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Dissertação de Mestrado - Luis Gustavo Rosadas Campos - Final - ficha catalográfica

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UFF – UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE 
PPGAU – PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO 
LUIS GUSTAVO ROSADAS CAMPOS 
Do Higienismo à gentrificação, as semelhanças e singularidades no processo de 
exclusão social na cidade do Rio de Janeiro: o bairro da Lapa 
Niterói 
2016 
 
C198 Campos, Luis Gustavo Rosadas 
 Do higienismo à gentrificação, as semelhanças e 
singularidades no processo de exclusão social na cidade do Rio de 
Janeiro: o bairro da Lapa / Luis Gustavo Rosadas Campos – 
Niterói: UFF, 2016. 
155f.: il. 
Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – 
Universidade Federal Fluminense, 2016. 
Orientador: Sônia Maria Taddei Ferraz 
1. Política pública. 2. Espaço urbano. 3. Exclusão social. 4.
Gentrificação. 5. Lapa (Rio de Janeiro, RJ). 5. Produção 
intelectual. I. Ferraz, Sônia Maria Taddei. II. Universidade Federal 
Fluminense, Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e 
Urbanismo, 2016. III. Título. 
CDD 320.981 
UFF – UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE 
PPGAU – PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO 
LUIS GUSTAVO ROSADAS CAMPOS 
DO HIGIENISMO À GENTRIFICAÇÃO, AS SEMELHANÇAS E SINGULARIDADES 
NO PROCESSO DE EXCLUSÃO SOCIAL NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: O 
BAIRRO DA LAPA 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Arquitetura e Urbanismo da 
Escola de Arquitetura e Urbanismo da 
Universidade Federal Fluminense, como 
requisito parcial para obtenção do Grau de 
Mestre. 
Área de Concentração: Arquitetura e 
Urbanismo 
 ORIENTADORA: Prof.ª Dr.ª Sônia Maria Taddei Ferraz 
Niterói 
2016 
LUIS GUSTAVO ROSADAS CAMPOS 
DO HIGIENISMO À GENTRIFICAÇÃO, AS SEMELHANÇAS E SINGULARIDADES 
NO PROCESSO DE EXCLUSÃO SOCIAL NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: O 
BAIRRO DA LAPA 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Arquitetura e Urbanismo da 
Escola de Arquitetura e Urbanismo da 
Universidade Federal Fluminense, como 
requisito parcial para obtenção do Grau de 
Mestre. 
 Aprovada em 8 de março de 2017. 
 BANCA EXAMINADORA 
 ____________________________________________ 
 Prof.ª Dr.ª Sônia Maria Taddei Ferraz (orientadora) 
 UFF - Universidade Federal Fluminense 
 ____________________________________________ 
 Prof.ª Dr.ª Cristina Lontra Nacif 
 UFF - Universidade Federal Fluminense 
 ____________________________________________ 
 Prof.ª Dr.ª Carolina Moreira de Hollanda 
 UNIGRANRIO - Universidade do Grande Rio 
Dedico esta dissertação aos que perderam o direito de morar, que tiveram as 
relações com seu lugar reificadas pelas intervenções urbanas gentrificadoras 
abastecidas pelo capital. Aos que tiveram seus pertences roubados ou destruídos – 
mesmo que papelões ou cobertores de flanelas – pelos agentes do Estado. Aos que 
precisam morar de favor na casa de amigos ou parentes. 
Dedico este trabalho também àqueles que não puderam arcar com os custos da 
gentrificação e das remodelações, não podendo pagar os preços gananciosos de uma 
sociedade cínica e conivente com as desigualdades. 
Ainda, aos que foram marginalizados e sofreram agressões físicas nas ruas por 
fascistas. E assim, por sua condição racial e social, não puderam se camuflar no 
espaço, antes público e agora privado. 
Dedico às vítimas invisibilizadas pela sociedade de consumo e aos que, sem 
poder simbólico, são jogados para fora dos limites da fronteira da cidade, pela avidez 
revanchista dos que almejam privilégios e não direitos. 
A todo aquele que além perder bens materiais, foi desumanizado na sociedade 
capitalista contemporânea. 
AGRADECIMENTOS 
Às mulheres da minha vida: minha mãe Márcia e Caroline Pitta. 
Aos amigos especiais: Ellen e Paulo; Bernardo (meu guri) e Marcelle Risadas; 
Cássio André Felipe. 
À orientadora: Sonia Maria Taddei Ferraz. 
Em especial: Maria Gabriela Verediano. 
Às mestras: Cristina Lontra Nacif, Fernanda Sanchez. 
Ao mestre: Juarez Duayer. 
Aos amigos: Rosi, Jaime Núñez, Priscila Gonçalves, Leticia, Roberth, Ricardo 
Pirata. 
Aos tios Jorge, Sandra, Marilisa e Marcos e aos primos Carol, Felipe, Vinícius e 
Vanessa. 
À professora convidada Carolina Moreira de Hollanda. 
Às Violets!!! 
Ao MNLM-RJ 
Ludwig Van Beethoven também ajudou muito. 
[...] E se todos os outros aceitassem a mentira 
imposta pelo Partido — se todos os registros 
contassem a mesma história —, a mentira tornava-se 
história e virava verdade. “Quem controla o passado 
controla o futuro; quem controla o presente controla o 
passado”, rezava o lema do Partido. E com tudo isso 
o passado, mesmo com sua natureza alterável,
jamais fora alterado. Tudo o que fosse verdade agora
fora verdade desde sempre, a vida toda. Muito
simples. O indivíduo só precisava obter uma série
interminável de vitórias sobre a própria memória.
“Controle da realidade”, era a designação adotada.
Em Novafala: “duplipensamento”.
(ORWEL, 2009)
RESUMO 
A dissertação trata da compreensão de semelhanças e singularidades do processo 
de exclusão social na cidade do Rio de Janeiro, tendo a região da Lapa como estudo 
de caso. A abordagem faz o recorte temporal a partir do início do discurso de 
higienismo, datado de 1850, passando pelas demolições das décadas de 1960 e 
1970, e o processo de gentrificação a partir da década de 2000. A crítica à produção 
de cidade e às desigualdades presentes no modo de produção capitalista é o ponto 
central desta dissertação, sabendo que desde a metade do século XIX, é que se 
operam as transformações urbanas na cidade do Rio de Janeiro. A análise do 
processo de exclusão social e de como o sistema capitalista se beneficia dele, se dá 
pela comparação entre os discursos institucionais e midiáticos, identificando as 
semelhanças e singularidades dos processos de transformações urbanas que 
aconteceram na região central do Rio de Janeiro, mais especificamente, na região da 
Lapa. O processo de produção das cidades está associado à forma e às condições 
de articulação dos modos de produção. Assim, para que haja a exclusão social, é 
necessário e fundamental que haja a desigualdade característica do modo de 
produção capitalista. Essas desigualdades estão expressas na paisagem urbana, 
onde o movimento de pessoas em situação de fragilidade econômica é fator crucial 
para este processo de caráter classista. Desta forma, o espaço urbano é objeto 
fundamental e, sob a mirada da acumulação capitalista, passa a ser reproduzido sob 
sua lógica excludente. 
Palavras-chave: exclusão, higienismo, gentrificação, revanchismo, lapa. 
ABSTRACT 
The understanding of the similarities and singularities of the process of social 
exclusion in the city of Rio de Janeiro, with Lapa as a case study. The approach makes 
the temporal cut from the beginning of the hygienic discourse, dating from 1850, 
through the demolitions of the 1960s and 1970s, and the process of gentrification from 
the 2000s to the present day. The criticism of the production of the city and of 
inequalities present in the capitalist mode of production is the central point of this 
dissertation, knowing that since the mid-nineteenth century, urban transformations in 
the city of Rio de Janeiro have been operating. The analysis of the functioning of the 
process of social exclusion and how the capitalist system benefits is done by analyzing 
and comparing institutional and media discourses, finding the similarities and 
singularities of the processes of urban transformation that took place in the central 
region of Rio de Janeiro , More specifically in the region of Lapa. The process of 
production of the cities is associated with the form and conditions of articulation of the 
modes of production. Thus, in order for social exclusion to exist, it is necessary and 
fundamental that there be the characteristic inequality of the capitalist mode of 
production. These inequalities are expressed in the urban landscape, where the 
movement of people in situations ofeconomic fragility is a crucial factor for this process 
of class. In this way, urban space is a fundamental object and, under the watchful eye 
of capitalist accumulation, begins to be reproduced under its exclusionary logic. 
Keywords: exclusion, gentrification, hygienism, revanchism, lapa. 
SUMÁRIO 
APRESENTAÇÃO ....................................................................................................11 
INTRODUÇÃO...........................................................................................................13 
PARTE 1 - REFERENCIAL TEÓRICO CONCEITUAL: O MODO DE PRODUÇÃO 
CAPITALISTA E A IDEOLOGIA NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO ...........17 
1. OS PROCESSOS DE PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO ..............................18 
1.1 O DESENVOLVIMENTO DESIGUAL ..................................................................20 
O espaço urbano .............................................................................................20 
O espaço como mercadoria ............................................................................23 
Desenvolvimento desigual ..............................................................................28 
A mobilidade do capital e a produção do espaço urbano ...............................31 
O movimento de capital nas escalas – o “vaivém” da desigualdade ..............37 
1.2 A CIDADE REVANCHISTA E A GENTRIFICAÇÃO ............................................41 
O que seria a Gentrificação .............................................................................41 
Do acaso à estratégia .....................................................................................45 
Os excluídos – a cidade revanchista ...............................................................51 
As camuflagens sociais ...................................................................................53 
1.3 O ESPAÇO PÚBLICO COMO DISCURSO ..........................................................57 
1.4 A IDEOLOGIA, PODER SIMBÓLICO E DISCURSO – AS FORMAS DE 
DOMINAÇÃO .............................................................................................................64 
Ideologia ..........................................................................................................65 
O poder simbólico ............................................................................................66 
Características do discurso .............................................................................69 
1.5 PONDERAÇÕES A RESPEITO DOS DISCURSOS, IDEOLOGIA E PODER 
SIMBÓLICO ...............................................................................................................70 
 Relação poder simbólico e espaço público ......................................................70 
 Relação poder simbólico e gentrificação ..........................................................72 
PARTE 2 - A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO: A LAPA COMO ESTUDO DE 
CASO PARA COMPREENDER OS PROCESSOS DE EXCLUSÃO SOCIAL ........74 
2. O DISCURSO DE ÓDIO AOS POBRES DESDE O BRASIL COLÔNIA ..............75 
2.1 A ORIGEM DO DISCURSO DE ÓDIO AOS POBRES ........................................75 
 Feudalismo à brasileira: o colonialismo ...........................................................75 
2.2 AS CLASSES PERIGOSAS .................................................................................79 
3. HIGIENISMO: UM PROCESSO HISTÓRICO DE REMODELAÇÃO ...................83 
Higienismo.......................................................................................................83 
3.1 A QUESTÃO DA HABITAÇÃO NO RIO DE JANEIRO: SÉCULO XIX .................85 
3.2 AS EPIDEMIAS E A LIMPEZA URBANA NO RIO DE JANEIRO .........................87 
3.3 O DISCURSO HIGIENISTA DE PEREIRA REGO COMO GUIA PARA AS 
INTERVENÇÕES DE PASSOS .................................................................................90 
3.4 AS INTERVENÇÕES DE PASSOS .....................................................................93 
3.5 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS INTERVENÇÕES DE PASSOS ......................101 
3.6 O HIGIENISMO E A LAPA: UM ANTECESSOR DO PROCESSO DE 
GENTRIFICAÇÃO ...................................................................................................103 
4. AS DÉCADAS DE 1960 E 1970 E O FIM DO BAIRRO DE DEGENERADOS:
DISCURSOS, DEMOLIÇÕES E REMOÇÕES NA LAPA BOÊMIA ........................109 
4.1 DA BOEMIA À DECADÊNCIA DA LAPA .......................................................... 109 
4.2 O PROCESSO CIVILIZATÓRIO BRASILEIRO: A VIDA URBANA COMO AMEAÇA 
..................................................................................................................................110 
4.3 OS PLANOS URBANOS E O DISCURSO DA LAPA DECADENTE .…….…....112 
4.4 O DISCURSO DO BAIRRO DE DEGENERADOS …………………........……....116 
5. A GENTRIFICAÇÃO COMO ESTRATÉGIA DE PLANEJAMENTO: A VOLTA DA
BOÊMIA À LAPA ....................................................................................................123 
5.1 A GENTRIFICAÇÃO COMO DISCURSO DO PLANEJAMENTO URBANO .....124 
5.2 O ESPAÇO PÚBLICO NOS DISCURSOS MIDIÁTICO E INSTITUCIONAL: 
ESPAÇO DE DISPUTA ............................................................................................131 
5.3 QUEM PODE COMPRAR A CIDADE: SOBRE YUPPIES E HYPSTERS .........137 
5.4 NÃO POSSUIR UM TETO: SER INTRUSO NUM MUNDO DE STATUS ..........139 
6. PONDERAÇÕES A RESPEITO DO PROCESSO DE EXCLUSÃO SOCIAL NA
LAPA ............................................................................................................….......145 
7. FONTES BIBLIOGRÁFICAS ..............................................................................151 
APRESENTAÇÃO 
Este estudo foi desenvolvido durante os dois anos do mestrado acadêmico do 
programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal 
Fluminense – PPGAU UFF – na linha de pesquisa “Projeto, planejamento e gestão da 
Arquitetura e da cidade”. As reflexões sobre o processo de gentrificação foram 
desenvolvidas no primeiro ano e junto ao grupo de pesquisa Arquitetura da Violência, 
quando coordenei os seminários semanais internos sobre o tema, sendo objeto central 
da minha pesquisa. 
Essas reflexões sobre questões que se desdobram em processos de exclusão 
social tiveram início antes do meu ingresso no mestrado. Sendo eu ex-morador, de 
longa data, do bairro da Lapa, sou observador e testemunha das mudanças que a 
região sofreu durante as décadas de 1980, 1990 e 2000. Assim, o aprofundamento 
teórico e conceitual se tornou obrigatório para melhor compreender o processo de 
exclusão das classes mais pobres e, principalmente, dos sem-teto que por lá estavam. 
A análise pessoal passou a contar com o apoio teórico oferecido pelo PPGAU, além 
da construção de uma bibliografia que tratasse dos processos de gentrificação. Nesse 
momento, a obra de Neil Smith surgiu revelando que este processo de desigualdade 
e exclusão social não é uma novidade. À obra de Smith foram somados outros autores 
que complementam suas ideias, principalmente, Manuel Delgado, quando aborda o 
espaço público como ideologia. 
O processo de reflexão durante o mestrado me possibilitou amadurecimento 
como observador e pesquisador, a fim de fazer as conexões entre a produção de 
espaço público e o processo de gentrificação, que caminham em consonância. Foi 
também importante decidir o momento de fazer escolhas, de traçar caminhos, 
entender que o processo de aprendizagem consiste em priorizar temas centrais em 
relação aos subjacentes. 
 O mestrado, possibilitou ainda, o conhecimento de autores importantes para a 
pesquisa e uma possível futura carreira docente. Paulo Freire (2006), ao afirmar que 
“não basta saber ler que 'Eva viu a uva’. É preciso compreender qual a posição que 
Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra 
11
com esse trabalho”, nos deixa a pista para o aprofundamento de temasa serem 
pesquisados. Freire ensina ainda que não nascemos prontos, que nos construímos 
com as experiências do mundo e só assim progredimos. 
É nesse conjunto de conhecimento que o mestrado acadêmico se torna 
fundamental para o meu processo de aprendizado, possibilitando um mergulho na 
origem do processo de exclusão social na cidade do Rio de Janeiro, na compreensão 
de que o modo de produção capitalista se utiliza da cultura a fim de perpetuar seu 
processo de acumulação. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
12
INTRODUÇÃO 
 
