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O Cristão e a Cultura Horton (1)

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1 
 
 
 
 1 
O Cristão e a Cultura 
 
Uma visão cristã da cultura 
 e do seu papel dentro dela 
 
 
Michael S. Horton 
 
tradução Elizabeth C. Gomes 
19 de abril de 1997 
Para Gary Horton, com gratidão por uma vida toda de amizade e apoio. 
 2 
CONTEÚDO 
 
 Introdução 
1. Como ser um cristão mundano 
2. Soberania da esfera: cuidar de nossos próprios afazeres 
3. “Vã filosofia”: Uma fuga do anti intelectualismo 
4. Cristianismo e as artes 
5. Arte na vida do cristão 
6. Cristianismo e a ciência moderna: Não podemos ser amigos? 
7. Trabalho para o final de semana 
8. Um mundo enlouquecido 
Conclusão: No mundo mas não do mundo
 3 
INTRODUÇÃO 
 
 Por vezes os hinos me confundem. Eu me lembro bem, quando garoto, de ficar 
confuso com dois hinos populares que me pareciam totalmente contraditórios. O primeiro 
era “Aqui não é meu lar, um viajante sou”, e o outro era “O mundo é do meu Pai”. Se o 
mundo é do meu Pai, eu pensava, porque estou apenas passando por ele como viajante? 
 Mas os hinos não eram a única coisa a confundir no negócio de relacionar-me 
como cristão no mundo. Esperava-se dos cristãos que justificassem tudo nas suas vidas 
pela sua utilidade espiritual ou evangelística. No máximo, a educação, atividades, 
vocações ou buscas “seculares” eram um mal necessário -- para se ganhar a vida, para ter 
com que dar o dízimo e dar para missões. Na pior das hipóteses, distraíam da vida cristã. 
Agiam como a canção da Sirene seduzindo mundaninhos insuspeitos aos recifes da 
incredulidade e do afastamento de Deus. Assim, os que queriam ser empresários 
procuravam empregos em organizações e agências cristãs. Se descobríssemos um 
pequeno Rembrandt num jovem artista da igreja, nós o colocávamos como responsável 
pelo quadro de avisos e (se ele fosse realmente bom) deixávamos que pintasse o 
batistério. Esperava-se dos nossos cientistas que promulgassem a causa do criacionismo -
- mesmo que a cosmologia ou as ciências biológicas e antropológicas não fossem suas 
especialidades. Dos músicos esperava-se que entrassem (ou formassem) na banda de 
louvor ou fizesse uma turnê pelas igrejas do país -- o tamanho da igreja, claro, dependia 
do grau de talento do artista. Através dos anos, temos criado os nossos próprios guetos de 
artistas, super estrelas e apresentadores, com versões cristãs de tudo que há no mundo. 
 4 
 Essas experiências, porém, não se limitam ao nosso tempo e lugar. A Renascença, 
e de modo especial, os tempos da Reforma foram reações ao modo medieval de encarar a 
vida. Para a igreja medieval, filosofia, arte, música e ciência se confundiram tanto com a 
religião que não dava para distinguir uma da outra. A filosofia não era, na realidade, 
filosofia, A Renascença demonstrou como a interpretação da igreja medieval de 
Aristóteles e Platão (os favoritos) era diferente dos escritos daqueles filósofos. Se alguém 
quisesse ser artista, mais uma vez procurava-se a igreja para um emprego, como a arte era 
ferramenta da pregação ou do ensino da vida e dos tempos de Jesus e seus apóstolos. E os 
sofrimentos de Copérnico e Galileu nos lembram do perigo de dizer mais do que a Bíblia 
diz sobre teorias científicas específicas. 
 A pressão de justificar arte, ciência e diversão 
 em termos do seu valor espiritual ou sua utilidade evangelística 
acaba prejudicando tanto o dom da criação 
 quanto o dom do Evangelho. 
 A Reforma libertou homens e mulheres cristãos para seguir com dignidade e 
respeito os seus chamados divinos no mundo, sem ter que justificar a utilidade desses 
chamados à igreja ou ao empreendimento missionário. A vocação era dom da criação. 
Até mesmo os não cristãos, como quem carrega a imagem de Deus, possuíam este 
chamado divino. Crente e incrédulo eram igualmente responsáveis por desenvolver seu 
trabalho com excelência -- um reconhecendo a Deus como autor e alvo dessa excelência, 
e o outro servindo a Deus com seus talentos apesar de sua recusa em reconhecê-lo como 
doador e alvo de tudo. Em contraposição à visão monástica do mundo, a Reforma 
 5 
promulgava uma teologia que abarca o mundo, um dos fatores principais no 
desenvolvimento da ciência, da Era Dourada” da arte holandesa e da literatura inglesa e 
escocesa, a libertação da igreja da política, a difusão universal da leitura e da escola 
pública, e o grito por liberdades civis em contraposição ao fundo da tirania vigente. 
 É claro, não existe movimento perfeito -- há envolvida em todos gente demais 
parecida conosco! A Reforma não é exceção, com sua parcela de erros e os disparates de 
homens e mulheres pecadores. Contudo, os temas bíblicos por ela recuperados trouxeram 
de volta ao povo de Deus um senso de pertencer a este mundo durante o tempo que Deus 
nos deu, mas pertencer dentro de, e não como parte do mundo. 
 A pressão de justificar a arte, ciência e a diversão em termos do seu valor 
espiritual ou sua utilidade evangelística acaba prejudicando tanto o dom da criação 
 quanto o dom do Evangelho, desvalorizando o primeiro e distorcendo, no processo, o 
segundo. Por exemplo, “música cristã” é freqüentemente uma desculpa para artistas 
inferiores conseguir vencer numa sub cultura cristã que imita o brilho e glamour do 
entretenimento secular, inclusive suas próprias cerimônias de premiação e seu ambiente 
de super estrelato. Pode ser que essa não seja a intenção por parte de muitos artistas que 
querem contribuir ao cenário da música cristã contemporânea, mas a indústria acaba 
produzindo, na maioria, imitações nada criativas, repetitivas, superficiais da música 
popular. Produzir música em conformidade com os gostos anestesiados duma cultura 
consumista já é ruim; imitar a arte comercializada é desperdiçar os talentos, a não ser que 
se esteja escrevendo para o rádio e a televisão. Trivializa tanto a arte quanto a religião. 
Não quero com isso condenar todos os artistas cristãos, pois há muitos musical e 
liricamente sofisticados o bastante que integram uma compreensão séria da mensagem 
 6 
bíblica com um estilo musical criativo. Também não quero que sejamos “esnobes” 
musicais que confundem seu gosto particular com a Palavra revelada de Deus. Afinal de 
contas, freqüentemente “a verdade está escrita nas paredes do metrô”, o equivalente 
arquitetônico da música popular. É esta uma das razões pelas quais eu aprecio a música 
popular de vez em quando, em parte porque é agradável e traz lembranças de tempos 
passados. Mas é uma forma inferior, dirigida comercialmente (noutras palavras, 
financeiramente) que se rebela contra os padrões mais altos da expressão artística. 
 Essas pressões, porém, para se criar versões distintamente “cristãs” de tudo no 
mundo (ou seja, na criação), pressupõem que exista algo essencialmente errado com a 
criação -- e essa é uma pressuposição teológica que tem influência muito maior na 
formação das atitudes evangélicas em todas essas esferas do que geralmente se admite. 
Examinaremos essa posição básica nos próximos capítulos. 
 Permita-me dizer de início que este livro não é uma análise sofisticada da base 
teológica de uma visão cristã do mundo ou da natureza das artes, ciências, filosofia e 
assim por diante. É para o leitor geral, especialmente para aqueles crentes que lutam com 
uma sub cultura que abafa ao invés de encorajar seus impulsos e suas ambições 
divinamente dotadas. Nesse sentido, é um livro pastoral. É oferecido com esperança de 
que os teólogos aprendam mais sobre outras disciplinas e que cristãos nessas outras 
disciplinas se ancorem mais firmemente sobre a teologia bíblica antes de tentar “integrar” 
sua fé e vida. Mas não obstante a posição do leitor em relação a esses tópicos -- seja ele 
um esteta de muita cultura ou uma mãe cristã que quer saber se sua filha pode cursar com 
segurança uma universidade secular -- haverá poucos desafios às idéias prevalecentes no 
mundo evangélico e aqui e ali algo em que pensar um pouco mais. 
 7 
 Parainiciar, quero definir alguns termos, Primeiro, estarei usando o termo 
“cultuara" no seu senso mais amplo, referindo-me tanto à cultura popular (esportes, 
política, ensino público, música popular e diversões, etc. e a alta cultura ( horticultura, 
academicismo, música clássica, ópera, literatura, ciências, etc.). Uma definição útil e 
abrangente de “cultura” para nossa discussão pode ser “a atividade humana que 
intenciona o uso, prazer e enriquecimento da sociedade”. Segundo, por “igreja” estou 
dizendo a igreja institucional, -- “onde a Palavra de Deus é pregada e os sacramentos são 
administrados corretamente”, como diziam os reformadores. Quando, por exemplo, se diz 
que a igreja não deve confundir sua missão com as esferas da política, arte, ciência, etc., 
não se está sugerindo que os cristãos como indivíduos devessem abandonar esses campos 
(muito pelo contrário), mas que a igreja como instituição deve observar a sua missão 
divinamente ordenada. Essa igreja institucional deve ser entendida como expressão 
visível do corpo universal de Cristo através de todos os séculos e em todo lugar. A igreja 
institucional recebeu a comissão única de pregar a Palavra e fazer discípulos, Meu 
emprego da palavra “igreja” , portanto, não é apenas uma referência ao corpo coletivo de 
cristãos individuais, mas ao organismo vivo fundado por Cristo, ao qual foi confiado o 
seu próprio ministério pessoal.
 8 
.Capítulo Um 
COMO SER UM CRISTÃO MUNDANO 
 “Só quero servir ao Senhor”. 
 Qual a sua primeira impressão dessa declaração? Quando um novo crente que é 
advogado há vinte anos diz que resolveu “virar as costas para o mundo” e “entregar sua 
vida a Jesus”, nós não presumimos automaticamente que isso vá incluir algum 
compromisso radical com uma nova profissão? Talvez ela passe a trabalhar num serviço 
de advocacia cristã ou até mesmo abandonar por completo o direito para uma profissão 
ligada à igreja. 
 Normalmente consideramos a paixão por servir ao Senhor como paixão por 
missões, evangelismo e envolvimento nas atividades e nos ministérios da igreja 
institucional. Mas quero que repensemos essa idéia através dos seguintes capítulos. 
Quero que consideremos a possibilidade de que servir ao Senhor signifique um 
compromisso renovado em desempenhar a função à qual fomos chamados com maior 
excelência ao invés de abandoná-la por outro chamado. 
 Alguns cristãos têm dificuldade em entender sua relação para com o mundo 
porque percebem a terra como sob o reinado de Satanás, portanto, é melhor concentrar no 
evangelismo e no crescimento espiritual particular do que se envolver numa atividade 
secular. Através deste livro exploraremos o caráter da espiritualidade evangélica que 
afirme o mundo, desde a Reforma aos Puritanos e em algumas expressões 
contemporâneas. Especialmente no próximo capítulo, procuraremos também ver a 
importância de mantermos nosso envolvimento com o mundo num equilíbrio correto. 
SATANÁS ESTÁ NO CONTROLE? 
 9 
 “O deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos, para que lhes não 
resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é à imagem de Deus”(2 
Coríntios 4:4). 
 A partir deste trecho, muitos, através dos séculos, concluíram que o mundo está 
sob controle de Satanás e suas hostes. Os livros tremendamente populares de muitos 
“guerreiros espirituais” contemporâneos contribuíram para um dualismo cósmico entre 
Deus e Satanás, luz e trevas, o bem e o mal. Este tem sido um aspecto do impulso 
gnóstico que sempre volta a aparecer, vendo este mundo como um campo de batalha 
cósmica entre forças espirituais cujo destino será decidido pela habilidade de terráqueos 
com conhecimento e destreza espiritual. Assim, “mapeamento espiritual”, promulgado 
por crescente número de missiólogos, tenta identificar “pontos quentes” de atividade 
demoníaca com o alvo de “amarrar" os maléficos opressores da região. Naturalmente, soa 
como algo saído de um livro medieval de superstições, mas é levado muito a sério por 
bom número de líderes evangélicos. 
 Os reformadores se alarmaram com o reavivamento, em sua época ,da antiga 
heresia do maniqueísmo, ma forma de gnosticismo que enfatizava o dualismo entre o 
“deus bom” e o “deus mau”. Como ressaltou Calvino com respeito a este trecho, “Paulo 
diz em outro lugar que „muitos são chamados de deuses‟ (1 Coríntios 8:5) e Davi declara 
que „os deuses das nações eram demônios‟ (Salmo 96:5)... Quanto aos maniqueístas esse 
título não sustenta mais os seus pontos de vista do que quando o diabo é chamado de 
príncipe deste mundo... Pois o diabo é chamado o deus deste mundo exatamente da 
mesma forma como Baal é chamado o deus daqueles que o adoram ou o cão é chamado o 
deus do Egito”. Não são na realidade deuses, mas são tratados como tais pelas 
 10 
imaginações obscurecidas das nações. Conforme Lutero disse “O diabo é o diabo de 
Deus”, Calvino também argumentava que toda influência demoníaca e satânica do mal 
estava sob o comando soberano de Deus e está sob o controle do verdadeiro Soberano do 
Universo. 
 C. Peter Wagner relata um caso em que um missionário pentecostal distribuía 
folhetos. A fronteira entre o Uruguai e o Brasil passava pela rua principal desta 
cidadezinha. Quando o missionário percebeu que os do lado uruguaio não aceitavam os 
folhetos, enquanto os brasileiros aceitavam, Deus lhe deu uma “palavra”: O “valente” 
estava amarrado de um lado, mas não no outro. Wagner oferece mais um exemplo: 
 
