos os efeitos, tivéssemos um exército, ou treze
exércitos aliados para a defesa comum, não haveria
dificuldades em resolver a questão que me põem [sobre as
promoções militares], mas, se umas vezes somos ambas
as coisas, não andarei longe da verdade se disser que outras
vezes não somos nenhuma delas, mas uma amálgama de
ambas. (in: BOORSTIN, 1997, p. 337)
Não obstante as dificuldades internas, a Guerra começou a pender para os norte-
americanos entre 1777 (com a vitória dos patriotas em Saratoga, primeira grande batalha
do conflito) e 1778-9 (quando a França, depois a Espanha, passaram a apoiar os
estadunidenses). A França enviara homens, armas e mantimentos, bem como combatia a
Marinha britânica juntamente com os corsários. Não podia a Inglaterra combater do outro
lado do Atlântico contra tantos inimigos. O decisivo apoio do poderio naval francês na derrota
das tropas do general Cornwallis, em Yorktown (costa da Virgínia), selou o fim da resistência
inglesa.
Tratava-se, agora, de acordar a paz. Em Versalhes, foi celebrada a Paz de Paris
(1783), quando ficaram reconhecidas a independência, a liberdade e soberania das ex-
Treze Colônias sobre o território do Oeste até o Mississipi, ao Sul até a Flórida, recuperada
pela Espanha e ao Norte até os Grandes Lagos. A França conseguiu ficar com algumas
ilhas inglesas nas Antilhas (e uma enorme dívida, uma das origens da Revolução Francesa).
Entretanto, agora os Estados Unidos deveriam solucionar seus conflitos internos no bojo do
processo de construção da nação norte-americana.
A derrubada da estátua de George III
21
A Consolidação da Nação Norte-americana
Concluída a Paz, os impasses vislumbrados entre o Congresso Continental e os
estados continuavam. O fraco poder confederado do Congresso impedia um avanço na
construção de estruturas político-administrativas nacionais. Não havia ainda nação. Esta
fora uma construção ideológica que levaria quase um século para se afirmar.
O período da Confederação foi um ponto crítico na história do recém criado país. A
anarquia de interesses dos diversos estados precisava ser equacionada, sob risco de
completa fragmentação. Em 25 de maio de 1787, reuniram-se em Filadélfia as figuras mais
ilustres dos estados. Apenas Rhode Island não enviou representantes. Os 55 delegados
elegeram George Washington como presidente da Convenção. Era chegada a hora de
discutir uma Constituição. Na Convenção, o embate entre confederados e federalistas dera
o tom – poder local versus centralizado.
 O texto constitucional redigido, onde prevalecera o espírito federalista, precisava de
aprovação. Os federalistas, mais organizados e fortes junto à opinião pública (tinham a
imprensa ao seu lado), “rejeitavam a participação popular na política, pois temiam ‘um caos’,
‘uma anarquia’ ou se estabelecesse uma ‘irreversível desordem’” (JUNQUEIRA, 2001, p.
26). Seu projeto saíra vencedor, tendo a Constituição, que recebera poucas emendas,
ratificada, em 13 de setembro de 1788, por 11 estados. Desde sua redação até 1992, a
Constituição norte-americana tinha recebido apenas 27 emendas, em flagrante contraste
com as constituições latino-americanas, constantemente refeitas e emendadas. Isto se deve
ao fato de que o texto constitucional dos EUA é baseado em princípios, o que lhe dá maior
flexibilidade e por isso pouco necessita ser reformado.
Um dos documentos mais importantes da história
política contemporânea, a Constituição norte-americana
estabeleceu um poder central (Executivo), chefiado pelo
presidente eleito, com funções que incluem
regulamentação do comércio, cunhagem de moedas,
controle das terras públicas e manutenção das Forças
Armadas nacionais. O poder Legislativo ficara a cargo
de duas assembléias: a Câmara dos Deputados e o
Senado. O Judiciário, a nível federal, é representado por uma Suprema Corte
(importantíssima na cultura política dos EUA, pois é ela a responsável por interpretar os
princípios da Constituição, decidindo o que é ou não constitucional).
