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A_Parte_do_Diabo_Provocacoes_da_Sociologia_Maldita

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Revista Tecer - Belo Horizonte – vol. 2 nº 3 novembro 2009 
 
21 
 
 
A parte do diabo: provocações da sociologia 
maldita de Michel Maffesoli para os estudos 
de religião 
 
 
Adilson Schultz 
 
 
Resumo 
A sociologia desenvolvida no campo de estudos da pós-modernidade ergue-se com 
grandes provocações ao campo de estudos de religião, esse classicamente 
determinado pelo trio moderno Marx, Durkheim e Weber. O pensador Michel Maffesoli, 
sociólogo francês estudioso do imaginário e do cotidiano, mostra como o espírito pós-
moderno de diluição, desconstrução e quebra de paradigmas pervade todas as 
dimensões da vida contemporânea, inclusive formatando o jeito de crer e a forma de 
entender o religioso. A partir daí, os estudos do religioso – especialmente Teologia, 
Ciências da Religião e Ensino Religioso – reelaboram seus conceitos modernos, 
reestruturando seu campo a partir de novas categorias de análise da sociedade 
propostas por Maffesoli: Sociedade Neotribal, Associação pelo Desejo-de-estar-juntos, 
Processos de indentificação, Homeopatia do mal, Efeito de composição, entre outros. 
 
Palavras-chave: Michel Maffesoli, estudos de religião, pós-modernidade, neotribalismo, 
sociologia, imaginário religioso. 
 
 
“Há momentos que, para além das diversas dogmáticas, teorizações ou 
legitimações de toda ordem, o que prevalece é o clarão de Pentecostes” 
(MICHEL MAFFESOLI). 
 
 
Quem é Michel Maffesoli? 
O livro de Michel Maffesoli “A parte do diabo: resumo da subversão pós-moderna” 
começa com a seguinte frase: “Não existe nada pior que alguém querendo fazer o 
bem, especialmente o bem aos outros.” (MAFFESOLI, 2007, p. 11). A acidez da frase 
dá o que pensar, e por si só já justificaria a palavra no título desse texto: 
provocações. Então existe um questionamento sociológico a ser feito ao bem? O 
sociólogo maldito dá seguimento à frase e faz uma provocação aos/às teóricos/as e 
acadêmicos/as em geral: “O mesmo se aplica aos que ‘pensam bem’, com sua 
irresistível tendência a pensar por e no lugar dos outros.” (MAFFESOLI, 2007, p. 11). 
 
 Doutor, professor do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix e da Pontifícia Universidade Católica 
de Minas Gerais 
 
 
 
Revista Tecer - Belo Horizonte – vol. 2 nº 3 novembro 2009 
 
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As provocações, caras para quem está envolvido no campo de religiões, são a ponta 
do iceberg de uma intensa crítica dita pós-moderna ao pensamento contemporâneo, e 
especialmente à forma de pensar. Seu formulador é o sociólogo Michel Maffesoli, 
francês nascido em 1944, hoje professor na Université de Paris-Descartes - Sorbonne, 
Diretor do Centro de Estudos do Atual e do Cotidiano, editor da Revista Societés. 
Entre seus teóricos mais referidos, Gilbert Durand – de quem foi aluno! -, Carl Jung, e 
Èmilie Durkheim. Ficou conhecido pela elaboração do conceito Tribo Urbana - 
Neotribalismo. É um dos raros autores brasileiros que tem quase toda sua obra 
traduzida para o Brasil. A plataforma Lattes de currículos tem já uma extensa lista de 
obras onde o autor figura como palavra-chave, com cerca de 240 entradas – para se 
ter uma idéia comparativa, Levinas tem 440 entradas, Celso Furtado, 362, e Leonardo 
Boff, 244. 
Maffesoli é conhecido como um teórico da pós-modernidade, nome genérico para esse 
campo difuso do conhecimento, da história, da sociedade, etc., que desenvolve a 
crítica desconstrutivista das teorias contemporâneas. O próprio Maffesoli raramente usa 
o termo, preferindo adjetivos mais conceituais como Neotribalismo, sociedade difusa, 
socialidade, modernidade líquida, ou outros já consagrados como sociedade complexa. 
Um interesse específico de pensadores e pensadores brasileiros pela obra Maffesoliana 
justificar-se-ia pelo fato do autor classificar o Brasil como “Laboratório vivo da pós-
modernidade” O país teria as condições intelectuais e sociais ideais para que essa 
socialidade seja forjada: a importância do corpo, a mestiçagem e a imaginação, que 
juntas dão vazão à criatividade. 
 
