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Considerações sobre a geografia: espaço, paisagem e região

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Considerações sobre a geografia: 
espaço, paisagem e região 
 
Oswaldo de Oliveira Santos Junior 
 
Objetivos: 
Situar o conhecimento sobre espaço, paisagem e região dentro de um processo 
histórico, social e político em permanente evolução e transformação, observando que 
os conceitos são resultado destes processos. 
 
Palavras-chave: 
Geografia; espaço; paisagem; região. 
 
Introdução 
Como em todas as ciências sociais, a geografia preza pela precisão dos conceitos, ou 
seja, a forma de representar ou descrever os objetos concretos ou abstratos da 
realidade geográfica. A análise, classificação e descrição dos objetos exigem uma 
abordagem metodológica capaz de dar conta da complexidade da realidade social. A 
reflexão sobre essa realidade social necessita de uma postura capaz de problematizar, 
interrogar e apontar para respostas diante das questões sociais que são apresentadas 
no cotidiano dos indivíduos. É correto observar que, na busca pela precisão dos 
conceitos, o pesquisador se depara, muitas vezes, com uma enormidade de variáveis 
possíveis que devem ser consideradas, analisadas e criticadas. Estas variáveis decorrem 
muitas vezes de diferentes “concepções de mundo” dos sujeitos que produzem e se 
relacionam com o conhecimento. Portanto, as análises que se seguem pressupõem uma 
abordagem histórica e crítica com o objetivo de delinear os conceitos que serão 
trabalhados ao longo do texto, tendo em vista que os mesmos são produtos de um 
processo histórico e que devem ser analisados no interior dele (LEME, 2002, p. 95). 
2 
 
A partir desta constatação, Dulce Leme (2002, p. 97) afirma que: “[...] a realidade 
científica não será, portanto, a realidade espontânea e passivamente observada, mas 
uma realidade constantemente construída”. O conhecimento não se limita ao estudo 
dos fatos e à reprodução do saber sem reflexão ou novas indagações e negações; ao 
contrário, ele necessita da afirmação e da negação permanentes e é, portanto, neste 
processo dialético (abstração e concretude num só tempo) que se dá a construção dos 
conceitos, compreendendo que “[...] a dialética é constituída pelas contradições reais, 
que se manifestam principalmente nos níveis político, social e econômico” (SANDRONI, 
2001, p. 174). Assim, 
Para Marx, é dialético, por exemplo, o movimento histórico que faz 
com que o enriquecimento da burguesia implique, necessariamente e 
contraditoriamente, o fortalecimento do proletariado (quanto maior a 
acumulação capitalista, tanto maior a massa explorada) (SANDRONI, 
2001, p. 174). 
Assim, este texto busca situar o conhecimento dentro de um processo histórico, social 
e político em permanente evolução e transformação, observando que os conceitos são 
resultado destes processos. 
 
Milton Santos e a questão do espaço geográfico 
A abordagem teórica sobre o espaço geográfico1 experimentou, ao longo do processo 
histórico, sérios problemas em seu desenvolvimento; dentre eles, o fato de que os 
trabalhos realizados nos países subdesenvolvidos foram feitos por estrategistas pouco 
preocupados em pesquisar profundamente a dinâmica espacial urbana destes países e 
também porque estes estudos não consideraram, por desconhecimento, as 
consequências profundas do período tecnológico sobre a organização do espaço, em 
especial a partir de 1960 (SANTOS, 2004a, p. 20). 
 
1 O conceito de espaço geográfico, ou seja, toda transformação gerada pelo ser humano no espaço, em 
Milton Santos é visto como uma categoria histórica, passivo de ser estudado nas ciências sociais. 
Compreende-se ainda como toda realidade social é definida metodologicamente e do ponto de vista 
teórico por três conceitos gerais: a forma, a estrutura e a função, não podendo ser analisado em separado. 
Assim, “[...] o espaço deve ser considerado como um conjunto de relações realizadas através de formas 
que se apresentam como testemunho de uma história escrita por processos do passado e do presente [...] 
o espaço se define como um conjunto de formas representativas de relações sociais que estão 
acontecendo diante dos nossos olhos e que se manifestam através de processos e funções” (SANTOS, 
1997, p. 38; SANTOS, 2004b, p. 153). 
3 
 