 Omar Cabrera, de Santa Fé, Argentina, é um evangelista que leva a sério a 
necessidade de amarrar o valente ou quebrar o poder da hierarquia territorial. Quando ele 
vai a uma nova área ele se fecha sozinho num quarto de hotel por uns quatro ou cinco 
dias de jejum e oração intensos, Ele luta com as forças do inimigo até que identifique os 
valentes que dominavam o território. Então ele luta com eles e os amarra no nome do 
Senhor. Quando isso acontece ele simplesmente vai para a reunião e anuncia ao auditório 
que estão libertos. Os doentes começam a ser curados e os perdidos começam a ser salvos 
até mesmo antes dele pregar e orar por eles. Essa espécie de evangelismo de poder fez 
com que o seu movimento, Visão do Futuro, crescesse de 10.000 para 135.000 crentes em 
cinco anos.
i
 
 
 Naturalmente, as Escrituras não relatam nenhum exemplo de pessoas se salvando 
antes de ouvir a pregação da Palavra. Até mesmo muitos títulos de livros evangélicos 
populares demonstram essa fascinação com a guerra cósmica que nada tem a ver com a 
batalha espiritual descrita na Escritura. Na Bíblia, a batalha espiritual ocorre sobre esta 
terra, quando Satanás tenta confundir ou diminuir no crente a confiança em Cristo e na 
sua justiça imputada como suficiente para a salvação. Em outras palavras, é uma batalha 
pelos corações e pelas mentes, e tem a ver com verdade versus erro, fé versus 
incredulidade, crença em Cristo versus crença em qualquer outra coisa ou pessoa. Não se 
focaliza em “encontros de poder” e exorcismos, mas no “valente” ser expelido por um 
“homem mais valente” que toma o seu lugar. Esse modismo popular tem mais afinidade 
com os filmes de “Guerra nas Estrelas” e é influenciado mais pelo sensacionalismo da 
 11 
cultura popular, com sua atração pelo paranormal, do que por trechos claros das 
Escrituras. 
 “Encontros de Poder” não era exatamente o que Paulo tinha em mente ao referir-
se a Satanás como “o deus deste século”. Ele não dizia que um bom Deus reina no 
âmbito espiritual enquanto um deus mau reina nas arenas “seculares” e “mundanas”. 
Satanás é apenas deus deste mundo no sentido que ele está sendo servido como se fosse 
um deus. Como ministro da ira, Satanás cegou os corações de judeus e gentios, mas é 
sempre dentro da permissão divina, e essa permissão poderá ser retirada sempre que Deus 
quiser. 
 Não há, portanto, razão para ver este mundo como inerentemente mau, campo de 
batalha para o controledo planeta e do universo, cujo resultado é determinado pela 
habilidade de alquimistas espirituais amarrarem os demônios e fazerem o mapeamento 
espiritual das regiões. Embora nós, homens e mulheres pecadores, tornamos este mundo 
em lugar de rebeldia, maldade e desordem, Satanás não tem a mínima chance de vitória 
final; ele não tem, em tempo algum, vitória sobre os propósitos de Deus e nem pode 
frustrar os intentos de Deus (Daniel 4:34-37). Contudo, ele é incansável em tentar 
enfraquecer a confiança do crente na graça de Deus. A resposta a isso tem que ser um 
entendimento mais firme do evangelho. 
A soberania de Deus nos consola na crise 
 e contém nosso orgulho no triunfo. 
 A soberania de Deus não é apenas um ponto essencial da fé cristã em especial ( e 
do teísmo em geral), mas é também imensamente prática para nossa confiança de que 
Deus luta as nossas batalhas por nós; o mal nunca terá a última palavra. Na cruz, nossa 
 12 
dívida não foi apenas cancelada, mas “despojando os principados e as potestades, 
publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz” (Colossenses 2:15). Não 
seria o máximo da arrogância, beirando a blasfêmia, sugerir que é a vitória do crente 
sobre as forças demoníacas ao invés do triunfo de Cristo, uma vez por todas, que garante 
a libertação das amarras de satanás? É por proclamar o Evangelho, declara Paulo em sua 
passagem famosa sobre batalha espiritual (Efésios 6), não por tomar sobre nós mesmos a 
tarefa de extirpar as trevas espirituais, que o Reino de Deus é divulgado e o reino de 
Satanás é diminuído. 
 Freqüentemente nossas causas políticas, como nossas cruzadas evangelísticas, 
tendem a ignorar esta verdade fundamental, fazendo com que às vezes pareça que este 
último movimento, mais recente e grandioso (a Direita Cristã na política, os Cumpridores 
de Promessa, o movimento de Sinais e Maravilhas, AD 2000 no evangelismo e missões) 
de nossa própria atividade e ambição frenética em projetos e empreendimentos atinja a 
obra que as Escrituras atribuem à Cruz de Cristo. Ou, no outro lado, se a pessoa errada 
estiver na Presidência, temos a impressão de que o universo está fora do nosso controle, 
como se Deus dependesse de nós e de nossas maquinações para a realização do seu reino. 
Muitas vezes, os crentes mais bem-intencionados se envolvem nessas causas com os 
melhores motivos, mas é grande a tentação de esquecer, quando perdemos, que Cristo 
ainda é Rei e que, quando nós ganhamos, ainda assim nós não o somos. 
 É claro que isso não significa que o triunfo de Cristo na cruz elimine nossa 
responsabilidade de evangelizar as nações ou de ensinar-lhes a justiça, mas é afirmar que 
a única forma de se trazer esta vitória às nações é por proclamar o que Cristo já realizou, 
não por nossos feitos de grandeza e glória. Pois, diferente dos “super apóstolos”, como 
 13 
Paulo se referiu aos gnósticos, “Porque não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo 
Jesus como Senhor, e a nós mesmos como vossos servos por amor de Jesus” ( 2 Coríntios 
4:5). 
 A soberania de Deus consola-nos em crise e contém nosso orgulho no triunfo, 
lembrando-nos que não somos nós que determinamos o resultado das batalhas espirituais, 
mas Cristo o Rei que luta por nós e já assegurou-nos a vitória final. 
ALGUNS BONS EXEMPLOS 
 Sendo que este ainda é o mundo de Deus e que Ele reina soberano ainda mesmo 
quando não reina como Salvador, como podemos nos tornar “cristãos mundanos” no 
melhor sentido da frase? Talvez fosse útil observar a herança que temos no cristianismo 
evangélico, não porque não houvessem grandes exemplos de fidelidade a essa missão 
mundial antes da Reforma, mas porque este movimento restaurou a piedade que abarca e 
afirma o mundo encontrada claramente exposta nas Escrituras Sagradas. 
 Martinho Lutero sabia que compreender que a aceitação do pecador perante um 
Deus santo era resultado de uma “justiça estrangeira” que necessariamente conduziria a 
revoluções nos relacionamentos humanos. Liberto de focalizar só para dentro, o crente 
estava livre para tomar o mundo como uma atividade espiritual e piedosa, em vez de 
separar-se dele com o entendimento distorcido de que estivesse assim se separando do 
pecado. “Pois até mesmo na cela do monge,” Lutero lembrava, “eu ainda tinha aquele 
malandro (sua própria natureza pecaminosa) ali junto comigo”. 
 Quando pessoas leigas comuns descobriram o Evangelho, foram de tal forma 
revolucionadas por ele que queriam fazer tudo para promovê-lo. Longe de levar à 
lassidão 
 14 
moral. inspirava zelo onde antes havia apatia. Na verdade, um sapateiro perguntou a 
Lutero o que ele deveria fazer agora que conhecia o evangelho. Qual deveria agora ser o 
seu chamado? Da mesma forma que o caso hipotético do advogado que queria servir a 
Deus, mencionado no início deste livro, era uma pergunta óbvia para uma pessoa 
medieval que fora treinada a achar que uma grande experiência religiosa requeria 
devoção especial em termos de um chamado sagrado. A resposta do reformador foi 
surpreendente para o sapateiro, do mesmo modo que surpreenderia muitos de nós hoje: 
“Faça um bom sapato e venda-o com preço justo”. Quando lhe perguntaram o que faria se 
ele soubesse que Cristo estava voltando amanhã, Lutero respondeu: “Eu plantaria uma 
árvore”. Noutras palavras, Deus se agrada de nossa atividade comum e fiel neste mundo, 
de tal forma que Lutero não achava que teria que estar em oração ou “exercícios 