Para mim, a pós-modernidade é a sinergia entre arcaísmo e desenvolvimento 
tecnológico. E isso vemos claramente no Brasil e não vemos na Europa. (...) O país 
dita novas formas de pensamento e comportamento do que são os valores pós-
modernos. Assim como a Europa foi o lugar onde se desenvolveram os grandes 
valores modernos, o Brasil é onde identificamos esses novos padrões (...) o retorno 
dos valores do passado, mas que não são ultrapassados (BRASIL, 2004 p.18). 
 
 
A sociologia pós-moderna contra o Império do Bem 
No livro que dá título a esse texto – A parte do diabo -, o autor tecerá a crítica ao 
sistema messiânico judaico-cristão e às teorias de emancipação universalistas de toda 
ordem que nascem dele, todas com o bem como sua justificativa última. Isso vale 
tanto paras as teorias de emancipação do campo psi quanto para a emancipação 
social. 
Está colocada aí também a crítica ao proprium da teologia, mais destacada área dos 
estudos de religião. Maffesoli reivindicará justamente a importância d’A parte do diabo, 
mostrando, do ponto de vista sociológico, como a vida segue em composição com o 
mal em todas as suas modulações, e como a oposição dualista bem versus mal é 
uma invenção que não se cumpre no ideário das possibilidades do cotidiano, que 
mais bem opera por aquilo que ele denomina “homeopatia” do mal, sua deglutição 
lenta. “[Trata-se de] reconhecer ‘o que cabe ao diabo’, saber dar-lhe bom uso, para 
 
 O termo modernidade líquida é de Zygmunt BAUMAN, Modernidade Líquida, p. 15. Sendo um dos mais 
intensos pesquisadores da pós-modernidade, o autor faz referência a essa época em oposição à anterior 
denominada modernidade sólida. O termo líquido tenta captar o sentido de fluidez, fugaz, transbordante e 
dinâmico que caracteriza essa nova fase da modernidade. 
 
 
 
Revista Tecer - Belo Horizonte – vol. 2 nº 3 novembro 2009 
 
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que não sufoque o corpo social”. (MAFFESOLI, 2004: 15-16) “Por um surpreendente 
paradoxo, é aceitando o mal, sem suas diferentes modulações, que podemos alcançar 
certa alegria de viver”. (MAFFESOLI, 2004: 20). Não se trata de resignação. Trata-se de 
outra estratégia, agora de negociação, pois amarrar o diabo pode deixá-lo cada vez 
mais forte. 
A percepção Maffesoliana pode ser imediatamente referenciada também nos estudos 
que lidam com a religiosidade contemporânea, especialmente aquela carismático-
neopentecostal - do lado moderno! - e aquela arcaico-animista, do lado pré-moderno. 
Tomemos como exemplo um culto da Igreja Universal e uma roda de Candomblé: o 
que as pessoas nesses movimentos religiosos fazem é dar movimento a um método 
diferenciado de tratamento do mal, e assim criam um ambiente seguro para viver. Na 
intuição de Michel Maffesoli, “um meio, um ‘método’ para compor com ele, integrá-lo, 
domesticá-lo [baseado na] encantação rítmica.” (MAFFESOLI, 2004: 164-165). Vive-se 
nas igrejas uma espécie de “integração homeopática do mal”. (MAFFESOLI, 2004: 35). 
“Mais vale compor com a sombra do que negá-la. Não fugir dela, mas passar através 
dela... Posição pouco confortável, é verdade, mas ainda assim sabedoria, que, no dia-
a-dia, homeopatiza o mal até fazer com que proporcione o bem de que também é 
portador.” (MAFFESOLI, 2004: 53-54). Maffesoli levará a provocação ao extremo, ao 
propor que soltar o diabo foi, afinal, o procedimento de Jesus no tratamento do mal 
– pelo menos diante do possesso Geraseno – Lucas 8.26-39. 
 