A soberania popular era efetivamente limitada pelo voto censitário, pois apenas os
homens que possuíam determinada renda – em terras ou investimentos – poderiam votar
ou serem eleitos (AQUINO, 2000, pp. 193-4). Isto excluía a maioria da população, sem
contar os escravos, obviamente ausentes da participação política. O sistema eleitoral
estabelecido vigora até hoje: os eleitores votam em delegados do seu estado, que por sua
vez escolhem o presidente. Assim, a eleição é indireta.
Mesmo vencidos, os antifederalistas conseguiram a aprovação da famosa Bill of
Rights (Declaração de Direitos), que garantia alguns direitos civis, como as liberdades de
expressão, de reunião, de imprensa, de fé religiosa, bem como a separação entre Igreja e
Estado.
Como parecia natural, o primeiro presidente foi George Washington (eleito para dois
mandatos – 1789-97), pois era uma figura de prestígio pelo comando durante a Guerra,
capaz de dar um sentimento de unidade ao poder Executivo. Juntamente com Washington,
outras personalidades como Thomas Jefferson (eleito presidente de 1801 a 1809) figuram
no panteão cívico norte-americano como os “Pais Fundadores” (Founding Fathers) da nação.
Verdadeiros ídolospúblicos, tinham seus feitos ligados aos “Pais Pelegrinos”, como se
fossem seus herdeiros diretos, contribuindo para a formação do espírito de união da
comunidade norte-americana.
Assinatura da Constituição Norte-Americana
22
História da
América II
Assim como Winthrop, abordo do Arbela, tinha estabelecido um pacto
de união entre os puritanos, no início do século XIX os “Pais Fundadores”
seriam os responsáveis pela consolidação da comunidade WASP dos
Estados Unidos da América. Como aqueles que pretendiam fundar a “Nova
Jerusalém”, estes desejavam fundar uma “Nova Roma”, evocando os virtuosos
princípios republicanos da antiguidade romana (é ilustrativo disto a arquitetura
neoclássica das instituições máximas da política dos EUA, a Casa Branca e
o Capitólio – como é chamado o prédio do Congresso). Era necessário romper
com a tradição monárquica inglesa para legitimar o novo regime – a República
– e foi Roma o referencial escolhido.
Mas a concretização deste amálgama sobre a sociedade norte-americana não fora
automática. A heterogeneidade regional, social, econômica e religiosa tinha que ser
minimizada frente aos valores comuns a todos, e estes só poderiam ser cívicos – não é por
acaso que o nacionalismo dos EUA é considerado por seus historiadores como um
nacionalismo cívico (ver CHASTEEN, 2001, p. 179).
• A Expansão para o Oeste
Primeiramente, os EUA deviam resolver os problemas relacionados ao povoamento
de suas fronteiras. As questões fronteiriças já figuravam no período da Confederação: em
1787, o Estatuto (ou Ordenações) do Noroeste deu corpo jurídico ao estabelecer que
nenhum Estado poderia constituir colônias nas terras do
Oeste, consideradas territórios federais até que estes
atingissem determinada quantidade de eleitores, quando então
se transformariam em Estados e seriam admitidos à união
com os mesmos direitos dos Treze Estados originários.
(AQUINO, 2000, p. 192)
Pois, caso contrário, se um dos estados já existentes apenas incorporasse novas
terras e populações poderiam desequilibrar a Federação. Este mecanismo de inclusão
dos novos estados possibilitou a expansão para o Oeste, que caracterizaria a primeira
metade do século XIX norte-americano. A questão do Oeste aparece como um nexo que
interliga os problemas centrais para os EUA da época: a inclusão dos homens de fronteira
no sistema político, e a delicada temática da escravidão.
O primeiro tivera solução a partir do Estatuto do Noroeste. Através dele novos estados
foram sendo anexados: “Vermont foi o 14° estado a entrar para a União, em 1791. O Kentucky
tornou-se o 15° estado, em 1792, e Ohio, o 16° estado dos Estados Unidos, em 1803”
(JUNQUEIRA, 2001, p. 41). A expansão para o Oeste esbarrava na existência da Louisiana,
pertencente à França. A solução foi comprá-la da França napoleônica em 1803. Apenas a
Guerra contra a Inglaterra entre 1812-14 distraíra os norte-americanos em sua expansão.