O geógrafo Milton Santos aponta para a realidade na qual a urbanização nos países 
denominados subdesenvolvidos possui uma particularidade na sua evolução em relação 
aos países desenvolvidos. Ele afirma que 
Essa especificidade aparece claramente na organização da economia, 
da sociedade e do espaço e, por conseguinte, na urbanização, que se 
apresenta como um elemento numa variedade de processos 
combinados (SANTOS, 2004a, p. 19). 
Parte desta complexidade na organização espacial dos países pobres tem sua origem no 
fato de que suas economias se organizam para atender interesses externos e distantes, 
o que influirá na construção e transformação do espaço geográfico. Desta forma, Milton 
Santos afirma que: 
[...] o espaço dos países subdesenvolvidos é marcado pelas enormes 
diferenças de renda na sociedade, que se exprimem, no nível regional, 
por tendência à hierarquização das atividades e, na escala do lugar, 
pela coexistência de atividades de mesma natureza, mas de níveis 
diferentes. 
[...] O comportamento do espaço acha-se assim afetado por essas 
enormes disparidades de situação geográfica e individual (SANTOS, 
2004a, p. 21). 
Outra consideração feita por Milton Santos é a de que a maioria dos estudos sobre a 
questão do espaço geográfico (mais especificamente a questão da urbanização) se 
preocupa mais com os efeitos do que com as suas casualidades históricas, sociológicas 
e econômicas, o que torna boa parte destes estudos reduzidos às estatísticas 
matemáticas e tabulações de dados, como se observa na escola teorética ou 
quantitativa da geografia, que concentra o estudo da geografia nas estatísticas 
matemáticas e tabulações de dados, que são importantes fontes para o mercado e para 
a pesquisa em geral. Por isso, Santos afirma que 
O estudo da história dos países subdesenvolvidos permite revelar uma 
especificidade de sua evolução em relação às dos países 
desenvolvidos. Essa especificidade aparece claramente na organização 
da economia, da sociedade e do espaço e, por conseguinte, na 
urbanização, que se apresenta como um elemento numa variedade de 
processos combinados. (SANTOS, 2004a, p. 19). 
A partir do estudo da história, constata-se que não existem “países em 
desenvolvimento”, mas sim países subdesenvolvidos, que participam do sistema 
capitalista a partir da periferia, servindo aos interesses dos países do centro 
(desenvolvidos). Esta característica possui sérias implicações na construção do espaço 
geográfico dos países subdesenvolvidos, que é marcado por grandes diferenças de 
renda na sociedade (SANTOS, 2004a, p. 21). 
4 
 
Com o objetivo de possibilitar uma maior compreensão da dinâmica do espaço 
geográfico, Santos propõe a divisão (do espaço geográfico) em dois circuitos 
econômicos: o circuito superior e o circuito inferior.2 Estes dois circuitos estão 
interligados, sendo que o circuito superior faz uso de tecnologia de ponta e capital 
intensivo enquanto o circuito inferior faz uso do trabalho intensivo e baixo 
desenvolvimento tecnológico. Santos adverte que a cidade não pode ser compreendida 
como uma “máquina” única, mas como uma relação entre estes dois circuitos (SANTOS, 
2004a, p. 43-55). 
 
O espaço geográfico brasileiro 
Em A urbanização brasileira, Santos (2005) descreve de forma mais específica a questão 
da urbanização no Brasil e a construção do espaço geográfico brasileiro. Como é descrito 
por ele, o livro é uma síntese da urbanização brasileira a partir da visão de um geógrafo, 
compreendendo, portanto, a urbanização como um processo, forma e conteúdo muito 
específicos. Assim, o Brasil alcança a urbanização da sociedade e do espaço somente em 
meados do século XX,tendo sido primeiramente uma urbanização litorânea e somente 
mais tarde se expandindo para o restante do território brasileiro (SANTOS, 2005, p. 44). 
Santos observa que o processo de urbanização3 no Brasil torna-se mais visível a partir 
do século XVIII, com a transferência da moradia dos grandes latifundiários para as 
cidades. Entretanto esse processo é bastante tímido, sendo que: “[...] a expansão da 
agricultura comercial e a exploração mineral foram a base de um povoamento e uma 
criação de riquezas redundando na ampliação da vida de relações e no surgimento de 
cidades no litoral e no interior” (SANTOS, 2005, p. 22). Este período é denominado por 
Santos como processo pretérito de criação urbana, o que vai acompanhar todo o 
processo de urbanização no Brasil (SANTOS, 2005). 
 
2 Milton Santos (2004a, p. 43-44) compreende o circuito superior como aquele que utiliza tecnologia 
importada ou de ponta, com um capital intensivo, e uma organização burocrática; enquanto o circuito 
inferior faz uso de “trabalho intensivo” e frequentemente local, sendo o capital bastante reduzido e a 
organização primitiva. 
3 O Brasil experimentou três etapas de organização de seu espaço e sua população: aglomeração (com o 
aumento dos núcleos com mais de 20 mil habitantes), depois concentração (com a multiplicação de 
cidades de tamanho intermediário) e por fim metropolização (com o surgimento e aumento das cidades 
milionárias, como São Paulo e Rio de Janeiro). (SANTOS, 2005, p. 77). 
5 
 
Mais tarde no século XIX, já com a produção do café no Estado de São Paulo, este 
propicia a acumulação de capitais necessários para a geração da expansão industrial no 
Brasil, tornando-se um importante elemento polarizador do processo de urbanização da 
região4 Sudeste, e também modelador do espaço geográfico brasileiro e 
particularmente da cidade de São Paulo. Um segundo momento apontado por Santos 
ocorre entre 1940 e 1980, que é quando se dá efetivamente uma mudança do quadro 
populacional brasileiro, e se consolida definitivamente a urbanização brasileira. 
Observando que a taxa de urbanização em 1940 era de 26,35% e em 1980 já alcançava 
77%. Desta forma, a população urbana brasileira se multiplica por sete vezes e meia 
durante este período (SANTOS, 2005, p. 33). 
Contudo é importante notar que o processo de transformação do espaço geográfico 
brasileiro não foi linear, nem tão pouco gradativo, durante os anos de 1940 a 1980. É 
possível observar que, entre 1960 e 1980, o crescimento da população urbana teve um 
aumento de cerca de cinquenta milhões de novos habitantes, algo parecido ao total da 
população brasileira em 1950 (SANTOS, 2005, p. 32). 
Diante desta questão, Milton Santos (2005, p. 32) afirma que: “Os anos 60 marcam um 
significativo ponto de inflexão. Tanto no decênio entre 1940 e 1950 quanto entre 1950 
e 1960, o aumento anual da população urbana era, em números absolutos, menor que 
o da população total do país”. 
No entanto, o crescimento urbano brasileiro não representou necessariamente uma 
organização espacial em que a igualdade e a justiça social fossem referências marcantes. 
Antes, a organização do espaço brasileiro criou e perpetuou uma profunda desigualdade 
e foi orientada para privilegiar os interesses corporativos em detrimento das populações 
 