espirituais” no momento da volta de Cristo para receber a sua bênção. 
Na família 
 Lutero é considerado por muitos historiadores como o pai do ponto de vista da 
família que tornou-se parte de uma herança ocidental hoje em desaparecimento. Antes, a 
falsa espiritualidade diminuía o valor de um lar piedoso no sentido de não considerar que 
criar uma família fosse um ato de serviço a Deus em si mesmo. Era secular, mundano, 
comum, e portanto, os cristãos mais devotos se separariam de tais preocupações 
mudanças e concentrariam em sua ascendência espiritual pessoal na escada de 
experiência e piedade cristã. Relações sexuais eram consideradas um mal necessário com 
propósitos de procriação, mas Lutero e os outros reformadores causaram um grande 
escândalo ao dizer que eram também com propósito de prazer e comunhão no 
relacionamento conjugal. Os relatos que temos da vida no lar de Lutero estão cheios de 
 15 
retratos de uma família sentada em volta da mesa orando, lendo a Bíblia e cantando, 
tocando instrumentos e jogando, brincando. 
Na arte 
 Na arte as coisas também começavam a mudar, como veremos em detalhes 
quando discutirmos o cristianismo e as artes. Pode-se observar a transformação quando se 
visita um museu moderno que tenha uma coleção medieval e uma coleção do barroco 
holandês. Alguns anos atrás, experimentei isso com um amigo católico romano com 
quem eu estudava direitos humanos na França. Nós estivemos lendo juntos a epístola de 
Paulo aos Romanos e ele estava ansioso por aprender mais a respeito do Evangelho. Um 
dia, quando visitávamos o Louvre em Paris, visitamos a ala medieval e depois o barroco 
holandês. Sem muita direção, ele pôde ver em ação os diferentes pontos de vista sobre o 
mundo. as pinturas medievais, por exemplo, o assunto era quase sempre religioso. 
Mesmo quando retratados assuntos seculares (tais como os mitos pagãos), personagens 
ou imagens bíblicas eram integradas como se de alguma forma o assunto secular exigisse 
alguma justificativa. 
 Os quadros populares de Nossa Senhora e Filho, refletindo as influências 
bizantinas, eram freqüentemente iconográficas: isto é, achatadas, unidimensionais e 
altamente decorativas. A intenção óbvia era inspirar devoção e ensinar uma lição moral 
ou espiritual. Em nada diferente de nossos próprios dias, a imagem, mais do que a 
palavra, era o meio de comunicação e instrução, e a arte servia um propósito didático e 
moral. A igreja encomendava a maior parte dasobras artísticas, e era assim que uma 
pessoa de talento ganhava a sua vida no mundo medieval. 
 16 
 Fomos então para a ala do barroco holandês e imediatamente notamos uma visão 
totalmente diferente da vida e da religião. Primeiro, a maioria das obras era secular, ou 
seja, não foi feita para pregar ou ensinar. Não tentavam informar ou inspirar uma piedade 
fora do mundo. Somos tocados pelas cenas pastorais, pequenos retratos de vida comum 
nos vilarejos, homens e mulheres trabalhando, famílias (como a de Lutero) em volta de 
suas mesas tendo prazer no que os outros faziam para divertir com instrumentos musicais, 
(às vezes com a participação do pastor, indicando a afirmação desta vida no lar pela 
igreja). Há ainda as natureza mortas, com tigelas de frutas cuidadosamente representadas, 
e há as cenas tristes com a pobreza dos sem-teto contrasta com a animação da vida na 
corte. Este mundo era assunto aceitável de maravilha e estudo, mesmo quando não desse 
uma lição espiritual ou moral ou convertesse os perdidos. Ainda assim, embora não fosse 
seu propósito explícito, os quatros eram ilustração da diferença entre a piedade católica 
romana na qual meu amigo fora criado (e que havia rejeitado) e a perspectiva evangélica. 
Deu-me um exemplo que explicava o próprio evangelho e discutia as formas como os 
dois evangelhos diferentes criavam dois distintos pontos de vista sobre o mundo. 
 Até mesmo nos quatros religiosos, nota-se uma revolução na visão do mundo que 
tinham os artistas. Por exemplo, nos quadros medievais da Família Sagrada, há um retrato 
achatado, unidimensional. Maria, José e Jesus vestem mantos caros e têm halos dourados 
em volta de suas cabeças. Afinal de contas, o propósito era inspirar devoção, ensinar e 
trazer os leigos ao contato com o Deus invisível. No quadro de Rembrandt do mesmo 
assunto, ele fez a sagrada família sentada no canto de uma sala. Na parte da frente, que 
ocupa a maior parte da pintura, vê-se um lar típico de campesinos. Todas as indicações 
de vestimenta e ambiente mostram que é uma família normal e simples de gente do 
 17 
campo. A fonte de luz é natural" em vez de emanar dos halos, entra pela janela como luz 
natural do sol da tarde. 
 Há, portanto, dois princípios importantes funcionando: Primeiro, há a aceitação 
do mundo como é de verdade, criado por Deus, sob o cuidado de Deus, mas quebrado e 
corrupto. É totalmente realista e nada sentimental. Existe perspectiva verdadeira, dando a 
impressão de que esta é uma família de verdade que mora num lugar de verdade, dentro 
de um tempo verdadeiro, e não uma família espiritualizada, efêmera sem ligação com a 
realidade do mundo. Parte desta perspectiva se deve à influência da Renascença, que se 
rebelou contra a visão medieval e sua maneira estática de ver a vida e a história, 
insistindo em que o estudo de história e das disciplinas seculares pudesse ser um fim em 
si mesmo, separado do controle de tudo da espiritualidade da igreja. Mas a Reforma 
explorou esse interesse em recuperar um senso de história e perspectiva verdadeiro -- não 
apenas recuperando a antiga fé, mas também descrevendo o mundo real em termos 
verdadeiros. Verdade: Jesus é Deus, mas a igreja medieval de tal maneira enfatizara a sua 
distância e divindade que os devotos tinham que olhar para os santos e para Maria para 
entender alguma coisa. A Reforma enfatizou a verdade que deus se fez homem, trazendo 
dignidade à vida terrena e secular. Em Cristo, Deus tornou-se vizinho próximo da 
pessoa. O segundo princípio é este: não é necessário “santificar" a arte exigindo que ela 
sirva aos interesses morais e religiosos da igreja. A criação é uma esfera legítima em si 
mesma. O falecido historiador holandês Hans Rookmaker, amigo de Francis Schaeffer, 
resumiu bem esse conceito no título de seu livrete “Art needs no justification”( A arte não 
precisa de justificativas). 
 18 
 Embora a visão medieval do mundo produzisse uma multidão de obras artísticas 
surpreendentes, belas e evocativas nas habilidosas apresentações do ideal religioso, a 
visão Reformada libertou a arte das amarras, permitindo que ela fosse um 
empreendimento puramente secular, um dom de Deus. Nomes tais como Rembrandt, 
Vermeer, de Hootsch, Cranach, Holbein, e Dürer figuram alto na história da arte, dando 
expressão artística a esse ponto de vista. Na verdade, Albrecht Dürer (1471-1528) se 
converteu ao Evangelho e tornou-se aluno e amigo pessoal de Lutero, pois os ensinos do 
reformador o “livraram de grandes ansiedades”. Dürer, que já abraçara o estilo 
renascentista sobre o medieval, agora sentiu-se livre para retratar assuntos seculares nas 
ilustrações para textos científicos, nos mapas de exploradores, e retratos de pessoas. Suas 
gravuras (tais como seu famoso “Quatro cavalheiros do Apocalipse”) eram muitas vezes 
religiosos, mas em estilo realista. Quando esses artistas apelavam para as histórias 
bíblicas, os personagens vestiam roupas contemporâneas e representavam vidas 
verdadeiras de pessoas de todas as camadas da vida, ricos e pobres. Lucas Cranach, que 
morreu em 1553, fez muitos retratos e peças para altares de igrejas evangélicas. 
 O reformador de Zurique, Ulrico Zuinglio (1484-1531) proibiu a arte e a música 
na igreja porque insistia na centralidade única da Palavra e dos sacramentos. Contudo ele 