 O objetivo desta dissertação é compreender as semelhanças e singularidades 
nos processos históricos de exclusão social na cidade do Rio de Janeiro, usando o 
bairro da Lapa como estudo de caso. Para isso, questões importantes surgiram a fim 
de nos guiar durante o processo de pesquisa: na primeira busca compreender como 
o modo de produção capitalista se apropria do processo de produção de cidades. Em 
seguida, nos debruçamos sobre quais seriam as semelhanças e singularidades entre 
três momentos a serem definidos mais adiante. Finalizando com a abordagem da 
história: quem estaria incluído e quem seria excluído. 
 Dessa maneira, para melhor delimitar nossa abordagem, definimos como recorte 
temporal o início do discurso de higienismo, datado de 1850, estendendo-se até os 
dias atuais. Assim, a partir da colocação de Corrêa (1989, p. 6), em que mostra “o 
espaço urbano, como qualquer outro objeto social, pode ser abordado segundo um 
paradigma de consenso ou de conflito”, o abordaremos sob o paradigma do conflito 
no espaço urbano. 
 A crítica ao modo de produção capitalista será o fio condutor desta dissertação. 
Pelo modo de produção capitalista, desde a metade do século XIX, é que se operam 
as transformações urbanas na cidade do Rio de Janeiro. A fim de compreender como 
esse processo de transformação urbana funciona, como opera sua produção e como 
o sistema capitalista se beneficia, é preciso analisar através de bases conceituais 
qualificada e da comparação entre discursos – institucional e da mídia –, buscando as 
semelhanças e singularidades entre as intervenções urbanas nos períodos a serem 
estudados. 
Para melhor aprofundamento das questões acima citadas, escolhemos três 
períodos da história do Rio de Janeiro: o Higienismo de Pereira Rego a Pereira 
Passos, circunscrito entre 1850 e 1905; a época das demolições na Lapa e o discurso 
dos degenerados, entre as décadas de 1960 e 1970; a gentrificação como processo 
global, entre as décadas de 2000 e 2010. 
O processo de produção das cidades está associado à forma e às condições de 
articulação dos modos de produção subjacentes. Para haver os processos de 
13
exclusão social é necessário e fundamental que haja a desigualdade. O geógrafo 
escocês Neil Smith (1988) elucida que a desigualdade social está expressa na 
paisagem urbana, na qual o movimento de pessoas em situação de fragilidade 
econômica é um dos fatores que configuram o caráter classista desse processo. 
Assim, o espaço urbano estaria sob a mirada da acumulação capitalista, produzindo 
um movimento de capital na escala urbana. 
Além das questões econômicas, é necessário que haja uma forma de se 
propagar e de reafirmar o processo de produção das cidades, sob a ótica capitalista. 
Desta maneira, há a necessidade de promover esta forma de cidade repleta de 
ideologia e símbolos. Assim, o discurso midiático é necessário, e aliado importante, 
na substituição de uma classe sem poder aquisitivo por uma outra classe capaz de 
consumir o estilo de vida traçado pelo capital. 
Na execução dessa forma de cidade, os conflitos entre as classes que vão 
absorver e consumir o espaço público se evidencia. O conflito se expressará através 
de uma classe que poderá consumir a área inundada de símbolos, e outra, em 
contrapartida, que caminhará para fora da área ressignificada. A partir daí o modelo 
de cidade mascarará os conflitos sociais, naturalizando a condição daqueles que são 
incapazes de pertencer ao novo lugar, em um processo sócio-econômico-cultural 
excludente e de caráter desigual. 
Neil Smith nos fornecerá os elementos para compreensão do movimento de 
capital entre as escalas global, estado-nação e urbana, nas quais se expressam o 
caráter desigual do modo de produção capitalista, com a reprodução das 
desigualdades espaciais na escala urbana. Smith (1988) aponta que esse processo 
de produção de cidades é revanchista, por agir de maneira violenta contra as classes 
mais pobres, já que as elites dominantes acreditam num suposto roubo das regiões 
centrais pelas classes menos favorecidas. 
Outro autor que também oferece elementos teóricos importantes, e centrais, 
para nossa abordagem é o sociólogo espanhol Manuel Delgado. O autor trata o 
espaço público como um modo de viver e de ditar comportamento – e estilo de vida – 
para as classes que vão consumir as áreas da cidade em processo de revitalização. 
Delgado aborda a construção de uma ideia de cidadania como forma de controle e de 
14
supressão dos conflitos sociais, tornando o cidadão modelo um consumidor e um 
propagador dessa ideologia. 
Complementando as ideias de Delgado e Smith, será com Pierre Bourdieu que 
vamos compreender o poder simbólico como uma característica do indivíduo. Esse 
indivíduo, ao ignorar voluntariamente a perversidade desse sistema, apropria-se dos 
símbolos oferecidos pela ideologia, aproveitando-se dos benefícios. Junto à 
abordagem de Bourdieu, somam-se Michel Lowy e José Luiz Fiorin para 
compreendermos as questões da produção do discurso e ideologia, fundamentais 
como suporte ao processo de reprodução das cidades. 
Além dos autores centrais, os brasileiros Paul Singer, Caio Prado Junior e Celso 
Furtado, vão complementar a ideia de mercantilização do solo urbano, mostrando que 
as desigualdades sociais são um processo histórico em nosso país. Os geógrafos – 
também brasileiros - Milton Santos, Maurício de Abreu, Roberto Lobato Corrêa e 
Marcelo Lopes de Souza, além de autores como Arlete Moysés Rodrigues, Ana Fani 
Carlos, mostram como um processo global interfere em nosso país e como ganha um 
caráter singular e desigual na reprodução dos modelos das nossas cidades. 
Para a pesquisa prática, sobre o universo da análise bibliográfica, utilizamos a 
abordagem de autores que se especializaram na análise da cidade do Rio de janeiro. 
Jayme Larry Benchimol, Robert Moses Pechman, possibilitam um mergulho na 
história e na origem dos problemas sociais da cidade. 
Como apoio para compreensão e análise do discurso midiático, pesquisamos 
periódicos com acervo digital, a fim de entender como o apelo midiático foi relevante 
na afirmação e fortalecimento da venda de ideologias em todos os períodos 
supracitados. Sendo um deles o acervo digital atual e passado do jornal O Globo – 
jornal com maior tiragem na cidade e no Estado do Rio de Janeiro. Além do discurso 
midiático, pesquisamos o discurso institucional da prefeitura do Rio de Janeiro, 
buscando analisar se há consonância entre eles. 
Entretanto, nossa abordagem não é uma análise histórico-econômica. O que a 
pode tornar peculiar, é o fato de buscarmos localizar o caráter humano que se perde 
em cada demolição de edifício e em cada remoção forçada. Assim, buscamos 
evidenciar o subjetivo perdido no tempo, o indivíduo anônimo que se foi junto com as 
15
histórias conhecidas, o anônimo que se instala na calçada e como – durante esses 
períodos – a mídia o tratou como o indesejável a ser odiado. Foi necessário que – 
durante os dois anos de pesquisa – a orientação nos guiasse com autores que 
aprofundaram nas questões humanas: os clássicos Karl Marx e Friedrich Engels, 
David Harvey, o próprio Neil Smith, Zygmundt Baumann, Milton Santos, Paulo Freire, 
Vladimir Lenin, Loic Wacquant, Richard Sennet, nos mostram que o patético outro, o 
indesejável, o repugnante, possuem um endereçodiferente do que a grande mídia 
destaca. 
Desta forma, os desajustados, desprovidos do senso de humanidade, não são 
os que se instalam nas ruas ou que seguem os rumos da pobreza, mas os que estão 
no topo do sistema opressor, desprovidos de humanidade. A ausência de princípios 
de solidariedade e empatia permeiam os sujeitos que orquestraram, que perpetuaram 
a mudança e a afirmação da forma capitalista de cidade. A ganância, a exclusão social 
e a acumulação de capital, são as semelhanças entre os processos de cada período. 
A financeirização da economia, a fase inicial do Capitalismo, o Imperialismo, são as 
singularidades do processo de reprodução de cidades em cada período. 
Para isso, nossa pesquisa se debruçará sobre o caminho em que seguem os 
excluídos e explorados neste jogo de cartas marcadas, buscando desmistificar a 
condição de indesejáveis e obstáculos à sociedade louvável e de consumidores, 
cínica e cega por opção – muitas vezes – conivente com a alienação que o 
desenvolvimento desigual e a cidade revanchista produzem. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
16
PARTE 1 
 
