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Psicodinâmica da Aprendizagem Psicodinâmica da Aprendizagem Organizado por Universidade Luterana do Brasil Universidade Luterana do Brasil – ULBRA Canoas, RS 2016 Carmem Aristimunha de Oliveira Maria da Graça Taffarel Krieger Gisele Zatt André Guirland Vieira Christiane Martinatti Maia Adriano José Teiga Conselho Editorial EAD Andréa de Azevedo Eick Ângela da Rocha Rolla Astomiro Romais Claudiane Ramos Furtado Dóris Gedrat Honor de Almeida Neto Maria Cleidia Klein Oliveira Maria Lizete Schneider Luiz Carlos Specht Filho Vinicius Martins Flores Obra organizada pela Universidade Luterana do Brasil. Informamos que é de inteira responsabilidade dos autores a emissão de conceitos. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem prévia autorização da ULBRA. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº 9.610/98 e punido pelo Artigo 184 do Código Penal. Dados técnicos do livro Diagramação: Jonatan Souza Revisão: Igor Campos Dutra Sabe-se do esforço necessário a fazer na construção de um ensino de qualidade tão almejado pela sociedade contemporânea. Entendemos que essa caminhada inicia por uma formação docente comprometida com a transformação social. Sendo assim, é fundamental que se apresente os conhecimentos desejáveis a esse profissional para que ele possa construir uma prática consciente e inserida na realidade escolar. Pensamos essa obra como uma proposta onde se possa refletir sobre o que se fala, o que se faz e o que se pode fazer dentro da escola e na educação dos sujeitos. Com esse propósito, a disciplina Psicodinâmica da Aprendizagem torna-se cada vez mais relevante nos cursos de formação de professores. Procuramos disponibilizar teorias que enfatizam diferentes perspectivas, pois é fundamental a compreensão de como a criança de- senvolve seu pensamento, de que estratégias faz uso na construção de seus conhecimentos e de que maneira essas estratégias se modificam no decorrer do seu desenvolvimento. As teorias, como um conjunto organiza- do de ideias que explicam e preveem o desenvolvimento, são ferramentas indispensáveis nesse sentido, principalmente quando se pretende trabalhar com educação. Para tanto, a obra está organizada em dez capítulos. O primeiro apre- senta a conceituação da abordagem psicodinâmica no qual o centro do estudo será Sigmund Freud. O segundo capítulo aponta a aprendizagem como um objeto de estudo e perpassa assuntos como conceitos e fatores importantes na aprendizagem do sujeito. O terceiro capítulo aborda as teorias do desenvolvimento e da aprendizagem nas perspectivas de teóri- cos como Freud, Piaget, Vygotsky e Wallon. No quarto capítulo, propomos lançar um olhar sobre a dimensão psicossocial do processo ensino-apren- dizagem, à luz da Psicologia das Habilidades Sociais. O capítulo cinco nos Apresentação Apresentação v insere no mundo jovem, nos apresentando o processo de construção de suas identidades frente às demandas do mundo e da sociedade. No capí- tulo seis, abordamos as interfaces que se apresentam entre o aprender e os processos de mediação cultural e social. Trazemos a importância do outro na construção dos conceitos no espaço educativo. Fazemos isso embasan- do nossa proposta na Teoria Histórico-cultural. O capítulo sete apresenta a estreita relação entre o lúdico e a aprendizagem. Mostramos a concepção de diversos autores sobre a importância crucial do brincar no desenvol- vimento da criança. A proposta de pensar a escola como um ambiente dinâmico que se modifica e, ao mesmo tempo, modifica o sujeito que dela faz parte é o convite que fazemos no capítulo oito. Ainda na possibilidade de instigar a reflexão, no capítulo nove, propomos problematizar as ideias presentes na perspectiva teórico-metodológica da Rede de Significações (RedSig) e o processo de aprendizagem. No capítulo dez, convidamos a mergulhar no entendimento dos conceitos de dado, informação e conhe- cimento, propondo ao leitor refletir sobre esses três conceitos bem como conhecer suas ligações e reflexos em nosso dia a dia e na educação. Não temos a pretensão de esgotar os saberes e reflexões sobre os temas aqui apresentados, mas, se conseguirmos instigar no leitor a curio- sidade pelo entendimento das diferentes possibilidades e personagens que circundam o universo do aprendizado e da educação, já teremos atingido nosso objetivo com essa escrita. Boa leitura! Profª. Ma. Maria da Graça Taffarel Krieger 1 Abordagem Psicodinâmica: Conceituação .............................1 2 Aprendizagem: um Objeto de Estudo ..................................26 3 Teorias do Desenvolvimento ................................................41 4 Novos Olhares no Processo Ensino-aprendizagem...............64 5 A Escola como Referência para a Construção da Identidade em Jovens e Adolescentes ..................................78 6 A Teoria Histórico-cultural e o Aprender: Mediar é Preciso ...........................................................................114 7 O Lúdico e a Aprendizagem ..............................................134 8 Psicodinâmica do Espaço Escolar .......................................149 9 Sobre os Teceres na Aprendizagem: Olhares da Rede de Significações (RedSig). ......................................................179 10 Conhecimento, Informação e Dado A Evolução Inexorável .......................................................198 Sumário 1Abordagem Psicodinâmica: Conceituação 1 Graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1992); especialização em Avaliação Psicológica PUCRS (1995) e mestrado em Psicopatologia Psicologia Clínica pelo Instituto Superior de Psicologia Aplicada Lisboa/Portugal (1999). Atualmente é professora adjunta com mestrado da Univer- sidade Luterana do Brasil. Coordenadora do Curso de Psicologia. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Fundamentos e Medidas da Psicologia, atu- ando principalmente nos seguintes temas: avaliação psicológica, trânsito e psico- logia forense. Carmem Aristimunha de Oliveira1 Capítulo 1 2 Psicodinâmica da Aprendizagem Introdução Caro aluno, Neste capítulo, iremos trabalhar com a conceituação da abordagem psicodinâmica no qual o centro do estudo será Sigmund Freud. As análises das teorias psicodinâmicas examinam as ideias de Sigmund Freud, Carl Jung, Alfred Adler, Karen Horney, Har- ry Stack Sullivan, Erik Erikson e Heinz Hartmann. O centro des- te estudo será Freud, um gigante da teoria da personalidade. A maioria das teorias posteriores teve intentos por modificar, ampliar, aclarar, refinar o refutar suas ideias. Os escritos de Freud foram de grande contribuição no modelamento do cli- ma intelectual do século XX. Nessa Teoria, o que fica evidente é a importância dos motivos, emoções e outras forças internas. A personalidade desenvolve-se à medida que os conflitos psicológicos são re- solvidos, geralmente durante a infância. As evidências vêm de entrevistas clínicas. Formas de conhecer a personalidade segundo as teorias psicodinâmicas Mensuração da personalidade: instrumentos (entrevistas, estudos de caso e testes projetivos) que avaliam aspectos inconscientes da personalidade. Capítulo 1 Abordagem Psicodinâmica: Conceituação 3 Entrevistas: são observações participantes (clínico e paciente exploram a vida mental). Estudos de caso: o material da entrevista é escrito como um histórico de vida. Testes projetivos: as pessoas projetam suas próprias percepções, emoções e pensamentos no mundo externo sem ter consciência disso. Tais testes revelam tais sentimentos e impulsos inconscientes. Sigmund Freud: acreditava que a personalidade é molda- da pelas primeiras experiências, quando as crianças passam por um conjunto sequencial de fases psicossexuais (energia sexual = libido – localizada em regiões corporais diferentes, conforme o desenvolvimento psicológico progride). Gorgati et al.(2002) sinalizam que a compreensão do psiquismo em seus processos dinâmicos está em direção ao Insight. Onde a técnica visa elaborar e resolver conflitos in- trapsíquicos a serviço da reestruturação, reorganização e de- senvolvimento da personalidade. Na esteira do pensamento psicanalítico, seguem-se mode- los teóricos contemporâneos que desenvolvem a compreen- são do funcionamento psíquico e muito podem contribuir para uma proposição terapêutica. Dessa forma, a partir daqui começaremos um caminhar pela Teoria Psicodinâmica sobre a construção da Personalida- de, de Sigmund Freud (1856-1939), criada para designar o estudo da energia psíquica e de sua transformação e manifes- tação no comportamento. Com relação à estrutura de personalidade, Freud dividiu em três componentes: Id, Ego e Superego. Neste momento, 4 Psicodinâmica da Aprendizagem para que tenham conhecimento e verifiquem a importância desses três senhores e a relação que possuem entre si, colo- co uma crônica de Moacyr Scliar, publicada em Fevereiro de 1997, no Jornal Zero Hora. A partir dessa crônica, o grupo de teatro Psi em cena do Curso de Psicologia ULBRA/Canoas, apresentou Freud e o Carnaval. Freud e o carnaval Moacyr Scliar Segundo Freud, que não era construtor (mas que em algum momento deve ter pensado em fazer uma incorporação a pre- ço de custo para escapar das agruras da psicanálise), a nossa mente é como uma casa em que vivem três habitantes. No tér- reo mora um sujeito simples e meio atucanado chamado Ego. Ele não é propriamente o dono da casa, mas cabe-lhe pagar a luz, a água, o IPTU, além de varrer o chão, lavar a roupa e cozinhar. Estas tarefas fazendo parte da vida cotidiana, Ego até não se queixaria. O pior é ter de conviver com os outros dois moradores. No andar superior, decorado em estilo austero, com está- tuas de grandes vultos da