Terminada com a vitória dos EUA, novos territórios foram criados na extensa área da
Louisiana, que após completarem os 60 mil habitantes requeridos pela lei, tornaram-se
estados federados à União. Ao Sul, a Flórida, ainda sob domínio espanhol, foi comprada
em 1822.
Tendo em vista que a maioria dos colonos que se fixavam nos territórios de fronteira
era composta por proprietários descapitalizados, o voto censitário impediria por muito tempo
a inclusão de tais territórios como novos estados. A saída fora universalizar o voto a todos
Casa Branca Capitólio
23
os homens livres. Este processo pode ser denominado como “democracia jacksoniana”
(HOBSBAWM, 1977, p. 129), pois Andrew Jackson, comandante militar de prestígio e
nascido no Oeste, baseava seu apoio político nos recém-criados estados (ele se tornou o
primeiro governador da Flórida). Com o auxílio dos homens da fronteira, Jackson consagrou-
se presidente dos EUA por dois mandatos seguidos (1829-37). Sua defesa da democracia
alargada revolucionou a política norte-americana. Por mais que alguns estados mantivessem
o voto censitário, os novos ventos da democracia universal sopravam os EUA rumo ao
posto de vanguarda da política democrática, processo em consolidação no Ocidente entre
fins do século XIX e a primeira metade do XX.
A postura igualitária de Jackson enquadrava-se no que seria um mito norte-americano:
a valorização do homem comum, que, pelo seu trabalho, conseguia prosperar, pois o Oeste
era visto como a terra das possibilidades, onde – após o extermínio ou a expulsão dos
indígenas – tudo poderia ser realizado.
A política adotada por Jackson foi dirigida em benefício do
pequeno proprietário, estimulando a mobilidade social e o
espírito individualista. Era o tempo da valorização do self made
man, imagem tão celebrada nos Estados Unidos desde então.
(JUNQUEIRA, 2001, p. 46)
Na expansão para o Oeste era inevitável o choque com as nações indígenas. Apenas
eliminando a ameaça indígena os colonos (em sua ótica) poderiam desenvolver a civilização
nos territórios abertos pelo avanço do povoamento no centro do continente. A imagem dos
conflitos entre brancos e índios ficou imortalizada pelas produções hollywoodianas, dando
origem a um novo gênero cinematográfico: o faroeste.
Jackson, defensor dos pequenos proprietários do Oeste, quando presidente,
estabeleceu o Indian Removal Act (Ato de Remoção Indígena - 1830) que forçou a remoção
de milhares de índios para reservas longe (por enquanto) dos territórios pretendidos pelos
colonizadores da região do Mississipi. Aos resistentes, a cavalaria norte-americana travava
duros combates, exterminando tribos inteiras.
O contraste entre os indígenas, considerados
“selvagens”, portanto impossibilitados de serem
integrados à sociedade dos EUA, e o homem branco,
tido como realizador de uma nova sociedade no interior
continental, davam uma idéia de superioridade marcante
aos norte-americanos. Como vimos desde o período
colonial havia a concepção de que os colonos tinham
vindo para a América fundar um novo mundo, distinto da
velha Europa. No século XIX, esta ótica seria
sistematizada na Doutrina do Destino Manifesto (fundamental para entender a lógica
imperialista dos EUA em pleno século XXI), expressão cunhada pelo jornalista John
O’Sullivan (JUNQUEIRA, 2001, p. 50). Os estadunidenses acreditavam que tinham o direito,
concedido por Deus, de tomar todo o território continental da América do Norte. Sua
civilização, considerada superior, tinha o direito de expulsar indígenas e depois os
mexicanos, pois sua missão era ser o grande farol que iluminaria toda a humanidade.
Assim, resolvidos os entraves indígenas, os norte-americanos, em sua expansão
desenfreada, chegaram às terras mexicanas na década de 1830. Colonos fundaram uma
“república independente” no Texas, território mexicano. Posteriormente decidiram anexar-
se aos EUA, provocando a guerra contra o México (1846-8). O resultado de uma luta desigual
foi a tomada de metade do território mexicano pelos EUA, terminando a expansão rumo ao
Oeste, com a chegada à costa do Pacífico e a posterior criação de diversos estados norte-
americanos. A descoberta de ouro na Califórnia levaria à Corrida do Ouro, que se tornara
uma febre na década de 1850, estimulando o povoamento.