 
A sociedade e a religiosidade contemporâneas neotribalista 
Nos seus livros No tempo das tribos e No fundo das aparências, o pensador Maffesoli 
fala de um clima neotribalista que vem modificando o conjunto das relações sociais 
contemporâneas, caracterizado por um desejo de aproximação não tanto por 
interesses de longo prazo e grandes contratossociais, mas por afeto imediato. 
Segundo Maffesoli, uma espécie de nebulosa neotribalista paira em toda a sociedade, 
suscitando novas relações e reelaborando questões clássicas como indivíduo, 
afetividade, instituições, educação, entre outras. Interessa não tanto mais o indivíduo, 
mas as relações entre as pessoas. Não mais ter uma identidade rígida, mas compor-
se a partir de múltiplas identificações. Não somos mais indivíduos com uma função 
maquínico-social a cumprir, mas pessoas com vários papéis a desempenhar. 
Para entender a nova ordem neotribalista em gestação, Michel Maffesoli prefere 
substituir o termo sociedade por socialidade: 
 
Enquanto a primeira [sociedade] privilegia os indivíduos e suas associações 
contratuais e racionais, a segunda [socialidade] vai acentuar a dimensão afetiva e 
sensível. De um lado está o social que tem uma consistência própria, uma 
estratégia e uma finalidade. Do outro lado, a massa onde se cristalizam as 
agregações de toda ordem, tênues, efêmeras, de contornos indefinidos (MAFFESOLI, 
1987, p. 101-102). 
O social repousa na associação racional de indivíduos que têm uma identidade 
precisa e uma existência autônoma; a socialidade, por sua vez, se fundamenta na 
ambigüidade básica da estruturação simbólica (MAFFESOLI, 1987, p. 135). 
 
 
 Para aprofundamento teórico deste parágrafo, consulte Adilson SCHULTZ, As igrejas evangélicas como 
agências de negociação com o mal. 
 
 
 
Revista Tecer - Belo Horizonte – vol. 2 nº 3 novembro 2009 
 
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Assim como pós-moderno, o termo Neotribalismo não é exatamente um campo teórico 
ou a descrição rígida de uma época nova em termos históricos, muito menos um 
programa social, mas sim uma postura, um estado de espírito, uma tendência que 
afeta as coisas, a sociedade, as instituições, as pessoas – e mesmo a imagem de 
Deus, se considerarmos o campo da religião. Neotribal diz respeito à capacidade e à 
criatividade da sociedade se organizar em Tribos que transcendem os agrupamentos 
clássicos da modernidade. 
 