humanidade e prateleiras cheias de livros sobre leis e moral, vive um irascível senhor chamado Su- perego. Aposentado – aos pregadores de moral não resta mui- to a fazer em nosso mundo –, Superego dedica todos os seus esforços a uma única causa: controlar o pobre Ego. Quando Ego se lembra de alguma piada boa e ri, ou quando Ego se atreve a cantar um sambinha. Superego bate no chão com o cetro que carrega sempre exigindo silêncio. Se Ego resolve Capítulo 1 Abordagem Psicodinâmica: Conceituação 5 trazer para casa uma namorada ou mesmo uns amigos, Supe- rego, de sua janela, adverte: não quer festinhas no domicílio. No porão, sujíssimo, mora o terceiro habitante da casa, um troglodita conhecido como Id. Id não tem modos, não tem cul- tura e na verdade mal sabe falar. Em matéria de sexo, porém, tem um apetite invejável. Superego, que detesta estas coisas, exige que Ego mantenha a inconveniente criatura sempre pre- sa. E é o que acontece durante todo o ano. No carnaval, porém, Id se solta. Arromba a porta do po- rão, salta para fora e vai para a folia, arrastando consigo o perplexo Ego que, em um primeiro momento, resiste, mas de- pois acaba aderindo. E aí são três dias de samba, bebida, mulheres. Quando volta para a casa na Quarta-feira, a primeira pes- soa que Ego vê é o Superego, olhando-o fixo da janela no an- dar superior. Ela não precisa dizer nada, Ego sabe que errou. Humilde, enfia-se em casa, abre a porta do porão para que o saciado Id retorne a seu reduto, e aí começa a penitência, que durará exatamente um ano. De vez em quando Ego tem um sonho. Ele sonha que os três fazem parte de um mesmo bloco carnavalesco, e que, juntos, se divertem a valer – Superego é inclusive o folião mais animado. Mais isto é, naturalmente, sonho. Parafraseando um pro- vérbio judaico, Carnaval no sonho não é carnaval, é só sonho. Que se junta a todos os sonhos frustrados de nossa época. 6 Psicodinâmica da Aprendizagem Graças a eles, muitas casas foram construídas. E muitos edifí- cios foram incorporados. ZH, 08 de fevereiro de 1997. Vejamos agora a estruturação do aparelho psíquico na óti- ca freudiana. METAPSICOLOGIA Estudo dos aspectos teóricos psicana- líticos. “... uma dimensão onde se elaboram diversos modelos conceituais que explicarão os dados empíricos transmitidos pela experiência.” (Kunetzoff, 1992, p. 118). Os modelos DINÂMICO pulsões, instintos, forças, moção impulsora. TÓPICO supõe o aparelho psíquico dividido em sistemas e funções: sistemas consciente, pré-consciente e inconsciente; id, ego e superego. ECONÔMICO circulação, distribuição e administração de energia quantificável. Modelo Dinâmico Aparelho psíquico dois estímulos diferentes → interno e externo exerce pressão sobre o aparelho psíquico. Capítulo 1 Abordagem Psicodinâmica: Conceituação 7 Estímulos externos (fonte exógena) operam como uma força constante, podendo-se remover através de uma ação adequada. Estímulos internos (fonte endógena) exercem pressão no aparelho psíquico. Essa excitação é chamada de pulsão e também instinto. As excitações dos estímulos externos não chegam a atin- gir o sistema, já que no próprio sistema elas encontram os órgãos dos sentidos que funcionam como tela protetora contra os danos. Os estímulos internos, por atacarem a partir do interior do próprio corpo, atuam como uma força constante, contra a qual a fuga é ineficaz. “O próprio Freud sugere que chamemos de ‘necessidade’ a esses estímulos internos e de ‘satisfação’ o que cancela esta necessidade.” (Roza, 1995, p. 86) Nos 23 volumes da obra, a palavra Instinkt (instinto) apa- rece apenas quatro vezes com um sentido genérico e outras seis vezes para designar especificamente o instinto animal. A palavra Trieb (pulsão) aparece uma centena de vezes. “Seja qual for a concepção de instinto em questão, ele sempre implica um padrão estável de comportamento, faz apelo a esquemas inatos e tem uma finalidade adaptativa, ca- racterísticas ausentes no conceito freudiano de pulsão.” (Roza, 1995, p. 116). 8 Psicodinâmica da Aprendizagem Leyhausen apud Roza (1995) refere que pulsão é “uma fon- te de energia específica interna ao sistema nervoso” (p. 115). Pulsão seu alvo é suprimir o estado de tensão. Ligação a um objeto para obter descarga podendo ser parte do próprio corpo. Pulsão Sexual: “excedente-resto” de energia que não se satisfaz no momento com objeto específico (sexualidade) Não necessita de um objeto para se satisfazer descarrega- -se nos fragmentos funcionais-fisiológicos do corpo satisfaz- -se auto eroticamente. Pulsão de Autoconservação: o termo pulsões de auto- -observação designa as necessidades ligadas às funções cor- porais cujo objetivo é a conservação da vida do indivíduo; são as pulsões que, por exemplo, impelem esse indivíduo a procurar alimento e a se defender, portanto, a manter-se vivo. Pulsão parcial: pulsão sexual (fragmentos) apoiado nas pulsões de auto-observação. Modelo Tópico Consciente está localizado na periferia do aparelho psíquico; função de recepcionar as informações provenientes do exterior e do interior, mas sem conservar nenhuma marca duradoura dessas informações; registro qualitativo sensível ao prazer e ao desprazer; cuida dos processos do pensamento, do juízo e da parte consciente da evocação. Capítulo 1 Abordagem Psicodinâmica: Conceituação 9 Pré-consciente separado do inconsciente pela censu- ra, responsável pela interdição dos conteúdos e processos in- conscientes na sua intenção de entrar no campo consciente; próximo do consciente lhe permite ser um pequeno arquivo; seus conteúdos podem ser recuperados por um ato da vonta- de; representação palavra – marca acústica. Inconsciente parte mais arcaica do aparelho psíquico; o inconsciente contém as “representações de coisa” que são fragmentos de reproduções de antigas percepções; essas representações se referem a todos os sentidos auditivos, gusta- tivos, olfativos, táteis e principalmente visuais. Sentido Descritivo do Termo onde uma representa- ção pode estar ausente da consciência e,no entanto, tornar-se consciente por decisão voluntária do sujeito. Sentido Sistemático existem processos que são incons- cientes e que em sua natureza se diferem dos processos cons- cientes, e que não são suscetíveis de se tornarem voluntaria- mente conscientes (constituem o recalcado). Ele é inconsciente e pertence ao sistema ICS, em função da censura pode ter acesso negado à consciência (nesse caso ele é recalcado). Caso passe pela censura, torna-se suscetível de cons- ciência, assim passa a pertencer ao sistema PCS, podendo tornar-se consciente sem problemas. Cs __Ics___ __Pcs___ 10 Psicodinâmica da Aprendizagem Id constituído basicamente por pulsões reservatório e fonte de energia psíquica Instinto de vida e morte contém em si pulsões sexuais e de autoconservação reina o princí- pio do prazer, portanto, processo primário. Ego resultado de identificações interiorizadas, introjeta- das está a serviço da auto-observação ego em contato com o mundo exterior tem funções adaptativas. Superego constituído por aspectos dos pais está identificado com o superego dos próprios pais se estrutura tardiamente por volta dos cinco ou seis anos. Modelo Econômico Os componentes essenciais das energias não possuem preci- são. Verifica-se pelos seus efeitos. Energia catexia investimento ⇓ Poderá sofrer aumento, diminuição, descarga, desloca- mento como uma carga elétrica Uma representação psíquica e/ou conteúdo pode(m) estar carregado(s) de catexia desconhecem-se os efeitos desse investimento sobre um objeto exterior. Nesse modelo, a passagem da representação Ics para o sistema Pcs/Cs é explicada em função da energia de investi- mento de cada sistema. Capítulo 1 Abordagem Psicodinâmica: Conceituação 11 Cada sistema possui uma energia de investimento especí- fica. Assim, a passagem de uma representação de um sistema para outro é explicada através do desinvestimento dessa repre- sentação por parte do primeiro sistema Ics e de um investimen- to ou reinvestimento por parte do segundo sistema Pcs/Cs. O recalcamento opera na fronteira entre os sistemas Ics e Pcs/Cs – sua função é de proteger Pcs/Cs das investidas pul- sionais que pertencem ao sistema Ics. “Por seu caráter ameaçador, essas representações devem ser mantidas no Ics ou, no caso de terem acesso ao Pcs, são mandadas de volta para o Ics. Isso se dá pela retirada do investimento ligado a essas representações – portanto, um desinvestimento –, e a conse- quente utilização dessa energia tornada disponível em opera- ções defensivas do eu, a fim de evitar que a representação re- calcada tenha novamente acesso à consciência”. (Roza, 1995, p. 223) A energia não passa de um sistema para outro, o que é “transportável” é a representação. Assim: ∗ a representação fica desinvestida; ∗ o investimento pcs é substituído por um investimento Ics ou conserva o investimento Ics que já possuía. 