Agora, as atenções voltaram-se para o Norte: o Oregon, disputado com os ingleses
e o Alasca, território Russo, foram incorporados mediante acordos nas décadas de 1840 e
Trilha das Lágrimas
24
História da
América II
1860. Estava consolidada a plataforma continental dos EUA.
A questão do Oeste, como dito, também abarcava a temática sensível
da escravidão. O problema girava em torno da expansão ou não da escravidão
para os novos estados criados. A maioria deste decidira pela adoção da
escravidão, fazendo pender a balança de poder para o Sul, no âmbito do
Congresso Nacional. Estavam em choque diferentes modelos econômico-
sociais: o Norte, onde vigoravam o trabalho assalariado e asmanufaturas,
tinha seus homens de negócios defendendo o fim da escravidão, objetivando
a expansão do mercado consumidor; já o Sul, essencialmente agroexportador
(o algodão norte-americano foi essencial para a industrialização inglesa) e escravista, tinha
uma aristocracia conservadora ciosa de seus direitos e ressentida pelo endividamento frente
aos nortistas que a financiavam, além das divergências alfandegárias entre eles. O im-
passe fora decidido pela sorte das armas.
• A Guerra Civil Norte-americana
A Guerra Civil, conhecida também como Guerra de Secessão, foi um dos eventos
mais marcantes da história dos EUA. O país quase se dividiu em dois. O aumento do poderio
sulista, ao mesmo tempo em que crescia no Norte o movimento abolicionista, polarizava os
debates no Congresso. Desde 1808, o tráfico de africanos estava proibido. Porém, além
do contrabando persistir, o sistema escravista dos EUA era baseado na reprodução interna,
através dos filhos dos escravos.
 A eleição de Abraham Lincoln (do Estado de Illinois), em 1860, foi um duro golpe
para os sulistas, pois seu Partido Republicano
defendia a abolição. A tensão chegara ao limite,
levando 11 estados sulistas a se separarem da
União e formarem uma nova Confederação
(Estados Confederados da América).
Fonte: THE TIMES, Atlas de História Universal, 1995, 233.
25
O conflito se iniciara em abril de 1861, porém apesar de diversas vitórias da
Confederação, o Norte saiu vitorioso, quatro anos depois – 9 de abril de 1865, sendo que o
presidente Lincoln foi assassinado quatro dias após, por um simpatizante sulista. Sua
população muito superior à do Sul (22 contra 9 milhões, respectivamente), seu
desenvolvimento industrial (que facilitara a produção voltada para a Guerra), suas facilidades
de transporte pelas estradas de ferro e o bloqueio da costa sulina, que estrangulava a
exportação e impedia a importação de material bélico foram decisivos.
No bojo do conflito a abolição foi decretada – 1862 – mas a igualdade política entre
brancos e negros não garantiu a igualdade
social, nem o fim do racismo. A nação,
reintegrada politicamente com a volta dos
Confederados à União, permanecia dividida
racialmente, como ainda o é nos dias de
hoje.
 A Guerra, que causara mais de 620
mil mortes, acabou por modernizar os EUA,
pois o conflito contribuíra para o
desenvolvimento tecnológico e industrial do
Norte. Após o conflito, a burguesia nortista
passara a investir também na modernização
do Sul, em processo de reconstrução de sua
economia, duramente afetada pelo conflito.
A introdução do contingente oriundo da
escravidão no mercado consumidor também
serviu de catalisador do capitalismo norte-americano, que terminaria o século XIX como um
dos mais prósperos e importantes do mundo.
