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Resenha - Feminismo nas Relações Internacionais Disciplina: Teoria de Relações Internacionais I - Turma PPGRI 2019 Ana Paula Bortolanza Ruppenthal Bianca Petermann Stoeckl Marinalva de Lima O impacto dos estudos feministas na disciplina de Relações Internacionais ocorreu em meados da década de 80 e 90 (Nogueira & Messari). O feminismo trata de uma abordagem teórica ampla e diversificada, que teve o mérito de impor a questão da identidade aos debates da disciplina de Relações Internacionais. A disciplina de Relações Internacionais simplesmente não possuía instrumentos para fazer esse tipo de discussão. Com a contribuição do feminismo, isso passou a ser possível. Nesse contexto, serão aqui apresentados trabalhos desenvolvidos por quatro autoras da corrente que sustentam e estabelecem ligações entre o pensamento feminista na ciências sociais e os estudos realizados no campo de RI. O desenvolvimento desta resenha será subdividido em quatro tópicos, o primeiro tratará as contribuições Cynthia Enloe “Margins Silences, and Bottom Rungs” publicado em 2004, o segundo tópico trará as contribuições de Kimberly Hutchings com o texto “ Cognitive Shortcuts” de 2008, o terceiro de Arpita Chakraborty “Can postcolonial feminism revive international relations?” de 2017 e o último texto utilizado é de Laura Sjoberg, “Toward Trans-gendering International Relations?”, de 2012. Cintia Enloe inicia uma reflexão sobre até que ponto os teóricos das RI estão dispostos a subestimar as quantidades e variedades de poder necessárias para formar e sustentar qualquer dado conjunto de relações entre estados na política internacional, cujas análises com frequência se baseiam em termos de possuir, demonstrar e utilizar o poder. Isso acaba por produzir um retrato ingênuo de como a política internacional de como realmente funciona. A autora traz questões conflituosas entre centro e periferia e mostra a conexão, correlação e relatividades dessa relação, no qual o poder só existe dentro de um relacionamento, nesse caso hierárquico. Porém o ponto comum é a falta de poder de uns e o objeto do poder de outros, isto é, a desigualdade. Explora como os analistas convencionais de relações internacionais, focados na razão, fortalecem essa desigualdade por meio do silenciamento das vozes marginalizadas e oprimidas dentro das estruturas de poder, pois a periferia está tão longe do poder que não seria interessante para um teoria racional. Questões marginais e de dignidade humana devem ser tratadas por antropólogos, socialistas ou feministas. A autora menciona a obra literária de Rosario Castellanos que fala sobre o predomínio dos argumentos masculinizados que naturalizam e justificam as estruturas sociais hierarquizadas. Especificamente quanto às mulheres ocupando posições marginalizadas, ela traz Chiapas, como exemplo positivo. Por meio da participação ativa das mulheres no Exército de Libertação Nacional Zapatista, na rebelião camponesa de Chiapas, local que se encaixa em todos os critérios de um espaço político classicamente marginal, lançado em janeiro de 1994, foi possível a criação de um espaço de diálogo dentro de Chiapas que não havia antes, espaços que não são benéficos apenas para as mulheres em si, mas para o coletivo. É apenas aprofundando-se em qualquer sistema político, ouvindo mais atentamente suas margens, que podemos estimar com precisão os poderes que ele tomou para fornecer ao Estado a aparente estabilidade que permitiu à sua elite presumir falar em nome de um todo coerente nas negociações comerciais interestaduais. No texto Atalhos Cognitivos da Kimberly Hutchings argumenta que uma das principais razões para a manutenção das mulheres e de questões de gênero às margens dos quadros teóricos por meio dos quais a política internacional pós-Guerra Fria é compreendida seria a legitimidade que é dada aos discursos de masculinidade dentro das teorias. A afirmação central é que a masculinidade opera como uma espécie de atenuação de senso comum, implícita e muitas vezes inconsciente, para processos de julgamento explicativo e normativo, e, portanto, uma das maneiras cruciais pelas quais nossa imaginação social científica é moldada e limitada. A autora explora essa afirmação por meio duas obras: o realismo "ofensivo" de Mearsheimer (A tragédia da política da grande potência, 2001) e a história pós-marxista de "império e multidão" na obra de Hardt e Negri (Empire, 2000). Muito influentes da política internacional contemporânea, mas muito diferentes ideologicamente, o que ambos têm em comum é a utilização da lógica da masculinidade como forma de tornar seus argumentos persuasivos. Eles fazem isso dentro do contexto específico de seu próprio relato teórico, estabelecendo uma masculinidade hegemônica que permite a discriminação entre o que conta e o que não conta e o que é bom e ruim na prática da política internacional e em termos de como a prática deve ser explicada e julgada. Em suma, os autores utilizam uma lógica de masculinidade para caracterizar seu objeto de análise e suas determinações principais e para caracterizar sua própria análise em relação para essa lógica. O enquadramento da política internacional contemporânea em termos da lógica da masculinidade prende nossa imaginação científica em um mundo muito familiar, no qual já entendemos como as coisas funcionam ontologicamente em termos de hierarquias de valor. Mas também fornece um atalho massivamente eficiente para as tarefas cognitivas de categorização e análise e para as tarefas avaliativas de julgamento com as quais Mearsheimer, Hardt e Negri estãoenvolvidos. Fazendo uma conexão com pontos das exposições anteriores, Arpita Chakrabort (2017), t raz uma análise do pós colonialismo e do feminismo fazendo uma interseccionalidades dessas duas escolas de pensamento, a partir do sul global na perspectiva das mulheres indiana após o conflito na Caxemira e nos estados do nordeste da Índia, a fim de entender como as relações internacionais podem ser