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Filosofia do Direito O Instituto IOB nasce a partir da experiência de mais de 40 anos da IOB no desenvolvimento de conteúdos, serviços de consultoria e cursos de excelência. Por intermédio do Instituto IOB, é possível acesso a diversos cursos por meio de ambientes de aprendizado estruturados por diferentes tecnologias. As obras que compõem os cursos preparatórios do Instituto foram desenvolvidas com o objetivo de sintetizar os principais pontos destacados nas videoaulas. institutoiob.com.br Filosofia do Direito / Obra organizada pelo Instituto IOB - São Paulo: Editora IOB, 2013. ISBN 978-85- Informamos que é de inteira responsabilidade do autor a emissão dos conceitos. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização do Instituto IOB. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº 9.610/1998 e punido pelo art. 184 do Código Penal. Sumário Capítulo 1 – Filosofia do Direito e seus Fundamentos, 5 1. Filosofia do Direito: Noção e Objeto, 5 2. Direito e Moral, 7 3. Direito e Ética: a Ética do Advogado, 9 Capítulo 2 – Direito e Justiça, 11 1. O Conceito de Justiça, 11 2. Concepções de Justiça, 12 3. Jusnaturalismo e Positivismo: Um Conflito Eterno?, 14 4. Direito e Ciência em Hans Kelsen, 15 5. Teoria Tridimensional de Miguel Reale, 16 Capítulo 3 – Hermenêutica e Interpretação do Direito, 18 1. Hermenêutica – Origem, 18 2. Hermenêutica Filosófica, 20 3. Hermenêutica Jurídica, Interpretação e Aplicação da Lei, 21 4. Métodos Interpretativos: Gramatical, Lógico e Sistemático, 23 5. Métodos Interpretativos: Histórico, Sociológico, Teleológico e Axiológico, 25 6. Efeitos da Interpretação, 27 7. Integração das Normas, 28 8. Integração das Normas pela Analogia, Costumes e Princípios Gerais do Direito, 30 Gabarito, 32 Capítulo 1 Filosofia do Direito e seus Fundamentos 1. Filosofia do Direito: Noção e Objeto 1.1 Apresentação Esta unidade abordará o surgimento da Filosofia do Direito, sua inde- pendência como ciência e sua importância como disciplina no ensino jurídico, destacando ainda o seu conceito e objeto de estudo. 1.2 Síntese A palavra “filosofia” vem do grego philo e sophia. Philo deriva de philia, que significa amizade, e sophia quer dizer sabedoria. Portanto, “filosofia” signi- fica “amizade pela sabedoria”. A filosofia surge na Grécia antiga, por volta do século VI a. C., com a for- mação das pólis (cidades-estado), onde reinava o cosmopolitismo e o pluralis- mo cultural, destacando-se Atenas como o seu berço. Fi lo so fia d o D ire ito 6 Antes do surgimento da Filosofia como ciência, os aspectos essenciais da realidade, tais como a origem do mundo e o seu funcionamento eram explica- dos pela mitologia. Os gregos, diante da realidade fática, assumiram uma forma de pensar caracterizada pela explicação racional dos fenômenos naturais que cercam a vida do homem. O elemento fundamental para compreender-se o pensamento filosófico é o seu caráter crítico, por isso, que a Filosofia pode ser conceituada como um método de reflexão pelo qual o homem se empenha em interpretar o mundo que o circunda. As teorias formuladas pelos filósofos permitem constantes re- formulações, distanciando-se do campo da dogmática. A Filosofia Jurídica se origina do estudo do fenômeno jurídico e de sua influência na vida humana. Na definição de Miguel Reale: “é a perquirição permanente e desinteressada das condições morais, lógicas e históricas do fe- nômeno jurídico e da Ciência do Direito.” A Filosofia Jurídica como ciência ganhou independência na época moder- na, tornando-se autônoma no século XVI. O marco da autonomia da Filosofia Jurídica como ciência se dá com a obra de Hegel: “Fundamentos de Filosofia do Direito” (1820), nos anos que assinalam o trânsito do Jusnaturalismo para o Juspositivismo. A Filosofia Jurídica tem por objeto o estudo crítico a respeito das constru- ções jurídicas e da sua práxis, identificando-se com problemas fundamentais da sociabilidade humana. Segundo Miguel Reale, três são os tipos de indagações formuladas: “Que é Direito? Em que se funda ou se legitima o Direito? Qual o sentido da história do Direito?” São metas e tarefas compreendidas no âmbito da Filosofia Jurídica, entre outras: a realização da justiça, a avaliação do papel do legislador e do aplicador do direito, e a eficácia dos institutos jurídicos. No século XX, a disciplina ganha maior reconhecimento com o desenvolvi- mento de diversas correntes teóricas do pensamento, tornando-se um conheci- mento indispensável em meio às práticas de formação e de reflexão do Direito, passando a ocupar o currículo acadêmico do bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais. Exercício 1. (Fundação Carlos Chagas – Defensor Público do Estado (PR) – 2012 – Adaptada) A contribuição da Filosofia para o exercício do ser Advogado, que somente se realiza sendo Advogado, é: a) A Filosofia contribui na medida em que é, unilateralmente, vi- são de mundo e da Ciência, confere ao Advogado uma visão peculiarmente distante e abrangente das partes. Fi lo so fia d o D ire ito 7 b) A Filosofia torna livre no Advogado o seu Ser, a necessidade interna de resgate de sua essência mais própria, de modo a con- ferir a essa essência a sua dignidade de ser Advogado. c) A Filosofia é o pensar do pensar descompromissado, ainda que eventualmente, possa alcançar qualquer utilidade prática ou teórica para a função do Advogado. d) A Filosofia é a visão panorâmica e histórica dos filósofos e, a partir daí, a escolha de uma delas para filtragem do olhar e ela- boração de teses de defesa. e) A Filosofia é erudição, conhecimentos abrangentes sobre a vida, conferindo ao Advogado experiência na solução de problemas e desafios do cotidiano forense. 2. Direito e Moral 2.1 Apresentação Esta unidade abordará o conceito de Moral e a relação existente entre a Moral e o Direito. 2.2 Síntese A palavra “moral” deriva do latim mos, moris que significa “maneira de se comportar regulada pelo uso”; “costume”. A Moral é o conjunto das regras de conduta que determinam o comporta- mento dos indivíduos em um grupo social, subdividindo-se em várias áreas (fa- miliar, sexual, profissional, etc.), podendo modificar-se no tempo e no espaço. A Moral possui um caráter eminentemente pessoal. Ao mesmo tempo que é o conjunto de regras que determinam como “deve ser” o comportamento dos indivíduos no grupo social, é também a livre e consciente aceitação dessas normas. Como afirma Miguel Reale: “no plano da conduta moral, o homem tende a ser o legislador de si mesmo.” Segundo definição de Miguel Reale: “a Moral é o mundo da conduta es- pontânea, do comportamento que encontra em si próprio a sua razão de existir. O ato moral implica a adesão do espírito ao conteúdo da regra. Só temos, na verdade, a Moral autêntica quando o indivíduo, por um movimento espiritual espontâneo realiza o ato enunciado pela norma. Não é possível conceber-se o ato moral forçado, fruto da força ou da coação.” Fi lo so fia d o D ire ito 8 A relação entre Direito e Moral constitui um dos problemas