próprio tocava instrumentos e fundou a orquestra de Zurique. Vez após vez vemos a 
atitude dos reformadores como sendo longe de anti arte ou anti música; queriam, pelo 
contrário, libertar a Palavra no culto e as artes na criação, desde que estas não tivessem 
primazia sobre a Palavra. “A música é um maravilhoso dom de Deus‟, disse ele, “e 
depois da teologia, eu não desistiria do meu pequeno conhecimento musical por nada. A 
 19 
juventude precisa aprender esta arte, pois ela forja pessoas excelentes e habilidosas”.
ii
 Até 
mesmo professores escolares devem saber cantar, insistia Lutero. 
 Conquanto muitos dos anabatistas defendessem desprezar as artes como sendo 
“mundanas”, Lutero contra argumento: “Não sou da opinião de que as artes devam ser 
jogadas de lado ou desprezadas pelo Evangelho, como protestam algumas pessoas super 
espirituais; eu quisera ver, com prazer, todas as artes, especialmente a música, a serviço 
daquele que as deu e as criou”
iii
. Compositor de hinos ele mesmo, Lutero inspirou toda 
uma tradição de hinologia evangélica. 
Na música 
 O nome de Johann Sebastian Bach vem à mente como alguém que levou à frente 
essa visão. Tanto suas peças sacras quanto as seculares levavam a mesma assinatura 
“S.D.G.”o dizer reformado “Soli Deo Gloria” (só a Deus a glória), e ele mandou gravar 
essas letras no seu órgão em Leipzig. G.F.Händel declarou “Que coisa maravilhosa é ter 
certeza de nossa fé! Que maravilha ser membro da igreja evangélica, que prega a livre 
graça de Deus através de Cristo como esperança dos pecadores! Se fôssemos depender de 
nossas obras -- meu Deus, o que seria de nós?”
iv
No século dezenove, um jovem músico 
judeu se converteu a Cristo e compôs sua célebre “Sinfonia da Reforma” como tributo ao 
dom gracioso de Deus. O nome daquele jovem foi Felix Mendelssohn. 
 Esses grandes artistas puderam mover-se livremente entre o secular e o sagrado 
sem confundir nem um nem o outro, pois estavam de bem com a realidade, fosse ela a 
realidade sobre a Criação e a Queda, épicos históricos, impressões delicadas de uma terra 
estrangeira ou a realidade da salvação do pecado pela redenção em Cristo. Eles se 
 20 
moviam confortavelmente entre o secular e o sagrado como âmbitos legítimos e 
divinamente ordenados, mas não confundiam os dois. 
 A tradição reformada mais formada pela influência de João Calvino produziu 
também uma rica tradição artística. Não só o Barroco Holandês era tributo à sua 
influência, como também a tradição do cântico dos salmos, hoje em dia muito esquecida, 
que foi popularizada durante o seu ministérioem Genebra. Crianças de escola na França 
cantavam os Salmos nos pátios onde brincavam (até que o mestre de escola os compelisse 
a parar) e estes hinos majestosos foram cantados em lugares longínquos como na 
Hungria, Polônia, Escócia e Itália durante a Reforma. Embora Calvino admoestasse 
contra colocar a igreja de volta sob as leis cerimoniais de Israel, que eram apenas sombra 
do reino futuro e passaram com a vinda de Cristo, ele encorajou o desenvolvimento de 
sociedades musicais na comunidade. Para o cântico sagrado dos salmos nas igrejas, ele 
empregou o poeta mais famoso da Renascença Francesa, Clement Marot (1497-1544) 
para escrever o texto e compor a música com a assistência de Louis Bourgeois. 
 Até mesmo nas artes dramáticas, houve um impacto notável. A maioria das peças 
dramáticas era em forma de peças medievais de moralidade, que freqüentemente tinham 
o mesmo final: o bom era recebido na glória e os que não aprenderam a lição eram 
lançados no inferno. Mas os reformadores libertaram também esta esfera do domínio da 
igreja. Na verdade, o pastor associado de Calvino e seu sucessor em Genebra, Teodoro 
Beza (1519-1605) escreveu a primeira tragédia francesa, entre escrever seus imensos 
tomos teológicos. Os puritanos na Inglaterra estavam longe de condenar o teatro, como 
uma obra teatral importante por Martin Butler, Theater and Crisis, 1632-1642 
 21 
(Cambridge University Press, 1984) demonstrou. Muitos deles eram, eles próprios, 
arquitetos do palco shakesperiano. 
Na literatura 
 Nas artes literárias, a Reforma inspirou liberdade das constrições eclesiásticas 
também, Vemos aí o surgimento do romance moderno, estudos históricos e uma 
variedade de explorações literárias. Lutero escreveu sobre uma variedade de assuntos 
seculares, e Calvino até mesmo experimentou com a poesia. A primeira obra publicada 
de Calvino foi um comentário De Clementia (sobre a clemência), um estudo do antigo 
jurista romano Sêneca. Beza escreveu textos políticos que muitos historiadores hoje 
consideram como tendo grande influência na formação da teoria democrática moderna. 
Grande número de mudanças perturbadoras e transformadoras 
 poderiam ocorrer na nossa compreensão do universo 
sem que despojassem a revelação infalível da Escritura. 
 A “Era Dourada” da literatura inglesa está ligada à reforma, com nomes tais como 
Spenser, Donne, Herbert, Milton e uma multidão de outras luminárias foram resultado da 
enorme influência daquele movimento evangélico. 
Na Ciência 
 O mesmo espírito prevaleceu na ciência. Não há melhor exemplo da confusão e 
do domínio da igreja sobre os empreendimentos científicos do que no caso de Copérnico. 
Conquanto deixaremos a discussão da crise em si para o capítulo apropriado, basta aqui 
dizer que quando a igreja confunde as Escrituras com um determinado sistema filosófico 
em particular, ela facilmente fala onde a Escritura não falou, enfranquecendo a autoridade 
bíblica quando as afirmativas dogmáticas da igreja são impossíveis de ser reconciliadas 
 22 
com os fatos. A igreja confundiu a ortodoxia bíblica com Aristóteles, e quando a ciência 
provou ser falsa a cosmologia geocêntrica, muitos concluíram que a Bíblia simplesmente 
fora sobrepujada pelos fatos. 
 Para os reformadores, a Bíblia era sobre Cristo, não sobre o relacionamento dos 
planetas. Calvino louvou a astronomia e admoestou contra a expectativa de Moisés dar 
informações científicas sobre os movimentos dos planetas e dos astros. Não devemos 
“censurar a Moisés por não falar com maior exatidão... Moisés escreveu em estilo 
popular coisas que, sem instruções, pessoas comuns, dotadas de bom senso, são capazes 
de entender; mas os astrônomos investigam com grande esmero aquilo que a sagacidade 
da mente humana pode compreender”.
v
Como a Bíblia não foi feita como manual de 
teoria artística, literária, musical ou política, também não deveria ser vista como livro 
texto para as ciências. Tudo nas Escrituras é verdade, no sentido daquilo para o qual foi 
escrito pelo autor original, mas o propósito das Escrituras não é nos contar tudo sobre 
todas as coisas, mas explicar -- na linguagem mis comum e básica possível -- o progresso 
da obra salvífica de Deus em Cristo através da história da redenção. 
 Isso libertou o cientista para seguir sua vocação sem ter aqueles não treinados nas 
ciências constantemente julgando as suas observações. Os grandes cientistas protestantes, 
portanto, criam que “o segundo livro de Deus”, como se referiam à criação, se 
harmonizaria perfeitamente com o “primeiro livro” (as Escrituras), sendo que Deus era o 
autor de ambos. Foi dado espaço à razão e à observação empírica para explorar as “coisas 
terrenas" sem medo de derrubar o céu. Foi só quando a ciência, após o Iluminismo, 
tentou exceder os seus limites de observação e postular sobre a natureza daquilo que não 
se vê que caiu na mesma confusão que fora a vergonha da igreja católica romana. 
 23 
Enquanto muitos cristãos estavam nervosos sobre o surgimento da astronomia e das 
mudanças em potencial que ela poderia trazer para o modo que se entende o universo, 
avisou Calvino, “Este estudo não deve ser reprovado, nem a ciência deve ser condenada, 
por que algumas pessoas desesperadas tendem a rejeitar ousadamente qualquer coisa que 
lhes é desconhecida”
vi
 