4 Região: Este conceito geográfico, de área com características próprias, foi desenvolvido em princípio 
no século XIX pela escola francesa, e logo tomou o sentido político-administrativo tornando-se um 
instrumento de planejamento. Milton Santos rejeita a noção de regionalismo geográfico, por 
compreender o mundo como um sistema único e integrado entre as “partes”. A região perdeu sua 
coerência interna e passou a ser definida de fora, sendo que seus limites se alteram de acordo com vários 
critérios. Assim, região é tomada como área que reproduz a totalidade; pode ser vista como as diferenças 
entre os lugares. Tais diferenciações podem ser inclusive oriundas do processo de globalização. Santos 
não considera que a globalização tenha eliminado as regiões, ao contrário, quanto mais este processo 
avança mais a diferenciação entre as regiões torna-se mais evidente. Assim, para ele, "as regiões são o 
suporte e a condição de relações globais que de outra forma não se realizariam", ou seja, a região é "um 
espaço de conveniência" (GIOVANNETTI, 1996, p. 179-180; SANTOS, 2004b, p. 39-41; CASTRO, 
2002). 
6 
 
locais (SANTOS, 2005, p. 63); disto resulta a urbanização corporativa, que veremos em 
seguida. 
A região Sudeste, por exemplo, experimentou um crescimento urbano e um 
desenvolvimento das cidades muito mais acentuado que o das regiões Norte e 
Nordeste. É certo que este crescimento foi acompanhado do que Santos (2005) 
denominou macrocefalia urbana5, gerando nas grandes cidades da região Sudeste 
espaços em que a população passou a conviver com a pobreza crônica e a falta de 
equipamentos públicos suficientes para atender suas demandas básicas, como creches, 
hospitais e escolas. 
 
A urbanização corporativa e a sociedade líquida 
A organização das cidades no Brasil apresenta características muito semelhantes, e 
nesta direção sinaliza Milton Santos (2005, p. 105) quando afirma que, 
Com diferenças de grau e de intensidade, todas as cidades brasileiras exibem 
problemáticas parecidas. Seu tamanho, tipo de atividade, região em que se 
inserem, etc. são elementos de diferenciação, mas, em todas elas, problemas 
como os do desemprego, da habitação, dos transportes, do lazer, da água, 
dos esgotos, da educação e saúde são genéricos e revelam enormes 
carências. 
Os fatores causadores do caos urbano que se instala nas cidades brasileiras possuem 
elementos comuns que são geradores desta desordem. Dentre um destes elementos 
situa-se a urbanização corporativa, ou seja, um processo de urbanização inteiramente 
orientado para atender aos interesses do mercado e à expansão capitalista. 
Compreende-se que, no contexto neoliberal, o Estado, ao orientar as políticas públicas6 
para o atendimento destes interesses, gera um processo de urbanização excludente e 
 
5 Macrocefalia urbana refere-se ao crescimento desordenado das cidades, sem que o mesmo seja 
acompanhado de políticas públicas que possibilitem a inserção das populações aos sistemas de saúde, 
educação, habitação, transporte e outros. Este fenômeno está intimamente relacionado ao processo de 
organização econômica dos países pobres, que possuem sua economia orientada para atender aos 
interesses externos (SANTOS, 2005). 
6 Trata-se de um conjunto de diretrizes garantidas por lei, que possibilitam a promoção e a garantia de 
direitos para o cidadão. A sociedade civil tem uma participação considerável na elaboração das políticas 
públicas, tornando o acompanhamento e execução das mesmas muito mais eficientes. “No contexto 
internacional, a doutrina neoliberal passou a ser o fundamento de políticas públicas, configurando-se 
como ideologia conservadora e hegemônica no Ocidente a partir do final dos anos de 1970 e, sobretudo, 
durante a década de 1980, quando foi posta em prática pelos governos Thatcher, na Grã-Bretanha, e 
Reagan, nos Estados Unidos.” (GROS, 2004). 
7 
 