mais fasci- nantes da Filosofia do Direito, sendo há séculos debatidos os seus pontos de confluência e de diferenciação, isso porque a Moral e o Direito representam duas esferas de ação distintas a serem consideradas pelo homem. A Moral é individual, interna, estando diretamente relacionada ao conscien- te de cada indivíduo, enquanto o Direito representa sempre uma alteridade, uma relação jurídica, uma norma de agir dotada de sanção e coerção, projetando-se externamente. Portanto, o Direito rege as ações exteriores dos homens e conta com uma sanção organizada e institucionalizada para coagi-los ao cumprimento da norma jurídica, ao passo que as ações íntimas pertencem ao domínio da Mo- ral, que comporta sanções internas (reprovação, repúdio, arrependimento, etc.). A “teoria do mínimo ético” concebida por Jellinek consiste em atribuir-seao Direito um mínimo obrigatório de Moral para que a sociedade possa sobre- viver. Essa teoria representa a relação entre Direito e Moral como dois círculos concêntricos, sendo o menor o do Direito. Essa posição não se adequa à reali- dade, pois há normas jurídicas totalmente desprovidas de moral. Outra corrente abandona a figura dos círculos concêntricos para conceber o fenômeno do Direito e da Moral como dois círculos secantes, porque a Mo- ral e o Direito podem ter áreas comuns, mas não coincidem ou se identificam plenamente. Essa é a teoria que mais se aproxima da realidade. Para o Positivismo, o Direito não guarda relação alguma com a Moral, por- que se afasta de qualquer conteúdo valorativo. Exercício 2. (Fundação Carlos Chagas – Defensor Público do Estado (SP) – 2010) Em sua teoria da norma jurídica, Norberto Bobbio distingue as sanções jurídicas das sanções morais e sociais. Segundo esta dis- tinção, a sanção jurídica, diferentemente da sanção moral, é sempre uma resposta de grupo e, diferentemente da sanção social, a sanção jurídica é regulada em geral com as mesmas formas e através das mesmas fontes de produção das regras primárias. Para o autor, tal distinção oferece um critério para distinguir, por sua vez, as normas jurídicas das normas morais e das normas sociais. Considerando-se este critério, pode-se afirmar que são normas jurídicas as normas cuja execução é garantida por uma sanção: a) interna e não institucionalizada. b) interna e institucionalizada. c) externa e não institucionalizada. d) interna e informal. e) externa e institucionalizada Fi lo so fia d o D ire ito 9 3. Direito e Ética: a Ética do Advogado 3.1 Apresentação Esta unidade abordará o conceito de Ética, a relação da Ética com o Direito, os princípios da Deontologia Forense e sua aplicabilidade no exercício da advocacia. 3.2 Síntese A palavra “ética” deriva do grego ethos que possui o sentido de “costume”. A ética liga-se ao conceito de bom comportamento e se relaciona ao universo da Moral. A Ética estuda o comportamento humano ideal para o bom convívio, assen- tado a partir de uma estrutura de valores estabelecidos pela sociedade. Como afirma Eduardo Bittar: “todo conteúdo de normas éticas tem em vista sempre o que a experiência registrou como sendo bom e como sendo mau, como sendo capaz de gerar felicidade e infelicidade, como sendo o fim e a meta da ação humana, como sendo a virtude e o vício.” A Ética no âmbito do Direito se relaciona ao conceito de “deontologia” criado por Jeremy Bentham, para designar o estudo dos deveres profissionais. A Ética jurídica direciona a conduta do operador do direito a uma maior transpa- rência, lealdade e dignidade, objetivando a harmonização das relações sociais e a busca do bem comum. José Renato Nalini realiza uma ampla classificação de treze princípios deontológicos, aqui agrupados em cinco: 1) conduta ilibada (dignidade e deco- ro profissional, correção, confiança, fidelidade, lealdade e verdade); 2) diligên- cia; 3) independência; 4) reserva; e 5) incompatibilidade. A conduta ilibada exige do advogado uma atuação séria e honesta em prol da dignidade da profissão e da confiança da sociedade naqueles que são os res- ponsáveis pela distribuição da justiça. A diligência impõe ao advogado todo o cuidado, zelo e aplicação no desen- volvimento de sua atividade profissional. Atitudes como abulia, passividade e conformismo são consideradas molésticas éticas do advogado. Ao advogado é garantida a independência profissional, devendo ter a liber- dade de escolher atuar em uma causa, bem como eleger quais os meios de defe- sa mais adequados. Além disso, não deve se curvar a autoridades, nem cumprir cegamente as obrigações oriundas de vínculo empregatício ou funcional. Fi lo so fia d o D ire ito 10 O princípio da reserva encontra fundamento no dever de preservar a inti- midade de toda e qualquer pessoa que confidencie ao advogado fatos de sua vida privada, sejam sigilosos ou não. Esse princípio importa diretamente na confiabilidade do advogado. A incompatibilidade se reflete na impossibilidade de exercício da advocacia juntamente a outras profissões, estabelecendo a legislação as suas hipóteses. Os direitos e deveres do advogado estão expressamente previstos em legisla- ção própria que regula a profissão, o Código de Ética e Disciplina. Exercício 3. (Cespe – Advogado – Caixa – 2010) Acerca da relação entre ética e moral, assinale a opção correta. a) O entendimento ético discorre filosoficamente, em épocas di- ferentes e por vários pensadores, dando conceitos e formas de alusão ao termo ética. b) Durante as Idades Média e Moderna, a ética era considerada uma ciência, portanto, era ensinada como disciplina escolar. Na Idade Contemporânea, a ética assumiu uma nova conotação, desvinculando-se da ciência e da filosofia e sendo vinculada às práticas sociais. c) A simples existência da moral significa a presença explícita de uma ética, entendida como filosofia moral, isto é, uma reflexão que discute, problematiza e interpreta o significado dos valores morais. d) A ética não tem por objetivo procurar o fundamento do valor que norteia o comportamento, tendo em vista a historicidade presente nos valores. e) O conhecimento do dever está desvinculado da noção de ética, pois este é consequência da percepção, pelo sujeito, de que ele é um ser racional e, portanto, está obrigado a obedecer ao im- perativo categórico: a necessidade de se respeitar todos os seres racionais na qualidade de fins em si mesmos. Capítulo 2 Direito e Justiça 1. O Conceito de Justiça 1.1 Apresentação Esta unidade abordará o conceito de justiça. 