 Portanto, os reformadores deram grande espaço à “revelação natural" e às 
disciplinas seculares que desfraldavam a sabedoria divina de modo a complementar as 
Escrituras. Como estavam convencidos de que a Bíblia é a respeito de Cristo e não 
discorre sobre a ciência, não tiveram dificuldade em aceitar a idéia de que grande número 
de mudanças perturbadoras e transformadoras poderiam ocorrer na compreensão do 
universo sem que despojassem a revelação infalível da Escritura. . Talvez as nossas 
pressuposições sobre o que a Bíblia ensina fossem derrubadas, mas eventualmente, 
chegaríamos a conclusão que as novas descobertas (se fundamentadas em fatos) se 
harmonizavam perfeitamente com as Escrituras, não importa o quanto eram deferentes de 
nossas queridas opiniões pessoais. John Dillenberger observa que os reformadores “ 
foram positivos quanto ao papel das ciências em geral e da astronomia em particular. A 
abordagem teológica de Lutero e de Calvino oferecia uma visão da ciência e da Escritura 
que teria estado aberta para Copérnico”.
vii
 
 O escolasticismo protestante, movimento que seguiu imediatamente à Reforma, 
refinando e sistematizando o protestantismo evangélico num todo coerente, continuou 
com essa atitude afirmativa para com a ciência e ajudou grandemente a contribuir para a 
sua ascensão. Kepler, Bacon e Newton estão entre os maiores astros nessa constelação. 
 24 
Kepler se referiu a esse empreendimento como “pensar os pensamentos de Deus após 
ele” e foi um dos primeiros apoiadores das novas teorias de Copérnico. 
 Os puritanos fundaram a famosa Sociedade Real, cidadela das ciências britânicas. 
Um dos seus fundadores, Thomas Sprat, comparou a reforma, com a libertação dos 
acréscimos da Palavra de Deus, com o surgimento das ciências, dando crédito ao 
primeiro pelo último. Roberto Boyle ( 1627-91), um dos primeiros pioneiros da física, 
desejou para os colegas da Sociedade Real “que se vá bem nas louváveis tentativas de 
descobrir a verdadeira natureza das obras de Deus, e [orava] para que eles e os demais 
que buscavam as verdades da física pudessem de coração render as suas realizações para 
a glória do Autor da Natureza e para o benefício da humanidade”.
viii
 Lewis Spitz, da 
Universidade de 
Stanford, nota também que Boyle escreveu um livro intitulado A Excelência da Teologia 
Comparada com a Filosofia Natural, e, observa Spitz: “Ninguém pode negar a 
preponderância dos protestantes entre os cientistas após 1640. Luteranos, anglicanos e 
acima de tudo calvinistas fizeram mais descobertas científicas do que os católicos e 
apreciam ser maisflexíveis em colocá-las em prática”.
ix
 
 
Na educação 
 Uma área de preocupação dos reformadores que consideraremos é na educação, 
pois aqui, especialmente nos dias atuais, sentimos o ardume das palavras de H.G. Wells: 
“A civilização é uma corrida entre a educação e a catástrofe”. 
Os reformadores não se limitaram a amaldiçoar as trevas; 
 estavam decididos a trabalhar de maneira positiva 
 25 
para o bem do próximo e para a glória de Deus. 
 
 Martinho Lutero persuadiu o governo a proclamar a educação universal 
compulsória tanto para meninas como para meninos. Com seus associados ele criou um 
sistema de educação pública na Alemanha. o cristianismo era religião da Palavra, e 
aqueles que dependiam de imagens religiosas e só “ouvir falar” eram, a princípio 
espiritualmente empobrecidos. Mas eram também culturalmente empobrecidos, e esse era 
um ponto importante também. Com este propósito o colega de Lutero, Melâncton, 
declarou: “A finalidade última que confrontamos não é apenas a virtude particular mas o 
interesse do bem público”, e exortava os professores a “tomar a vocação escolar no 
mesmo espírito com que tomariam o serviço de Deus na igreja”. 
x
 Imagine a liberdade 
que isso deu ao professor comum de escola pública! Calvino argumentou em suas 
Ordenanças de 1541: “Como é necessário preparar para as gerações futuras a fim de não 
deixar a igreja num deserto para os nossos filhos, é imperativo que se estabeleça um 
colégio para se instruir os filhos e prepará-los tanto para o ministério quanto para o 
governo civil”. Esta Academia, que mais tarde tornou-se na Universidade de Genebra, 
tornou-se modelo para as grandes universidades da Europa e do Novo Mundo. Muitos 
dos nomes associados à reconstrução ou fundamentação das grandes universidades foram 
anteriormente alunos desta Academia. Em 1536, os cidadãos de Genebra assinaram um 
pacto comprometendo-se a enviar seus filhos às recém formadas escolas públicas. 
 João Comenius foi reformador polonês que procurou integrar sua visão reformada 
do mundo com a visão da educação pública universal. Ele é visto por muitos como sendo 
 26 
o pai da educação moderna. Avançada para o seu tempo, sua filosofia de educação 
revolucionou grandes partes da Europa. 
 Semelhantemente, o First Book of Discipline (primeiro livro de disciplina) 
elaborado por John Knox em 1560, conclamou por um sistema nacional de educação 
pública para a Escócia. Antigos mosteiros foram transformados em bibliotecas e escolas. 
Como diz Lewis Spitz, “Não foi por acidente que a alfabetização universal foi atingida na 
Escócia e em diversos estados protestantes da Alemanha”.
xi
Longe de serem anti 
intelectuais ou temerosos do estudo secular, os reformadores acreditavam que o 
cristianismo só poderia florescer em meio a um povo que lesse e fosse culto. Seu 
treinamento humanista os preparou amplamente para a tarefa; da tradição reformada 
surgiram as universidades de Zurique, Estrasburgo e Genebra, Edimburgo, Leiden, 
Utrecht, Amsterdã, Harvard, Yale, Princeton, Brown, Dartmouth e Rutgers. Os Puritanos 
restauraram Oxford e Cambridge, e as igrejas alemãs luteranas e reformadas 
reconstruíram a decadente Universidade de Heidelberg. Como reação a esse movimento 
gigantesco de educação, os Jesuítas foram fundados a fim de construir universidades e 
colégios para combater o avanço do Protestantismo. 
 “Mas isso foi há tanto tempo, e as pessoas de então estavam interessadas no 
aprendizado”, dirão alguns. Contudo, o mentor de Calvino e principal reformador em 
Estrasburgo, Martinho Bucer, lamentou: 
 Hoje em dia ninguém quer aprender a não ser o que dá dinheiro. Todo mundo 
corre atrás das profissões e ocupações que dão menos trabalho e trazem maior lucro, sem 
se preocupar com o próximo ou por uma reputação de honestidade e bem. O estudo das 
artes e ciências está sendo deixado de lado para os tipos mais baixos de trabalhos 
manuais... todas as boas cabeças a quem foram dotados por Deus a capacidade para 
estudos mais nobres estão ocupadas pelo comércio.
xii
 