descompactadas e usadas na realidade social da própria autora. L evanta uma reflexão em torno possibilidade de haver novos caminhos para se pensar o quê e como se estudam as relações internacionais das RI por meio do feminismo pós-colonial, a fim de desafiar as teorias tradicionais em política internacional apoiadas no eurocentrismo e na masculinidade que visam a manutenção da estrutura centro/ margem . A posição teórica do feminismo pós-colonial dá à disciplina de RI a possibilidade de tornar-se mais "internacional" e verdadeiramente inclusiva. O que isso significa é que, para que as relações internacionais reflitam a realidade vivida hoje, ela deve incluir a perspectiva de gênero e a experiência das mulheres, enquanto teoriza sobre a interação entre os estados soberanos. Longe das experiências vividas de domínio, opressão e estruturas de poder das mulheres, o discurso tradicional das relações internacionais tratava o Estado como o principal, senão o único, agente das relações internacionais, obliterando as implicações da vida real que conceitos como segurança, guerra e violência tem sobre as mulheres como sujeitos. Sua crítica à disciplina de Relações Internacionais como é estudada pela academia é que a mesma alimenta as necessidades históricas imperiais e neo-imperiais das superpotências, sendo necessária uma revisão geral de sua base suposições e visões de mundo para uma compreensão lúcida dos assuntos mundiais de uma perspectiva aceitável para uma grande parte da população mundial. Quanto ao silenciamento de vozes dos grupos marginalizados, mencionado por Enloe (2004, p.53), focando especificamente no caso das mulheres que se tornam agentes invisíveis a partir da visão masculinizada de poder , Arpita assevera que o feminismo pós-colonial tem propriedade para dar voz a esses grupos para que contribuam nas discussões que visem ao entendimento das relações mundiais. Ao falar sobre os casos da Caxemira, onde militares indianos se envolveram em violações corporais de mulheres civis, argumenta que as intervenções feministas nas RI devem abordar a questão da violação corporal das mulheres, de tal maneira que se torne um discurso estatal, questionando a forma como a perseguição de um ideal de segurança põe em risco a vida e a integridade daqueles e, especialmente, daquelas que deveriam ser “protegidos” Chakrabort (2017, p.54) Em “Rumo às relações internacionais transgênero?”, Laura Sjoberg (2012) aborda a trans-teorização para mostrar como a (IR) atualmente é cega para a diversidade de gênero e as contribuições conceituais que a trans-teorização poderia fazer. Defende que a trans-teorização pode trazer melhorias à teorização feminista nas relações internacionais, como um diálogo de, sobre e pela diferença, em vez de obscurecer sua própria diversidade e que essas discussões incluem uma compreensão da hierarquia de gênero através de uma abordagem pluralista ao sexo, quer como uma construção social ou como essencialmente biológica, bem como uma maior consciência de gênero envolvendo relações de poder entre os diferentes sexos e gêneros. A trans-teorização sobre gênero tem o potencial de ser uma força transformadora para a RI feminista, pois poderia abrir novas direções de pesquisa examinando a complexidade do gênero, as maneiras pelas quais as configurações da diversidade de gênero impactam e são impactadas por outras configurações políticas e as maneiras pelas quais multiplicidades (de gênero e outras) moldam interações políticas na política global. Sjoberg analisa conceitos da trans-teorização que têm implicações para a RI: hiper e (in)visibilidade, transição e liminaridade, exterioridade e desidentificação, como termos úteis para entender a política global e que são aplicáveis a questões de identidade, as relações entre indivíduos e grupos, e à aplicação de normas em RI. As noções de transição e liminaridade podem preencher uma lacuna na necessidade de mudança e instabilidade no sistema https://pt.qwertyu.wiki/wiki/Norm_(social) https://pt.qwertyu.wiki/wiki/Transitioning_(transgender) internacional e ajudar a explicar o processo, a lógica e as consequências de estados deslocando identidades. A desidentificação estratégica pode ser útil como uma ferramenta de resolução de conflitos no mundo das políticas, útil como uma das muitas ferramentas em potencial para reconciliar interesses que parecem ser diametralmente opostos. Conclui-se que as autoras convergem para o mesmo ponto, de que a tradição das Relações Internacionais há o domínio do pensamento masculinizado na construção das teorias e nos conceito do funcionamento das estruturas, da guerra, da paz e das relações de poder, que exclui as mulheres e as masculinidades subordinadas e desvalorizadas em seu domínio de teorização. Em vista disso, questionar-se sobre o lugar que as mulheres e os diferentes sexos e gêneros e as mudanças que ocorrem no cenário internacional contemporâneo é apenas um primeiro passo para se pensar, a partir da crescente literatura feminista do campo, as diferenças, as relações de desigualdade e a opressão entre gêneros na política internacional e os impactos que que essas discussões podem trazer para moldar esse contexto. ReferênciasCHAKRABORTY , Arpita. Can postcolonial feminism revive international relations? Economic and Political Weekly, v. LII, nº 20, p. 51-57, 2017. ENLOE, Cynthia. Margins Silences, and Bottom Rungs. In C. Enloe, The Curious Feminist: Searching for Women in a New Age of Empire . Berkeley: University of California Press, 2004. HUTCHINGS, Kimberly. Cognitive Shortcuts. In Rethinking the Man Question: Sex, Gender and Violence in International Relations , edited by Jane L. Parpart and Marysia Zalewski. London: Zed Books, 2008. PONTES NOGUEIRA, João; MESSARI, Nizar. T eoria das Relações Internacionais: correntes e debates . Rio de Janeiro, Elsevier, 2005. SJOBERG, L. Toward Trans-gendering International Relations?? In: International Political Sociology, v. 6, p. 337–354, 2012.
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