1.2 Síntese A palavra “justiça” deriva do latim justitia (direito, equidade, administração da lei), justus (correto, justo), e jus (direito, correto, lei). Cada época histórica tem a sua imagem ou a sua ideia de justiça, depen- dendo dos padrões valorativos dominantes em cada sociedade. Portanto, não existe um critério absoluto em relação ao conceito de justiça, sendo um con- ceito que se modifica no espaço e no tempo, suscitanto, sua materialização, um eterno desafio aos operadores do direito. Fi lo so fia d o D ire ito 12 Para Rizzatto Nunes, a justiça pode ser descrita como “uma qualidade sub- jetiva do indivíduo, uma virtude especial traduzida na fórmula: vontade de dar a cada um o que é seu”. Para Miguel Reale, a justiça é “uma intenção radical vinculada às raízes do ser do homem, o único ente que, de maneira originária, é enquanto deve ser. Ela é, pois, tentativa renovada e incessante de harmonia entre as experiên- cias axiológicas necessariamente plurais, distintas e complementares, sendo, ao mesmo tempo, a harmonia assim atingida”. Na história da teoria da justiça, se verificam três tendências fundamentais: 1) justiça como qualidade subjetiva: vontade de dar a cada um o que é seu; 2) justiça como ordem objetiva: realização de uma ordem social justa, resultante de exigências transpessoais imanentes ao processo de convivência coletiva; e 3) a justiça como qualidade subjetiva e ordem objetiva ao mesmo tempo, pois, como dizia Platão: “não pode haver justiça sem homens justos.” O tema da justiça universal ainda é muito utópico. É muito difícil vislum- brar a existência de um “consensus omnium”, ou seja, de uma consciência co- letiva universal que limite o conceito de justiça a um critério único e absoluto, porque a justiça se baseia em fenômenos culturais. Por exemplo, o mundo ainda não se posiciona de forma uníssona quando o assunto é a pena de morte. Exercício 4. (Fundação Carlos Chagas – Defensor Público do Estado (PR) – 2012 – Adaptada) A concepção de justiça que se consubstancia nos objetivos que a Ordem dos Advogados do Brasil busca alcançar é: a) Justiça enquanto tranquilidade. b) Justiça enquanto cumprimento da lei. c) Justiça que manda dar aos iguais coisas iguais e aos desiguais coisas desiguais. d) Justiça como realização da liberdade.e) Justiça enquanto vida feliz do homem, que só é atingida na paz individual ou social. 2. Concepções de Justiça 2.1 Apresentação Esta unidade abordará o conceito de justiça para Platão e Aristóteles. Fi lo so fia d o D ire ito 13 2.2 Síntese Para Platão, a justiça é um ideal a ser buscado, pois está acima de todas as normas humanas e remonta até a sua origem na alma do homem. Somente aos sábios caberia estabelecer o que é justo, pois são os únicos que conseguem alcançar o nível das ideias. Aristóteles é considerado o maior pensador das questões do direito e da jus- tiça de seu tempo. Para ele, o justo é uma medida econômica, histórica, social e política. No seu sentido universal, a justiça é tanto uma manifestação geral da virtude quanto uma apropriação do justo à lei que, no geral, é tida como justa. No sentido particular, é uma virtude em si mesma, subdividindo-se em: distributiva, corretiva e comutativa. A justiça distributiva trata da distribuição de riquezas, benefícios e honrarias segundo o parâmetro de dar a cada um de acordo com seu mérito, ainda que o critério meritório possa ser variável. A falta de proporcionalidade que caracteriza o justo traz a injustiça. A justiça corretiva é uma proporção aritmética baseada na reparação do quinhão que foi, voluntária ou involuntariamente, subtraído de alguém por outrem. E a justiça comutativa se relaciona à produção, estabele- cendo uma relação entre direito e economia nas trocas entre os homens. Para Aristóteles, a justiça está intimamente ligada ao império da lei, pela qual se faz prevalecer a razão sobre as paixões cegas. A lei é o princípio que rege a ação dos cidadãos, é a expressão política da ordem natural, sendo boa e justa, pois é a manifestação básica da unificação da vontade dos cidadãos que deliberaram coletivamente em assembleia. A justiça é uma ação, pois não se revela no mero conhecimento do justo, mas em sua aplicação deliberada com tal finalidade. A justiça aristotélica prima pela equidade, servindo como corretivo da justi- ça legal no caso concreto, justamente em razão da generalidade que caracteri- za as leis, estendendo o justo até as minúcias. Exercício 5. (Fundação Carlos Chagas – Defensor Público do Estado (SP) – 2010) Ao comentar a doutrina aristotélica da justiça, Tercio Sampaio Ferraz Júnior, em sua obra Estudos de Filosofia do Direito, indica aquele que seria o “preceito básico do direito justo, pois só por meio dele a justiça se revelaria em sua atualidade plena”. Este preceito, que também pode ser definido como “uma feliz retificação do justo estritamente legal” ou ainda “o justo na concretude”, é denominado: a) dignidade. b) vontade. Fi lo so fia d o D ire ito 14 c) equidade. d) piedade. e) liberdade. 3. Jusnaturalismo e Positivismo: Um Conflito Eterno? 3.1 Apresentação Esta unidade abordará o conceito de direito natural e as correntes do Jusnaturalismo e do Positivismo Jurídico. 3.2 Síntese O pensamento acerca do Direito Natural nos remete à Grécia antiga. A célebre tragédia Antígona, escrita por Sófocles (494-406 a. C.), o cristalizou na passagem em que, acusado de traição à pátria, Polinice não pôde ser sepultado por ordem de seu tio, o rei Creonte. Antígona, sua irmã, desobedece às ordens e o sepulta, justificando sua atitude em leis imutáveis e não escritas, acima da lei dos homens. O direito natural deve ser entendido como um direito universal, imutável, integrado por princípios fixos, absolutos e intemporais, em função da própria imutabilidade da natureza humana, podendo ser conhecido por todos os ho- mens, em todas as épocas e culturas. Como ensina Nader, Direito Natural pode ser considerado subjetivamente, identificando-se com o poder de viver e desfrutar de liberdade, sob a garan- tia de igual oportunidade, ou objetivamente, como um conjunto orgânico de princípios que deve orientar o Estado em sua tarefa de organizar a sociedade, tomando-se como referência a natureza humana. A face moderna do Direito Natural se consubstancia no Jusnaturalismo, ganhando uma roupagem mais racional, voltada à condição social do homem. Para Hobbes, o direito natural estaria fundado nas leis naturais voltadas para a segurança e conservação. Rousseau concebe o homem como um ser naturalmen- te livre, e a sua grande questão consiste em saber como preservar essa liberdade natural e ao mesmo tempo garantir a segurança e o bem-estar na vida em socieda- de. Nesse mesmo sentido, Kant potencializa o convívio pacífico e a harmonia de todos segundo leis universais, elevando a liberdade como base do direito. O Positivismo jurídico clássico defende a existência de apenas um direito: o positivo, no sentido de direito posto pela autoridade legítima, e a sua fun- damentação é baseada no conceito de lei, como principal fonte do direito. O Positivismo nega, portanto, a existência de juízos de valor, pois se prende exclusivamente aos fenômenos que podem ser observados. Fi lo so fia d o D ire ito 15 Exercício 6. (Fundação Carlos Chagas – Defensor Público do Estado (SP) – 2012) “A Ciência do Direito (...), se de um lado quebra o elo entre jurisprudência e procedimento dogmático fundado na autoridade dos textos romanos, não rompe, de outro, com o caráter dogmático, que tentou aperfeiçoar, ao dar-lhe a qualidade de sistema, que se constrói a partir de premissas cuja validade repousa na sua generalidade racio- nal. A teoria jurídica passa a ser um construído sistemático da razão e, em nome da própria razão, um instrumento de crítica da realidade.” Esta caracterização, realizada por Tercio Sampaio Ferraz Júnior, em sua obra A Ciência do Direito, evoca elementos essenciais do: a) jusnaturalismo moderno. b) historicismo. c) realismo crítico. d) positivismo jurídico. e) humanismo renascentista. 