REFERENCIAL TEÓRICO CONCEITUAL: O MODO DE PRODUÇÃO 
CAPITALISTA E A IDEOLOGIA NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO 
 
[…] A problemática urbana se anuncia. O que 
resultará desse lugar, deste caldeirão de bruxas, 
desta intensificação dramática das potências 
criadoras, das violências, dessa mudança 
generalizada onde você não pode ver o que 
muda, a não ser quando se vê extremamente 
bem: Dinheiro, paixões enormes e vulgares, 
sutileza desesperada? A cidade se afirma, depois 
explode”. (LEFEBVRE,1976 apud DELGADO, 
2015, p.5)1 
 
A partir da comparação entre nomes dados ao processo de produção de 
cidades, torna-se necessário uma análise do processo e do rótulo que lhes é dado. 
Para melhor compreender o conceito de gentrificação, da forma como Smith o estuda, 
buscamos nesta parte inicial compreender as origens de termos e como eles estariam 
ligados ao modo de produção capitalista. 
A respeito do processo de gentrificação, não se trata apenas da produção de 
espaço nas sociedades capitalistas. Entende-se que a questão gira em torno do 
processo de reprodução desses espaços e das estratégias de dominação de massas, 
que levam à adoção ou aceitação dos métodos de sua reprodução. Sob essa ótica, 
entendemos que o poder simbólico, como Bourdieu abordará, é o suporte para a sutil 
dominação, como elo entre o físico-espaço e o ideológico-alienação, relacionando-se 
com outros elementos a fim de conferir a assimilação de um modo de viver-consumir. 
 
 
 
1 Tradução nossa, do original: La problemática urbana se anuncia. ¿Qué saldrá de ese hogar, de este fogón de brujas, de esta 
intensificación dramática de las potencias creadoras, de las violencias, de ese cambio generalizado en el que no se ve qué es lo 
que cambia, excepto cuando se ve excesivamente bien: dinero, pasiones enormes y vulgares, sutilidad desesperada? La ciudad 
se afirma, después estalla”. (LEFEBVRE,1976, p.114 Apud Delgado, 2015, p.5) 
17
1. OS PROCESSOS DE PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO 
 
Para melhor compreensão dos processos de produção do espaço urbano, 
traremos alguns autores – geógrafos, sociólogos e arquitetos urbanistas – a fim de 
suscitar um diálogo a respeito desta temática. Iniciamos com uma análise bibliográfica 
pautada na obra do geógrafo Neil Smith e na obra do sociólogo Manuel Delgado como 
autores centrais da reflexão, além da crítica ao modo de produção capitalista como o 
elemento central desta reflexão. 
Iniciamos buscando compreender o processo de gentrificação. 
Semanticamente gentrificação é uma palavra com significado que pode ir desde o 
processo global de desenvolvimento das cidades, de enobrecimento dos bairros 
operários, de movimento de capital, até ferramenta de planejamento estratégico. O 
debate a respeito desse assunto se dá, grosso modo, pela crítica ao capitalismo como 
beneficiário no processo de produção e do desenvolvimento das grandes cidades. 
Gentrificar era o processo de enobrecer dada área da cidade pela eliminação 
das classes mais pobres. Entretanto, a discussão sobre o real significado da palavra 
gentrificação (gentry) variava: de um lado os pobres, em suas lutas contra as forças 
do mercado imobiliário, entendendo a gentrificação como um processo excludente; do 
outro, os agentes imobiliários dando novo sentido a palavra – gentrificação entendida 
como algo maravilhoso, inclusive para a classe pobre, além de muita propaganda. 
Com a generalização do uso dessa palavra, ora como processo excludente e 
pejorativo, ora como um processo de desenvolvimento para as cidades, a 
compreensão adequada do processo se tornava complexa. 
Neil Smith já questionava esse processo desde a década de 1970, observando-
o como movimento de capital dentro das cidades e em escala global. O movimento se 
dava com investimentos e desinvestimentos em determinadas áreas da cidade, 
principalmente, nos bairros pobres próximos ao centro. O autor ainda falava em uma 
“retomada”, numa “volta para casa” da classe média alta em relação a esses espaços 
desocupados e abandonados no pós-guerra, como se pertencessem à classe média 
por direito, ignorando os moradores substituídos. 
A partir da retomada era necessário que houvesse um discurso para 
18
impulsionar e legitimar o processo. Todavia, algo o transpassava desde o início até a 
atualidade: a mudança do perfil socioeconômico de um bairro. Esse discurso se tornou 
importante para a aceitação popular, principalmente sob os rótulos de higienização 
dos bairros. 
Mas o discurso não visa apenas uma aceitação, já que é parte de uma 
estratégia de produção de espaço – não só de habitação – nas grandes cidades. A 
estratégia tinha por objetivo a negociação de habitação, de comércio de terras, de 
comércio específico, visando atender à demanda de uma classe específica: a classe 
média e classe média alta. 
A nova classe, detentora de um capital simbólico – consumidora de espaços e 
serviços característicos das grandes cidades globais – e pautada em um estilo de vida 
fetichizado2 na cidade rica em cultura e símbolos, passa a consumir as áreas 
produzidas pelo movimento de capital na cidade. 
Contudo, para que o bairro, rua ou esquina receba essa classe média, é preciso 
que a estrutura física da cidade ofereça itens de desejo fundamentais para o seu estilo 
de vida. Como evidencia Paul Singer ao falar da “valorização diferencial do uso do 
solo”, os serviços oferecidos pelo Estado são “usufruídos apenas por aqueles que 
podem pagar o seu preço incluído na renda do solo” (1982, p. 36). Junto, o espaço 
público entra como uma peça fundamental do processo: o elo de valorização entre o 
comércio e os usuários desse modo de vida. 
A gentrificação, a partir da década de 1980, havia assumido um papel 
importante no processo de produção de cidade, entrelaçava-se ao poder público – o 
provedor das obras de infraestrutura – e juntava-se à mídia pela propaganda de um 
novo estilo de vida. A gentrificação passa a ser generalizada e não mais ocasional, 
2 Marx, Karl. O Capital. p. 206-207. 2013 - O caráter misterioso da forma-mercadoria consiste, portanto, simplesmente no fato de 
que ela reflete aos homens os caracteres sociais de seu próprio trabalho como caracteres objetivos dos próprios produtos do 
trabalho, como propriedades sociais que são naturais a essas coisas e, por isso, reflete também a relação social dos produtores 
com o trabalho total como uma relação social entre os objetos, existente à margem dos produtores. É por meio desse quiproquó 
que os produtos do trabalho se tornam mercadorias, coisas sensíveis-suprassensíveis ou sociais. [...] No ato de ver, porém, a 
luz de uma coisa, de um objeto externo, é efetivamente lançada sobre outra coisa, o olho. Trata-se de uma relação física entre 
coisas físicas. Já a forma-mercadoria e a relação de valor dos produtos do trabalho em que ela se representa não tem,ao 
contrário, absolutamente nada a ver com sua natureza física e com as relações materiais [dinglichen] que dela resultam. É apenas 
uma relação social determinada entre os próprios homens que aqui assume, para eles, a forma fantasmagórica de uma relação 
entre coisas. Desse modo, para encontrarmos uma analogia, temos de nos refugiar na região nebulosa do mundo religioso. Aqui, 
os produtos do cérebro humano parecem dotados de vida própria, como figuras independentes que travam relação umas com 
as outras e com os homens. Assim se apresentam, no mundo das mercadorias, os produtos da mão humana. A isso eu chamo 
de fetichismo, que se cola aos produtos do trabalho tão logo eles são produzidos como mercadorias e que, por isso, é inseparável 
da produção de mercadorias. 
19
como Ruth Glass descrevia. Com isso, nossa abordagem buscará compreender o 
movimento de capital entre as escalas urbana, estado nação e global, afim de melhor 
compreender o processo de produção de cidades. 
 