12 Psicodinâmica da Aprendizagem Processos e Princípios Processo Primário nível de funcionamento do inconsciente energia livre/deslocamento/condensação. Processo Secundário energia ligada, concentrada, re- guladora dos processos de descarga (pré-consciente, cons- ciente). Princípio do Prazer articulado ao princípio da realida- de. Princípio do Prazer elemento regulador dos processos primários. Princípio da Realidade/ é um desenvolvimento e aperfei- çoamento do princípio do prazer. Modificação da realização alucinatória dos desejos em rea- lidade concreta e objetiva modificação do princípio do pra- zer conforme imposição das condições reais do mundo externo. Princípio de Constância faixa de ótimo funcionamento que o aparelho psíquico tende a manter – zero mais baixo possível. Defesa ⇒ Visa proteger a autoestima do indivíduo e elimi- nar o excesso de tensão e ansiedade. Os mecanismos de defesa do ego, na denominação de Freud, são recursos ardilosos pelos quais o Eu se defende dos Capítulo 1 Abordagem Psicodinâmica: Conceituação 13 perigos instintivos e das emoções violentas (impulsos incons- cientes) que ameaçam o seu equilíbrio. Cadeia psíquica que origina as defesas (reservatório de pulsões) Motivos básicos conflito psíquico conduta bloquea- da tensão (estado de estancamento) ansiedade me- canismo de defesa traço de caráter / sintoma (conduta neurótica) em excesso ou não muito eficiente dois ou mais sintomas (quadro clínico) Neste momento, entende-se importante fazer algu- mas considerações acerca do Capítulo III de Ana Freud: O Ego e os Mecanismos de Defesa ∗ A tarefa do analista é trazer à consciência o que está no inconsciente. ∗ As instituições do ego vão esforçar-se para restringir os impulsos do id, por métodos próprios; surgindo o ana- lista como perturbador da paz reinante. ∗ Com o seu trabalho, o analista acaba por eliminar as repressões que foram laboriosamente realizadas e des- truindo as formações de compromisso, cujo efeito era, 14 Psicodinâmica da Aprendizagem de fato, patológico, mas cuja forma era perfeitamente egosintônica. ∗ Formação de Compromisso – forma que o recalcado vai buscar para ter acesso à consciência. Este retor- na no sintoma, no sonho e em qualquer produção do inconsciente. As representações são deformadas pela defesa a ponto de serem irreconhecíveis, na mesma formação, podem satisfazer-se, em um mesmo com- promisso, o desejo inconsciente e as exigências defen- sivas. ∗ Todo material que nos ajuda a analisar o ego faz sua aparição na forma de resistência à análise do id. Agora, traremos algumas contribuições da psicologia do ego: A psicologia do ego teve início nos anos 30 e seu apogeu se deu nos anos 60, nos Estados Unidos. Hartmann foi o mais importante teórico da Psicologia do ego. Os fundadores dessa corrente utilizaram como base para suas teorizações os últimos trabalhos de Freud, em especial os referentes à segunda tópica (estrutura tripartite da mente: id- -ego-superego). Hartmann acreditava que era possível transformar a Psica- nálise em uma Psicologia Geral, pois a partir de seu referen- cial considerava possível uma compreensão do conjunto dos fenômenos mentais. De acordo com Bleichmar e Bleichmar (1992), Hartmann “considera que, historicamente, primeiro veio a psicologia do Capítulo 1 Abordagem Psicodinâmica: Conceituação 15 id, e depois cabe desenvolver outra que estude o ego. Pro- põe a existência de aparelhos inatos do ego, constituídos por atividades como memória, a percepção, a capacidade de as- sociação, a motricidade etc. Desse ponto de vista, o ego não surge unicamente do conflito entre o id e a realidade, como inicialmente foi proposto pela teoria psicanalítica. Está presen- te desde o nascimento, representado por algumas funções que por não estarem imersas no conflito entre a realidade interna e a realidade externa, são autônomas e correspondem a uma ‘área livre de conflitos’”. (p. 37) Hartmann pensa que a estrutura do ego é formada por subestruturas, surgidas ao longo do desenvolvimento. Sendo assim, essa organização permite um ordenamento genético e hierárquico. Dessa mesma forma, o autor convida a pensar sobre as demais estruturas, o id e o superego. Do enfoque econômico de Hartmann, depreende-se que “a neutralização dos investimentos deve envolver não apenas as energias libidinais, mas também as de índole agressiva. A neutralização seria obtida por etapas sucessivas. Esclarece que é errôneo pensar que o funcionamento do ego será tanto mais bem-sucedido quanto mais neutralizada estiver a energia que utiliza. Além do mais, há um ordenamento hierárquico das funções egoicas segundo o grau de neutralização da energia que utilizam. Nem toda a energia utilizada pelo ego deriva das pulsões, parte dela é primária e autônoma”. (p. 38) Dessa forma, o autor propõe que o indivíduo desde seu nascimento enfrenta as dificuldades que lhe são apresentadas 16 Psicodinâmica da Aprendizagem tanto por partede seus próprios impulsos como da realidade externa. É importante, segundo a teoria, esclarecer que a área li- vre de conflitos não é um setor fixo, ou seja, sua abrangência muda de forma dinâmica a cada momento. “Assim é possível notar que determinadas funções autônomas e pertencentes à área não conflitiva podem ser invadidas por pulsões muito in- tensas, em determinadas circunstâncias. O exemplo extremo seria o caso de alucinações, onde a função inicialmente autô- noma da percepção sucumbir ante a intensidade das pulsões provenientes de outras instâncias psíquicas”. (Bleichmar e Blei- chmar, 1992, p. 39). O Desenvolvimento do Ego. Sua Incidência no Processo de Adaptação. Hartmann, assim como Freud, sugere que as origens do ego têm como ponto de partida uma matriz indiferenciada do ego e do id, ou seja, os elementos pulsionais coexistiriam com determinadas funções e ao longo do desenvolvimento estes seriam homogeneizadas pelo ego. É importante ressaltar que podemos perceber que nem todo material proporcionado pelo ego pode ser rastreado até suas origens. “Há funções egoicas que estão presentes desde o início da vida e cuja relação com as pulsões é complexa. Tal é o caso da percepção ou da motricidade” (Bleichmar e Bleichmar, 1992, p. 39). “O hereditário ou constitucional, no qual se englobam as capacidades inatas ou autônomas do ego. Este fator interage Capítulo 1 Abordagem Psicodinâmica: Conceituação 17 no curso do desenvolvimento com outros três elementos, a sa- ber: as influências das moções pulsionais, os condicionamen- tos da realidade externa e, por último, a própria imagem cor- poral, que desempenha um importante papel na diferenciação do ego do mundo dos objetos”. (p. 40) A sexualização ou agressivização da função é a forma como Hartmann nomeia as pulsões e funções egoicas, que no começo da vida eram uma unidade separada e no desenvolvi- mento podem se pôr a serviço de determinados conflitos. Dando encadeamento ao estudo sugerido por Hartmann, há dois temas que estão tangencialmente relacionados com esse processo: a origem dos mecanismos de defesa e a adap- tação ao meio. “A proposta de Hartmann é que as modalidades individuais do ego podem moldar o tipo de mecanismo de defesa que cada indivíduo o porá em prática. Além destes fatores, que seriam inativos, deve-se considerar um aspecto energético. Os investimentos utilizados pelos mecanismos de defesa podem provir de pulsões agressivas, neutralizadas no ego, durante o desenvolvimento. Eis aqui um ponto em que novamente se inter-relacionam os precursores do ego e do id”. (Bleichmar e Bleichmar, 1992, p. 41). O autor sugere ainda que no início da vida passamos por um período de adaptabilidade que ocorre em função das fun- ções autônomas. Dessa forma, o autor coloca que a adaptabilidade, para ser considerada, deve percorrer um determinado caminho, 18 Psicodinâmica da Aprendizagem como tal na fase adulta. Assim, o desenvolvimento tem uma ligação com a adaptabilidade, pois por um lado impulsiona a diferenciação, e por outro é essa diferenciação que assegura o ajuste do indivíduo ao meio que está inserido. “Durante o desenvolvimento, não apenas se produz a di- ferenciação entre o ego e id, como ocorrem diferenciações internas do ego. Diferentes funções egoicas podem ter contra- dições entre si”. (Bleichmar e Bleichmar, 1992, p. 41). Os mesmos autores consideram importante ressaltar que “a instabilidade emocional e adaptativa de uma pessoa é dada não apenas pela resolução equilibrada entre o ego e o id, o ego e o superego ou o ego e a realidade, senão também pela ordenação e coordenação adequada das diferentes funções egoicas entre si”. (p. 42). O conceito de adaptação Bleichmar e Bleichmar (1992) nos dizem que, para Hartmann, “a adaptação deve ser avaliada da perspectiva do funciona- mento interno e externo do indivíduo a quem se examina. O que conta para descrever o grau de adaptação é o alcance que cada sujeito tem da função sintética e integradora do ego. Uma pessoa estará tanto mais adaptada quanto melhor possa harmonizar suas próprias necessidades pulsionais com a reali- dade e com as metas ideais a que se propõe.” (p. 42). Não se trata de funcionar como um robô autômato, mas de encontrar formas de dar saída às moções pulsionais na vida Capítulo 1 Abordagem Psicodinâmica: Conceituação 19 cotidiana, ou seja, não entrar em conflito com as pulsões e as normas reais e morais. Bleichmar e Bleichmar (1992), considerando Hartmann, nos dizem que podemos ter como referencial de saída, ao fa- larmos em adaptação, três modelos. O indivíduo pode optar por mudar ele mesmo, pode procurar a modificação do meio, e pode decidir pela mudança de ambiente para outro. Além desses modelos, a adaptação também se presta a uma análise evolutiva. “As atividades surgidas inicialmente com uma atividade adaptativa, podem se tornar independentes da situação que lhes deu origem, adquirindo autonomia. Isso é conhecido como autonomia secundária do ego, com um papel importan- te, não apenas nas condições normais, mas como também nas patológicas.” (Bleichmar e Bleichmar, 1992, p. 44). Bleichmar e Bleichmar (1992) colocam que “a adaptação tem como objeto a autoconservação, entrando em conflito com outro fator regulador, que é o princípio do prazer”. (p. 44). Com este material, buscamos criar um espaço de reflexão, facilitador de um legítimo aprender pela experiência. Assim, o aluno poderá desenvolver a habilidade de identificar os con- ceitos em estudo. 