 
O desejo-de-estar-juntos – também na igreja 
Essa “multiplicação dos reagrupamentos afetivo-religiosos que caracterizam nossa 
época” (MAFFESOLI, 1987, p. 116) e reorganizam a sociedade, tem como motivação ou 
razão interna de constituição o que Maffesoli denomina de desejo-de-estar-juntos - e 
de preferência à toa, sem obrigação. Os grupos não são tanto contratuais, mas 
afetuais, no sentido de que não respondem mais a objetivos de longo prazo, mas à 
realização imediata. O que agrega é uma espécie de destino comum, e não a 
utilidade do grupo. 
Não obstante a aparente relativização dos objetivos a longo prazo, este micro-grupo 
neotribal manifesta uma vontade/busca de realização imediata que pode ser 
profundamente transformadora. Esta ênfase no presente não é sinônimo de falta de 
projeto, de imperfeição. Pelo contrário: ela é cheia de qualidades. As relações dentro 
da tribo podem não ser eficazes no sentido de planejar para o futuro, mas são 
intensas no que tange à organização da vida diária. Há uma perspectiva ex-tensiva 
comum da modernidade versus outra in-tensiva da pós-modernidade. Esse 
Neotribalismo baseado na afetividade e no curtir o momento pode ser tomado 
também como uma reação social à cultura de massas. O pequeno grupo, a tribo, 
reestrutura ou restaura a eficácia simbólica perdida na massa. Agora é o grupo que 
faz a minha cabeça. “Na massa a gente se cruza, se roça, se toca, interações se 
estabelecem, cristalizações se operam e grupos se formam.” (MAFFESOLI, 1996, p. 102) 
Aqui a análise Maffesoliana chega ao limite da provocação aos estudos de religião: no 
jogo do intenso e do extenso, que tipo de religiosidade é tomada como mais 
significativa, ou mesmo mais eficaz? A pecha de alienante ou infantil dada comumente 
aos cultos neopentecostais, por exemplo, entram em cheque diante das provocações 
maffesolianas. As relações dentro da tribo podem não ser eficazes no sentido de 
planejar para o futuro, mas são intensas no que tange à organização da vida diária. 
Pensando especialmente no Neotribalismo religioso, teríamos que nesta nova 
configuração religiosa a banalidade das teologias neo-agrega mais do que o 
utilitarismo comum das teologias modernas. As comunidades reunidas são 
intensamente afetuais, nada contratuais, no sentido de que não respondem mais a 
objetivos a longo prazo, mas à realização imediata. O que agrega é uma espécie de 
destino, e não a utilidade do grupo. Assim, a obrigação de dar testemunho ou louvor 
a Jesus pode ser o apanágio verbal, mas no fundo da reunião está a vontade e o 
prazer de estar juntos. Os fiéis querem um lugar onde as pessoas se reúnem - com 
Deus. Nesse estar-juntos, a própria criação do grupo: os cultos seriam formas das 
pessoas dizerem o estar junto – ninguém é ninguém se não estiver junto: no coletivo, 
as pessoas são agidas pelas outras; as outras determinam quem sou. Tomado nesses 
termos, a experiência espiritual seria uma eterna encenação de quem eu sou, ou de 
quem eu devo ser, ou mais bem quem eu poderia ser se, por exemplo, caísse nas 
mãos do demônio. 
 
 
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Somos vários! O processo de identificações múltiplas rompendo a identidade religiosa 
Para investigar as estruturas do poder desse novo tipo de constituição grupal sobre 
os indivíduos, Maffesoli tece a diferença entre a função e o papel do grupo. Ele 
distingue a concepção de indivíduo como entendido na sociedade moderna, da 
concepção de pessoa entendida na socialidade neotribal. No Neotribalismo, as pessoas 
e os grupos não são engrenagens de uma máquina que funciona para produzir 
determinada coisa, para ser útil; melhor é pensar em alguém desempenhando um 
papel, como numa peça teatral. Quem desempenha um papel pode estabelecer 
interações com as outras pessoas ou grupos. Se uma peça de uma máquina falhar, se 
ela não cumprir sua função, está fora, e é substituída - essa é a compreensão 
clássica do indivíduo na modernidade. Já como numa peça teatral, não há 
propriamente falhas; cada interpretação é única e diferente da outra. É a experiência 
relacional que prevalece. Nos grupos neotribais as pessoas não têm uma função, mas 
desempenham um papel. 
 
 
Característica do social: o indivíduo podia ter uma função na sociedade, e 
funcionar no âmbito de um partido, de uma associação, de um grupo estável. 
Características da socialidade: a pessoa (personna) representa papéis, tanto dentro 
de sua atividade profissional quanto no seio das diversas tribos de que participa. 
Mudando o seu figurino, ela vai, de acordo com seu gostos (sexuais, culturais, 
religiosos, amicais) assumir o seu lugar, a cada dia nas diversas peças do 
theatrum mundi (MAFFESOLI, 1987, p. 108). 
 