1.1 O DESENVOLVIMENTO DESIGUAL 
 
O espaço urbano 
A reestruturação do espaço na escala urbana é a base da abordagem de Neil 
Smith sobre o desenvolvimento desigual. Essa reestruturação tem no 
“redesenvolvimento, da gentrificação e do crescimento não metropolitano a mais 
acabada e aparente ilustração do processo” (1988, p. 223) de desenvolvimento 
desigual. Desse modo, o processo de gentrificação, segundo o autor, é um movimento 
de capital passageiro e não duradouro que uma área da cidade pode experimentar e 
“a menos importante a longo prazo” (Ibidem). 
Além disso, a produção das desigualdades espaciais na escala urbana, dadas 
também por localização da força de trabalho afastadas das áreas mais valorizadas, 
expressam o caráter desigual do capitalismo, já que “o subdesenvolvimento de áreas 
específicas eventualmente conduz precisamente àquelas condições que faz uma área 
altamente lucrativa e susceptível de rápido desenvolvimento” (SMITH, 1988, p. 213). 
O uso do solo urbano se transforma de modo a gerar mais acumulação, sendo o que 
mais evidencia esse processo, sobre o qual o autor afirma: “o capital tenta fazer um 
vaivém de uma área desenvolvida para uma área subdesenvolvida, para, então, num 
certo momento posterior voltar à primeira área que agora se encontra 
subdesenvolvida, e assim sucessivamente” (Ibidem). 
O caráter desigual também expressa o capital como praga de gafanhotos: “eles 
se estabelecem em um lugar, devoram-no e então se deslocam para praguejar outro 
lugar. E, melhor dizendo, no processo de sua recuperação após uma praga, a região 
ficava pronta para outra” (HARRIS, 1983 apud SMITH, 1988, p. 217). Ainda segundo 
Smith, são nas características do valor de uso e valor de troca que se evidenciam as 
tendências para a diferenciação e igualização do espaço geográfico dentro do 
capitalismo que: 
20
[...] assume muitas formas, mas fundamentalmente expressa a diferenciação 
social que é a verdadeira definição do capital: a relação entre capital e 
trabalho. À medida em que o desenvolvimento desigual se torna crescente 
necessidade para se evitar as crises, a diferenciação geográfica se torna 
cada vez menos um subproduto e mais uma necessidade central para o 
capital. A história do capitalismo não é simplesmente cíclica, mas é 
profundamente progressiva e também se expressa na paisagem. Na medida 
em que as crises cíclicas não purgam o sistema de suas contradições e a 
taxa decrescente de lucro não é atenuada, o desenvolvimento desigual do 
capitalismo torna-se mais intenso, à medida em que o processo de 
acumulação se intensifica e, com ele, as tendências para a diferenciação e 
igualização. A fragilidade da lógica econômica por trás do desenvolvimento 
desigual é graficamente revelada na crise, quando a aguda necessidade de 
reestruturar o espaço geográfico é bloqueada pelos padrões existentes de 
desenvolvimento desigual. (1988, p. 217-218) 
 
O autor mostra a diferenciação do espaço pelo tipo de atividade produtiva, em 
que “a divisão do trabalho em atividade industrial e atividade agrícola libera parcela 
do trabalho produtivo das restrições espaciais imediatas, e essa divisão social 
manifesta-se na separação espacial da cidade e do campo” (1988, p.125). Dessa 
maneira, no espaço urbano, a localização da força de trabalho e dos locais de 
produção (próximos ou afastados entre si) estão determinados. Entretanto, não há um 
congelamento dessas relações e a mudança de uso, ou a ressignificação das cidades, 
pode acontecer como aponta o mesmo autor, onde: 
[...] embora as próprias cidades sejam espacialmente fixas, as atividades que 
ocorrem dentro delas e as regras que comandam tais atividades sociais não 
são completamente fixas, espacialmente. Elas podem ser generalizadas de 
uma cidade para outra ou, por outro lado, a mesma cidade em períodos 
históricos diferentes pode exercer atividades completamente diferentes e 
operar sob regras sociais completamente distintas. (Ibidem) 
 
Essa flexibilidade de usos ganha força a partir do momento em que o Estado 
“dividiu as pessoas em razão de objetivos públicos, não por grupos de parentesco, 
mas por lugar comum de residência” (SMITH, 1988, p. 125-126). A partir dessa 
divisão, as pessoas passaram a ser agrupadas por objetivos públicos em detrimento 
dos laços familiares que as unia, evidenciando a defesa dos interesses das classes 
dominantes, apontados por Smith. Assim, o movimento das pessoas pelo espaço 
urbano pautadas pelo interesse no uso do solo, mostra que "o território permanecera, 
mas as pessoas haviam-se tornado móveis, necessitando de uma nova divisão da 
sociedade baseada no controle do território” (Ibidem). Os vínculos familiares entre as 
pessoas, assim como qualquer outro tipo de vínculo com o espaço, eram eliminados, 
21
tornando-as removíveis pela sua fragilidade econômica. Smith complementa dizendo 
que: 
Esta organização dos cidadãos do Estado de acordo com o território é comum 
a todos os Estados […] Somente o domicílio era agora decisivo, não a 
associação de um grupo de parentesco. Não as pessoas, mas sim o território 
se tornava dividido: os habitantes tornaram-se um mero apêndice político do 
território. (Ibidem) 
 
Acrescentamos a visão de Roberto Lobato Corrêa, quando trata do espaço 
urbano capitalista fragmentado e articulado ao mesmo tempo, para melhor entender 
o controle social. O autor evidencia que essa ideia é reforçada com a desigualdade 
do espaço – na cidade capitalista – pela forma variada das relações que as unidades 
espaciais mantêm entre si. Corrêa diz que “por ser reflexo social e porque a sociedade 
tem sua dinâmica, o espaço urbano é também mutável, dispondo de uma mutabilidade 
que é complexa, com ritmos e natureza diferenciados” (1989, p.8). 
Mesmo entendendo a mutabilidade do espaço urbano, para Lefebvre a 
produção do espaço deveria atender às necessidades da sociedade como um todo, e 
não apenas a uma parcela. O espaço, segundo ele, é um elemento primordialmente 
de sociabilização e não um objeto. Assim, para o autor, o espaço não é uma coisa 
entre coisas, bem como: 
[...] não é um produto entre outros produtos: em vez disso, concorda com as 
coisas que são produzidas e abrange suas inter-relações em sua 
coexistência e simultaneidade – a sua ordem ou seu caos. É o resultado de 
uma sequência e de um conjunto de operações, e, portanto, não pode ser 
reduzida à posição de um mero objeto. (LEFEBVRE, 1991, p. 73) 
 
 No entanto, na cidade capitalista, o espaço adquire valor de troca e se 
transforma em mercadoria. Além de atender à necessidade da sociedade, Corrêa 
elucida que o “espaço urbano assume assim dimensão simbólica” (1989, p. 9) e, 
também, “o cenário e objeto das lutas sociais, pois estas visam [...] o direito à cidade, 
à cidadania plena e igual a todos” (Ibidem). 
Além disso, na cidade capitalista, há um afastamento entre as pessoas, 
explicado por Bauman como mixofobia (o medo da mistura entre diferentes), quecontribui para que o espaço perca o sentido de campo interacional entre elas. O autor 
explica que, do mesmo modo que existe o desejo em conviver com as diferenças, há 
assim, de outro lado a mixofobia: 
Você convive com estrangeiros e tem preconceitos em relação a eles, uma 
22
vez que o lixo global é descarregado na rua onde você vive; e você já ouviu 
falar muitas vezes dos perigos derivados da underclass; e ouviu dizer também 
que a maioria dos imigrantes é parasita de seu welfare e até terroristas em 
potencial, e que cedo ou tarde acabarão por mata-lo. Nesse caso, viver com 
estrangeiros é uma experiência que gera muita ansiedade. Por conseguinte, 
é melhor evitar essa experiencia, e pessoas resolveram transmitir esse 
instinto de evitar às gerações futuras, colocando seus filhos em escolas 
segregadas, em que podem viver imunes a esse mundo horrendo, ao impacto 
assustador de outras crianças provenientes de famílias do tipo errado. (2009, 
p. 87). 
 