20 Psicodinâmica da Aprendizagem Recapitulando Neste capítulo, busquei apresentar a conceituação da abor- dagem psicodinâmica, onde Sigmund Freud ocupa a posição central do estudo, assim como as análises das teorias psico- dinâmicas examinam as ideias de Sigmund Freud, Carl Jung, Alfred Adler, Karen Horney, Harry Stack Sullivan, Erik Erikson e Heinz Hartmann. Vimos que a personalidade do homem se desenvolve à medida que os conflitos psicológicos são resol- vidos, geralmente durante a infância e retomamos as formas de conhecer a Personalidade segundo as Teorias Psicodinâmi- cas. Retomamos o conceito de estrutura de personalidade, na qual Freud dividiu em três componentes: Id, Ego e Superego e perpassamos a estruturação do aparelho psíquico sob a ótica do mesmo autor. Estudamos os aspectos teóricos psicanalíticos em seus modelos dinâmico, tópico e econômico; assim como perpassamos pelo conceito de pulsão e seus desdobramentos. (Re)Visitamos as cadeias psíquicas que originam as defesas e passeamos entre alguns conceitos de Ana Freud sobre os me- canismos de defesa. Esse tema suscita ainda muitos estudos e leituras, mas pro- curei aqui guiá-lo nos conhecimentos básicos e importantes sobre o conceito de psicodinâmica e algumas estruturas men- tais importantes abordadas na teoria Freudiana. Capítulo 1 Abordagem Psicodinâmica: Conceituação 21 Referências Soraia Bento Gorgati, Alessandra S. Holcberg e Marilene Damaso de Oliveira. Programa de Orientação e Assistência aos Transtornos Alimentares do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. Rev. Bras. Psiquiatra 2002; 24 (Supl III): 44-8. Aborda- gem Psicodinâmica Gorgati SB et al. BERGERET, J. Personalidade normal e patológica. 3. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. BLANCK, G.; BLANCK, R. Psicologia do Ego. Teoria e Prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1983. BLEICHMAR, N. M.; BLEICHMAR, C. L. A Psicanálise depois de Freud. Teoria e Clínica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. BRENNER, Charles. Noções básicas de Psicanálise. São Paulo: Imago, 1975. * Clássico. CAMPBELL, Robert J. Dicionário de psiquiatria. São Paulo: Martins Fontes, 1986. CEZAROTTO, O. O que é psicanálise. Edição Primeiros Pas- sos. São Paulo: Brasiliense, 1994. FREUD, A. O ego e os mecanismos de defesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Biblioteca Universal Brasileira, 1974. *Clássico. 22 Psicodinâmicada Aprendizagem FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológi- cas Completas Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. * Clássico. HARTMANN, Heinz. La psicología del Yo y el problema de la adaptación. México: Pax-Mexico, 1962. _____. Ensayos sobre la psicologia del Yo. México: Fondo de Cultura Econômica, 1969. ______. Psicoanálisis Y sociologia. In: JONES (Org.). Socie- dade, Cultura y Psicoanálisis de hoy. Buenos Aires: Paidós, 1964. KUSNETZOFF, J. C. Introdução à Psicopatologia Psicanalí- tica. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992. TALLAFERRO, A. Curso básico de psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1989. Periódicos: ALETHEIA, n.º 1a 9 (2000). Canoas: ed. ULBRA, Departamen- to de Psicologia. ANÁLISE PSICOLÓGICA, n.º 4 (XVII), out./dez. 1999, Lisboa, Portugal. DAVIDOFF, L. Introdução à Psicologia. São Paulo: McGraw- -Hill do Brasil, 2010. WEITEN, Mayne. Introdução à Psicologia. Temas e Varia- ções. São Paulo: Pioneira Thomson, 2010. ZH, 08 de fevereiro de 1997. Capítulo 1 Abordagem Psicodinâmica: Conceituação 23 Atividades 1) Uma das formas de conhecer a personalidade, segundo a teoria psicodinâmica é o estudo de caso. Entende-se por estudo de caso: a) realização de leitura; b) observações participantes; c) história de vida; d) realização de testes projetivos; e) primeiras experiências vividas. 2) Leia as afirmativas e classifique-as como falsas ou verda- deiras, escolhendo como resposta a alternativa correta. I – Nos testes projetivos, as pessoas projetam suas próprias percepções, emoções e pensamentos no mundo externo sem ter consciência disso. II – Com relação à estrutura de personalidade, Freud divi- diu em 3 componentes: Id, Ego e Superego, onde o Id seria o sistema consciente da estrutura. III – No modelo dinâmico, o aparelho psíquico recebe dois estímulos diferentes, interno e externo. Por estímulo ex- terno, entendemos a fonte endógena. IV – As excitações dos estímulos externos não chegam a atingir o sistema, já que no próprio sistema elas en- 24 Psicodinâmica da Aprendizagem contram os órgãos dos sentidos que funcionam como tela protetora contra os danos. a) as afirmativas I e II estão corretas; b) as afirmativas II e III estão corretas; c) as afirmativas II e IV estão corretas; d) as afirmativas I e IV estão corretas; e) todas as afirmativas estão corretas. 3) No modelo tópico, a parte que se localiza na “periferia” do aparelho psíquico e tem como função recepcionar as informações provenientes do exterior e do interior é cha- mada de: a) consciente; b) inconsciente; c) Id; d) superego; e) pulsão. Capítulo 1 Abordagem Psicodinâmica: Conceituação 25 4) A psicologia do Ego teve seu ápice nos anos 60 nos Esta- dos Unidos. O teórico mais importante da psicologia do Ego foi: a) Heinz Hartmann; b) Freud; c) Ana Freud; d) Leyhausen; e) Erik Erikson. 5) No início da vida, passamos por um período de adaptabi- lidade que ocorre em função das: a) funções do ego; b) funções autônomas; c) funções do Id; d) funções do superego; e) funções egoicas. 1Aprendizagem: um Objeto de Estudo 1 Psicóloga, Especialista em Educação Infantil, Mestre em Educação. Professora na Universidade Luterana do Brasil nos cursos de Psicologia (Presencial), Pedagogia e Gestão de Recursos Humanos (EAD) – Curso no qual atua como Coordenadora de Atividades –, Professora nos cursos de Pós-Graduação da Ulbra e professora convidada no Pós-Graduação da Unilasalle. Atua como Psicóloga Clínica na APAE de Esteio. Maria da Graça Taffarel Krieger1 Capítulo 2 Capítulo 2 Aprendizagem: um Objeto de Estudo 27 Introdução A aprendizagem é um processo que se inicia desde o nasci- mento e perdura durante toda a vida, o que significa que em qualquer situação o indivíduo está aprendendo, sendo que a cada aprendizagem ele varia seu comportamento. Há vários ambientes que possibilitam aprendizagens, entre eles os in- formais, onde provavelmente acontece a maioria delas, pois, nesses ambientes, ocorre uma grande quantidade de experiên- cias e situações sem programação prévia, sem planejamento. E as aprendizagens formais, que se dão em ambientes estru- turados e planejados onde se encontram o professor, de um lado, e o aprendente, de outro. É através da aprendizagem que o ser humano modifica o mundo em que vive. Neste capí- tulo, abordaremos os conceitos de aprendizagens sob o olhar de diferentes teóricos, a importância da aprendizagem na vida humana, os processos de aprendizagem, as condições neces- sárias para que as aprendizagens ocorram e algumas linhas teóricas da aprendizagem. Algumas teorias sobre aprendizagem Veremos algumas teorias da aprendizagem que se encontram presentes nas práticas educativas atuais surgidas a partir das ideias de teóricos como Watson, Skinner, Bandura. 28 Psicodinâmica da Aprendizagem O Behaviorismo de Watson Conforme Watson, citado por Shaffer (2005), não há nada parecido com capacidade, talento, temperamento, constitui- ção mental e características comportamentais herdadas, o que podemos perceber na seguinte passagem: dê-me uma dúzia de bebês saudáveis, bem formados e em um mundo específico em que irei criá-los. Garanto que irei selecioná-los aleatoriamente e treiná-los para serem qualquer tipo de especialistas que eu determinar – médicos, advogados, artistas, comerciantes, chefes e até mesmo ladrões e trapaceiros, independentemente de seus talentos, tendências, habilidades, vocações e raça de seus ancestrais. (SHAFFER, 2005, p. 82) Assim como John Locke, Watson via as crianças como uma tábula rasa a ser impressa pelas experiências. Entendia que as crianças não possuíam características inatas e que elas se tornariam ou seriam resultado do ambiente onde fossem cria- das. Watson afirmava, ainda, que os pais são responsáveis por aquilo que seus filhos se tornarão. A teoria de aprendizagem de Skinner Por sua pesquisa com animais, o psicólogo americano Skin- ner (1904-1990) veio a entender uma forma de aprendizagem considerada por ele como a base de formação da maioria dos hábitos. O autor propôs que tanto animais quanto os seres Capítulo 2 Aprendizagem: um Objeto de Estudo 29 humanos repetem os atos que levaram a resultados favoráveis e suprimem aqueles que produziram resultados desfavoráveis Shaffer (2005). Entre os pontos fundamentais dessa teoria de aprendiza- gem, está o condicionamento operante – o indivíduo aprende por meio das consequências de “operar” no ambiente. Skinner formulou suas teorias a partir de estudos feitos com ratos e pombos em laboratório. A teoria sociocognitiva de Bandura A teoria sociocognitiva ou teoria da aprendizagem social sus- tenta que a criança aprende comportamentos sociais obser- vando e imitando modelos. Os teóricos da aprendizagem so- cial afirmam que a criança também atua sobre o ambiente onde está inserida. Pontuam ainda que a aprendizagem huma- na é mais complexa que o condicionamento, pois reconhecem a importância da cognição. A teoria da aprendizagem social reconhece a importân- cia da cognição. Ela sustenta que a resposta cognitiva das crianças a suas percepções, mais do que uma resposta reflexa ao reforço ou castigo, é fundamental para o desenvolvimento (PAPALIA, 2000). O ponto importantíssimo da teoria da aprendizagem social é a observação e imitação de modelos, ou seja, a aprendiza- gem observacional, em que a criança adquire novas habilida- des através da observação que faz dos outros. 