 
 27 
 Os reformadores não apenas amaldiçoaram as trevas; estavam decididos a 
trabalhar de maneira positiva para o bem do próximo e para a glória de Deus. Tomaram o 
estandarte e ergueram os padrões para toda uma época, em vez de simplesmente lamentar 
as condições e propor legislação. Estava longe de ser perfeito, mas foi uma experiência 
notável naquilo que pode ser feito quando o povo de Deus é libertado pelo Evangelho 
para o bem de seu próximo e para a glória do seu Redentor. 
 Mas esse testemunho evangélico, naturalmente, não terminou com os séculos 
dezesseis e dezessete, assim como não começou com eles. 
Hoje 
 Um exemplo moderno é o de Abraão Kuyper (1837-1920), cuja carreira começou 
como um pastor liberal na Holanda. Após formar-se em teologia pela Universidade de 
Leiden, Kuyper foi chamado por uma pequena paróquia do interior onde vários dos seus 
paroquianos o levaram a converter-se à fé ortodoxa em Cristo. Daí em diante, tornou-se 
pregador popular em Amsterdã, desafiando o liberalismo com uma argumentação sólida, 
tornando-se editor do jornal De Standaard, e depois, acrescentando à sua vida já 
ocupada, membro do Parlamento holandês. Kuyper se consagrou ao chamado de estadista 
e fundou o Partido Anti-revolucionário, um sistema nacional de escolas cristãs e a 
Universidade Livre de Amsterdã, onde em seu discurso inaugural ele declarou: “Não 
existe uma só polegada, em todo o domínio de nossa vida humana, da qual Cristo, que é 
soberano de tudo, não proclame „Meu!‟”. 
 A dedicação de Kuyper aos princípios democráticos não caiu bem com muitos de 
seus colegas, e seu compromisso para com os direitos civis dos trabalhadores o alienou 
de muitos dos seus correligionários de partido. Apesar dessas diferenças, Kuyper recebeu 
 28 
doutorados honorários da universidade de Princeton em 1898 e tornou-se Primeiro 
Ministro da Holanda três anos depois. Após sua carreira oficial, Kuyper assumiu o papel 
de estadista-senior e escreveu muitos livros sobre uma variedade de assuntos sobre os 
quais parecia ter um conhecimento enciclopédico, escrevendo sobre arte, estrada de ferro, 
viagens, e a crise de autoridade cultural que estava por vir no Ocidente. 
 Uma das contribuições importantes de Kuyper foi sua insistência de que os 
cristãos na política servissem à nação toda e que não apenas promulgassem o próprio 
bem. O “povo pequeno”, uma das frases favoritas de Kuyper, era na verdade o grande 
povo sobre o qual o magistrado deve servir com diligência singular. Portanto, Kuyper foi 
capaz de entrar no que tinha se tornado um ambiente pluralista, apoiando as liberdades de 
todos os cidadãos holandeses e imigrantes, enquanto encorajava o avanço de cada grupo, 
libertando-os a seguir após suas próprias esperanças, línguas, tradições culturais. e fé 
religiosa. Foi neste ambiente que o cristianismo floresceu novamente naquela nação, 
embora não sem um bom número de problemas dentro das próprias igrejas. 
 Contudo, Kuyper fez versões “cristãs” de muitas coisas no mundo: escolas cristãs, 
jornais, e partidos políticos tendiam a obscurecer a confiança protestante anterior no 
âmbito da natureza como possuindo luz suficiente e justificativa para sua existência sem 
ter de ser organizado especificamente como sendo cristã. Esse espírito kuyperiano 
tornou-se especialmente atraente em alguns círculos da América do Norte, porque abarca 
o mundo e rejeita a retirada pietista da sociedade, contudo não se pode concluir 
rapidamente demais que seja possível encontrar uma filosofia, teoria política ou estética 
distintamente “cristã”. Se estes estão realmente dentro do âmbito da graça comum e 
revelação natural, não exigem uma explicação especificamente cristã. Procurandopor 
 29 
uma tende apenas a polarizar os cristãos em contraposição aos não cristãos até que os 
crentes sejam novamente exilados da praça pública, forçados a seguir sua filosofia 
“cristã” dentro de seus próprios guetos espirituais. 
 Existe também um perigo em algumas formas do pensamento kuyperiano em 
termos de confundir o senhorio de Cristo na redenção (ou seja, sobre sua igreja) com o 
senhorio de Cristo sobre a criação. Se, por exemplo, um líder evangélico se levantasse 
esta semana e declarasse, nas palavras de Kuyper, que “Não existe uma só polegada, em 
todo o domínio de nossa vida humana, da qual Cristo, que é soberano de tudo, não 
proclame „Meu!‟”, a mídia secular provavelmente tomaria essas palavras como uma 
tentativa de impor a fé cristã sobre toda a sociedade. No entanto, o próprio Kuyper não se 
referia a um golpe religioso, mas estava destacando o senhorio de cristo sobre “todo o 
domínio de nossa vida humana”. Em outras palavras, as vidas dos crentes devem ser 
regulamentadas e regidas pela vontade revelada de Deus, não apenas nos domingos, mas 
às segundas-feiras também. Todo pensamento tem que ser levado cativo a Cristo, 
declarou Paulo, Homens e mulheres todos devem se curvar ante o reino de Cristo sobre 
toda a vida, mas somente os crentes farão, de fato, isso -- até o ;ultimo dia, quando “todo 
joelho se dobrará e toda língua confessará que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de 
Deus pai”(Filipenses 2.10-11). O pluralismo religioso contemporâneo torna anacrônicas 
todas as tentativas da “cristandade”; contudo, ainda há muito que permanece útil. 
 Ao final de sua vida, Kuyper tinha aberto caminho para uma Igreja Reformada 
Nacional que recobrara sua ortodoxia e fé viva, havia iniciado um sistema nacional de 
escolas cristãs, e servira àqueles além do escopo do cristianismo como seu primeiro 
ministro. 
 30 
 Muitos outros deixaram sua marca sobre o mundo. David Livingstone, grande 
missionário e explorador, trabalhou infatigavelmente para acabar com o comércio de 
escravos na África, enquanto o primeiro ministro britânico William Wilberforce e seu 
círculo de amigos cristãos no governo finalmente levaram ao fim daquela instituição 
terrível. Vemos o mesmo impulso na tímida e modesta Corrie ten Boom e nas vidas de 
incontáveis outros cristãos da Resistência holandesa que esconderam judeus em suas 
residências e lojas com perigo de suas próprias vidas. Quando o oficial japonês que 
lançou o ataque sobre Pearl Harbor se converteu a Cristo, e abraçou o oficial 
americanocristão tambémque estivera no comando durante o ataque, este espírito de 
abraçar o mundo estava vivo e bem. 
 Heróis incontáveis simplesmente cumprem seus deveres com vistas à glória de 
Deus e ao serviço da família e do próximo. Muitos daqueles a quem eu me referi são 
europeus, com referência especial à Reforma protestante, e isto somente porque foi um 
movimento que recuperou muito da percepção que traz uma nova compreensão de nosso 
papel neste mundo. Esta mensagem tem feito com que incontáveis homens e mulheres de 
todas as nações, que em si mesmos são pequenos aos olhos do mundo, grandes no reino 
de Deus. Mas produziu também muitos dos benefícios culturais que fazem de nosso 
mundo um lugar melhor no qual ouvir a melhor notícia de todas, as novas que deixam 
pálidos, por comparação, todos os nosso maiores ganhos na cultura. No próximo capítulo 
veremos o equilíbrio das diversas esferas em que os crentes estão envolvidos.
 31 
Capítulo Dois 
 
SOBERANIA DE ESFERA: 
CUIDAR DE NOSSOS 
 PRÓPRIOS AFAZERES 
 Mais um auxílio para ser um cristão mundano é a idéia de Abraão Kuyper de 
“soberania da esfera”, que ele adaptou da insistência dos reformadores da pessoa 
permanecer dentro da esfera de seu chamado e deixar claros os limites. 
 Mudamos as escolas através da política? A arte tem que servir uma finalidade 
moral, política, religiosa ou terapêutica além de oferecer prazer e deleite estético? Os 
esportes tomaram um lugar importante demais na sociedade? Essas são apenas algumas 
perguntas práticas que encontram utilidade neste princípio. 
 Veio significar muito mais do que isto, ou seja, a existência distinta de toda 
atividade humana, não apenas a independência da esfera do estado, mas também das 
outras esferas. Como argumentam Kuyper, Meeter, e outros defensores da soberania da 
esfera, essa idéia não se deriva de não gostar do estado ou da igreja, ou de quaisquer 
outras instituições ou tarefas culturais. Nas Escrituras, encontramos as tarefas culturais 
como sendo dadas antes mesmo da criação do governo, sendo este último necessário em 
razão da Queda. Como eram anteriores na criação, são dadas, através das Escrituras, 
existência distinta, como quando se contrasta a construção de cidade por Caim com a 
construção do reino por Sete. 
 32 
 Henry Meeter define a seguir esta idéia: 
 
 Por isto queremos dizer que as organizações culturais, filantrópicas e quaisquer 
outros grupos que se desenvolvem naturalmente da vida orgânica da sociedade humana, 
como também as igrejas, não devem sua origem, existência ou princípio de vida ao 
Estado. Eles têm um princípio interior e uma tarefa cultural própria, que lhes foi confiada 
por Deus... sobre essa soberania que lhes foi dada pelo Criador o Estado não pode 
infringir.
1
 