Com isso, o espaço urbano deixa de ser o lugar onde as necessidades da 
sociedade se expressam, possibilitando novo significado a ele, tornando-o 
mercadoria. 
Esse pensamento de Bauman reforça a ideia de Smith quando aponta que o 
espaço passa a perder importância para as trocas sociais devido aos avanços 
tecnológicos, políticos, culturais e econômicos, pois à medida em que: 
[...] as relações econômicas, tecnológicas, políticas e culturais se 
desenvolvem e se expandem, a base institucional para manipular as relações 
também torna-se mais complexa e perde, progressivamente, qualquer 
definição espacial intrínseca. Contudo, quanto mais a sociedade se liberta do 
espaço, mais o espaço pode ser transformado numa mercadoria, no seu 
sentido mais estrito. (SMITH, 1988, p. 127) 
 
Complementando a ideia da produção do espaço urbano como mercadoria, 
Corrêa mostra que o espaço urbano é também um local de disputas entre agentes 
donos dos meios de produção, já que “os grandes proprietários industriais e das 
grandes empresas comerciais são, em razão da dimensão de suas atividades, 
grandes consumidores de espaço” (1989, p. 13). 
 
O espaço como mercadoria 
Milton Santos esclarece que “a vida material de algum modo se impunha sobre 
o resto da vida social, e o valor de cada pedaço de chão lhe era atribuído pelo próprio 
uso desse pedaço de chão” (1999, p.9). Assim, o espaço urbano se torna mercadoria 
e passa a ser apropriado seja por grandes proprietários dos meios de produção e por 
proprietários de grandes parcelas de solo, seja por donos de pequenas parcelas de 
solo. 
O autor salienta que “a vida material de algum modo se impunha sobre o resto 
da vida social, e o valor de cada pedaço de chão lhe era atribuído pelo próprio uso 
23
desse pedaço de chão” (Ibidem). Dinheiro e território interagiam numa escala local e 
ordenados pela necessidade local, onde esta relação de valor de uso era regida pelo 
território. Para Santos, o papel da troca “começa a ganhar uma enorme mudança na 
história dos lugares e do mundo, deslocando da primazia o papel do uso, e até mesmo 
comandando o uso, ao revés do comando anterior da troca pelo uso” (Ibidem). Assim, 
com o passar do tempo, o uso do chão perde o seu papel e passa a ter mais 
importância como objeto de troca. 
Outro autor que trata da valorização do solo urbano é Paul Singer. Ele mostra 
que o processo de expansão das cidades possibilita “novos focos de valorização do 
espaço urbano” (1982, p. 29) e que nesse processo de expansão “o crescimento 
urbano implica necessariamente uma reestruturação do uso das áreas já ocupadas” 
(Ibidem). O autor põe em evidencia que as necessidades das classes sociais mais 
altas se mantêm separadas do restante da sociedade, gerando uma “demanda de solo 
urbano para fins de habitação”, que “também distingue vantagens locacionais 
determinadas, principalmente, pelo maior ou menor acesso a serviços urbanos” 
(Ibidem). 
Esta é, portanto, uma análise indispensável para a compreensão dos processos 
de higienismo, de gentrificação e da transformação do espaço em mercadoria. A 
análise de Singer nos ajuda a compreender a formação do valor de troca do solo 
urbano. Em sua abordagem, o autor aponta que o mercado de terras possui caráter 
especulativo, incorporando à cidade glebas antes agrícolas, onde o custo de 
produção: 
[...] é, nestes casos, equivalente à renda (agrícola) da terra que se deixa de 
auferir. Mas não há uma relação necessária entre este "custo" e o preço 
corrente no mercado imobiliário-urbano. Como a demanda por solo urbano 
muda frequentemente, dependendo, em última análise, do próprio processo 
de ocupação do espaço pela expansão do tecido urbano, o preço de 
determinada área deste espaço está sujeito a oscilações violentas, o que 
torna o mercado imobiliário essencialmente especulativo. Quando um 
promotor imobiliário resolve agregar determinada área ao espaço urbano, ele 
visa a um preço que pouco ou nada tem a ver com o custo imediato da 
operação. (1982, p. 23-24) 
 
Desta forma, Singer mostra que a valorização “da gleba é antecipada em 
função de mudanças na estrutura urbana que ainda estão por acontecer” (Ibidem) 
denotando a ação especulativa, onde o especulador aguarda o momento em que o 
24
Estado promova as condições propícias de melhoramentos da terra. 
Por isso, o “acesso a serviços urbanos tende a privilegiar determinadas 
localizações em medida tanto maior quanto mais escassos forem os serviços em 
relação à demanda” (SINGER, 1982, p. 27). Desse modo, as áreas que recebem as 
melhorias executadas pelo Estado passam a ter um valor diferenciado. E assim, o 
mercado imobiliário se apropria dos benefícios da ação do Estado e “faz com que a 
ocupação dessas áreas seja privilégio das camadas de renda mais elevada, capaz de 
pagar um preço alto pelo direito de morar” (Ibidem). Resta aos pobres as áreas mais 
baratas da cidade e com menor, ou nenhum, investimento do Estado. 
Singer diz que o Estado assume papel determinante na demanda pelo uso e 
preço do solo urbano, já que sempre que o poder público: 
[...] dota uma zona qualquer da cidade de um serviço público, água encanada, 
escola pública ou linha de ônibus, por exemplo, ele desvia para esta zona 
demandas de empresas e moradores que anteriormente, devido à falta do 
serviço em questão, davam preferência a outras localizações. Estas novas 
demandas, deve-se supor, estão preparadas a pagar pelo uso do solo, em 
termo de compra ou aluguel, um preço maior do que as demandas que se 
dirigiam à mesma zona quando esta ainda não dispunha do serviço. Daí a 
valorização do solo nesta zona, em relação às demais. (1982, p. 34) 
 
Com relação às empresas que nada investem no solo urbano, o autor diz que 
“a renda diferencial paga por elas será maior na medida em que o novo serviço lhes 
permite reduzir seus custos de produção e/ou de circulação” (Ibidem). Além disso, a 
demanda dos moradores que é possibilitada pelo “novo serviço atrai famílias de renda 
mais elevada e que se dispõem a pagar um preço maior pelo uso do solo, em 
comparação com os moradores mais antigos, de renda mais baixa” (Ibidem). Singer 
evidencia, assim, o movimento de capital nas áreas da cidade e a valorização do solo 
urbano. 
 Para mostrar a diferenciação das classes em áreas de solo mais valorizado, 
de acordo com o poder aquisitivo de cada classe, Smith analisa a localização da 
produção e da mão-de-obra, na cidade, a partir do princípio de “propriedades 
espaciais como elementos integrantes do valor de uso” (1988, p. 128). Citando Marx, 
Smith esclarece que: 
 
No transporte de pessoas ou de mercadorias, diz ele, "uma mudança material 
é efetuada no objeto do trabalho — uma mudança espacial, uma mudança 
25
de lugar [...] Sua existência espacial é alterada, e com isto ocorre uma 
mudança no seu valor de uso, desde que seja alterada a localização desse 
valor de uso. Seu valor de troca aumenta na mesma proporção em que a 
mudança no valorde uso exige trabalho. (MARX, 1969 apud SMITH, 1988, 
p. 128) 
 
Assim, a mão-de-obra passa a ocupar um lugar determinado no espaço, que é 
portador de um valor simbólico e um preço. Fortalecendo a ideia do espaço não 
produzido ocasionalmente, seja na rede urbana ou na intraurbana, Corrêa acrescenta 
que sua produção “não é resultado da mão invisível do mercado, [...] ou de um capital 
abstrato que emerge de fora das relações sociais” (2016, p. 43). A produção do espaço 
é consequência de agentes “sociais concretos, históricos, dotados de interesses, 
estratégias e práticas espaciais próprias, portadores de contradições e geradores de 
conflitos entre eles mesmos e com outros segmentos da sociedade” (Ibidem). 
A partir do momento em que há o emprego de trabalho em melhorias – 
infraestrutura – o espaço passa a possuir sentido e valor. David Harvey elucida a 
forma de funcionamento da dinâmica do mercado de terras, como os agentes deste 
sistema participam na produção do espaço urbano e como seu lucro e renda se 
reproduzem: 
Os proprietários de terra recebem renda, os empresários recebem aumentos 
na renda baseados nas melhorias, os construtores ganham o lucro do 
empreendimento, os financistas proporcionam capital monetário em troca dos 
juros, ao mesmo tempo que podem capitalizar qualquer forma de receita 
acumulada pelo uso do ambiente construído em um capital fictício (preço da 
propriedade) e o Estado pode usar os impostos (atuais ou antecipados) como 
suporte para investimentos que o capital não pode ou não vai realizar, mas 
que não obstante expande a base para a circulação local do capital. Esses 
papéis existem, não importa quem os desempenha. Quando os capitalistas 
compram terra, viabilizam-na e constroem sobre ela usando seu próprio 
dinheiro; então eles assumem papéis múltiplos. Mas quanto mais capital eles 
adiantam nesse tipo de atividade, menos eles terão para investir diretamente 
na produção. Por essa razão, a produção e a manutenção dos ambientes 
construídos com frequência se cristalizam em um sistema extremamente 
especializado, vinculando os agentes econômicos que desempenham cada 
papel separadamente ou em combinações limitadas (2013b, p. 389) 
 