Os EUA em Fins do Século XIX
Os Estados Unidos da América conheceram um grande desenvolvimento ao longo
de seu primeiro século e meio de existência. A começar pela expansão territorial, que
multiplicara seu território em cerca de 11 vezes (JUNQUEIRA, 2001, p. 39). A população
crescera tão espetacularmente quanto o território, por conta do forte movimento imigratório
ao longo do século XIX e da elevada taxa de natalidade. Já entre 1790 e 1820, a população
norte-americana passou de 3.929.214 para 9.638.453 (CHAUNU, 1969, p. 184). Os
imigrantes na segunda metade do século chegavam em massa: “2,4 milhões na década de
1870 e 5,3 milhões na década de 1880” (BANDEIRA, 1998, p. 24). E o número de imigrantes
não parou de crescer, pois a partir de 1880, os EUA instalaram na Europa agências para
atrair imigrantes que foram incorporados nas manufaturas em expansão:
entre 1880 e 1920, os Estados Unidos receberam perto de
22 milhões de imigrantes – asiáticos, russos, judeus, tchecos,
húngaros, poloneses, sérvios, croatas, romenos, gregos e
7um grande contingente de italianos. Foram o país das
Américas a receber o maior número de imigrantes nessa
época. (JUNQUEIRA, 2001, p. 119)
Todo este movimento migratório contribuiu para a diversidade cultural norte-americana,
uma das marcas daquele país. Uma cultura voltada para o progresso, para a expansão
(eram a terra das oportunidades), onde o espírito capitalista protestante transformara uma
sociedade agrária do século XVIII em uma potência industrial ao longo do XIX.
O desenvolvimento manufatureiro já havia sido observado em tempos coloniais
(pequeno é verdade, muito aquém da agricultura), porém foi no século seguinte à
A Guerra em imagens
26
História da
América II
independência que o processo se consolidara. Já na primeira metade do XIX,
os EUA cresciam com uma rapidez assombrosa, ocupando, por volta de 1850,
o quinto lugar no mundo como potência manufatureira (BANDEIRA, 1998, p.
16).
Após a Guerra de Secessão, os norte-americanos experimentaram um
grandioso desenvolvimento econômico. O conflito acelerara a industrialização,
bem como a necessidade de incorporar as terras do Oeste de fato, ligando o
país pelas estradas de ferro. Ao longo da década de 1860, foi construída uma grande ferrovia
que ia da costa do Atlântico à do Pacífico. E a construção das ferrovias, ao mesmo tempo
em que integrava mais terras e populações aos circuitos comerciais do Leste – permitindo
a expansão industrial –, engendrava por si só a expansão fabril, especialmente nos setores
de metalurgia e siderurgia.
A Guerra também estimulara a mecanização fabril, pois o crescimento das
necessidades de fornecimento de material para o conflito foi acompanhado do recrutamento
e morte de parte do contingente proletário. Os industriais que dispunham de capitais para
investir tornaram-se riquíssimos. Outro efeito decorrente do conflito foi a ocorrência inúmeras
fusões de empresas, visando a agilização do fornecimento e das comunicações,
principalmente das tropas nortistas. A década seguinte foi marcada pela aceleração e
fortalecimento da expansão dos grandes grupos industriais, dedicados à reconstrução das
áreas devastadas pela Guerra e a novas aquisições de pequenas empresas, possibilitando
investimentos em tecnologia e procura por mercados externos:
Do quinto lugar como potência industrial, em 1840, os EUA,
que até a Guerra de Secessão foram um país de pequenos
negócios, saltaram para o quarto em 1860 e para o segundo
em 1870, quando o processo de concentração e centralização
da economia, impulsionado pelo crack de 1873, começou a
produzir novas formas de associação empresarial – pools,
trusts, cartéis e sindicatos – com o objetivo de monopolizar
mercados e fontes de matérias-primas, bem como controlar
preços e exportar capitais. Em tais circunstâncias, com as
forças produtivas do capitalismo desbordando os limites do
estado nacional, a América Latina, agrícola e atrasada, se
configurava como a continuidade natural do seu espaço
econômico. (BANDEIRA, 1998, p. 24)
Com efeito, a expansão do capitalismo industrial norte-americano estava intimamente
ligada ao seu expansionismo territorial. Mais terras, mais matérias-primas para a produção,
mais imigrantes atraídos pelas possibilidades de enriquecimento, mais braços para as
indústrias. Estas se desenvolveram na chamada “segunda Revolução Industrial”, marcada
pela indústria petrolífera, e os EUA foram protagonistas de ponta neste processo. Os
monopólios, como o da Standart Oil Co., fortaleceram os grandes grupos econômicos e o
avanço tecnológico. Seguindo os exemplos europeus, os EUA organizaram as chamadas
“exposições universais”, onde os progressos científicos – e suas invenções –
impressionavam seus visitantes. Boa parte das patentes tecnológicas registradas desde
então são norte-americanas (Hollywood produziu inúmeros filmes que ilustram a mentalidade
criativa dos estadunidenses, com suas personagens inventoras).