30 Psicodinâmica da Aprendizagem Alguns conceitos sobre aprendizagem Muitos autores buscaram conceituar aprendizagem, e todos, de alguma forma, relacionam aprendizagem à mudança de comportamento observável. Vejamos algumas definições de aprendizagem sob a perspectiva de vários teóricos. A aprendizagem é o processo pelo qual nossas experiências produzem mudanças relativamente permanentes em nossos sentimentos, pensamentos e comportamentos Shaffer (2005). Segundo Campos (1986), “a aprendizagempode ser defi- nida como uma modificação sistemática do comportamento, por efeito da prática ou da experiência. com um sentido de progressiva adaptação ou ajustamento”. A aprendizagem é inferida quando ocorre uma mudança ou modificação no comportamento, mudança esta que per- manece por períodos relativamente longos durante a vida do indivíduo (Cagné, 1980). Ela pode ser definida como uma mudança no comporta- mento que resulta tanto da prática quanto da experiência an- terior (Kaplan, 2003). Aprender é uma atividade que ocorre dentro de um organis- mo e que não pode ser diretamente observada; de forma não inteiramente compreendida, os sujeitos da aprendizagem são modificados: eles adquirem novas associações, informações, insights, aptidões, hábitos e semelhantes (Davidoff, 1983). Algumas mudanças no ser humano ocorrem independente- mente da aprendizagem, elas podem ser resultados de processos Capítulo 2 Aprendizagem: um Objeto de Estudo 31 maturativos. Como ressalta Shaffer (2005), a maturação corres- ponde ao desenvolvimento biológico do indivíduo de acordo com um plano contido em seu código genético – material ge- nético passado pelos pais aos filhos na concepção. Como nos lembra La Rosa, algumas mudanças se devem a disfunções do organismo, como doenças, fadiga, estresse, ou a dificuldades psicológicas, como neurose, apatia, indiferença etc. Fatores importantes na aprendizagem Veremos, agora, alguns fatores importantes a serem observa- dos pelos educadores e que são de grande importância para que as aprendizagens aconteçam. A memória A base neurobiológica para a aprendizagem localiza-se nas es- truturas do cérebro envolvidas na formação e armazenamento das informações. A aprendizagem começa com a captação de um estímulo ambiental pelos sentidos, que é transformada em um traço ou elo de memória. Segundo Kaplan (2003), o armazenamento é a chave para uma boa memória. O estabelecimento de relações com algo já conhecido cria mais trajetos e aumenta o poder de armaze- namento. 32 Psicodinâmica da Aprendizagem Daí a importância de os aprendizados terem significado na vida do indivíduo. Portanto, a estratégia do professor em sala de aula é primordial, pois quanto mais adequada ela for ao aprendiz, maior a possibilidade de este vislumbrar a significa- ção do que é proposto a ele. A memória é conceituada por Coll (2004) como um pro- cesso reconstrutivo por meio do qual se recupera a informação já construída, que foi se integrando aos esquemas prévios na fase de aprendizagem. A memória é dividida em memória de curto e de longo prazo. Elas diferem na quantidade de informações que podem ser guardadas. A memória, segundo Kaplan (2005) de curto prazo é limitada (cinco a nove elementos de informação). O humor do indivíduo afeta seu aprendizado e a memori- zação do conteúdo. O aprendizado adquirido enquanto a pes- soa está de bom humor aumenta a memória. A aprendizagem e a memória são afetadas pelo estresse que, em nível elevado, inibe o aprendizado. Motivação A motivação é um estado de espírito que produz uma tendência em direção a algum tipo de ação. Na mediação da aprendiza- gem e da percepção, os mecanismos biológicos exercem um pa- pel importante no comportamento de motivação (Kaplan, 2005). Para que as aprendizagens ocorram, é necessário um es- tado de alerta, impulso, desejo de aprender, ou seja, é ne- Capítulo 2 Aprendizagem: um Objeto de Estudo 33 cessário que haja motivação. Os professores devem propiciar momentos que favoreçam o envolvimento do aprendiz na situ- ação de aprendizagem. Processos de aprendizagem Como já afirmamos anteriormente, a capacidade de aprender do ser humano está presente desde o seu nascimento. Apren- der é um fenômeno diário que não se limita ao espaço da sala de aula. A aprendizagem evolui à medida que o ser humano amadurece seu sistema nervoso e suas estruturas cerebrais. A aprendizagem é um processo contínuo, pois independen- temente da idade da pessoa, da fase de vida em que esta se encontre, existem sempre novas coisas a aprender. Podemos dizer que a aprendizagem é um processo pesso- al, pois cada aprendizagem dependerá do investimento, do esforço, da capacidade de cada um e também das condições do meio, que pode oportunizar ou bloquear novas conquistas. É preciso que se leve em conta que cada ser humano tem seu tempo próprio para aprender e que as aprendizagens inte- gram-se umas às outras, ou seja, uma nova aprendizagem se junta à outra, caracterizando-se como um enfoque interativo- -cumulativo. De acordo com Stenherg (1992), “a instrução, em geral, baseia-se maciçamente no uso de analogias e exemplos para ajudar o aprendiz a estabelecer conexões com estruturas de 34 Psicodinâmica da Aprendizagem conhecimento já disponíveis. Entretanto, a fim de obter vanta- gens da analogia, o aprendiz deve ser capaz de distinguir entre relações relevantes e irrelevantes”. La Rosa (2003) afirma que as aprendizagens ocorrem sem- pre na vida do homem, porém existem algumas condições que podem favorecê-las ou inibi-las, como as físicas, psicológicas, ambientais, sociais. Detalharemos cada uma delas, seguindo as especificações do referido autor. Condições físicas Segundo La Rosa (2003), as condições físicas seriam as con- dições orgânicas favoráveis, inclusive maturação. Por matu- ração, descreve o autor, entendam-se condições de amadu- recimento físico/psicológico e que permitam a realização de determinadas aprendizagens. Embora a escola formal agrupe as crianças por faixa etária semelhante, presumindo que apresentem certas características comuns, na maioria das vezes essa suposição tem se mostrado ilusória. Condições psicológicas As condições psicológicas da aprendizagem dizem respeito à motivação do indivíduo, ou seja, à forma como este se mobili- za e direciona sua ação na aprendizagem. Sendo a motivação Capítulo 2 Aprendizagem: um Objeto de Estudo 35 um processo interno e constituindo-se em uma resposta pes- soal do indivíduo ante determinada situação, está também na dependência (especialmente em alunos mais novos) do incen- tivo propiciado pelo professor. De acordo com Lane e Codo (1993), “o desafio ao educa- dor está em criar formas de trabalho pedagógico, isto é, ações concretas, através das quais se efetue a mediação entre o sa- ber escolar e as condições de vida e de trabalho dos alunos”. Para La Rosa (2003), a motivação decorre de um processo de desequilíbrio, no interior do organismo, onde a solução a esse desequilíbrio significa a ação do sujeito em busca do ob- jetivo. Quando o objetivo a alcançar situa-se em curto prazo, a motivação tende a ser intensa; já objetivos em longo prazo amortecem a motivação, pela distância existente entre o indi- víduo e a sua meta. O mesmo autor relata sobre os dois tipos de motivação — intrínseca e extrínseca — e ressalta que ambas são internas, brotam de dentro do sujeito. A motivação intrínseca é direcionada para a competência e a habilidade. É aquela impulsão que leva o indivíduo ao desenvolvimento. Baseia-se no entendimento de que alcançar o objetivo resultará em maior capacitação do ser humano e tem o objetivo de estimular o prazer pela tarefa. Valoriza prin- cipalmente a aprendizagem, a progressão pessoal e a compe- tência. 36 Psicodinâmica da Aprendizagem Já a motivação extrínseca é direcionada para o ego e o resultado. Vai se desenvolver por uma condição social externa e o objetivo alcançado será algo mais relacionado ao social. Ainda dentro de condições psicológicas, é oportuno res- saltar que o funcionamento adequado do sistema nervoso, a vivência emocional equilibrada, bem como o funcionamento estável das glândulas endócrinas pode propiciar condições fa- voráveis de aprendizado. Condições ambientais As situações ambientais favoráveis influem na aprendizagem. Assim, um ambiente adequado, reforçador, com boas condi- ções de acomodação física, além de temperatura, iluminação e ventilação agradáveis,tende a favorecer as aprendizagens em eficácia e realização. Condições sociais Em qualquer situação que viva, o ser humano tem sempre pre- sente o contexto social, sendo este de muita importância para sua integração. Dentre as situações do contexto social relevan- tes, pode-se citar o que em Psicologia chama-se de facilitação social: a integração no trabalho comum dispõe, de forma ge- ral, a que pessoas, vendo outras trabalharem na mesma tare- fa, sintam-se mais motivadas e consigam também realizá-la. Capítulo 2 Aprendizagem: um Objeto de Estudo 37 Outro aspecto importante, quando se fala em condições sociais de aprendizagem, refere-se à competição e coopera- ção. Competição é um padrão de comportamento integrado em nossa cultura, visto que o homem é um ser competitivo por natureza. Conforme La Rosa (2003), existem, basicamente, três tipos de competição: 1. pessoa x pessoa — que deve ser evitada; 2. grupo x grupo — bom para uso eventual; 3. ego envolvimento: é o melhor tipo de competição por- que envolve o indivíduo como um todo; significa aceitar o de- safio consigo mesmo. Quando se fala de situação de sala de aula e competição, é importante ressaltar que, quando usada com moderação e coerência, às vezes, pode ser uma boa técnica para mobiliza- ção dos alunos em atividades de aprendizagem. Porém, a melhor forma de manipular condições sociais para aprendizagem é através de cooperação. Cooperação significa o trabalho conjunto, interativo, onde os benefícios pessoais e grupais são comuns. A cooperação tem se mostra- do uma forma de trabalho mais eficaz quando utilizada com grupos homogêneos, autoescolhidos, entre elementos que se conhecem e com alunos mais velhos, visto que apresentam maior nível de consciência social. 