Essa relação econômica da produção de espaço se cristaliza nas cidades e se 
torna uma oportunidade de ganhos para os capitalistas. 
Além disso, Singer aponta que “a elevação do preço dos imóveis”, e também 
dos terrenos, “pode deslocar os moradores mais antigos e pobres, que vendem suas 
casas, quando proprietários, ou simplesmente saem quando inquilinos, de modo que 
26
o novo serviço”, a cidade preparada pelo Estado, “vai servir aos novos moradores e 
não aos que supostamente deveria beneficiar” (1982, p. 34). 
Voltando às reflexões de Smith, temos que as relações espaciais 
complementam a compreensão do valor do espaço. O autor mostra que com o 
aumento do poder produtivo, “torna-se cada vez mais necessário que um número 
progressivamente maior de trabalhadores esteja concentrado espacialmente nas 
proximidades do lugar de trabalho” (1988, p. 132). A produção de espaço se torna 
fundamental no modo capitalista de produção, seja espaço para os trabalhadores, seja 
espaço para as classes mais ricas. O espaço passa a ter um valor financeiro, 
relativizado pela oferta de serviços e infraestrutura que nele foram inseridos. O autor 
ainda esclarece que o espaço geográfico como um todo seria a totalidade: 
[...] das relações espaciais organizadas, num grau maior ou menor dentro de 
padrões identificáveis, que adequadamente constituem a expressão da estrutura 
e do desenvolvimento do modo de produção. Como tal, o espaço geográfico é 
mais do que simplesmente a soma das relações separadas compreendidas em 
suas partes. Assim, a divisão mundial em mundos subdesenvolvido e 
desenvolvido, embora inexata, somente pode ser compreendida em termos de 
espaço geográfico com um todo. Ele envolve a padronização do espaço 
geográfico como uma expressão da relação entre o capital e o trabalho. Do 
mesmo modo, a integração do espaço pode ser entendida como expressão da 
universalidade do valor, se olharmos não para as relações espaciais específicas, 
mas para o espaço geográfico como um todo. (1988, p.130) 
 
Ele ainda afirma que pelas ações “a sociedade não mais aceita o espaço como 
um receptáculo, mas sim o produz; nós não vivemos, atuamos ou trabalhamos no 
espaço, mas, sim, produzimos o espaço, vivendo, atuando e trabalhando” (1988, p. 
132). O papel de mercadoria que assume o espaço, como já apontado anteriormente, 
expressa o caráter dessa sociedade que o produz através do seu trabalho. A ideia de 
espaço como mercadoria ganha enfoque ideológico para o processo de reprodução 
do modo de vida capitalista. Desta maneira, Smith explicita que esse enfoque visa: 
[...] menos ao processo de produção, e mais à reprodução das relações 
sociais de produção que, diz ele, "constitui o processo central e oculto" da 
sociedade capitalista, e este processo é essencialmente espacial. A produção 
das relações sociais de produção não ocorre somente na fábrica, nem 
tampouco numa sociedade como um todo, de acordo com Lefebvre, "mas no 
espaço como um todo"; "o espaço como um todo tornou-se o lugar em que a 
reprodução das relações de produção se localiza". As relações espaciais são 
geradas "logicamente", mas tornam-se "dialeticizadas” através da atividade 
humana no espaço e sobre ele. É este espaço "dialeticizado" e de conflito […] 
que produz a reprodução, introduzindo nele suas múltiplas contradições." 
(1988, p. 140) 
27
Assim, a produção do espaço é parte de um modo de produção. Vai além de 
um lugar de relações afetivas entre o indivíduo e o espaço. Deixa de ser abstrato, 
isolado na escala urbana ou somente uma expressão da sociedade, não podendo ser 
entendido apenas como local de enclausuramento de corpos. É produzido e 
negociado como mercadoria dentro do modo de produção capitalista. 
 
Desenvolvimento desigual 
A produção de espaço no capitalismo é parte fundamental na análise de Smith, 
no que tange o desenvolvimento desigual. É importante pensar como a produção do 
espaço público e a produção desigual de partes da cidade compõem com o movimento 
de capital a dinâmica urbana. 
Smith encaminha para uma abordagem econômica a fim de compreender a 
essência do desenvolvimento desigual do capital. Em sua concepção do 
desenvolvimento desigual, o autor mostra que “o desenvolvimento social não ocorre 
em todas as partes nem com a mesma velocidade nem na mesma direção3” (2012, p. 
140). Smith continua afirmando que: 
[...] o desenvolvimento desigual deveria ser concebido como um processo 
bastante específico que possui lugar exclusivamente nas sociedades 
capitalistas e que se encontra diretamente enraizado às relações sociais 
fundamentais desse modo de produção. Sem sombra de dúvida, o 
desenvolvimento social em outros modos de produção também pode ser 
desigual, mas por razoes muito diferentes, possui uma transcendência social 
distinta e tem como resultado paisagens geográficas também diferentes. [...] 
No capitalismo, a relação entre áreas desenvolvidas e subdesenvolvidas 
constitui a manifestação mais óbvia e importante de desenvolvimento 
desigual, acontecendo não apenas na escala internacional mas também na 
escala regional e urbana [...] (Ibidem)4. 
 
Para ao desenvolvimento desigual, as ideologias burguesas universalizam “as 
formas e as relações sociais específicas do modo de produção capitalista em relações 
permanentes, naturais” (SMITH, 1988, p. 151), da mesma forma que acontece no 
3 Tradução nossa, do roiginal: “[...] el desarrollo social no ocurre en todas partes ni con la misma velocidad ni en la misma 
dirección.” (SMITH, 2012, p. 140) 
4 Tradução nossa, do original: “el desarrollo desigual debería ser concebido como un proceso bastante específico que tiene lugar 
exclusivamente en las sociedades capitalistas y que se encuentra directamente enraizado en lasrelaciones sociales 
fundamentales de este modo de producción. Sin lugar a dudas, el desarrollo social en otros modos de producción también puede 
ser desigual, pero lo es por razones muy diferentes, tiene una trascendencia social distinta y da como resultado paisajes 
geográficos también diferentes. [...] En el capitalismo, la relación entre zonas desarrolladas y subdesarrolladas constituye la 
manifestación más obvia e importante del desarrollo desigual, y esto ocurre no sólo a escala internacional sino también a escala 
regional y urbana [...]” (Ibidem). 
28
desenvolvimento desigual. Pela ideologia, controla-se e se propagam as formas de 
produção de espaço. 
Acrescentando a visão de Marcelo Lopes de Souza, que compreende o espaço 
social como produto condicionador das relações sociais, temos que: 
[...] não é só o espaço em seu sentido material que condiciona as relações 
sociais! Também as relações de poder projetadas no espaço (espaço 
enquanto território) e os valores e símbolos culturais inscritos no espaço 
(espaço como espaço vivido e sentido, dotado de significado pelos que nele 
vivem), tudo isso serve de referência para as relações sociais: barreiras e 
fronteiras físicas ou imaginárias; espaços naturais ou construídos que, por 
razões econômicas, políticas ou culturais, resistem ao tempo e às investidas 
modernizantes; imagens positivas ou negativas associadas a certos locais 
[...] (2005, p. 99-100) 
 
A visão de Sousa mostra o espaço como um elemento modelador da 
sociedade, pelos símbolos e sentidos de que é dotado. 
Entretanto, o desenvolvimento desigual tem como principal fator, segundo 
Smith, a localização da força de trabalho no espaço urbano e a divisão do trabalho. 
Segundo o autor (1998, p. 164) a separação entre cidade e campo é a base histórica 
para a divisão social do trabalho, e assim, “somente com a libertação dos camponeses 
da terra e com sua migração para a cidade é que se consuma a separação final entre 
a cidade e o campo e, então, “somente quando o proletariado estivesse livre da 
necessidade e da responsabilidade de produzir seus próprios meios de subsistência 
é que essa divisão do trabalho poderia progredir como o fez”. 
Apesar desta separação ser também a base para a divisão do trabalho, seria 
ainda a base para a produção excedente, e “numa economia mais desenvolvida, a 
apropriação das vantagens naturais deixa de ser acidental” (SMITH, 1988, p. 152), 
não sendo o desenvolvimento desigual um acaso, mas um projeto de desigualdade 
saudável para a economia capitalista. 
Outro ponto relevante na teoria de Smith é a produção de cidades dentro do 
desenvolvimento desigual. Assim, é preciso saber que o “investimento de capital no 
ambiente construído está em sincronia com o ritmo cíclico mais geral de acumulação 
do capital” (1998, p. 181). O autor assinala que o capital investido no ambiente físico 
é de suma importância para o capitalismo, devido ao longo período de fixação do 
capital na paisagem urbana. Desvaloriza parcial ou inteiramente o ambiente urbano – 
com porte de investimentos distintos – deixando em evidência a ausência de 
29
casualidade, na qual “o ritmo histórico do investimento no ambiente construído forja 
padrões geográficos específicos que, por sua vez, influenciam fortemente o programa 
de acumulação do capital” (Ibidem). Dessa forma, as crises de superacumulação 
podem gerar desvalorização de áreas inteiras onde o capital fixo é vulnerável, 
inclusive no espaço urbano. Para isso, Smith explica que: 
[...] a desvalorização é localmente específica e isto cria a possibilidade de que 
áreas inteiras do ambiente construído sofram uma desvalorização rápida e 
ampla. Harvey distingue três tipos de crises que eventualmente resultam 
desse processo: parciais, que são localizadas (por setor ou por área) em seu 
efeito, crises de transferência, nas quais o capital devia setores ou áreas 
inteiras em favor de outras e crises globais, nas quais todo o sistema 
capitalista fica até certo ponto afetado. (Ibidem) 
 