4. Direito e Ciência em Hans Kelsen 4.1 Apresentação Esta unidade abordará a filosofia do direito em Hans Kelsen. 4.2 Síntese Hans Kelsen é considerado o principal representante da chamada Escola Positivista do Direito. Kelsen lançou as bases de uma Ciência do Direito, excluindo do conceito de seu objeto quaisquer referências de cunho sociológico e axiológico con- siderando-as como matéria de estudo de outros ramos científicos, tais como Sociologia e Filosofia. Kelsen abstraiu do conceito do Direito a ideia de justiça, por estar sempre imbricada com os valores adotados por aquele que a invoca, não cabendo, por- tanto, pela imprecisão e fluidez de significado, um conceito de Direito univer- salmente válido. Segundo Kelsen, é possível distinguir uma teoria estática de uma teoria dinâmica do Direito. A primeira tem por objeto o Direito como um sistema de normas em vigor, ao passo que a segunda tem por objeto o processo jurídico em que o Direito é produzido e aplicado. Fi lo so fia d o D ire ito 16 O ordenamento jurídico é visto como um conjunto hierarquizado de nor- mas jurídicas estruturadas na forma de uma pirâmide abstrata, cuja norma mais importante é a denominada “hipotética fundamental”, da qual as demais retiram seu fundamento de validade. Essa norma fundamental é a norma de direito internacional que aduz que os pactos devem ser cumpridos. As normas jurídicas estão constituídas pelo primado do dever-ser. Elas são mandamentos e, como tais, comandos, imperativos, que impõem uma condu- ta e uma sanção pelo seu descumprimento. Kelsen considera que é na coercitividade que está a distinção entre o Di- reito e a Moral: enquanto o direito é uma ordem normativa que procura obter uma determinada conduta humana, gerando uma coerção socialmente organi- zada, a moral é uma ordem social que não estatui quaisquer sanções jurídicas. Seu principal objetivo foi criar e desenvolver uma ciência jurídica separada e autônoma de outras áreas do conhecimento humano, pela definição de seu objeto de estudo: a norma jurídica. Exercício 7. (Fundação Carlos Chagas – Defensor Público do Estado (SP) – 2010) Em sua Teoria Pura do Direito, HansKelsen concebe o Direi- to como uma “técnica social específica”. Segundo o filósofo, na obra O que é justiça? “esta técnica é caracterizada pelo fato de que a or- dem social designada como ‘Direito’ tenta ocasionar certa conduta dos homens, considerada pelo legislador como desejável, provendo atos coercitivos como sanções no caso da conduta oposta”. Tal con- cepção corresponde à definição kelseniana do Direito como: a) uma ordem estatal facultativa. b) uma ordem axiológica que vincula a interioridade. c) um veículo de transformação social. d) uma ordem coercitiva. e) uma positivação da justiça natural. 5. Teoria Tridimensional de Miguel Reale 5.1 Apresentação Esta unidade abordará a teoria da tridimensionalidade do direito de Mi- guel Reale. Fi lo so fia d o D ire ito 17 5.2 Síntese Miguel Reale transcende os limites juspositivistas ao propor que o direito não deve ser analisado exclusivamente sob o padrão normativista e sim sob a ótica da cultura, do mundo construído pelo homem, e dos seus valores. A realidade social é constituinte fundamental do direito, mas o direito tam- bém não pode se esgotar no fenômeno bruto do poder ou da realidade social, pois além dos fatos e das normas, estão os valores. Tampouco pode valer-se de realidades abstratas, ideais. É preciso encontrar um equilíbrio. Para Miguel Reale, há um mundo do ser que avalia a realidade social como efetivamente é, e há um mundo de ideias e valores que constituem o mundo do dever-ser, que representa um modelo social almejado pelos homens. A visão tridimensional traz um equilíbrio, assentando-se na percepção de que o fenômeno jurídico se constitui pela interação real de fato, norma e valor, numa dinâmica processual de mútua implicação. Os valores se desenvolvem de relações históricas concretas, mas não se es- gotam numa identidade de origem e fins com a própria realidade social, pois são inexauríveis. E os fatos compõem o direito como realidade compreendida, devendo ser também valorados. Portanto, ao fato social se atribui um valor, o qual se traduz numa norma. As normas jurídicas não resultam da mera vontade do legislador. Há um processo de formação da norma que se faz a partir da junção de um complexo de valores com um complexo fático. Dessa relação dos fatos com os valores, surgem várias possibilidades de proposições normativas. Para Reale, o fenômeno jurídico se apresenta como um fenômeno neces- sariamente cultural, e a integração de fato, valor e norma é a expressão maior desse culturalismo que se distancia do tecnicismo estrito do normativismo, mas não reduz o direito a uma sociologia, nem a uma filosofia moral. Exercício 8. Julgue a assertiva a seguir: (Autor). Leia o seguinte trecho: “(...) sendo a experiência jurídica uma das modalidades da experiência histórico- -cultural, compreende-se que a implicação polar fato-valor se resolve, a meu ver, num processo normativo de natureza integrante, cada norma ou cada conjunto de normas representando, em dado momento histó- rico e em função de dadas circunstâncias, a compreensão operacional compatível com a incidência de certos valores sobre os fatos múltiplos que condicionam a formação dos modelos jurídicos e a sua aplicação.” Esta descrição evoca as concepções de qual dos juristas abaixo acer- ca do Direito? a) Norberto Bobbio. b) Herbert Hart. c) Miguel Reale. d) Tercio Sampaio Ferraz. e) Rudolf Von Jhering. Capítulo 3 Hermenêutica e Interpretação do Direito 1. Hermenêutica – Origem 1.1 Apresentação Esta unidade abordará as origens da Hermenêutica, seu conceito e desen- volvimento histórico. 