que precariza, quando não suprime as relações entre o Estado e o indivíduo, em que o 
cidadão não tem participação e nenhum acesso aos bens que a cidade produz. A 
urbanização corporativa contribui para a desordem urbana, favorecendo a proliferação 
dos “guetos”, cortiços e moradias de autoconstrução, ou seja, a total ausência de 
planejamento urbano e de uma política urbana voltada para os interesses dos 
indivíduos. A construção do espaço geográfico encontra-se voltada para atender aos 
interesses dos grandes grupos econômicos, com a construçãode vias para o escoamento 
da produção e cessão de áreas públicas para a construção de empreendimentos 
industriais (SANTOS, 2005). 
Observa-se, contudo, que a construção do espaço geográfico possui múltiplas origens, 
sendo, portanto, poligênico. A urbanização corporativa se depara com as reflexões 
elaboradas por Marx e Engels no Manifesto Comunista e, posteriormente, analisadas 
por diversos pensadores, dentre eles Marshall Berman (1986). A manutenção da 
sociedade capitalista necessita transformar o espaço constantemente, ainda que neste 
processo voraz ocorra a destruição das relações humanas e de suas próprias estruturas. 
Assim, Marx já observava, em 1848, que: 
A burguesia submeteu o campo à cidade. Criou cidades enormes, 
aumentou tremendamente a população urbana em relação à rural, 
arrancando assim contingentes consideráveis da população do 
embrutecimento da vida rural. Assim como subordinou o campo à 
cidade, subordinou os países bárbaros e semi-bárbaros aos civilizados, 
as nações de camponeses às nações de burgueses, o Oriente ao 
Ocidente (MARX; ENGELS, 1987, p. 107). 
Como observa Marshall Berman (1986, p. 104-107), nota-se aí o desenvolvimento e 
consolidação de um mercado mundial, que, na medida em que vai se expandindo, vai 
absorvendo e consumindo violentamente todos os mercados locais e regionais dos quais 
se aproxima. O ativismo da burguesia é, ao mesmo tempo, construtor e destruidor, 
criando inúmeras possibilidades para o desenvolvimento humano. Contudo somente o 
que realmente lhe interessa é fazer mais e mais dinheiro, aplicando todos os seus 
esforços nesta direção: o lucro. O espaço geográfico torna-se assim um meio que facilita 
a expansão desta riqueza; por esta razão, sua destruição ou manutenção atendem a uma 
lógica que se orienta pelo acúmulo de capital. 
Diante destas questões, Marx aponta para o fato de que a burguesia possui uma 
existência revolucionária, sendo forçada à renovação permanentemente dos meios de 
8 
 
produção, o que implica e se estende até as relações sociais e ao espaço geográfico. 
Neste aspecto é possível constatar que o próprio espaço geográfico experimenta 
constantemente as transformações que atingem as relações capitalistas, que dissolvem 
os sólidos e liquefaz relações, espaços e economias (BERMAN, 1986, p. 108) Observando 
esta dinâmica, Marx e Engels (1987, p. 107) afirmam que “A burguesia só pode existir 
com a condição de revolucionar incessantemente os instrumentos de produção e, por 
conseguinte, as relações de produção, quer dizer, o conjunto das relações sociais”. 
Compreende-se que as transformações do espaço geográfico decorrem destas 
condições de permanente “revolucionar” do capitalismo, sendo certo o atendimento 
dos interesses coorporativos e da própria expansão do capital, mesmo que para isso se 
processe a destruição dos “sólidos” e de todas as possibilidades humana criadas por ele, 
estimulando um tipo de desenvolvimento orientado para atender aos seus interesses 
(BERMANN, 1986, p. 109-110). Sobre este aspecto, Marx e Engels (1987, p. 105-106) 
continuam afirmando que 
A revolução contínua da produção, o abalo constante de todas as 
condições sociais, a eterna agitação e incerteza distinguem a época 
burguesa de todas as precedentes. Suprimem-se todas as relações 
fixas, cristalizadas, com seu cortejo de tradicionais e veneradas 
concepções e idéias; todas as novas relações tornam-se antiquadas, 
antes mesmo de se consolidarem. Tudo o que era sólido e estável 
evapora-se no ar, tudo o que era sagrado é profanado, e por fim os 
homens são obrigados a encarar com serenidade suas verdadeiras 
condições de vida e suas relações com os demais homens. 
Tudo é transformado em mercadoria, seres humanos e natureza são manipulados e 
explorados para atender aos interesses privados ao ponto de levar à saturação e 
exaustão dos espaços, provocando, por exemplo, as macrocefalias urbanas. Nota-se que 
o crescimento das macrocefalias urbanas tem chegado a níveis insustentáveis do ponto 
de vista humano e ambiental. Relatórios das Nações Unidas (ONU) apontam que até 
2025 a Ásia terá mais de 10 hipercidades, ou seja, conurbações7 com mais de 20 milhões 
de habitantes, sendo previsto para Mumbai (Bombaim) uma população de 33 milhões 
de habitantes, “[...] embora ninguém saiba se concentrações de pobreza tão gigantescas 
são sustentáveis em termos biológicos e ecológicos” (DAVIS, 2006, p. 16). 
 
7 A conurbação decorre da fusão de dois ou mais aglomerados urbanos (cidades), formando uma extensa 
área urbana. A região metropolitana de São Paulo é um exemplo de conurbação. 
9 
 
Uma estabilidade sólida e permanente e um crescimento voltado para o ser humano 
não condizem com a natureza do capitalismo, o que o transforma no principal 
modelador do espaço geográfico e das relações sociais, transformando-o em sua própria 
imagem e semelhança: desigual, excludente e em permanente crise. Observa-se, por 
exemplo, que a África negra terá em 2015 cerca de 332 milhões de pessoas morando 
em favelas, dobrando a cada 15 anos e que a região subsaariana da África somente 
atingirá a universalização do ensino fundamental em 2130, a redução dos níveis de 
miséria em 50% somente por volta do ano 2150 e a erradicação da mortalidade infantil, 
possível de ser evitada, em 2165 (DAVIS, 2006, p. 28). 
 