 
Os processos de identificações se dão nos elementos mais banais da vida: em casa, 
sozinhos, assistindo à TV, ou numa sala de cinema, ou também num banco de Igreja. 
A aparente passividade é altamente produtiva. Para além da questão da perspectiva 
intensiva apontada acima, pode ser que aí se opera algo como uma passividade ativa, 
ou uma ativa não atividade. (MAFFESOLI, 1996, p. 345). Nas identificações é fortalecido 
o laço social com quem faz a mesma experiência. É um agrupamento que opera por 
uma espécie de comunhão, e não uma adesão. O programa de televisão ou o culto 
são o objeto sacramental da comunhão. Nas palavras de Maffesoli, cria-se uma 
“comunidade dos santos que partilha a mesma eucaristia. (...) O conjunto cria uma 
conivência que faz ‘religação’, e fortalece o sentimento tranqüilizante de fazer parte de 
um público” (MAFFESOLI, 1996, p. 347). Identificação totêmica. 
Maffesoli apontará, em seguida, a consequência imediata dessa comunhão 
neotribalista: a força mobilizadora das relações de afeto. Há uma supervalorização do 
tato, do pegar, do participar,da proximidade – em oposição a uma ótica do ver e do 
entender. “Não são os indivíduos que têm a primazia, mas as suas relações .” 
(MAFFESSOLI, 1996, p. 125). Em seguida o autor mostra o lado libertador dessa 
ambígua identidade de sermos vários: “somos sempre outra coisa além do que nos 
crêem ser. Somos vários”. (MAFFESOLI, 1996, p. 305) 
 
 
O pós-moderno efeito de composição religiosa 
Diante da nova forma de composição grupal, como conciliar as necessidades 
tipicamente modernas do campo religioso (seus discursos, ética, mensagens) com suas 
 
 
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urgências tipicamente pré e pós-modernas (curas, milagres, êxtases)? Teriam os 
estudos de religião capacidade de articular em sua linguagem tipicamente moderna 
esse novo mundo pós-moderno? Essa possibilidade de linguagem a ser construída 
carrega em si a capacidade de fazer a ponte entre o que caracteriza o novo mundo 
que nasce e o mundo arcaico que a modernidade enterrou. Na verdade, o que os 
estudos de religião teriam que fazer é voltar-se para as origens da religião, ou seus 
fundamentos, no sentido de buscar o mais profundo, aquilo que agrega as pessoas. 
A palavra-chave da religiosidade contemporânea é veicular ou ligar – no que ela nada 
difere das religiosidades de todos os tempos e lugares. O que se faz é insistir no 
enraizamento da vida numa ordem ou num mais amplo que aquele ditado pela razão 
econômica, filosófica, política e tecnológica moderna – um veio integral, diriam os 
ecologistas. Uma religiosidade que faz ligação direta da vida social e individual ao 
mundo espiritual; um “indício de persistente enraizamento numa ordem mais ampla, na 
qual se associam paixão e razão, natureza e cultura, os deuses e os homens”. 
(MAFFESOLI, 2007, p. 151). 
Na linguagem maffesoliana, a reconstrução da linguagem dos estudos de religião 
passa pelo olhar o que está enterrado nas religiões, no subterrâneo delas. E aí a 
necessidade de resgatar a força estruturante subterrânea da pecha de primitivo ou 
popular, conferindo-lhe status de forma e lugar de pensar a vida e o mundo. Talvez 
seja justamente esse primitivo e popular e tribal que insistam na “permanência do 
pensamento mágico que nos vincula ao holos (totalidade) cósmico e societal” 
(MAFFESOLI, 2007, p. 15). 
Nessa perspectiva do substrato religioso, surge a pergunta pelo fundamento dos 
estudos de religião, e não mais pela causa ou pelo horizonte. Ao invés de perguntar 
onde isso vai dar?, vale a pergunta de onde isso veio? Significaria dizer que o fiel se 
reconhece como parte da comunidade espiritual a partir do que ela é, e não do que 
ela deveria ser. Na linguagem de Michel Maffesoli, pesquisar o Grund, o fundamento: 
Onde está enraizado o fenômeno religioso? Qual é o fundamento do crer? De onde 
vem as pessoas que dele participam? “É de onde ele vem, de onde ele é”. 
(MAFFESOLI, 1998, p. 61-62). E mais adiante: “[Quero] definir aquilo que tipifica, 
encontrar o ‘caráter essencial’ (Durkheim), o arquétipo, ou a estrutura absoluta (...), 
onde ‘tudo se sustenta’, onde cada coisa entra em sintonia, onde há interdependência 
necessária (...). Em suma, é um verdadeiro trabalho intelectual de perceber o efeito de 
composição”. (MAFFESOLI, 1998, p. 71-72) 
Nesse sentido, o trabalho dos estudos de religião tem um lugar privilegiado na 
apropriação conceitual das mutações em curso, justamente porque se coloca entre 
esse profundo e essas alturas: “Talvez seja nesse sentido que se pode falar do 
nascimento da pós-modernidade. Esta nada mais é do que a eclosão dos germes pré-
modernos que, após o longo sono da modernidade, ganham novo vigor”. (MAFFESOLI, 
1998, p. 41). 
 