1.2 Síntese “Hermenêutica” deriva do verbo grego hermeneuein e do substantivo her- meneia, estando o seu significado associado à ideia de “tornar compreensível”, de “declarar”, “anunciar”, “interpretar”, “esclarecer” ou “traduzir”. Costuma-se associar o termo a Hermes, o deus grego mensageiro. Na mito- logia grega, Hermes era o deus capaz de transformar tudo o que a mente huma- na não compreendesse, a fim de trazer para a compreensão algo que estivesse incompreensível. A ele foi atribuída a descoberta da linguagem e da escrita. Fi lo so fia d o D ire ito 19 A Hermenêutica é a arte ou o método interpretativo que procura com- preender, interpretar ou traduzir de maneira clara signos inicialmente obscu- ros, dividindo-se o seu estudo em diversas fases ao longo da história. A primeira função da hermenêutica estava relacionada à interpretação pe- los sacerdotes das mensagens dos oráculos, geralmente fugidias e mal incom- preendidas pelos profanos. Posteriormente, mantém uma estreita ligação com a interpretação de textos religiosos ao se relacionar com a Bíblia, sendo aplicada desde a época dos patriarcas do judaísmo, passando pela teologia medieval e a Reforma, até chegar à teologia moderna. O problema objetivo da hermenêutica começou com as questões da inter- pretação das Sagradas Escrituras, havendo, inclusive, várias escolas e correntes da exegese bíblica no antigo judaísmo. O termo apareceu em obras de Platão e outros escritores antigos, voltando- -se o seu significado à função de esclarecer algo, mais como uma técnica do que uma ciência. Sua importância era secundária para Platão, tendo em vista que as palavras estavam abaixo das ideias, sendo que apenas por meio destas é que se podia entender e conhecer, verdadeiramente, a realidade. Diferentemente de seu mestre, Aristóteles estabeleceu uma relação entre os conceitos e a realidade, entendendo que o processo do conhecimento se faz mediante abstrações hermementais daquilo que é adquirido pela experiência sensível. Para ele, a hermenêutica se ocupa da relação entre a linguagem e o pensamento. Os romanos aproximam a hermenêutica do campo jurídico. Não se con- tentando em entender o texto da lei, buscavam compreender o seu significado, levando em conta os seus efeitos produzidos na vida das pessoas. Na Idade Média, a hermenêutica retorna ao centro dos estudos jurídicos a partir do resgate do Corpus Iuris Civilis de Justiniano, no século XII, cabendo à Escola dos Glosadores, interpretar de forma analítica essa compilação levada a cabo por Justiniano no século VI. A Escola dos Glosadores foi essencial para fornecer a base a fim de ampliar o conhecimento do pensamento jurídico, confluindo a teoria à prática. A escola que sucedeu e superou a dos Glosadores foi a Escola dos Comen- tadores, estudiosos que passaram a interpretar o Direito Romano de forma mais livre, ao buscar soluções para casos concretos alicerçados no conjunto da obra, e não apenas em partes específicas do texto romano. Os comentadores faziam uma interpretação com base filosófica, associando o Direito à Ética, buscando integrá-lo a um valor fundamental: a Justiça. Na sequência, surgiu o Movimento Humanista, mesclando métodos his- tóricos e filológicos para o estudo do direito. Essa hermenêutica se baseava na racionalidade, e deu origem à hermenêutica contemporânea. Fi lo so fia d o D ire ito 20 Exercício 9. Julgue a assertiva a seguir: (Autor). A hermenêutica é a arte de com- preender, de interpretar, de traduzir de maneira clara signos inicial- mente obscuros. A primeira função da hermenêutica foi entregar aos profanos o sentido de um oráculo. A hermenêutica progressivamen- te penetrou no domínio das ciências humanas e da filosofia. 2. Hermenêutica Filosófica 2.1 Apresentação Esta unidade abordará a hermenêutica Filosófica e seus maiores expoen- tes: Schleiermacher, Dilthey, Heidegger e Gadamer. 2.2 Síntese Com Friedrich Schleiermacher, no início do século XIX, assiste-se a uma generalização do uso da hermenêutica, com base na racionalidade herdada do movimento humanista, passando a ser considerada como a “arte de compreen- der-se a expressão humana”. A Hermenêutica volta a sua atenção cada vez mais ao autor e não apenas para o texto. Ler um texto passa então a significar um diálogo com um autor e um esforço por reencontrar a sua intenção. É procurar compreenderum espí- rito por meio das obras nas quais ele se exprimiu. É com a obra de Wilhem Dilthey que a hermenêutica assume o estatuto de um método de conhecimento especialmente apto para dar conta do fato huma- no, irredutível em si mesmo aos fenômenos naturais. Segundo Dilthey, o texto a ser interpretado é a própria realidade humana no seu desenvolvimento histórico. Aplicado ao estudo da ação histórica, o ato hermenêutico deve permitir res- tituir por assim dizer “do interior” a intenção que guiou o agente no momento em que ele tomava tal decisão, e permitir assim alcançar a significação desta ação, buscando-se a compreensão do outro a partir da compreensão da nossa própria vida. Heidegger opera duas rupturas em relação à concepção de hermenêutica desenvolvida por Dilthey. A hermenêutica não pode mais ser compreendida como o ato cognitivo de um sujeito descomprometido com o mundo, mas an- tes como uma dimensão essencial da existência. Compreender é um modo de estar antes de ser um método científico. Fi lo so fia d o D ire ito 21 A questão da compreensão já não está, em Heidegger, ligada ao problema do reencontro do outro. A interrogação hermenêutica deve considerar menos as minhas relações com o outro do que a relação que eu estabeleço com a minha situação no mundo. O horizonte da compreensão é a captação e a elu- cidação de uma dimensão que precede a distinção sujeito/objeto: a do ser-no- -mundo do homem. A hermenêutica, como dimensão da existência, está antes orientada para o “mundo do eu”. Hans Georg Gadamer mostra, em Verdade e Método (1960), que a interpreta- ção, antes de ser um método, é a expressão de uma situação do homem: o intérpre- te que aborda uma obra está já situado no horizonte aberto pela obra (é o “círculo hermenêutico”). A interpretação é antes de tudo, a elucidação da relação que o intérprete estabelece com a tradição de que provém, aproximando-se dos textos com suas “pré-suposições”, com suas expectativas, que se tornam, “pré-juízos”. Exercício 10. Leia o trecho a seguir e preencha as lacunas com um dos filósofos da Hermenêutica propostos: (Autor). “(...) a hermenêutica, como teo- ria da compreensão, é consequentemente uma teoria da revelação ontológica. Pois a existência humana é, em si mesma, um processo de revelação ontológica. __________ não permite que encaremos o problema ontológico separadamente da existência humana. A sua análise junta a hermenêutica à ontologia existencial e à fenomeno- logia e aponta para um fundamento da hermenêutica que não se baseia na subjetividade mas na facticidade do mundo e na historici- dade da compreensão.” (PALMER, Richard. Hermenêutica. Lisboa: Edições 79, 1969. p. 141). a) Friedrich Schleimacher. b) Wilhem Diltey. c) Martin Heidegger. d) Hans Georg Gadamer. 