Castells e a “cultura urbana” 
Ao abordar o conceito de urbanização, Manuel Castells faz referência a dois sentidos 
diferentes do termo urbanização: o primeiro faz referência à concentração espacial de 
uma população em relação aos limites espaciais e de densidade (forma espacial, como 
no mapa anterior) e o segundo faz referência à “[...] difusão do sistema de valores, 
atitudes e comportamentos denominado ‘cultura urbana’” (CASTELLS, 2000, p. 39) 
(conteúdo cultural), esta segunda também denominada tendência culturalista da 
análise da urbanização; ou seja, a cidade não se resume aos seus aspectos físicos, mas 
também é marcada por um estilo de vida muito particular, a vida urbana, tornando este 
modelo um modo de vida que ultrapassa os limites físicos da própria cidade 
(SANT'ANNA, 2002). 
A partir das considerações de Castells, observa-se que urbanização e industrialização 
são dois processos que caminham conjuntamente gerando uma forma própria de 
organização espacial. Entretanto, Castells (2000, p. 40) menciona que a relação entre o 
que se denomina forma espacial e conteúdo cultural não pode se constituir num 
elemento de definição da urbanização. 
Para fundamentar a necessidade de uma análise histórica, Castells propõe a observação 
das relações estabelecidas historicamente entre espaço e sociedade, o que em sua visão 
permite a base dos estudos sobre a urbanização. Desta maneira, ele procede à 
investigação sobre as primeiras aglomerações sedentárias na Mesopotâmia, Egito, China 
e Índia na Antiguidade; as cidades imperiais, particularmente Roma, onde ele observa 
que as cidades eram locais de gestão e domínio administrativo, e não de produção; já a 
10 
 
cidade da Idade Média, vai se caracterizar pela luta da burguesia comercial em se 
libertar do feudalismo, o que dá origem a uma organização espacial própria (CASTELLS, 
2000, p. 41-44). 
Castells também analisa a urbanização ligada à primeira fase da revolução industrial, 
que por sua vez está inserida totalmente no sistema de produção capitalista. A 
organização do espaço a partir deste momento se alicerça sobre duas características 
fundamentais: 
1. A decomposição prévia das estruturas sociais agrárias e a emigração 
da população para os centros urbanos [...], fornecendo a força de 
trabalho essencial à industrialização. 
2. A passagem de uma economia doméstica para uma economia de 
manufatura, e depois para uma economia de fábrica [...], 
concentração de mão-de-obra, criação de um mercado e constituição 
de um meio industrial (CASTELLS,2000, p. 45). 
O capitalismo provoca e modela os espaços urbanos, organiza e domina a paisagem 
urbana, constituindo novos elementos nas relações humanas. Castells (2000, p. 46) 
aponta que os problemas atuais do espaço urbano giram em torno de quatro dados 
fundamentais, que são: 
1. O acelerado ritmo de crescimento urbano (que irá afetar diretamente 
as paisagens); 
2. O fato deste crescimento ocorrer especialmente nas regiões 
denominadas subdesenvolvidas, provocando as macrocefalias e o 
surgimento das hipercidades; 
3. O surgimento de novas organizações urbanas, as grandes metrópoles; 
4. A relação do fenômeno urbano com novas formas de articulação 
oriundas do modo de produção capitalista. 
Desta forma, Castells (2000, p. 46) termina por conceituar urbanização como 
[...] a constituição de formas espaciais específicas das sociedades 
humanas, caracterizadas pela concentração significativa das 
atividades e das populações num espaço restrito, bem como à 
existência e a difusão de um sistema cultural específico, a cultura 
urbana. 
A cidade deixa de ser tão somente uma aglomeração de pessoas, numa complexa 
relação econômica, e passa a ser caracterizada também pelo surgimento de uma cultura 
urbana, dentro de um sistema cultural específico. Urbanização, portanto, significa 
concentração de atividades e a criação de uma cultura específica nesta sociedade, 
11 
 
denominada cultura urbana. Refere-se, portanto, ao processo de concentração 
populacional num espaço determinado, em que se constituem aglomerações 
internamente interdependentes e hierarquizadas, denominada rede urbana (CASTELLS, 
2000, p. 47). 
Assim, Castells (2000, p. 127) afirma que, 
Quando falamos de “sociedade urbana”, não se trata nunca da simples 
constatação de uma forma espacial. A “sociedade urbana”, no sentido 
antropológico do termo, quer dizer um certo sistema de valores, 
normas e relações sociais possuindo uma especificidade histórica e 
uma lógica própria de organização e de transformação. 
A sociedade urbana possui um sistema de valores, normas e relações sociais muito 
próprias, onde as formas associativas se opõem às formas comunitárias. A segmentação 
dos papéis e os rompimentos dos laços de solidariedade marcam as relações nas 
sociedades urbanas. Novamente observamos os sólidos se desmanchando frente às 
imposições de expansão permanente do capital, voraz destruidor de tudo o que toca. 
Observa-se que este processo vem se aprofundando na medida em que avança a 
globalização neoliberal. 
 