O que salta de tudo isso é uma inegável mudança no modo de viver as relações 
sociais. Todos os pontos fortes, a partir do quais a modernidade as concebera, 
indivíduo, identidade, organizações contratuais, atitude projetiva, dão lugar a uma 
outra realidade muito mais confusa, sensível, emocional, de contornos pouco 
definidos e do ambiente evanescente. (...) Uma mudança de perspectiva 
epistemológica que, utilizando noções como as de pessoa plural (personna), de 
tribo, de atração, de participação, (...) o pertencer a uma comunidade, a busca de 
um proximidade fusional, os processo de imitação, o contágio afetivo retornam 
com força na vida pública. O ressurgimento dos movimentos carismáticos, o 
 
 
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fanatismo religioso, o fundamentalismo islâmico, a embriaguez musical, (...) colocam 
a tônica na prevalência de uma religiosidade onde o todo prevalece sobre as 
diferentes partes que o compõem. (...) A lógica da identidade substituída por uma 
lógica da identificação em vias de elaboração (MAFFESOLI, 1996, p. 348 – grifo 
meu). 
 
 
A sociologia maldita diluindo a fronteira entre o científico e o espiritual 
Finalmente, resta ainda uma provocação maffesoliana pela possibilidade dos estudos 
de religião construírem um campo comum de estudos que articule os desejos e as 
expectativas dos vários atores e das várias atrizes do campo religioso; uma linguagem 
geral ampla, não restrita; ou uma linguagem profunda, não superficial. Classicamente, a 
área de estudo está mapeada por profissionais acadêmicos do Ensino Religioso, da 
Teologia, e das Ciências da Religião. De forma marginal existem ainda atores e atrizes 
ligados às religiões e/ou às igrejas que promovem estudos, conferências e 
publicações. 
A obra Maffesoliana é uma recusa a aceitar com facilidade as noções restritivas de 
identidade de área ou corpus teórico. Transitar em diferentes campos: eis a máxima 
da intelectualidade pós-moderna. O influxo pós-moderno da produção Maffesoliana é 
contundente ao provocar a benfazeja tendência de aproximar as áreas de estudo e 
campos de pesquisa, liquefazendo ou diluindo a praga moderna da rigidez disciplinar 
ou campo de estudos da religião. Por mais intensas que sejam as tentativas de 
diferenciação de método e objeto, a sociedade insiste em olhar para todos como um 
só grupo, essa-gente-que-lida-com-religião, seja essa gente crente ou não crente, 
militante a favor ou contra a religião. 
Constituída uma área comum, a provocação Maffesoliana abre questões extremamente 
pertinentes para o campo de estudos da religião: qual é o fundamento dos estudos 
de religião? – não mais da teologia, das ciências da religião. Partimos de onde e 
vamos para onde? E de uma forma mais conceitual: Que tipo de pensamento sobre a 
religião e que pensamento religioso surgem nas condições pós-modernas? E para 
contrapor: que tipo de pensamento sobre as religiões ou a partir das religiões tem 
surgido a partir da fragmentação hoje vivenciada entre as áreas Ciências da Religião e 
Teologia? 
Se a sociologia ortodoxa– a bendita trindade Marx, Durkheim e Weber – foi forjada a 
partir do viés moderno da necessária rigidez ou dureza disciplinar, a sociologia que 
está sendo forjada nesses tempos nada rígidos abre todas as possibilidades de 
aproximação entre os campos e atores e atrizes do campo religioso. A nova 
sociologia maldita pode tornar o campo de estudos da religião mais comedido, menos 
universalista, mais realista. Surge aí uma área de estudos que vai atrás do elo perdido 
entre a dimensão espiritual da existência (Teologia) e sua fatualidade (ciências da 
religião em geral) – com alta probabilidade de encontrar esse elo nas estratégias de 
composição social identificadas nas mutações pós-modernas. Trata-se de arregimentar 
as pessoas, as estruturas e as ferramentas necessárias para quebrar o muro atrás do 
qual está essa possibilidade, escondida e não revelada, autocriada nas possibilidades 
ainda ocultas das religiões, seja em seus estudos ou em sua vivência. 
 