As crises fazem o movimento de capital e vice-versa. Nas cidades, ou no 
planejamento da produção de espaços, as épocas de grande investimento antecedem 
as épocas de crise. Como aponta o mesmo autor, após os períodos de 
superacumulação, seguem os períodos de desvalorização. E com o apoio de Marx, 
Smith aponta: 
Marx sugeriu uma explicação para esta relação entre novos setores de 
produção e as crises, em sua discussão sobre o capital fixo. Embora 
diferentes capitais tenham diferentes períodos de movimentação e sejam 
investidos em diferentes pontos, "o ciclo de movimentações inter-
relacionadas que se realiza em alguns anos, no qual o capital é mantido 
seguro por sua parte constituinte fixa, fornece uma base material para as 
crises periódicas". É por esta razão, diz ele, que a crise sempre forma o ponto 
de partida de grandes e novos investimentos. (1988. p. 186) 
 
Se o solo e o capital fixo se desvalorizam com as crises, passariam a ser 
absorvidos e, posteriormente, entrariam na dinâmica de movimento de capital? Smith 
evidencia que “a obsolescência de velhas tecnologias e o surgimento de novas, tão 
vital para o capitalismo, é simultaneamente a transformação de velhas estruturas 
espaciais em novas” (1988, p.187). Quando o capital fixo se torna desvalorizado, ele 
passa a representar uma possibilidade de volta do capital circulante para um espaço 
determinado desse projeto de cidade. 
Dessa maneira, as crises capitalistas favorecem os projetos de planejamento 
estratégico, onde a cidade – espaço urbano – passará a representar uma forma de 
acumulação de capital. Segundo o Smith, nesse período de expansão: 
 
 
 
30
[...] o capital circulante meramente facilita o investimento em capital fixo que 
agora assume sua missão histórica, como a alavanca da acumulação; cria-
se uma nova e harmoniosa paisagem para a produção. Mas essas condições 
idílicas para o capital (e para a teoria da localização) são sempre e somente 
temporárias. (1988, p. 189) 
 
É nesse momento que se evidencia o movimento de capital dentro da cidade. 
Smith, ao analisar Harvey, deixa claro que "o equilíbrio espacial, no sentido burguês 
(igualização), é impossível sob as relações sociais do capitalismo, por razões 
profundamente estruturais” (1988, p. 192). Seja com o nome de higienismo, seja como 
a gentrificação, ou de qualquer outro termo inundado de ideologia, o capital precisa 
dessas roupagens a fim de mascarar o seu real caráter desigual. 
 
A mobilidade do capital e a produção do espaço urbano 
Ainda sobre a análise de Smith a respeito do desenvolvimento desigual, é 
interessante observar o movimento que percorre o capital pelas escalas variadas. A 
articulação entre as escalas é relevante para melhor compreender a expressão do 
modo de produção capitalista na produção do espaço urbano. 
Maria Encarnação Sposito traz nova reflexão a respeito da articulação entre 
essas escalas, afirmando que: 
Toda a compreensão requer a articulação entre as escalas, ou seja, a 
avaliação dos modos, intensidades e arranjos, segundo os quais os 
movimentos se realizam e as dinâmicas e os processos se desenvolvem, 
combinando interesses e administrando conflitos que não se restringem a 
uma parcela do espaço, mesmo quando os sujeitos sociais, que têm menor 
poder aquisitivo, parecem atados a territórios relativamente restritos. (2016, 
p. 130) 
 
Da mesma forma, Smith entende que as escalas são fundamentais para a 
saúde do modo de produção capitalista, já que “o capital produz escalas espaciais 
distintas [...] dentro dos quais o impulso para igualização está concentrado” (1998, p. 
211). O autor elucida que a oscilação entre elas acontece porque “não são 
impermeáveis; as escalas urbanas e nacionais são produtos do capital internacional 
e continuam a ser moldadas por ele. Mas a necessidade de escalas separadas e de 
sua diferenciação interna é fixa” (Ibidem). 
Escolhemos explicar, em primeirolugar, a escala global, que estaria ligada à 
mundialização da economia, como mostra o mesmo autor, onde: “o que o capital herda 
31
de uma forma ele se põe a reproduzir em outra” (1988, p. 201). Com “uma certa 
acumulação primitiva do espaço [...], começando no campo, oferece a condição 
essencial para se transformar a geografia do feudalismo em geografia do capitalismo” 
(Ibidem). Segundo o autor, a alteração específica da geografia pelo modo de produção 
capitalista transformou o mercado mundial baseado na troca “numa economia mundial 
baseada na produção e na universalidade do trabalho assalariado” (Ibidem). 
A partir da escala global, a produção do espaço estaria ligada “a diferenciação 
geográfica do globo, de acordo com o valor da força de trabalho” (SMITH, 1988, p. 
203), no qual há “uma acentuada divisão internacional do trabalho e uma 
diferenciação sistemática entre a composição orgânica do capital em áreas 
desenvolvidas e subdesenvolvidas” (Ibidem). O desenvolvimento desigual na escala 
global necessita da desigualdade produzida em determinados pontos do mundo, 
sendo desigual porque produz avanços e integração onde convém. 
A precarização do trabalho e o empobrecimento da força de trabalho são 
características importantes no processo de desigualdade do modo de produção 
capitalista. Como aponta Smith, é expresso na economia e se materializa nas cidades 
quando a “geografia global do capitalismo” representa a vulgarização do 
“desenvolvimento do subdesenvolvimento” (1988, p. 202), ou seja, um modo uniforme 
de produzir as desigualdades. O autor evidencia que: 
Quanto mais a força de trabalho é mercadorizada na economia mundial, mais 
o valor da força de trabalho se torna um instrumento de ruptura de tendência 
para a integração espacial. Ele se torna, assim, tão aparente que o 
fundamento político do capital mundial é a principal barreira ao maior 
desenvolvimento social. (1988, p. 204) 
 
Além dessa abordagem da escala global, a internacionalização do capitalismo 
contribui para o fortalecimento do estado-nação capitalista, sendo esta mais uma 
escala de análise. O conjunto de leis que fazem a gestão do Estado, possibilita e 
protege as formas de reprodução do capitalismo, como as “leis comerciais, a 
regulamentação da reprodução de força de trabalho e apoio para o dinheiro local, os 
quais são todos necessários no nível do capitalista coletivo mais do que no do 
individual” (SMITH, 1988, p. 204). Dessa maneira, o Estado passa a oferecer as 
condições ideais para a manutenção do modo de produção capitalista, oferecendo 
não só leis, mas, também, os elementos que protegerão o capital contra os interesses 
32
da classe trabalhadora. 
Smith elucida que a existência do Estado “se desenvolve para realizar essas 
tarefas, assim como para defender o capital militarmente, onde seja necessário” 
(1988, p. 205). Tais tarefas seriam as “várias bases infraestruturais e de leis 
comerciais, a regulamentação da reprodução de força de trabalho e apoio para o 
dinheiro local” (Ibidem). A partir de então, é determinado “um conjunto de jurisdições 
territoriais que são colocadas na paisagem, com arame farpado e postos 
alfandegários, cercas e guardas de fronteiras” (Ibidem), loteando o mundo em 
diversas nações. 
Com relação à divisão do trabalho, esta é garantida internacionalmente pela 
demarcação de fronteiras dos Estados, possibilitando a defesa das regiões mais 
desenvolvidas do fluxo de mão-de-obra de regiões menos desenvolvidas. Assim, 
interno ao Estado, a colonização de certas áreas mais desenvolvidas sobre as menos 
desenvolvidas garante a divisão interna do trabalho, territorializando-o inclusive nos 
centros urbanos. 
A divisão do trabalho, e sua distribuição no território do Estado, se torna 
relevante para nós quando Smith mostra a sua expressão espacial nesta escala. O 
autor põe em evidencia os diferentes setores da economia nacional e internacional, já 
que: 
[...] estão concentrados e centralizados em certas regiões. Isto é o que 
geralmente chamamos de divisão territorial do trabalho. Ela opera numa 
escala maior do que a urbana, que é um único mercado de trabalho 
geográfico, mas abaixo da divisão internacional do trabalho, onde a 
mobilidade do trabalho entre diferentes nações-Estados é severamente 
restringida. Apesar desta última diferença, a cristalização de regiões 
geográficas distintas na escala nacional tem a mesma função que a divisão 
global entre o mundo desenvolvido e o mundo subdesenvolvido. Ambos 
constituem fontes geograficamente fixas (relativamente) de trabalho 
assalariado, um na escala internacional e o outro sob o controle mais direto 
do capital nacional. (1988, p. 207-208) 
 
Quanto mais centralizado é o capital “mais importante se torna o nível de 
diferenciação geográfica, uma vez que maiores capitais estão operando na escala 
nacional e internacional” (SMITH, 1988, p. 209). Conforme se subdivide em 
corporações “pode acentuar mais ainda a divisão territorial” (Ibidem) do Estado-
Nação. Assim, como exemplo dessa repartição interna dos Estados, regiões recebem 
33
mais recursos para pesquisa e desenvolvimento científico devido à especialização e 
ao nível de instrução da população da mão-de-obra. Em contrapartida, as linhas de 
produção podem ser localizadas em regiões “com grande disponibilidade de 
trabalhadores não-especializados” (Ibidem), criando diferenças sócias devido a essa 
localização geográfica dos investimentos em educação dentro do mesmo Estado-
nação. Eis aqui a desigualdade no Estado: garantir os mecanismos do capital e sua 
movimentação dentro da nação, possibilitando a criação da exploração de áreas mais 
pobres do Estado-Nação por ele mesmo. 
Na análise da escala mais próxima a nós, a produção do espaço urbano 
acontece com a centralização da atividade produtiva no modo de produção capitalista. 
Smith mostra que o capitalismo herda estruturas do espaço urbano presentes em 
sociedades pré-capitalistas como a divisão entre cidade e campo, mas evidencia que 
“a riqueza econômica centralizada e a atividade representada pela cidade pré-
capitalista resultaram primordialmente da necessidade de um sistema organizado de 
mercado de trocas ou ainda das funções religiosas ou de defesa” (1988, p. 197). De 
centro comercial a uma nova forma urbana, onde o mercado de trabalho passa a 
exercer o controle geográfico da escala urbana, o autor mostra que unicamente com: 
[...] o desenvolvimento e a expansão do capital industrial é que a 
centralização da atividade produtiva veio superar a função de mercado como 
a determinante do desenvolvimento urbano. Se a escala urbana enquanto tal 
é a expressão necessária da centralização do capital produtivo, os limites 
geográficos à escala urbana [...] são determinados, em primeiro lugar, pelo 
mercado de trabalho local e pelos limites ao deslocamento diário para o 
trabalho. Com o desenvolvimento da cidade capitalista, há uma diferenciação 
sistemática entre o local de trabalho e o local de residência, entre o espaço 
da produção e o espaço da reprodução. (Ibidem) 
 