 
 Diferente de muitas das caricaturas sobre ele, o protestantismo historicamente tem 
se oposto ao individualismo que vê a igreja ou a sociedade meramente como uma coleção 
de indivíduos. Muitos cristãos de hoje aprovariam a citação acima porque desprezam o 
governo, e muitos secularistas aprovariam-na porque não gostam da igreja, mas a base 
para essa idéia é uma consideração bíblica. Uma discussão significativa na filosofia desde 
os tempos de Heráclito e Parmênides, o debate entre o individualismo (os muitos) versus 
coletivismo (a unidade) tem relevância especial no século vinte, em que vimos tanto a 
anarquia quanto o comunismo totalitário desarraigar raças inteiras levando ao genocídio 
na Europa e mais recentemente, África e Ásia. Será a sociedade apenas uma coleção de 
seres isolados, cada qual atrás de seus próprios interesses que por acaso, de vez em 
quando, coincidem com os interesses de outros seres isolados? Isso não pode ser 
superficialmente descartado como teoria filosófica, pois a resposta à pergunta tem 
movido os exércitos e talvez tenha mais a ver com o desmoronamento da família no 
Ocidente moderno do que a política ou os índices de divórcio. 
 Discutiremos essa idéia mais detalhadamente no capítulo sobre a política, mas é 
importante aqui apresentar o assunto, pois ele se relaciona com tudo mais que estaremos 
discutindo. Por exemplo, na política, ativistas cristãos e liberais seculares muitas vezes 
 33 
são mais parecidos do que desejamos admitir. Parecem compartilhar uma dependência do 
estado e da esfera política ou judicial para resolver os problemas morais e espirituais da 
sociedade. De acordo com pesquisas recentes, cristãos evangélicos são tão capazes de se 
divorciar ou abusar seus filhos nos lares; têm sua parcela de abortos na catástrofe 
nacional, e jovens cristãos são capazes de assistir mais horas de MTV do que seus 
colegas não cristãos. Pais evangélicos talvez pressionem com resoluções iradas pedindo 
oração e a colocação dos dez mandamentos nas escolas públicas, mas a maioria dos 
crentes não sabe citar os dez mandamentos e demonstra uma ignorância tremenda quanto 
aos temas e fatos mais básicos da Bíblia. 
 Surge a pergunta: Não seria melhor focalizar nos deveres dos pais nos lares em 
vez de colocar a responsabilidade sobre os políticos? Seja por estimular a dependência 
financeira e um sentimento de ter direitos por ser minoria, ou por encorajar soluções 
políticas e judiciais para nossas enormes crises espirituais e morais, cristãos e secularistas 
igualmente parecem ser filhos de sua era. 
 Na arte esperamos que hajautilidade social para o empreendimento. Deve nos 
ajudar no culto ou no evangelismo, ou deve encorajar a moralidade e o patriotismo 
cívico, ou desenvolver o caráter. Mas a arte tem seu valor intrínseco, que lhe foi dado 
pelo Criador de todas as coisas boas. Como disse o cristão, historiador de arte, 
H.R.Rookmaker: “A arte não precisa de justificativas”. 
Se o estado está destituído de vida familiar, ou se a igreja 
 é superficial e corrupta no seu ministério, toda a sociedade 
 geme com a doença e a autodestruição. 
 
1
. 
 34 
 A família também não é um apêndice de alguma outra instituição. Por vezes 
pensamos no estado ou na igreja como sendo de maior importância, como quando um 
crente gasta tanto tempo no ativismo político ou atividades eclesiásticas que seus próprios 
filhos são negligenciados, perdidos na própria guerra em que a pessoa está tão 
zelosamente enfronhada. Nos tempos de grande perseguição ou de secularismo profundo 
e dominante, o povo de Deus sempre dobrou os seus esforços nos deveres para com a 
família: filhos são instados a decorar o catecismo sob a tutela de pais piedosos que 
modelam a visão cristã da vida tanto por seus ensinos quanto por seu exemplo pessoal. 
Isso não quer dizer que eles se tornam mais rígidos e sérios em suas personalidades, mas 
que se tornam mais apaixonados pela Palavra de Deus e por seu impacto sobre o círculo 
de crentes mais próximos deles. Portanto, o lar torna-se em refúgio, uma “pequena 
igreja”, como Lutero disse -- até mesmo um “pequeno seminário” onde os filhos sabem 
pelo menos bastante sobre o que crêem e por que crêem para distingui-los do mundo 
descrente. De início, isso pode parecer uma forma de escapismo: já que não conseguimos 
ganhar o mundo, pelo menos nos retiramos para dentro das quatro paredes de nossa casa. 
Não é isso mesmo que os secularistas queriam que nós fizéssemosmanter nossa fé fora 
da arena pública? Mas não importa o que querem os secularistas; o que importa é o que 
Deus quer que façamos, e ele declarou que é sua vontade que os pais assumam plena 
responsabilidade por suas famílias. Não devem culpar outras instituições ( o estado, as 
escolas, o “mundo” em geral) e nem depender delas para as condições do lar. 
 O lar é tão básico e central de todas as instituições sociais, não apenas porque foi 
a primeira instituição da sociedade fundada por Deus, mas porque é o berçário da igreja. 
A família, portanto, é a única instituição social que é ao mesmo tempo secular e sagrada. 
 35 
Uma família ateísta não é menos fundada por Deus do que um lar cristão; é uma 
ordenança da criação. Assim como incrédulos e crentes participam, ambos da imagem de 
Deus, ao possuir um chamado divino ou uma vocação no mundo, e ao compartilhar a 
graça comum, eles criam famílias não apenas por instinto biológico mas, devido àquela 
imagem de Deus, continuam sendo criaturas que requerem comunhão. Os 
relacionamentos familiares são os mais básicos para a natureza humana. Contudo, o lar 
cristão é, nas palavras da Escritura, nitidamente distinto do lar de não crentes: “A 
maldição do Senhor habita a casa do ímpio, mas a morada dos justos ele abençoa” 
(Provérbios 3:33). O lar cristão é a expressão mais básica do corpo de Cristo e portanto, é 
uma instituição civil, arraigada na criação, e uma instituição sacra, arraigada na redenção. 
Santificado pela água e pela Palavra, essa assembléia santa deve ser zelosamente 
guardada e defendida pelo pai, que exerce seu sacerdócio no lar, e pela mãe, que também 
compartilha do sacerdócio de todos os crentes. Nenhuma instituição, nem mesmo a 
igreja, deve ter prioridade sobre o lar. Kuyper levava tão a sério este ponto que as escolas 
cristãs na Holanda eram organizadas e supervisionadas pelos pais, não pelo governo e 
nem pela igreja. 
 Mas isso só funcionava porque os próprios pais eram bem ensinados nas igrejas. 
Vemos imediatamente, portanto, a ligação entre as esferas, enquanto cada uma mantém 
sua identidade distinta. Se o estado estiver destituído de vida familiar, ou se a igreja for 
superficial e corrupta no seu ministério, toda a sociedade geme com a doença e a 
autodestruição. A resposta final não está na política, na igreja ou no lar, mas em Deus, 
que reforma e reconstrói todas as três instituições distintas, liberando cada uma para 
cumprir seu papel divino sem confundi-lo com as demais esferas. A igreja é, portanto, 
 36 
colocada de volta em seu rumo, restaurando sua confiança no poder da Palavra; a família, 
restaurando sua confiança na importância de tempo de qualidade no lazer juntos como 
também de comunhão nas Escrituras, e a nação, restaurando a sua missão secular de 
proteger seus cidadãos contra a agressão doméstica ou estrangeira. Somente através de 
distinções claras entre essas esferas é que somos capazes de ter expectativas sadias e 
razoáveis sobre as diversas instituições nas quais estamos envolvidos no cotidiano. 
Por “cultura” queremos dizer os gostos 
 que regem um povo específico. 
 Conforme já vimos, a preocupação de Calvino de que muita confusão social dos 
seus dias era porque os homens e mulheres estavam transgredindo os limites de seus 
chamados é especialmente relevante para os nossos dias. Quando pastores tornam-se 
políticos, ou políticos invocam o nome de Deus na religião civil; quando artistas tornam-
se evangelistas ou professores-pregadores (ou políticos) ou o ensino público, a arte e as 
ciências se tornam altamente politizados, há um profundo empobrecimento da sociedade. 
Os educadores devem preocupar-se com o ensino de alunos, não em fazer “lobby” em 
Brasília
2
; artistas devem dedicar-se à sua arte, não a fazer propaganda política ou 
religiosa; os políticos devem se dedicar aos deveres civis, não à salvação espiritual, 
material ou moral da nação; devemos esperar daqueles que pregam, que proclamem a 
Palavra, administrem os sacramentos e mantenham a boa ordem e disciplina entre os 
crentes professos, e não confundam sua missão com qualquer outra dessas importantes 
mas distintas esferas da criação. 
 