Globalização neoliberal 
A globalização é um aprofundamento e desdobramento de um longo processo histórico 
de exploração e expropriação do trabalho e da riqueza da humanidade, que, ao longo 
dos últimos séculos, experimenta a ampliação e o aperfeiçoamento das formas de 
circulação de mercadorias. Não só na circulação, mas essencialmente o modo de 
produzir bens e capitais, até chegarmos na fase atual denominada globalização 
neoliberal ou mundialização, conforme François Chesnais (veremos no próximo item). A 
globalização é a maximização de um complexo sistema de dominação e apropriação 
das riquezas dos povos; é o desmanchar dos sólidos, num mundo em que não existe um 
centro definidor e controlador que seja visível ou a previsibilidade das ações econômicas 
e políticas sejam possíveis, assim como observa Bauman (2003a, p. 66- 67): “[...] 
globalização [...] refere-se primordialmente aos efeitos globais, notoriamente não 
pretendidos e imprevistos, e não às iniciativas e empreendimentos globais”, ou seja, não 
existe um projeto global voltado para o humano, já que a dinâmica imposta pelo capital 
visa atender tão somente seus interesses. 
12 
 
Na avaliação do sociólogo István Mészáros, na presente fase do capitalismo, dois 
aspectos possuem importância fundamental: o primeiro é a tendência de integração 
global do capital, que não pode ser assegurada no plano político devido à multiplicidade 
de Estados Nacionais8 quase sempre com interesses antagônicos; o segundo aspecto é 
que, não obstante todas as tentativas de dominação (inclusive pela força), “[...] o capital 
foi incapaz de produzir o estado do sistema do capital como tal” (MÉSZÁROS, 2004, p. 
12). Assim, 
Dada a atual situação do desenvolvimento, com seus grandes 
problemas intrínsecos que reclamam uma solução duradoura, 
somente uma resposta universalmente válida pode funcionar. Mas, 
não obstante sua globalização imposta, o sistema irreversivelmente 
perverso do capital é estruturalmente incompatível com a 
universalidade, em cada sentido do termo (MÉSZÁROS, 2004, p. 16). 
As crises causadas pela globalização neoliberal pedem respostas globais, por se tratarem 
de questões que atingem a todos os grupos humanos em diversas dimensões e áreas 
(políticas, sociais, econômicas e culturais). Entretanto, as regras impostas por seus 
agentes tornam a aplicação de soluções globais algo complexo dentro do sistema, isto 
porque o capitalismo se articula numa rede de contradições e paradoxos, exigindo ao 
mesmo tempo a ampliação dos mercados e o monopólio, a fiança e o protecionismo do 
Estado e o livre mercado, etc. Nesta direção, argumenta Jacob Gorender (1995) quando 
afirma que: 
O Estado é o fiador dos direitos do capital, ao mesmo tempo 
incumbindo-se da legitimação política da organização social. Sem o 
poder legitimador e coercitivo do Estado, não haveria sequer como 
explicar a própria existência do capital financeiro. Do ponto de vista 
estritamente econômico, o Estado conserva sua força, mesmo após as 
mudanças liberais dos últimos tempos. 
István Mészáros (2004, p. 33) argumenta ainda que mesmo diante da tendência 
globalizante e liberal, o Estado Nacional permanece como avalista último dos grandes 
conglomerados, e não somente isto, mas a serviço do capital moldando o espaço para 
lhe facilitar a acumulação de capitais; não é, portanto, a supressão do Estado que se 
deseja, mas seu controle. 
 
 
8 “Justamente na fase atual de concorrência acirrada, as empresas multinacionais recorrem ao poder do 
Estado nacional, em cuja jurisdição se situam suas matrizes, visando a enfrentar os concorrentes e a 
influir nas decisões dos Estados nacionais, em cujas jurisdições operam suas subsidiárias”. 
(GORENDER, 1995). 
13 
 