Para o capitalismo há a necessidade de concentração da mão-de-obra próximo 
aos lugares de produção, já que “a importância do deslocamento para o trabalho e 
dos limites à transferência em massa da força de trabalho não é simplesmente uma 
questão física” (SMITH, 1988, p. 198). Assim, nesse sistema “o custo do deslocamento 
para o trabalho é um componente – do valor da força de trabalho e um componente 
que assume importância – crítica na expressão geográfica do valor da força de 
trabalho” (Ibidem). O deslocamento desse trabalho abstrato5 é necessário para que o 
5 Segundo Marx: “O produto não é mais uma mesa, uma casa, um fio ou qualquer outra coisa útil. Todas as suas qualidades 
sensíveis foram apagadas. E também já não é mais o produto do carpinteiro, do pedreiro, do fiandeiro ou de qualquer outro 
34
espaço urbano tenha caráter de produção e de reproduçãoda força de trabalho, 
afirmando-se, assim, como mercado de trabalho. O autor aponta que: 
[...] os limites geográficos aos mercados de trabalho diários expressam os 
limites à integração espacial na escala urbana: onde os limites urbanos se 
tornaram super-estendidos, surge a ameaça de fragmentação e desequilíbrio 
na universalização do trabalho abstrato; onde são por demais restritos 
geograficamente, a força de trabalho urbana é comparativamente limitada e 
a oportunidade surge da estagnação prematura no desenvolvimento das 
forças produtivas. A expansão do espaço urbano não é somente uma questão 
de aumento na centralização das forças produtivas ou da escala na qual 
ocorre o sistema diário de trabalho concreto. Ele deveria ser antes 
interpretado como a expansão da esfera geográfica diária do trabalho 
abstrato. (Ibidem) 
 
A partir da ideia do espaço urbano como mercado de trabalho, o uso do solo 
assume o papel central na valorização do espaço. A mudança do valor de uso pelo 
valor de troca fez do solo mercadoria6, assumindo valores variados e correspondentes 
à demanda da economia. O solo passa a atender a demanda da sociedade, 
estrategicamente moldada pela ideologia, gerando renda. Assim, Smith mostra na 
medida em que: 
[...] o uso residencial, industrial, de lazer e outros usos do solo são 
diferenciados e coordenados no nível intra-urbano, a coesão do espaço 
urbano resulta da cooperação de uma função diferente do capital. Por mais 
que o fenômeno do desenvolvimento urbano resulte da centralização do 
capital de produção, sua diferenciação interna resulta da divisão entre este e 
outros usos do solo, sendo dirigido através do sistema de renda do solo. 
(1988, p. 199) 
 
O autor deixa em evidencia o movimento de capital como resultado “direto do 
funcionamento da renda do solo, um eixo binário – desde baixas rendas do solo na 
periferia até altas rendas no centro – é organizado através dos padrões mais 
complexos de diferenciação urbana” (Ibidem). 
Entretanto, o solo não se valoriza por si só e não é uma mercadoria, em 
princípio, fruto de uma linha de produção. Smith aponta a unidade básica do espaço 
urbano como “o espaço absoluto individual da propriedade privada e cada um desses 
espaços tem preço na forma de renda do solo” (1988, p. 200). Essa renda do solo 
trabalho produtivo determinado. Com o caráter útil dos produtos do trabalho desaparece o caráter útil dos trabalhos neles 
representados e, portanto, também as diferentes formas concretas desses trabalhos, que não mais se distinguem uns dos outros, 
sendo todos reduzidos a trabalho humano igual, a trabalho humano abstrato”. MARX, Karl. O capital: Crítica da economia política. 
Livro I: O processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013 
6 Como visto anteriormente no item 2.1, subitem O espaço como mercadoria. 
 
35
acontece por fatores como “tamanho, forma de superfície, utilização atual, [...] e sua 
relação com outros melhoramentos e lugares (centro da cidade, transporte, rede de 
esgotos)” (Ibidem). Este sistema, segundo ele, deveria nivelar: 
[...] o espaço urbano à dimensão de valor de troca, mas o faz como um meio 
de então coordenar e integrar o uso dos espaços individuais dentro do espaço 
urbano como um todo. A igualização do espaço urbano na estrutura de renda 
do solo torna-se o meio para sua diferenciação. Os usos competitivos são 
geograficamente selecionados, em primeiro lugar, através do sistema de 
renda do solo. Entretanto, não há certamente garantia alguma de integração 
efetiva. (Ibidem). 
 
Além disso, os ganhos financeiros pelas características geográficas são 
potencializados a partir do momento em que o governo promove a infraestrutura 
urbana, a fim de “manter as condições para um desenvolvimento ordenado do espaço 
urbano, o Estado (no âmbito local ou nacional) geralmente intervém, desde que seja 
capaz de mudar os rumos do mercado imobiliário” (Ibidem). A partir de então, passa 
a alterar os interesses do mercado imobiliário e com o planejamento urbano, cria as 
diferenças na geografia da cidade. Assim, “a ordem do mercado imobiliário é 
modificada em nome de uma ordem coletiva para o capital, mas o resultado efetivo 
poderia bem ser a desordem” (Ibidem). 
Passando para valor de troca, o solo urbano é uma mercadoria para o mercado 
imobiliário. O solo urbano passa a ter definitiva importância no sistema capitalista 
como um todo, perdendo, assim, a função de atender necessidades das classes mais 
pobres. Essa última, passa a sofrer com os preços altos praticados nos centros (e não 
só nos centros), sendo empurradas para a periferia das grandes cidades, onde o solo 
é menos valorizado – o que não implica prejuízo para os proprietários da terra – 
dificultando o acesso dessas classes mais pobres às partes mais enobrecidas da 
cidade. A renda do solo, não é comprometida, somente deslocada para as escalas 
estado-nação e global, como aponta Smith: 
Na medida que a renda do solo se torna expressão da taxa de juros com o 
desenvolvimento histórico do capital, a estrutura da renda imobiliária se 
interliga à determinação do valor no sistema como um todo. Apesar disto, e 
na medida em que a própria terra se torna objeto de troca e desenvolvimento 
especulativo, a função integradora da renda do solo é perturbada. Reagindo 
ao estímulo da especulação, a renda do solo é sistematicamente impedida 
de integrar e coordenar o desenvolvimento urbano de uma forma condizente 
com as exigências da universalização do trabalho abstrato. As contradições 
se deslocam para cima e para fora. (1988, p. 200) 
 
36
Como já apontado, o movimento de capital entre as escalas acontece de 
maneira dinâmica, o que nos faz perceber que tais escalas não representam barreiras 
ou limites para o modo de produção capitalista. Pelo contrário, são favoráveis à sua 
saúde. Além disso, apontamos também que a mobilidade do capital entre as escalas, 
não confere acesso às classes mais pobres, ao contrário, cria mais barreiras e 
desigualdades. 
 
O movimento de capital nas escalas – o “vaivém” da desigualdade 
Smith apresenta a ideia do movimento em vaivém do capital, como a 
acumulação em poucas mãos, em um lugar, e a retirada de capital de muitas outras 
mãos, de outros lugares. Portanto, a desigualdade é explicada por ele da seguinte 
maneira: 
Se a acumulação do capital acarreta o desenvolvimento geográfico e se a 
direção desse desenvolvimento é guiada pela taxa de lucro, então podemos 
pensar no mundo como uma "superfície de lucro" produzida pelo próprio 
capital, em três escalas separadas. O capital se move para onde a taxa de 
lucro é máxima (ou, pelo menos, alta), e os seus movimentos são 
sincronizados com o ritmo de acumulação e crise. A mobilidade do capital 
acarreta o desenvolvimento de áreas com alta taxa de lucro e o 
subdesenvolvimento daquelas áreas onde se verifica baixa taxa de lucro. Mas 
o próprio processo de desenvolvimento leva à diminuição dessa taxa de lucro 
mais alta. (1988, p. 212). 
 
O autor emprega o termo superfície de lucro para o espaço urbano. Já 
havíamos apontado anteriormente que o espaço possibilita lucro e, ao nos localizar 
no espaço, tornamo-nos parte dessa valorização como indivíduos que consomem e 
vendem a força de trabalho, garantindo ou influenciando (pelas lutas por direitos) a 
variação da taxa de lucro. Esse vaivém de capital se move “para onde a taxa de lucro 
é máxima (ou, pelo menos, alta), e os seus movimentos são sincronizados com o ritmo 
de acumulação e crise” (Ibidem). 
Assim, em todas as escalas, expressa a necessidade de desigualdade para a 
saúde do modo de produção capitalista. Os investimentos em áreas outrora 
degradadas nada mais são do que oportunidades esperadas de aumento das taxas 
de lucro. Smith explica o vaivém de capital da seguinte maneira: 
O subdesenvolvimento, como o desenvolvimento, ocorre em todas as escalas 
espaciais e o capital tenta se movimentar geograficamente de tal maneira que

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