 
 
 
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The part of the Devil: provocations of MichelMaffesoli’s damned 
Sociology to the studies of Religion 
 
 
Abstract 
The sociology developed in the field of studies of Postmodernity stands with large 
provocations to the field of studies of Religion, which is classically determined by the 
modern trio Marx, Durkheim and Weber. The thinker Michel Maffesoli, French sociologist 
who studies the imaginary and everyday life, shows how the postmodern spirit of 
dilution, deconstruction and paradigms breaking pervades all dimensions of 
contemporary life, including formatting the way of believing and how to understand the 
religious. Thereafter, the studious of Religious– especially Theology, Science of Religion 
and Religious Education – reelaborate their modern concepts, overhauling the field from 
the new categories for analysis of society proposed by Maffesoli: Neotribalism Society, 
Association by the desire of being together, Identification Processes, Homeopathy of 
Evil, Compositing Effect, among others. 
 
Keywords: Michel Maffesoli; religious studies; postmodernity; neotribalism; sociology; 
religious imaginary. 
 
 
La parte del Diablo: provocaciones de la sociología maldita de 
Michel Maffesoli para los estudios de la religión. 
 
 
Resumen 
La sociología desarrollada en el campo de estudios de la postmodernidad levanta 
grandes provocaciones en el campo de estudios de la religión, ese clasicamente 
determinado por el moderno trío formado por Marx, Durkheim y Weber. El pensador 
Michel Maffesoli, sociólogo francés estudioso del imaginario e de lo cotidiano, muestra 
cómo el espíritu postmoderno de disolución, desconstrucción y ruptura de paradigmas 
pasa por todas las dimensiones de la vida contemporánea, incluso determinando la 
forma de creer y entender lo religioso. A partir de aquí, los estudios de lo religioso - 
especialmente Teología, Ciencias de la Religión y Enseñanza Religiosa - reelaboran sus 
conceptos modernos, reestructurando su campo a partir de nuevas categorías de 
análisis de la realidad propuestas por Maffesoli: Sociedad Neotribal, Asociación por el 
deseo-de-estar-juntos, Procesos de identificación, Homeopatía del mal, Efecto de 
composición, entre otros. 
 
Palabras-Clave: Michel Maffesoli; estudios de la religión; postmodernidad; neotribalismo; 
sociologia; imaginario religioso. 
 
 
Referências 
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. 
 
 
Revista Tecer - Belo Horizonte – vol. 2 nº 3 novembro 2009 
 
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BRASIL: laboratório da pós-modernidade? O sociólogo Michel Maffesoli é entrevistado 
por Regina Teixeira. Caros Amigos. São Paulo: Casa Amarela, v. 8, n. 64, p. 18-19, 
2004. 
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