Assim os EUA tiveram, no século XIX, um grande círculo virtuoso, uma conjuntura
favorável ao seu crescimento. E os políticos não ficaram alheios às necessidades e
oportunidadesabertas nesta era.
Na década de 1820, a política estava permeada pela atmosfera expansionista. Em
resposta à criação da Santa Aliança na Europa, e dos decorrentes riscos de recolonização
das Américas ibéricas, o presidente James Monroe (1817-25) proclamou a Doutrina Monroe
(1823), que tinha como lema “a América para os americanos”. Estava já inserida na esfera
27
do imperialismo, que se concretizara em fins do século, após a consolidação das fronteiras
continentais dos EUA.
A cultura norte-americana é permeada pelos princípios expansionistas, pois os
estadunidenses se consideram como o “povo eleito” por Deus para civilizar o restante da
humanidade. Assim, a concepção do “Destino Manifesto” se materializava na conquista do
Oeste, bem como na anexação de grande parte dos territórios mexicanos. Era natural que
pensassem em expandir-se além de suas fronteiras. O capitalismo voraz do último quartel
do XIX impelira os norte-americanos a buscarem reservas de matérias-primas e mercado
consumidor na América Latina, impulsionando os investimentos na região.
As atenções se voltaram para Cuba e Porto Rico, ainda possessões espanholas.
Desde fins do XVIII, os políticos consideravam ambas como “apêndices naturais” do território
norte-americano, concepção que vigorou por todo o XIX (JUNQUEIRA, 2001, p. 100). Em
1895, a oportunidade de controle sobre tais ilhas caribenhas abriu-se com a luta pela
independência levada a cabo pelos patriotas cubanos, que solicitaram apoio dos EUA contra
a Espanha. A explosão e naufrágio do Maine, navio da Marinha norte-americana estacionado
no porto de Havana, deu o pretexto para o início da guerra (1898), pois os espanhóis foram
responsabilizados pelo incidente. Sem dificuldades, a vitória dos EUA na que foi chamada
de “explêndida guerrinha” pelo Secretário de Estado, consolidara o status imperial norte-
americano, ao manter Cuba como protetorado por 35 anos, e administrar as Filipinas até
1940 (CHASTEEN, 2001, pp. 166-7). Porto Rico e o Hawaí até hoje fazem parte dos EUA,
o primeiro como “estado autônomo associado” (um eufemismo para colônia) e o segundo
incluído como estado da Federação.
Os interesses norte-americanos, após a concretização do seu poder no Caribe,
voltaram-se para a construção de um canal na América Central que servisse de via comercial
de ligação entre o Atlântico e o Pacífico. Theodore Roosevelt principal personagem da política
do Big Stick (grande porrete), defendia as pressões e intervenções dos EUA onde parecia
conveniente. Em 1903, Roosevelt conseguiu adquirir uma base militar no Panamá e depois
o direito de construir e controlar o canal desejado. Não sem antes influenciar na separação
do Panamá, então pertencente à Colômbia. Era uma amostra do poderio americano que se
extendia para toda a América Central, e de forma geral a toda a América Latina. O presidente
também foi o responsável pelo “corolário Roosevelt”, que, em 1904, afirmava:
Na realidade, são idênticos os nossos interesses e os dos
nossos vizinhos sulinos. Eles possuem grandes riquezas
naturais e a prosperidade certamente chegará a eles, se reinar
a lei e a justiça dentro de suas fronteiras. Enquanto
obedecerem às leis elementares da sociedade civilizada,
podem estar seguros de que serão tratados por nós com
ânimo cordial e compreensivo. Interviríamos somente em
último caso, somente se se tornasse evidente a sua
inabilidade ou má vontade, quanto a fazer justiça interna e,
em plano externo, se tivessem violado os direitos dos Estados
Unidos; ou ainda, se tivessem favorecido a agressão externa,
em detrimento da comunidade das nações americanas. (in:
IANNI, 1988, p. 24)
Fica patente o preconceito de Roosevelt para com os latino-americanos, tratados
como crianças que precisam ser educadas e civilizadas, sob direção dos EUA. Esta é uma
hipócrita visão quanto ao grau de civilidade latino-americana, tendo em vista a discriminação
racial e a exclusão social vislumbradas nos EUA em fins do século XIX. Os negros continuaram
segregados e os trabalhadores explorados ao máximo, sendo reprimidos os seus
movimentos por direitos trabalhistas. São aspectos da contraditória história norte-americana
ainda presentes nos dias de hoje...