François Chesnais e a mundialização 
Para o economista francês François Chesnais (2005, p. 18), a mundialização corresponde 
aos encadeamentos entre uma diversidade de fatores, tais como, “[...] punções da 
finança sobre o investimento público e privado, redução do Estado, mobilidade 
internacional do capital – cujos efeitos cumulativos representam um terrível obstáculo 
para o crescimento e portanto, do emprego”. Desta forma, Chesnais conceitua 
mundialização como um fluxo intenso de capitais em busca de melhores mercados. 
Em sua reflexão, Chesnais afirma que a estrutura econômica internacional atual, 
baseada na dominação do capital, resulta da articulação de dois processos: o primeiro é 
o ressurgimento e a consolidação de uma forma específica de acumulação de capital, 
onde uma parcela cada vez maior de pessoas “conserva a forma dinheiro e pretende se 
valorizar pela via de aplicações financeiras nos mercados especializados”; o segundo 
processo ocorre a partir de Ronald Reagan (EUA) e Margaret Thatcher (Inglaterra), com 
a imposição de políticas de liberalização, desregulamentação, privatização e 
flexibilização. A precarização e a flexibilização das leis trabalhistas, por exemplo, 
tornaram-se marcas da globalização neoliberal. Bauman descreve este ambiente da 
seguinte forma: 
Modernizar a maneira como a empresa é dirigida consiste em tornar o 
trabalho “flexível” – desfazer-se da mão-de-obra e abandonar linhas 
de produção de uma hora para outra, sempre que uma relva mais 
verde se divise em outra parte, sempre que possibilidades comerciais 
mais lucrativas, ou mão-de-obra maissubmissa e menos dispendiosa, 
acenem ao longe. [...] o próprio capital já se tornou encarnação da 
flexibilidade (BAUMAN, 2003b, p. 50). 
A mundialização capitalista – neoliberal – entrou em uma nova fase, no final do século 
XX, em que os grandes conglomerados, bancos e fundos de investimentos, em especial 
dos países centrais, foram quase que exclusivamente os únicos beneficiários. 
Argumentando nesta mesma direção, Chesnais (2005, p. 21) afirma que 
A consolidação da mundialização como um regime institucional 
internacional do capital concentrado conduziu a um novo salto na 
polarização da riqueza. Ela acentuou a evolução dos sistemas políticos 
rumo à dominação das oligarquias obcecadas pelo enriquecimento e 
voltadas completamente para a reprodução da sua dominação. 
Os interesses destas oligarquias é que ditam as decisões planetárias, afetam as vidas de 
bilhões de pessoas e aceleram crises políticas, sociais e ecológicas, ou seja, ameaçam 
diretamente a reprodução da vida das populações e das camadas sociais mais pobres e 
14 
 
vulneráveis. Desta forma, fica bastante evidente que as questões locais não podem ser 
debatidas como temas restritos ao lugar9, mas são antes problemas de ordem global, 
exigindo, portanto, reflexões de cunho global, a partir da análise da macroestrutura. A 
destruição ou transformação dos lugares, como praças, marcos históricos, etc, 
obedecem a uma lógica que está para além do próprio lugar. 
Diante desta questão, encontramos diversos problemas. Em todos os países em que as 
oligarquias jamais perderam espaço, como é o caso do Brasil, e dos demais países da 
América Latina, a implantação das políticas neoliberais reforçou seus direitos de 
propriedade e aprimorou os mecanismos de acumulação de capital com as 
flexibilizações e desregulamentações dos direitos trabalhistas, possibilitando ainda 
ganhos nos mercados especulativos. Há de se ressaltar que o avanço das políticas e dos 
mecanismos de acumulação, proposto pelo neoliberalismo, é hoje forte gerador de 
tensões sociais, políticas e ambientais que eclodem sistematicamente no interior das 
sociedades submetidas ao projeto neoliberal, conforme a análise feita por Chesnais. 
Os países nos quais a formação de oligarquias “modernas” poderosas avançou junto 
com fortes processos endógenos de acumulação financeirizada e a valorização de 
“vantagens comparativas” conforme as necessidades das economias centrais, [...] são 
hoje integradas ao funcionamento do regime internacional da mundialização 
(CHESNAIS, 2005, p. 22). 
Conforme a análise proposta por David Harvey, existem três características básicas, 
bastante contraditórias no que se convencionou denominar globalização (neoliberal), e 
que levam o capitalismo a crises periódicas. São elas: a) a necessidade do crescimento 
incondicional, onde se faz necessária a manutenção da expansão constante, tornando 
as crises como resultado da falta de crescimento; b) o fato de se basear na exploração 
do trabalho e do seu contínuo controle, gerando o permanente conflito entre capital e 
 
9 Para Milton Santos, é por meio do estudo do lugar que se pode compreender o mundo. O conceito de 
lugar pode ser compreendido como produto da experiência humana, tratando-se assim de uma 
construção subjetiva, ou ainda o resultado de um processo histórico muito singular (LEITE, 1998, p. 1-
15). Ainda para Adriana Leite: “Os lugares normalmente não são dotados de limites reconhecíveis no 
mundo concreto. Isto ocorre porque sendo uma construção subjetiva e ao mesmo tempo tão incorporada 
às práticas do cotidiano que as próprias pessoas envolvidas com o lugar não o percebem como tal” 
(LEITE, 1998, p. 11). “O lugar é, pois, o resultado de ações multilaterais que se realizam em tempos 
desiguais sobre cada um dos pontos da superfície terrestre. [...] O lugar assegura assim a unidade do 
contínuo e do descontínuo”; assim, para compreender o lugar é necessário analisar os processos 
históricos locais e extralocais (SANTOS, 2004b, p. 258). 
15 
 
trabalho e; c) o fato do “crescimento” ser uma necessidade vital do capitalismo, 
tornando as transformações dos espaços, das técnicas e da administração fundamentais 
na busca pelo lucro (HARVEY, 2004, p. 166-169). 
Ainda de acordo com Harvey, seria impossível se obter um desenvolvimento livre e 
equilibrado do sistema capitalista a partir da combinação destas três condições básicas. 
Desta forma, as crises sistêmicas são inevitáveis e geralmente se apresentam como 
crises de superprodução, excesso de capital, desemprego, e excesso de mercadorias em 
estoque. Diante destas questões é necessário refletir sobre a relação entre o local e o 
global, com o objetivo de elaborar análises e ações que efetivamente contribuam para 
resistir ao caráter perverso da globalização neoliberal. 
 