3. Hermenêutica Jurídica, Interpretação e Aplicação da Lei 3.1 Apresentação Esta unidade abordará o conceito de Hermenêutica Jurídica e de interpre- tação da norma, bem como sua importância. Fi lo so fia d o D ire ito 22 3.2 Síntese A Hermenêutica jurídica é considerada como a “arte de interpretar as leis”, ou melhor, é um sistema de regras para interpretação das leis. A interpretação e a aplicação são técnicas que dela derivam. Para Hermes Lima, a Hermenêutica Jurídica, como uma ciência da inter- pretação, tem como objetivo adequar a norma geral e abstrata ao caso concreto, pois os dispositivos legais não se aplicam automaticamente, e a compreensão da vontade normativa da lei é indispensável, mesmo quando as leis são claras. A Hermenêutica estabelece princípios e conceitos que buscam formar uma teoria adaptada ao ato de interpretar, preocupando-se sempre em alcançar o bem da coletividade. É o que preceitua o art. 5º da LINDB. “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem co- mum.” Por isso, o primeiro cuidado do hermeneuta jurídico consiste em saber qual a finalidade social da lei, pois é o fim que possibilita penetrar na estrutura de suas significações particulares. Para José Cretella Júnior: “Interpretar é descobrir o sentido de determinada norma jurídica ao aplicá-la ao caso concreto. A necessidade da interpretação é devido a noções elásticas as quais precisam ter seu sentido real apreendido a fim de verificar-se a adequação da hipótese enunciada na regra jurídica ao caso concreto posto a clareza meridiana contida na expressão.” A vacuidade, a ambiguidade do texto, a antinomias (normas incompatíveis entre si), falta da terminologia técnica, a má redação obrigam o operador do direito, a todo instante, a interpretar a norma jurídica visando encontrar o seu real significado, antes de aplicá-la a caso sub judice. De qualquer forma, é pre- ciso ter em mente que todas as leis necessitam de interpretação para que suas disposições possam abranger os diversos e variados casos que a complexidade da vida social apresenta, mesmo que pareça clara. Por esta razão, a máxima In claris cessat interpretatio não deve ser aplicada! Mesmo as leis que são consideradas claras, comportam interpretação. Isso ocor- re porque não existe a segurança imediata de que a lei corresponda à vontade legislativa que pode ter sido traduzida de forma dissonante. Múltiplos são os objetivos da interpretação. Dentre eles: deduzir uma orien- tação geral de muitos princípios particulares; deduzir de um princípio geral princípios particulares que ao primeiro sempre se hão de referir; concordar dis- posições diversas, indicando o espírito de unidade lógica em que se inspiram. Exercício 11. (Fundação Carlos Chagas – Defensor Público do Estado (SP) – 2010) Em sua teoria do ordenamento jurídico, Norberto Bobbio Fi lo so fia d o D ire ito 23 estuda os aspectos da unidade, da coerência e da completude do or- denamento. Relativamente ao aspecto da coerência do ordenamento jurídico, “a situação de normas incompatíveis entre si” refere-se ao problema: a) das antinomias. b) da analogia. c) do espaço jurídico vazio. d) das lacunas. e) da incompletude. 4. Métodos Interpretativos: Gramatical, Lógico e Sistemático 4.1 Apresentação Esta unidade abordará os métodos interpretativos lógico e sistemático. 4.2 Síntese Os métodos de interpretação constituem os recursos de que se vale a ati- vidade interpretativa para atingir seus objetivos. São regras técnicas que visam à obtenção de um resultado, convergendo para solucionar os problemas de decidibilidade dos conflitos. Os métodos mais usuais são as interpretações: gramatical (literal, textual, verbal, filológica, semântica), lógica, sistemática, histórica, sociológica, teleo- lógica e axiológica. O método gramatical visa estabelecer o sentido objetivo da lei com base em sua letra, ou seja, atendo-se ao valor semântico das palavras. De acordo com Carlos Maximiliano, esse método exige os seguintes requisitos: conhecimento perfeito da língua, informações aprofundadas sobre o autor; conhecimento his- tórico do assunto em questão; e certeza da autenticidade do texto. Apesar de ser o primeiro passo para a interpretação de um texto, é necessá- rio colocar seus resultados em confronto com outras espécies de interpretação, uma vez que por si só é um critério insuficiente, porque não considera a uni- dade que constitui o ordenamento jurídico e sua adequação à realidade social. O método lógico se baseia na investigação da ratio legis, ou seja, da razão legal que busca descobrir o sentido e o alcance da lei sem o auxílio de qualquer elemen- to exterior, aplicando ao dispositivo um conjunto de regras tradicionais e precisas, Fi lo so fia d o D ire ito 24 tomadas de empréstimo à lógica geral. Funda-se no brocardo Ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio (“Onde está o racional está a correta disposição legislativa”). Esse método procura a ideia legal que se encontra sub litteris, partindo do pressuposto de que a razão da lei pode fornecer elementos para a compreensão de seu conteúdo, sentido e finalidade, haja vista quenuma lei o que interessa não é o seu texto, mas o alvo fixado pelo legislador. A ratio legis busca consagrar os valores jurídicos dominantes e deve prevalecer sobre o sentido literal da lei, quando em oposição a este. O processo lógico permite que a interpretação alcance elevado padrão de rigor e segurança, entretanto, como destaca Flóscolo da Nóbrega: “tem o grave inconveniente de esvaziar a lei de todo o conteúdo humano, de tratá-la em termos de precisão matemática, como se fosse um teorema de geometria.” A interpretação sistemática é responsável por buscar o sentido da norma à luz de outras normas e princípios do ordenamento jurídico, dentro de uma perspectiva de unidade e coerência, procurando compatibilizar as partes entre si e as partes com o todo. Esse método considera o caráter estrutural do Direito. Exercício 12. (Cespe – Defensor Público do Estado (RO) – 2012) Considerando a hermenêutica jurídica, e ainda considerando a interpretação do direito, a superação dos métodos de interpretação mediante puro ra- ciocínio lógico-dedutivo e o método de interpretação pela lógica do razoável, assinale a opção correta: a) Há um princípio geral informador de todo o ordenamento jurí- dico nacional, necessário à interpretação, que pode ser inferido da existência de várias normas e ao qual se chega por meio da indução. b) De acordo com o método de interpretação da lógica do razoá- vel, devem ser considerados os fins em função dos quais a lei seja editada e haja de ser compreendida pela sua causa final. c) No processo lógico, a lógica formal, de tipo puro, a priori, só é adequada na análise dos conceitos jurídicos essenciais e, para tudo que pertence à existência humana – a prática do Direito, inclusive –, impõe-se o uso da lógica do humano e do razoável (lógica material). d) Interpretar a norma jurídica corresponde a integrar, preencher lacunas e aplicar, de forma lógica, o direito ao caso concreto. e) Atualmente, utiliza-se, na interpretação das leis, a exegese escolásti- ca, partindo-se do conjunto principiológico existente nas normas. Fi lo so fia d o D ire ito 25 5. Métodos Interpretativos: Histórico, Sociológico, Teleológico e Axiológico 5.1 Apresentação Esta unidade abordará os métodos interpretativos histórico, sociológico, teleológico e axiológico. 