28
História da
América II
Texto Complementar
“Ao iniciarmos a análise da dimensão histórica da mudança econômica
latino-americana, caberia fazer a seguinte pergunta: como explicar que as
duas áreas anteriormente coloniais, os Estados Unidos e a América Latina,
desenvolveram padrões de crescimento econômico tão marcadamente
constrastantes após as respectivas independências? Como pôde a nação norte-americana
emergir, por volta de 1870, como segunda potência econômica mundial em termos de
produção industrial, ao passo que a América Latina permanecia, fundalmentalmente,
desempenhando o mesmo papel de principal fornecedor de matérias-primas e gêneros
alimentícios para os países do Atlântico norte? [...]
Nessa tentativa de encontrar uma resposta que sirva de base para estudos
comparativos entre as duas áreas em seu desenvolvimento pós-colonial, somos levados
(inevitavelmente) aos complexos culturais europeus, berço dos colonizadores ingleses e
ibéricos, em cujo seio esses modelos de atividade colonial foram concebidos. Não será
suficiente comparar o grau de censura e tolerância, as perspectivas coloniauis em termos
de educação, a extensão da liberdade econômica colonial; dever-se-á, forçosamente,
encontrar a origem de tais elementos em suas matrizes européias. Em contraste com a
Espanha [...], os colonizadores ingleses saíram de uma Inglaterra em processo de
modernização, que encarava o conhecimento, a tolerância, os direitos individuais, a liberdade
econômica, a poupança e o investimento como elementos inseparáveis do processo de
transformação e crescimento. [...]
Além disso, o meio natural (objeto da colonização inglesa) constrastava, em pontos
essenciais, com aquele encontrado pelos primeiros colonizadores ibéricos. Embora as
primeirascompanhias comerciais inglesas buscassem decobrir minas de metais preciosos,
nenhuma foi encontrada. [...] os europeus ocidentais que vieram para a América do Norte
não tiveram que entrar em choque ou incorporar culturas indígenas de vulto: expulsaram os
ameríndios nômades que encontraram ao longo de sua penetração, mataram-nos ou
isolaram os sobreviventes em tratos de terra improdutiva [...] Os indígenas norte-americanos
permaneceram não-incorporados e não-integrados. [...] Em termos mais amplos, a existência
de uma terra virgem, de vastas dimensões e subabitada, possuidora de extraordinários
recursos, situada em posição favorável face à Europa e desfrutando de condições climáticas
comparáveis àquelas encontradas em solos europeus representava, em realidade, condição
fortemente potencial para o desenvolvimento, inexistente em qualquer outra parte do Novo
Mundo. [...] Há muito confinadas às limitadas possibilidades agrícolas oferecidas pela orla
marítima, as colônias inglesas do norte desenvolveram a construção náutica e as atividades
mercantis, estas últimas particularmente após 1763, na região do Caribe; por seu turno, as
colônias do sul estabeleceram as bases para uma agricultura de exportação utilizadora da
mão-de-obra escrava. [...] Nos anos que se seguiram a 1814, a demanda externa do algodão
e, ao longo da década de 30, o crescimento e ascensão dos preços de esportação
estimularam a concentração das das áreas agrícolas do sul em torno da produção algodoeira
voltada para o comércio com a Europa ocidental e a região nordeste dos próprios Estados
unidos até a eclosão da Guerra de Secessão.
O norte do país adquirira os contornos bem marcados de um centro financeiro para a
atividade agrícola do sul, um entreposto para suas importações de manufaturas e artigos
de luxo e um fornecedor de manufaturaas tais como têxteis de algodão e utensílios de
ferro.após 1830, a ocupação e colonização do território oeste ampliaram

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