Necessidade de uma reflexão global 
“Pense globalmente, aja localmente”. Certamente este é um slogan muito tentador e 
falacioso, que carrega consigo parte do pensamento dos ideólogos da globalização 
neoliberal em curso. As pessoas que estão alheias aos processos de decisão global, 
talvez considerem como única possibilidade a intervenção tão somente em nível local. 
Não se pode ignorar a importância das ações locais, ou contextuais de forma adequada. 
Entretanto, a frase nos chama a atenção para um “pensar” global que é isento de crítica 
e reflexão, e que se conforma com a inevitabilidade da imposição da exploração imposta 
pelo mercado global, que segue fazendo suas vítimas (MÉSZÁROS, 2004, p. 48). Diante 
desta questão, Mészáros (2004, p. 48) adverte afirmando que, 
[...] uma vez que se divorcia o “global” de sua inserção nos múltiplos 
ambientes nacionais, desviando a atenção das relações contraditórias que 
entrelaçam os Estados, também o “Local”, dentro do qual se espera agir, 
torna-se absolutamente míope e em última análise sem significado. 
Não há dúvida de que as ações todas são exercidas no local, num determinado contexto, 
e que necessitam de análises também contextuais; entretanto tais análises necessitam 
dar o salto de uma consciência comum para uma consciência reflexiva, ou seja, para o 
exercício da práxis, que supere a miopia da análise local, considerando a relevância das 
questões globais, que em última instância é onde as forças econômicas agem e as 
decisões são efetivamente tomadas afetando a vida de todas as pessoas. 
16 
 
Acerca desta questão, Bauman (2003a, p. 66) assegura que não existe na atualidade uma 
localidade com o que ele chama de “arrogância” suficiente para falar em nome da 
humanidade e conter o descontrole absoluto imposto pela velocidade com que o capital 
especulativo avança sobre todas as economias. 
Do agir e pensar global, que se tornam vitais diante da globalização, resulta a 
identificação de inúmeros problemas de cunho local que possuem sua origem nas 
esferas de dominação global, a mais séria das atuais tendências de dominação 
econômica, seja a maneira voraz e perdulária com que os Estados Unidos, por exemplo, 
tomam para si os recursos de energia e de matérias-primas do mundo, algo em torno 
de 25% das riquezas naturais para uma população que corresponde a aproximadamente 
4% da população mundial (MÉSZÁROS, 2004, p. 53), transformando questões 
ambientais e sociais em temas globais, econômicos e geopolíticos. 
“Ser local num mundo globalizado é sinal de privação e degradação social”. Com esta 
afirmação, Bauman (2003a, p. 8) assegura também que a ilusão da mobilidade é 
fortemente presente na classe trabalhadora, que é local, enquanto a burguesia (que é 
global) possui plena mobilidade mas não necessita dela. As comunidades locais não 
possuem voz nas decisões tomadas pelo capital; assim, um pensar global e uma ação 
local, quando destituídos de reflexão e de uma práxis transformadora, somente 
contribuem para os interesses do capital e seus investidoresglobais, contribuíndo para 
a perpetuação dos mecanismos de exploração e acumulação de riqueza nas mãos do 
grande capital. 
A pergunta inevitável é se existe alternativa para o capitalismo global e, se existe, como 
ela deve ser trabalhada. A resposta a estes questionamentos é que não há um plano 
cuja aplicação consiga resolver todos os problemas globais, e que as respostas devem 
ser dadas pelos povos atingidos em seus diversos lugares, cabendo à geografia, em 
consonância com as ciências sociais e os movimentos sociais, participar da busca e 
proposição para a superação destas realidades. 
 
Considerações finais 
Cada vez que as condições gerais de realização da vida sobre a terra se modificam, ou a 
interpretação dos fatos particulares concernenstes à existência do homem e das coisas 
conhece evolução importante, todas as disciplinas científicas ficam obrigadas a 
17 
 
realinhar-se para poder exprimir, em termos de presente e não mais de passado, aquela 
parcela de realidade total que lhes cabe explicar (SANTOS, 2004b, p. 18). 
A reflexão geográfica deve estar intimamente atrelada à realidade empírica; ao 
contrário, ela corre o risco de se tornar sem sentido e obsoleta, ultrapassada pelo 
próprio objeto de seu estudo: as transformações ocorridas no espaço. Assim, colocar as 
bases de um espaço de fato humano, que possibilite a unidade entre os seres humanos 
por meio de seu trabalho, sem separá-los entre explorados e exploradores, deve ser a 
busca da geografia e do conjunto das ciências sociais (SANTOS, 2004b, p. 267). 
Compreende-se que o espaço é uma instância social e historicamente em construção, 
portanto para além de seus aspectos físicos e quantitativos. Deve-se considerar ainda 
que o capitalismo tem sido seu mais importante modelador, como foi observado, 
transformando-o periodicamente a fim de obter dele maiores vantagens; ou seja, a 
estabilidade sólida e permanente e um desenvolvimento que efetivamente considere o 
ser humano não condiz com a natureza do capitalismo, que cria e recria os espaços de 
acordo com sua própria natureza: voraz e violento. 
 
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