5.2 Síntese A interpretação histórica é a que se faz à luz da occasio legis, ou seja, da circunstância histórica da regra que está sendo interpretada. Para melhor com- preender a norma, é feito um exame de sua evolução temporal, até que se chegue à sua compreensão na atualidade. O método histórico baseia-se no processo de investigação dos antecedentes da norma. Pode referir-se ao histórico do processo legislativo ou aos antece- dentes históricos e condições que a precederam. O contexto do processo de elaboração da Constituição Federal é um exemplo. Como lembra Herkenhoff, nesse método interpretativo, o que se leva em conta são as ideias, os sentimentos e os interesses dominantes ao tempo da elaboração da lei porque a lei representa uma realidade cultural que se situa na progressão do tempo. Logo, uma lei nasce obedecendo determinadas aspira- ções da sociedade traduzidas pelos que a elaboraram, mas o seu significado não é imutável, por isso, é necessário verificar como a lei disporia se, no tempo de sua feitura, houvesse os fenômenos que se encontram presentes no momento em que se interpreta ou aplica a lei. O processo histórico-evolutivo considera que a lei não tem conteúdo fixo, invariável, não pode viver para sempre imobilizada dentro de sua fórmula ver- bal, de todo impermeável às ações do meio, às mutações da vida. Segundo esse método, o intérprete busca descobrir a vontade atual da lei e não a vontade pretérita do legislador, vontade que deve sempre corresponder às necessidades e condições sociais. A interpretação sociológica abre o ordenamento jurídico para a realidade social por meio de três objetivos: eficacial, atualizador e transformador. Pelo objetivo eficacial, a interpretação sociológica confere aplicabilidade à norma em relação aos fatos sociais por ela previstos, dando-lhe eficácia. O objetivo atualizador está relacionado à atualização da interpretação, ou seja, a uma in- terpretação histórico-evolutiva dotando de elasticidade a norma, permitindo Fi lo so fia d o D ire ito 26 que ela abranja situações novas que não puderam ser previstas pelo legislador. E o objetivo transformador da interpretação sociológica refere-se às reformas sociais, à satisfação dos anseios de justiça, ao atendimento das exigências do bem comum. A interpretação teleológica procura revelar o fim da norma, o valor ou bem jurídico a ser protegido. Isso porque a lei não explicita os interesses que defen- de, nem as valorações que a fundamentam, cabendo ao hermeneuta pesquisá- -los com vistas a descobrir essa finalidade assegurando a tutela do interesse, para a qual foi estabelecida. A interpretação axiológica leva em consideração os valores que estão pre- sentes na sociedade. Como reflete Miguel Reale, a lei busca sempre um valor, cuja preservação ou atualização o legislador teve em vista garantir, armando-o de sanções, assim como também pode ser fim da lei impedir que ocorra um desvalor. A análise dos valores sociais exige do hermeneuta um processo com- preensivo da estrutura social. Exercício 13. (Cespe – Magistratura Estadual – (AL) – 2008) Acerca das espécies e métodos clássicos de interpretação adotados pela hermenêutica ju- rídica, assinale a opção correta: a) A interpretação autêntica pressupõe que o sentido da norma é o fixado pelos operadores do direito, por meio da doutrina e juris- prudência. b) A interpretação lógica se caracteriza por pressupor que a ordem das palavras e o modo como elas estão conectadas são essenciais para se alcançar a significação da norma. c) A interpretação sistemática se caracteriza por pressupor que qualquer preceito normativo deverá ser interpretado em harmo- nia com as diretrizes gerais do sistema, preservando-se a coerên- cia do ordenamento. d) A interpretação histórica se caracteriza pelo fato de que o signifi- cado da norma deve atender às características sociais do período histórico em que é aplicada. e) A interpretação axiológica pressupõe uma unidade objetiva de fins determinados por valores que coordenam o ordenamento, assim legitimando a aplicação da norma. Fi lo so fia d o D ire ito 27 6. Efeitos da Interpretação 6.1 Apresentação Esta unidade abordará os efeitos da interpretação que podem ser declara- tivos, restritivos ou extensivos. 6.2 Síntese A interpretação declarativa (ou especificadora) se verifica quando o sentido e o alcance atribuídos à norma jurídica correspondem ao que normalmen- te se verificam juridicamente. Logo, haverá uma correspondência necessária entre a expressão linguístico-legal e a vontade do intérprete, sem necessidade de ampliá-la ou restringi-la. A questão, portanto, é de relação entre a vontade do intérprete no momento de construção da norma e o sentido/alcance que geralmente se atribui ao texto. Um exemplo de interpretação declarativa. O crime de furto (art. 155 do CP): “Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel.” O texto não pare- ce vago nem ambíguo, logo, não admite que se atribua dois ou mais sentidos à norma. As expressões “coisa alheia”, “móvel”, “subtrair”, por exemplo, são unívocas no direito brasileiro. Portanto, o efeito da interpretação é declarar ou apenas especificar o único sentido possível dessa norma para o direito. Uma interpretação restritiva ocorre toda vez que se limita o sentido da nor- ma, não obstante a amplitude de sua expressão literal, para que se possa encon- trar a sua real vontade. Um exemplo de interpretação restritiva seria o do legislador quando diz “servidor público” quando queria se referir a funcionário público de determi- nado setor. A interpretação extensiva ocorre quando há necessidade de ampliar o sen-tido ou alcance da lei. Nesse caso, o texto da lei diz menos do que pretendia dizer. Um exemplo de interpretação extensiva discutido doutrinariamente é o do inciso VI, do art. 150, que trata da isenção de tributos a livros, jornais, periódicos e ao papel destinado a sua impressão. O problema é justamente o termo “papel” que restringe a aplicabilidade da norma no caso de perió- dicos e revistas on-line. Com base no art. 200, § 1º, da CF, e 1º e 3º, que protege os valores sociais, essa norma poderia ser estendida, concedendo-se as imunidades. Fi lo so fia d o D ire ito 28 Exercício 14. (Autor) Analise a ementa a seguir e assinale a alternativa que corres- ponde ao método interpretativo e ao seu efeito correspondente: EMENTA: Ao estrangeiro, residente no exterior, também é assegurado o direito de impetrar mandado de segurança, como decorre da interpre- tação (...) dos arts. 153, caput, da Emenda Constitucional de 1969 e do 5º, LIX da Constituição atual. Recurso extraordinário não conhe- cido. (RE 215.267, Primeira Turma, relatora Ministra Ellen Gracie, DJU 25.05.2001.) a) Método gramatical e interpretação autêntica. b) Método lógico e interpretação restritiva. c) Método sistemático e interpretação restritiva. d) Método sistemático e interpretação extensiva. 7. Integração das Normas 7.1 Apresentação Esta unidade abordará a integração do direito. 