38 Psicodinâmica da Aprendizagem Recapitulando No presente capítulo, aprofundamos nossos conhecimentos sobre aprendizagem. Revimos algumas das mais importantes abordagens teóricas sobre esse tema, pontuamos alguns fa- tores que devem ser observados para que as aprendizagens ocorram, os contextos onde elas podem acontecer e as condi- ções favoráveis necessárias para que se realizem. Referências CAGNÉ, R. M. Princípios essenciais da aprendizagem para o ensino. Porto Alegre: Globo, 1980. CAMPOS, D. M. S de. Psicologia da aprendizagem. Petró- polis: Vozes 1986. COLL, C.; MARCHESI, A.; PALÁCIO, J. Desenvolvimento psi- cológico e educação. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004. DAVIDOFF, L. L. Introdução à psicologia. São Paulo: Mc- Graw-Hill, 1984. KAPLAN, H. I., SADOCK, B. J., GREBB, J. A. Compêndio de psiquiatria: ciências do comportamento e psiquiatria clíni- ca. 7. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2003. LA ROSA, J. Psicologia e educação: o significado do apren- der. 6. ed. Porto Alegre: Edipucrs, 2003. LANE, S. T. M.; CODO, W. (Org.). Psicologia social: o ho- mem em movimento. São Paulo: Brasiliense, 1993. Capítulo 2 Aprendizagem: um Objeto de Estudo 39 PAPALIA, D. E.; OLDS, S. W.; FELDMAN, R. D. Desenvolvi- mento humano. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. SHAFFER, D. R. Psicologia do desenvolvimento: infância e adolescência. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005. STENBERG, R. As capacidades intelectuais humanas: uma abordagem em processamento de informações. Porto Ale- gre: Artmed, 1992. Atividades 1) Como vimos neste capítulo, as condições ambientais fa- vorecem e influenciam as aprendizagens. Com base nessa premissa, imagine e descreva um ambiente e uma ativida- de a ser desenvolvida. 2) Como John Locke, via as crianças como uma tábula rasa a ser impressa pelas experiências. Entendia que as crianças não possuíam características inatas e que elas se torna- riam ou seriam resultado do ambiente onde fossem cria- das. Estamos nos referindo a: a) Watson; b) Skinner; c) Bandura. 3) Leia as afirmativas e escolha a alternativa correta: I – Pessoa X pessoa é o melhor tipo de competição porque envolve o indivíduo como um todo; significa aceitar o desafio consigo mesmo. 40 Psicodinâmica da Aprendizagem II – Maturação, segundo La Rosa, são as condições de amadurecimento físico/psicológico e que permitam a realização de determinadas aprendizagens. III – Aprender é um fenômeno diário que não se limita ao espaço da sala de aula. a) as afirmativas I e II são verdadeiras; b) as afirmativas II e III são verdadeiras; c) todas as afirmativas são verdadeiras. 4) Quando falamos que boas condições de acomodação física, temperatura, iluminação e ventilação agradáveis tendem a favorecer as aprendizagens em eficácia e reali- zação, estamos nos referindo a: a) condições sociais; b) condições psicológicas; c) condições ambientais. 5) Segundo La Rosa (2003), o ser humano aprende durante toda sua vida. Tal autor salienta que existem algumas condi- ções que podem facilitar ou dificultar tais aprendizagens. Se pensarmos em condições físicas, estamos nos referindo às: a) condições orgânicas favoráveis, inclusive maturação; b) ambiente espaçoso, iluminado e arejado; c) interação e facilitação social. 1Teorias do Desenvolvimento 1 Psicóloga, Especialista em Educação Infantil, Mestre em Educação. Professora na Universidade Luterana do Brasil nos cursos de Psicologia (Presencial), Pedagogia e Gestão de Recursos Humanos (EAD) – Curso no qual atua como Coordenadora de Atividades – Professora nos cursos de Pós-Graduação da Ulbra e professora convidada no Pós-Graduação da Unilasalle. Atua como Psicóloga Clínica na APAE de Esteio. Maria da Graça Taffarel Krieger1 Capítulo 3 42 Psicodinâmica da Aprendizagem Introdução Neste capítulo, iremos rever alguns teóricos que são muito im- portantes no estudo dos processos de desenvolvimento e da aprendizagem: Freud, Piaget, Vygotsky e Wallon. Cada um de- les contribui de forma significativa com o desenvolvimento e a aprendizagem e pontuaram sobre aspectos diferenciados des- ses processos. Para auxiliar no entendimento da teoria de cada um deles, é fundamental que conheçamos um pouco de suas histórias de vida, pois, como dizia Freud, originalmente publi- cado em 1951, ensinamos o que sabemos e o que somos. Freud: uma breve retrospectiva histórica Conforme Schultz (1992), “o movimento psicanalítico que Sig- mund Freud desenvolveu tem íntimas relações com sua própria vida e é, em larga medida, autobiográfica. Em consequência, conhecer a história de sua vida é funda- mental para a compreensão de seu sistema”. Sigmund Freud (1856-1939) nasceu em Freiberg, na região da Morávia, Áus- tria. Aos quatro anos de vida, mudou-se para Viena. Apesar de seus pais terem tido nove filhos, Freud era o filho preferido, e eles depositaram nele as esperanças de um futuro brilhante, es- forçando-se para que recebesse um ensino de qualidade. Freud, então, acalentou o desejo de se tornar um “grande homem”, de ultrapassar os tempos e ter seu lugar marcado na história. Para ele, os estudos representavam a possibilidade de as- censão social e, por meio deles, acreditava que conseguiria superar as dificuldades econômicas vividas pela família. Capítulo 3 Teorias do Desenvolvimento 43 Freud ingressou no liceu um ano antes do que era comum; era considerado um aluno brilhante e, aos dezessete anos, graduou-se com distinção. Não tinha certeza sobre a carreira a seguir, mas interessava-se pela civilização, pela cultura e pe- las relações humanas e pela história militar. A teoria evolutiva de Darwin despertou nele o interesse pela abordagem científi- ca do conhecimento. Decidiu, assim, com alguma hesitação, estudar medicina. Como nos apresenta Almeida (2006), Freud ingressou na faculdade de Medicina de Viena em 1873. Já demonstrava, nessa época, ser um jovem brilhante e promissor. Falava fluen- temente inglês, francês, latim, grego e hebraico. Não desejava ser médico, mas entendia que o diploma oportunizaria sua carreira de pesquisador. Na universidade, queria estudar vá- rios assuntos. Cursou cinco cursos de filosofia e dedicava-se à leitura de clássicos daliteratura como Goethe (autor muito citado em suas obras), Shakespeare, Schiller, entre outros. De- senvolveu uma grande amizade com o médico Josef Bauer, com o qual seguidamente discutia sobre seus pacientes. Um desses pacientes seria Ana O., cujo caso seria fundamental para o desenvolvimento da psicanálise. Em 1885, Freud recebeu uma bolsa que lhe possibilitou passar algum tempo estudando em Paris com Jean Martin Charcot. Em uma recepção, Freud ouviu Charcot assegurar que as dificuldades de um paciente teriam base sexual. Para ele, essa afirmação foi uma percepção estimuladora e fez com que ficasse atento às possibilidades de problemas sexuais em seus clientes. Freud gostava dos métodos de Bauer, a hipnose2 2 Hipnose: estado próximo do sono provocado por manobras de sugestão. 44 Psicodinâmica da Aprendizagem e a catarse,3 mas aos poucos foi concluindo que, apesar de a hipnose diminuir os sintomas, não parecia capaz de curar, o que o levou a abandonar a técnica mais tarde. Ele, porém, manteve a catarse como método de tratamento, desenvolven- do, a partir dela, a técnica mais significativa da psicanálise: a livre associação.4 Como afirma Shaffer (2005): é difícil pensar em um teórico que tenha tido tão grande impacto na cultura ocidental como Sigmund Freud [...] esse pensador revolucionário desafiou as noções preva- lentes sobre a natureza humana ao propor que somos movidos por conflitos e motivos dos quais não sabemos e que nossa personalidade é moldada pelas primeiras experiências de vida. Com suas ideias revolucionárias, Freud conseguiu atingir seus objetivos de vida, construindo um conhecimento novo e marcando seu nome na história da humanidade. Freud e o desenvolvimento Para Freud, o impulso sexual é central no processo de trans- formação do ser humano. Para ele, é através da sexualidade, 3 Catarse: terapêutica psicanalítica que pretende o desaparecimento de sintomas pela exteriorização verbal. 4 Livre associação: o paciente é encorajado a falar abertamente, espontaneamen- te, dando vazão a qualquer ideia, por mais irrelevante ou tola que pareça. Capítulo 3 Teorias do Desenvolvimento 45 ou seja, da vivência do prazer e do desprazer e da curiosidade sexual, que vamos nos desenvolvendo como pessoas. A pulsão sexual amadurecia quando mudava seu foco de uma parte para outra do corpo, e cada mudança levava a uma nova fase do desenvolvimento psicossexual. O Quadro 1 descreve, resumidamente, cada uma das cin- co fases do desenvolvimento psicossexual propostas por Freud. Quadro 1 Fases do desenvolvimento psicossexual Fase psicossexual Idade Descrição Oral Do nascimento a 1 ano O instinto sexual concentra-se na boca. Os bebês obtêm prazer de atividades orais como sugar, mastigar e morder. Anal De 1 anos 3 anos Urinar e defecar voluntariamente tornam-se os meios primários de gratificação para pulsão sexual. Fálica De 3 anos a 6 anos O prazer agora vem da estimulação genital. A criança desenvolve um desejo incestuoso por um dos pais do sexo oposto (complexo de Édipo). Latência De 6 anos a 11 anos Traumas da fase fálica causam conflitos sexuais reprimidos e as pulsões são redirecionadas a trabalhos escolares e jogos. Genital De 12 anos em diante A puberdade desperta novamente as pulsões sexuais. O adolescente deve agora aprender a expressar essas pulsões de maneira socialmente aceitável. Fonte: adaptado de KAPLAN; SADOCK; GRED, 1997, p. 240 46 Psicodinâmica da Aprendizagem Dessa forma, ao observarmos esse quadro, é possível com- preender por que Freud tornou-se uma celebridade, uma vez que afrontou os procedimentos médicos do século XIX e criou métodos terapêuticos – como a associação livre – que são utilizados até os dias de hoje. Afirmou ainda que a criança possui sexualidade e que esta se desenvolve em Psicodinâmica da aprendizagem cinco fases (oral, anal, fálica, latência e ge- nital), bem como demonstrou que o comportamento humano é mais controlado pelo inconsciente do que pelo consciente. Piaget: uma breve retrospectiva histórica Jean Piaget (1896-1980) nasceu em Neuchatel, Suíça. Seu pai era professor de literatura medieval e sua mãe era domés- tica. Desde muito jovem, mostrou seu interesse pela ciência. Aos onze anos de idade, publicou um artigo sobre um pardal branco, o qual observara em um parque público, e este cha- mou a atenção por apresentar riqueza de detalhes. Foi preco- ce também em sua vida acadêmica, pois aos vinte e dois anos de idade se tornou doutor pela Universidade de Neuchatel. Mudou-se para Zurique, onde estudou Psicologia, Psicanálise e trabalhou na clínica de Eugen Bleuler. Em 1925, a França era um destacado espaço intelectual; Piaget mudou-se para lá e trabalhou com Simon e Binet, psi- cólogos que estavam desenvolvendo testes de inteligência. O contato com esses testes possibilitou a Piaget certificar-se de que não era esse seu interesse de estudo. A questão que Capítulo 3 Teorias do Desenvolvimento 47 mais lhe chamava atenção e despertava interesse era: como o ser humano constrói o conhecimento? Em seus estudos, Piaget contou com o auxílio de sua espo- sa, a psicóloga Valentine Châtenay, com quem se casou em 1923. Eles tiveram três filhos, que foram participantes de suas pesquisas iniciais (MACEDO, 2006). Piaget iniciou seus estudos observando cuidadosamente seus próprios filhos: como eles exploravam seus novos brin- quedos, resolviam problemas simples que ele lhes apresen- tava, e como, geralmente, passavam a entender a si mesmos e o mundo ao seu redor. Mais tarde, Piaget estudou grandes amostras de crianças (SHAFFER, 2005). Piaget notou que o pensamento da criança era muito pecu- liar e acabou desenvolvendo o que conhecemos como método clínico, que consiste em um diálogo com a criança a partir de situações-problema que, mais tarde, foram chamadas de provas operatórias. De acordo com Papalia (2000), o método clínico de Piaget combinava observação e questionamento flexível. Para desco- brir como as crianças pensavam, Piaget dava continuidade às respostas com mais perguntas. Não interessava a ele que as respostas dadas pelas crian- ças fossem corretas, o que importava era como as crianças chegavam a essas respostas. Dessa maneira, Piaget acompanhou os processos de pen- samento das crianças observadas e, segundo Papalia (2000), criou uma teoria abrangente de como o desenvolvimento cog- 48 Psicodinâmica da Aprendizagem nitivo resulta em uma capacidade crescente de adquirir e usar conhecimentos sobre o mundo. Piaget chamou sua teoria de epistemologia genética, de- finida como o estudo da aquisição, modificação e desenvol- vimento de ideias e capacidades abstratas sobre base de um substrato herdado ou biológico (KAPLAN, 2003, p. 158). O processo cognitivo de Piaget Piaget acreditava que todas as formas de entendimento são criadas a partir de dois processos intelectuais inatos, os quais ele chamou de organização e adaptação. Segundo Papalia (2000), a organização cognitiva é a tendência de criar sistemas de conhecimento cada vez mais complexos. Desde que nascem, as pessoas organizam o que conhecem por meio de representações mentais da realidade que as ajudam a dar sentido a seu mundo. Dentro dessas representações encontram-se estruturas chamadas esquemas: padrões organizados de comportamento que uma pessoa usa para pensar e agir em uma situação. Adaptação é o termo de Piaget para como uma pessoa lida com as novas informações. A adaptação envolve dois passos: (1) assimilação, tomar uma informação e incorporá-la em estruturas cognitivas existentes, ou for- Capítulo 3 Teorias do Desenvolvimento 49 mas de pensar, e (2) acomodação, mudar nossas ideias, ou estruturas cognitivas, para incluir um novo conheci- mento. A assimilação e a acomodação trabalham juntas para promover o crescimento cognitivo. A equilibração é uma busca constante de equilíbrio – um estado de equilíbrio entre a criança e o mundo exterior eentre as próprias estruturas cognitivas da criança. A necessidade de equilíbrio leva uma criança a mudar da assimilação para a acomodação. Quando as crianças não podem manejar novas experiências com suas estru- turas existentes, elas organizam novos padrões mentais, restaurando o equilíbrio. O Quadro 2 nos exemplifica o crescimento cognitivo, se- gundo Piaget. Quadro 2 Crescimento cognitivo Conceito de Piaget Definição Equilibração Harmonia entre os esquemas e as experiências do indivíduo. Assimilação Tentativa de adaptar as novas experiências pela interpretação destas de acordo com os esquemas existentes. Acomodação Modificação dos esquemas existentes para poder lidar melhor com as novas experiências. Organização Rearranjo dos esquemas disponíveis em estruturas cognitivas novas e mais complexas. Fonte: Adaptado de SHAFFER, 2005, p. 221 50 Psicodinâmica da Aprendizagem Estágios do desenvolvimento cognitivo de Piaget Segundo Piaget, citado por La Rosa (2003), o desenvolvimento cognitivo é um processo que se realiza em todo o ser humano e tem um caráter sequencial, isto é, ocorre em uma série de estágios, sendo cada um deles necessário. Isso quer dizer que cada um deles resulta, necessariamente, do precedente (ex- ceto o primeiro) e, ao mesmo tempo, prepara o seguinte. Os quatro grandes estágios estão sempre presentes no desenvol- vimento e em uma ordem constante. 1. estágio sensório-motor (do nascimento aos 2 anos); 2. estágio pré-operacional (2 aos 7 anos); 3. estágio operacional-concreto (7 aos 11 anos); 4. estágio das operações formais (11 ou 12 anos em diante). É importante enfatizar que Piaget não construiu uma teoria educacional. Sua teoria é sobre a construção do conhecimen- to, portanto, oferece subsídios para entender o trabalho edu- cacional. Vygotsky: uma breve retrospectiva histórica Conforme apontam Veer; Valsiner (2001), Lev Seminovich Vygotsky (1896-1934) nasceu em Orsha, cidade do interior Capítulo 3 Teorias do Desenvolvimento 51 da Rússia. Sua família era judia e apresentava boas condições financeiras. Seu pai era chefe de departamento de um banco e representante de uma companhia de seguros e sua mãe era professora. A família valorizava muito os estudos dos oito fi- lhos, possibilitando-lhes o convívio com professores-tutores e acesso a uma ampla biblioteca. Foram perseguidos na Rússia por serem judeus e seus passos eram controlados pelo gover- no: eles podiam circular apenas por espaços delimitados. Na história de Vygotsky, houve revoluções e perseguições; essas vivências marcaram profundamente sua teoria, chamada teo- ria histórico-cultural ou teoria sócio-histórica. Por sua excelente atuação escolar, recebeu medalha de ouro no ginásio. Os professores o reconheciam como um ex- celente leitor e estudioso de obras clássicas da literatura mun- dial. Em 1913, entrou para a Universidade de Moscou onde cursou Direito. Mais tarde, graduou-se em História e Filosofia pela Universidade do Povo de Shanjavsky. Ainda segundo Van der Veer; Valsiner (2001), os interesses de Vygotsky ampliaram neste período, incluin- do problemas psicológicos e pedagógicos. Um curso so- bre “A forma interna da palavra” [...] deve ter incentivado Vygotsky a uma sensibilidade para os aspectos psicológi- cos internos da linguagem. Por volta desta época, Vygotsky começou também a ler a literatura internacional disponível sobre psicologia. (VEER, VALSINER, 2001, p. 18) Em 1917, ano da Revolução Russa, Vygotsky voltou a Go- mel, passou a lecionar e montou um laboratório para experi- mentos de psicologia. Começou, então, a unir psicologia com 52 Psicodinâmica da Aprendizagem pedagogia, até porque lecionava para pessoas em formação profissional. Seus experimentos o tornaram personalidade im- portante na cidade. Mudou-se para Moscou e iniciou seu trabalho no instituto de psicologia dessa cidade. Em seguida, juntaram-se à sua equipe Aleksander Luria e Aleksei Leontiev, colaboradores e seguidores de suas ideias. Apesar de conhecido, Vygotsky enfrentou problemas quan- to à publicação de suas obras, pois alguns de seus trabalhos continham sérias críticas ao governo. Vygotsky acreditava na ação coletiva como transformadora das classes sociais e da pessoa. Seu objetivo era desenvolver uma psicologia que levasse em conta o social, a cultura, a coletividade, pois, para ele, não havia psicologia sem coletivo e a linguagem era entendida como a concretização dessa co- letividade (VEER; VALSINER 2001). Vygotsky era contemporâneo de Piaget, mas morreu bem mais novo que ele. Os objetivos de sua obra foram: a reformu- lação da teoria psicológica partindo da perspectiva marxista e o desenvolvimento de formas concretas para tentar solucionar alguns problemas práticos enfrentados pela URSS, tais como a psicologia da educação e a terapêutica. Portanto, podemos dizer que a busca constante de Vygotsky foi a formação do novo homem soviético (LA ROSA, 2003, p. 126). Capítulo 3 Teorias do Desenvolvimento 53 