7.2 Síntese O magistrado tem a obrigação de despachar e decidir todos os feitos que se enquadrem na sua jurisdição, não sendo lícito abster-se de julgar sob o pretexto, ou razão de ser a lei ambígua, omissa, ou obscura. Ou ainda, de não ter a mes- ma previsto as circunstâncias particulares do caso, ou serem incertos os fatos da causa. Na determinação do direito que deve prevalecer no caso concreto, o juiz deve verificar se existe uma norma aplicável e qual o seu sentido. O sistema normativo não é completo, mas completável, pois existem lacu- nas oriundas do próprio dinamismo social que acaba se adiantando sempre à previsibilidade legal. Quando existe a norma a ser aplicada, o juiz realizará a sua subsunção, ou seja, o enquadramento do fato individual ao conceito con- tido da norma. No entanto, quando não houver uma norma aplicável ao caso sub judice, caberá ao juiz recorrer à integração normativa. A aplicação da norma jurídica a um caso concreto pode ser expresso por um silogismo jurídico, sendo “A” a hipótese fática e “B”, a consequência. Logo: Fi lo so fia d o D ire ito 29 Premissa maior: Se A, deve ser B. Premissa menor: O fato previsto em A. Conclusão: Então, B. No exemplo prático: art. 121 do Código Penal. Premissa maior: Matar alguém. Premissa menor: José matou João. Conclusão: Reclusão de 6 a 20 anos. Quando o juiz não encontra norma que seja aplicável a um determinado caso concreto, o magistrado deve buscar uma solução adequada para integrar a lacuna normativa e não deixar ninguém desamparado legalmente. A LINDB, em seu art. 4º, estabelece que “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. Apesar a LINDB não contemplar a equidade como elemento de integra- ção, e muito menos como uma fonte do direito, ela deve ser considerada. A equidade pode ser um importante elemento na superação de lacunas, guiando o juiz na busca da consecução do mais justo. Exercício 15. (Cespe – Magistratura Estadual – (AL) – 2008) Considerando as alu- sões à equidade pelo ordenamento jurídico brasileiro, revela-se impor- tante identificar a posição dessa figura em face do quadro das fontes do direito. A respeito dessa relação, é correto afirmar que a equidade: a) não se revela como fonte do direito, pois a autorização de seu emprego apenas permite ao juiz criar normas para o caso con- creto com base em preceitos de justiça. b) não se revela como fonte do direito, pois a autorização de seu emprego apenas permite ao juiz aplicar ao caso concreto nor- mas gerais de justiça previamente positivadas no ordenamento. c) não se revela como fonte do direito, pois a autorização de seu emprego apenas permite ao juiz buscar uma melhor compreen- são hermenêutica das normas particulares que se aplicam ao caso concreto. d) se revela como fonte do direito, pois ela se compõe de um con- junto de valores e normas preexistentes ao ordenamento positi- vo, os quais incidirão sempre que autorizadas por este. e) se revela como fonte do direito, pois ela prescreve parâmetros para a decisão judicial que não se apoiam nas normas positiva- das no ordenamento. Fi lo so fia d o D ire ito 30 8. Integração das Normas pela Analogia, Costumes e Princípios Gerais do Direito 8.1 Apresentação Esta unidade abordará os efeitos da interpretação que podem ser declara- tivos, restritivos ou extensivos. 8.2 Síntese A analogia consiste na aplicação de uma lei semelhante a um fato concreto não previsto por lei. Portanto, na ausência de lei que verse sobre determinado fato jurídico, o juiz estende a ele a norma reguladora de um fato parecido. Não se pode confundir a analogia com a interpretação extensiva da norma, pois a analogia pressupõe a existência de uma lacuna na lei, ao passo que a in- terpretação extensiva ocorre quando existe uma lei, mas sua aplicação ao caso concreto depende de um entendimento extensivo dela. Atenção para o fato de que o Direito Penal não admite analogia! A apli- cação da analogia confronta-se com o princípio da legalidade, no art. 1º do Código Penal: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.” Dessa forma, a conduta que não estiver prevista no Código Penal como crime, não o será. O costume é a prática uniforme, constante, pública e geral de determinado ato com a convicção de sua necessidade jurídica. Logo, dessa definição obtêm- -se os seguintes critérios para a caracterização de um costume: continuidade, uniformidade, diuturnidade, moralidade e obrigatoriedade. O costume pode ser classificado conforme a sua relação com a lei: secun- dum legem, quando está previsto em lei, praeter legem, quando a complementa, e contra legem, quando contraria a legalmente. Como ensina Miguel Reale, princípios gerais do direito são enunciações nor- mativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão de orde- namento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas. Logo, os princípios servem para orientar e condicionar a com- preensão do ordenamento jurídico seja para a aplicação do direito, seja para a elaboração de nova norma, sendo até considerado por alguns o alicerce do direito. Esses princípios não podem ser contrários à lei, mas devem dispor de acor- do com o que é juridicamente possível, de maneira a impedir que o juiz sen- tencie arbitrariamente, de acordo com sua opinião no caso de inexistência de norma reguladora. Fi lo so fia d o D ire ito 31 Como sua identificação e aplicação ficam a critério de quem o invoca, há quem diga que só podem ser considerados princípios gerais de direito os contidos na Constituição Federal, no Código Civil, ou em qualquer tipo de legislação. Seriam exemplos de princípios gerais de direito: o princípio da publicidade (art. 5º, XXXIII, Constituição Federal), da irretroatividade da Lei Penal (art. 5º, XL, Constituição Federal); e no Código Civil, o art. 3º, que diz: “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.” Exercício 16. (Cespe – Magistratura Estadual – (AL) – 2008) Considerando que teorias relativas aos princípios jurídicos sugerem que regras e princí- pios seriam espécies de normas jurídicas, assinale a opção congruen- te com essa ideia: a) As regras estabelecem o dever-ser mediante a imposição de deveres, proibições e permissões; diferentemente, os princípios atuam tão somente com função hermenêutica, para possibilitar a escolha das regras que melhor se conformem ao caso concreto. b) O conteúdo das regras caracteriza-se por expressar determina-ções obrigatórias mais completas e precisas; diferentemente, o conteúdo dos princípios se apresenta com maior abstração e generalidade, afetando significativamente o modo de sua imple- mentação. c) As regras restringem-se a regulamentar condutas em casos con- cretos; diferentemente, os princípios precipuamente estruturam o sistema jurídico, o que lhes confere caráter hierárquico supe- rior às regras. d) As regras são fundamentadas pelos princípios, sendo destes de- duzidas; diferentemente, os princípios só podem ser revelados pelas regras, extraindo-se indutivamente de suas aplicações par- ticulares os princípios implícitos ou explícitos no ordenamento jurídico. e) As regras podem estar em oposição tanto a princípios quanto a outras regras, conflito este que causará ou sua validade, ou sua invalidade; diferentemente, os princípios só podem estar em oposição a outros princípios, conflito que só poderá se resolver pela técnica da ponderação. Fi lo so fia d o D ire ito 32 Gabarito 1. Letra B. 2. Letra E. 3. Letra A. 4. Letra C. 5. Letra C. 6. Letra A. 7. Letra D. 8. Letra C. 9. Correto. 10. Letra C. 11. Letra A. 12. Letra C. 13. Letra C. 14. Letra D. 15. Letra A. 16. Letra B.
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