Vygotsky e o desenvolvimento Vygotsky (1989) afirmava que um comportamento só pode ser entendido se forem estudadas as suas fases, suas mudanças e suas histórias, portanto sua teoria embasa-se no estudo do processo e não do objeto. Os três princípios que determinam a estrutura teórica do trabalho realizado por Vygotsky são: a) a crença no método genético e evolutivo; b) a tese de que os processos psicoló- gicos superiores (comportamento que diferencia os homens dos animais) têm sua origem nos processos sociais; c) a tese de que os processos mentais podem ser entendidos somente por meio da compreensão dos instrumentos e dos signos que atuam como mediadores. Esses três princípios só po- dem ser entendidos através da sua inter-relação (LA ROSA, 2003, p. 127). Papalia (2000) pontua que o foco para Vygotsky seria a criança ativa, criadora de objetivos, em um contexto sócio- -histórico-cultural. Sua ênfase seria em como a interação so- cial com os adultos pode realizar o potencial de aprendizagem da criança e que, nesse contexto, os adultos deveriam dirigir e organizar o aprendizado das crianças para que elas possam dominá-lo e internalizá-lo. Vygotsky assinala que não basta a interação social para que o aprendizado ocorra; faz-se neces- sária uma interação de caráter formativo e proposital. O conceito mais conhecido de Vygotsky é o de zona de de- senvolvimento proximal (ZPD), que é o espaço entre o desen- volvimento real (aquilo que a criança já sabe fazer sozinha) e 54 Psicodinâmica da Aprendizagem o desenvolvimento potencial (aquilo que a criança pode fazer com ajuda), ou seja, é o espaço da possibilidade de aprendi- zagem. Podemos concluir que, para Vygotsky, o desenvolvimento acontece a partir da aprendizagem. Nenhum autor salientou tanto a importância do professor, pois ele os colocava em uma posição especial no processo de ensino-aprendizagem e, tam- bém, considerava as relações sociais entre os envolvidos nesse processo (aquele que aprende e aquele que ensina). Na perspectiva vygotskyana, as funções psicológicas supe- riores se desenvolvem nas práticas e pelas práticas sociais, e passam do plano social ao individual através do processo de internalização.5 Wallon: uma breve perspectiva histórica Henri Wallon (1879-1962) nasceu em Paris, França, onde vi- veu toda sua vida. Membro de uma família tradicional republi- cana e universitária, deve a ela seu interesse pela coletividade e pela justiça social. Wallon formou-se em Filosofia e Medicina e, após sua formatura, foi trabalhar como médico no exército 5 O processo de internalização consiste: (a) na reconstrução e ocorrência interna de uma operação que inicialmente representa uma atividade externa, (b) na trans- formação de um processo interpessoal em um processo intrapessoal e (c) esta trans- formação de um processo interpessoal em um processo intrapessoal é resultado de uma longa série de eventos ocorridos ao longo do desenvolvimento (Vygotsky, 1991,p. 64). Capítulo 3 Teorias do Desenvolvimento 55 francês, atendendo pacientes feridos de guerra, especialmente aqueles com lesão cerebral. A partir dessa experiência, Wallon repensa a neurologia e começa a ocupar-se da psicologia, em especial da psicologia da criança (Galvão, 2000). Suas hipóteses foram construídas a partir de suas experi- ências na guerra e suas vivências em instituições psiquiátricas, onde fundamentou suas ideias de que as emoções constituem o ser humano. Wallon e o desenvolvimento humano Wallon busca entender a criança contextualizada, situada em seu meio. Trabalha com a criança real, vista em seu ambiente concreto e não com uma criança idealizada. Para ele não existe um modelo único de criança, no qual se encaixe toda a população infantil. Critérios como a idade, níveis maturacionais, dependência do adulto e outros, separa- dos da realidade social, são insuficientes para se compreender a criança. O autor pontua que, em uma sociedade de classes, a criança tem de ser compreendida a partir de sua posição de classe social. Wallon reforça a importância de atentarmos ao fato de que não há uma população homogênea. Portanto, ao estudarmos a criança, devem ser investigados alguns fatores: quem é, ver- dadeiramente, essa criança? Como ela distribui seu tempo? 56 Psicodinâmica da Aprendizagem Quais são suas atividades e responsabilidades cotidianas? Frequenta escola? Por quanto tempo? Qual é sua função e qual é o espaço que ocupa no meio familiar? (BRÊTAS, 2000). A gênese dos processos psíquicos para Wallon O processo de desenvolvimento psicológico infantil não é en- carado como algo linear, rígido, fixado entre imutáveis limites temporais nem como um progresso puramente quantitativo. É uma construção que se dá ao longo do tempo, cujo resultado final é a personalidade do sujeito. Para compreendê-la, deve- -se buscar sua origem em um estudo global e abrangente da criança (BRÊTAS, 2000). Não se pode encarar a criança independentemente do meio em que se opera o seu crescimento e que sobre ela atua desde que nasce. O universo a que a criança deve adaptar-se e sobre o qual modela a sua atividade e as suas impressões não é uma espécie de universo em si, invariável e eterno; é o conjunto dos objetos próprios da época: o berço, a chupeta, as roupas, a luz artificial; mais tarde, os móveis, cujas estrutu- ras manipula, os instrumentos que lhe criam hábitos ou que a ensinam a dar forma às coisas; as instituições em que se insere a sua existência. E também as técnicas da linguagem, da ex- plicação, da compreensão que regulam os seus pensamentos e lhe impõem, através dos quadros conceptuais ou lógicos, o delineamento das forças e dos objetos que povoam o mundo Capítulo 3 Teorias do Desenvolvimento 57 posto hoje à sua disposição por milênios de civilização, de elaboração material e mental (WALLON, 1973). Nessa perspectiva, o desenvolvimento não é homogêneo e divide-se em etapas que, mesmo sendo subsequentes, podem aparentar oposição. Em cada uma dessas idades da infância, a criança estabelece um tipo de relação com o meio ambiente que é ditada pelo tipo de recurso de que ela dispõe naquele período. Esse meio não é uma entidade estática, mas modifi- ca-se com a criança. Para Brêdas (2000), na psicogenética walloniana, os fato- res biológicos são responsáveis pela sequência e pela regu- laridade entre os estágios, mas a duração de cada um será determinada pelos fatores sociais. Portanto, a relação com o outro terá importância primordial nesse processo. É a outra pessoa, representante da cultura, que interage com o bebê, ensinando-o e, portanto, humanizando-o. “O socius ou o ou- tro é um parceiro perpétuo do eu na vida psíquica” (WALLON, 1979, p. 156). Segundo Wallon (1979), a atividade infantil se distribui em campos funcionais que são a motricidade, a cognição e a afe- tividade. Na descrição dos estágios, pode-se observar a im- portância fundamental do movimento corporal e da presença do outro, representante da cultura, na constituição do sujeito social. Os estágios de desenvolvimento na perspectiva walloniana, segundo Galvão (2000), são os seguintes: 58 Psicodinâmica da Aprendizagem  Impulsivo-emocional: estágio do primeiro ano de vida onde predominam as emoções. É através das emoções, expressas e visíveis ao outro, que o adulto pode inferir se o bebê está bem ou não. A emoção é instrumento privilegiado de interação da criança com o meio.  Sensório-motor e projetivo: estágio típico entre 1 a 3 anos, em que há predomínio da cognição. A aquisição da linguagem social e da marcha permite à criança maior autonomia. Nessa fase, ela passa a interagir com o meio através da linguagem e é capaz de explorar o ambiente de forma mais eficiente.  Personalismo: estágio típico entre 3 a 6 anos. É nesse estágio que a criança constrói a noção de si.  Categorial: estágio típico entre 6 a 12 anos, em que predomina a cognição, pois nesse estágio a criança já se definiu como pessoa e demonstra interesse em des- cobrir o mundo.  Predominância funcional: estágio típico da adolescên- cia; nele os hormônios provocam mudanças no corpo e na voz. As mudanças corporais resultam em mudanças na percepção de si. Para a psicogenética walloniana, no processo de desen- volvimento psicológico infantil, pode-se perceber que, às ha- bilidades recentes, sobrepõem-se outras que, sempre a partir da referência dada pelo outro, terminam por constituir o todo, que é a personalidade. No adulto, não podemos separar emo- ções, razão e movimento. Para WalIon (1979), no processo de Capítulo 3 Teorias do Desenvolvimento 59 construção do sujeito, não há déficits, há diferenças que só poderão ser compreendidas a partir de uma análise da criança contextualizada. Desse modo, podemos ver nesses estágios um importante auxílio para uma melhor compreensão da criança e seu desenvolvimento. Recapitulando Neste capítulo, revimos os principais teóricos que trabalha- ram com os processos de desenvolvimento e aprendizagem da criança: Freud, Piaget, Vygotsky e Wallon. Vimos também o quanto a teoria de cada um deles contribuiu diferentemente para o entendimento sobre o desenvolvimento e a aprendiza- gem da criança, pois cada um estudou aspectos específicos desses processos. Referências ALMEIDA, S. F. C. de. O arqueólogo do inconsciente. Re- vista Educação. Biblioteca do Professor, 1: Freud pensa a educação, p. 6-15, 2006. BRETÃS, A. Psicomotricidade: da educação infantil à geron- tologia – teoria e prática. São Paulo: Lovise, 2000. FREUD, S. (1905). Três ensaios sobre a sexualidade. In: Salo- mão J. (Org.). Edição standart brasileira de obras com- pletas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969. 60 Psicodinâmica da Aprendizagem GALVÃO, I. 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