2
Nota da Tradutora: Devo mudar “Washington para Brasília quando falando sobre capital política, ou o 
que? 
 37 
 Sendo necessário que façamos distinção entre as “coisas celestes” e as “coisas 
terrestres”, e entre “graça comum” e “graça salvadora”, como também entre as diversas 
esferas da atividade humana, para onde vamos daqui? Antes de entrar nos detalhes 
práticos, devemos expor quais as nossas opções. 
CRISTO E CULTURA 
 Publicado em 1951, Christ and Culture, por H. Richard Niebuhr, de Yale, por 
décadas reinou como um resumo das distintas abordagens para com a cultura feitas pelos 
diversos grupos católicos romanos e protestantes. Como veremos mais tarde, há alguns 
problemas com a visão de Niebuhr, mas é útil para organizar nossas idéias sobre este 
importante assunto. 
 Nunca na história de uma nação foi mais importante uma análise dessas, 
especialmente dada a confusão que temos estado a discutir. Niebuhr, que era teólogo neo-
ortodoxo alemão reformado, classificou cinco abordagens diferentes. Tomemos cada uma 
por sua vez. Mas antes disso, vamos tentar definir de modo geral o que se quer dizer por 
“cultura”. Derivado da palavra ligada à jardinagem (horticultura, cultura da terra, etc.), 
os alemães tomaram a palavra para referir-se ao cultivo dos hábitos, interesses, língua e 
vida artística de uma nação. Por “cultura” queremos dizer os gostos que regem um povo 
específico, seja das elites (alta cultura) ou as massas (cultura popular). Embora em cada 
cultura existam muitas sub-culturas, existem tendências gerais que marcam um povo, e é 
isso que pretendemos dizer como “cultura” a seguir. 
Cristo contraa cultura 
 O primeiro grupo de cristãos a expressar essa abordagem foram os primeiros 
cristãs, e sua reação era de se entender. Embora Paulo tivesse aconselhando os cristãos 
 38 
primitivos: “Procurai viver quietos, e tratar dois vossos próprios negócios, e trabalhar 
com as vossas próprias mãos, como já vo-los tenho mandado, para que andeis 
honestamente para com os que estão de fora, e não necessitais de coisa alguma”(1 
Tessalonicenses 4.11,12), houve, por vezes, perseguição intensa que aumentava o 
sentimento de que eram estrangeiros e peregrinos neste mundo. Enquanto alguns faziam 
parte da elite cultural, Paulo notou que os crentes de Corinto “não tinham entre eles 
muitos sábios e nem muitos de nascimento nobre,”. A igreja atraiu ricos e pobres, 
escravos e livres, homens e mulheres, judeus e gentios, e aqueles provenientes de todas as 
camadas da sociedade. Estavam unidos uns aos outros pelo Evangelho. Embora por vezes 
suas posições na terra geraram conflitos, a esperança cristã transcendia as categorias 
temporais. 
 É difícil ter uma visão otimista do impacto sobre a cultura quando se está sendo 
jogado aos leões, e as perseguições intensificaram a experiência de deserto desses 
cristãos primitivos que almejavam uma cidade melhor. 
 O Pai Latino da Igreja Tertuliano expressou esse sentimento de “Cristo contra a 
cultura” como também sua própria oposição à filosofia secular com os dizeres: “O que 
tem Atenas a ver com Jerusalém?” Mas os anabatistas do século dezesseis tomaram 
novamente este tema no crisol da perseguição. Derivando seu nome da prática de 
rebatizar os adultos, os anabatistas reagiram contra Roma com mais veemência do que os 
reformadores, renunciando o batismo infantil. Além do mais, nunca chegaram a abarcar a 
doutrina central da reforma de justificação somente pela graça e somente mediante a fé. 
O anabatismo representava uma linha legalista na sua doutrina de salvação e vida cristã, 
juntamente com uma visão sectária da igreja e sua relação com a sociedade. Nos nossos 
 39 
próprios dias, existem grupos anabatistas, desde os menonitas mais abertos até as 
comunidades reclusas dos “amish” do oeste da Pennsylvania. Radicalmente opostos ao 
envolvimento com afazeres seculares, os anabatistas adotaram a posição exposta na sua 
Confissão de Fé de Schleichtheim: 
 “Concordamos na separação, Uma separação será feita do mal e da maldade que o 
diabo plantou no mundo; desta forma, simplesmente não teremos comunhão com os 
ímpios nem correremos com eles na multidão de suas abominações. É assim que vemos: 
já que todos que não andam na obediência da fé e não se uniram com Deus a fim de fazer 
a sua vontade, são uma grande abominação perante Deus, não é possível crescer ou 
prover deles nada a não ser abominações. Pois na verdade existem apenas duas classes: 
bem e mal, crentes e incrédulos, luz e trevas, os que saíram do mundo e os que são do 
mundo, templo de Deus e ídolos, Cristo e Belial; nenhum tem parte com o outro... Deus 
ainda nos admoesta a sair da Babilônia e do Egito terreno para que não sejamos 
participantes da dor e do sofrimento que o Senhor trará sobre eles. 
 
 Este desprezo do mundo incluía não apenas os cultos católicos romanos e 
protestantes (ou seja, luteranos e reformados) mas as “casas de bebidas e os afazeres 
cívicos” e outras instituições seculares. 
 De todas estas coisas nós nos separaremos e não teremos parte com eles, pois 
nada mais são do que abominação, e são a causa de sermos odiados perante Jesus Cristo, 
que nos libertou da escravidão da carne e nos preparou para o serviço de Deus pelo 
Espírito que ele nos outorgou..
xiii
 
 
 Recusando servir o exército ou em cargo público, a maioria dos anabatistas até 
mesmo se separava fisicamente da Cidade dos Homens, estabelecendo utopias espirituais 
fora dos limites das cidades, assim como os monges medievais deixaram as pressões dos 
lugares seculares para se devotarem inteiramente aos afazeres do outro mundo. Os 
Quakers também seguiram a rejeição da cultura como os anabatistas. 
 Essencialmente, os anabatistas viam Cristo e a cultura como antagônicos. 
Achavam que existia pouca esperança de influenciar a cultura maior; viviam vidas 
 40 
simples e desprezavam as artes seculares, música, filosofia, educação e passatempos. 
Conseqüentemente, enquanto a igreja medieval e os protestantes da reforma produziram 
numerosos líderes nas artes, letras e ciências, os anabatistas historicamente 
permaneceram suspeitosos quanto à cultura. 
 Mas essa rejeição da cultura é evidente não só nos místicos, monges e mártires, 
como também naqueles que secularizaram a mensagem de Cristo numa libertação do 
estabelecido. É interessante que Niebuhr inclua o famoso romancista russo Leo Tolstoi 
nessa tradição. Poderíamos nos lembrar também de Nietsche, cuja filosofia niilista 
pronunciou a vida como sendo sem sentido, e Marx, que admirou de tal forma os 
anabatistas que as moedas da antiga Alemanha Oriental são em sua homenagem. Os anos 
de 1960 representam uma rebeldia semelhante contra a cultura e a “grande arte”. 
Ironicamente, quando os cristãos atacam as “elites culturais" e a arte e literatura clássicas, 
estão agindo mais como os radicais dos anos sessenta do que poderiam imaginar. 
 Aqueles que assumem a posição de “Cristo contra a cultura tendem a gloriar-se na 
natureza irracional da fé, segundo o dizer famoso de Tertuliano “Creio porque é 
absurdo”. Embora esse pai da igreja foi injustamente mal representado por seu ponto de 
vista, há sem dúvida uma certa oposição entre natureza e graça, secular e sagrado, razão e 
fé, nesse modo de pensar. Niebuhr argumenta que essa abordagem é marcada pelo 
legalismo e “concentração na vontade própria em vez de concentrar na obra graciosa de 
Deus”. Há suspeita do mundo natural, e o Espírito que está trabalhando diretamente nos 
seus corações muitas vezes tem destaque maior do que a obra do Pai e do Filho na 
redenção. conseqüentemente, muitas vezes a Escritura é secundária aos sentimentos 
espirituais intuitivos, e há um certo nervosismo quanto a dizer que Deus só fala através de 
 41 
tinta e papel, água e pão e vinho. Esses são terrenos demais, materiais demais, O 
elemento gnóstico nessa abordagem torna-se evidente. O mundo é mau, mas o âmbito do 
Espírito é bom; coisas da terra são inerentemente pecaminosas, enquanto coisas celestes 
são inerentemente virtuosas. 
O Cristo da cultura 
 Na outra extremidade do espectro há os que identificam de tal modo a cristo com 
determinada cultura que ele existe simplesmente como a encarnação da própria cultura. 
Como destacou Niebuhr, essa é a herança do liberalismo protestante, com seu 
“protestantismo cultural”. 
 No nobre interessa da apologética e do evangelismo, o liberalismo alemão tentou 
tornar o cristianismo razoável para homens e mulheres do iluminismo que não criam mais 
nos milagres. Assim, Cristo era menos o Deus-homem que veio salvar o mundo do 
pecado do quer o poeta, moralista ou filósofo ideal do alemão. Ele dava sua bênção sobre 
o orgulho alemão, e a religião era principalmente questão da alma. Assim, Jesus salvava a 
alma mas deixava o corpo fazer o que bem entendesse. Estamos dolorosamente cônscios 
de onde essa ideologia levou. A igreja evangélica na Alemanha trocou o nome para Igreja 
do Reich e o clero jurou obediência a Hítler. Muitos teólogos protestantes liberais 
alemães estavam entre o arquitetos de “Deutschland über Alles” (A Alemanha acima de 
todos). 
 Semelhantemente, nos Estados Unidos corremos o risco de confundir a nação com 
Cristo. Alguns evangelistas politizados lêem o Novo Testamento como se Jesus tivesse 
vindo do céu com a missão expressa de abençoar os Estados Unidos e lançar o 
capitalismo de mercado livre. Assim como os liberais dos anos sessenta fizeram de Jesus 
 42 
um mascote para sua ideologia de esquerda, evangélicos conservadores se arriscam a 
fazer amesma confusão no outro lado do espectro político. Niebuhr oferece o seguinte 
juízo sobre o fundamentalismo: 
 Quantas vezes o ataque fundamentalista sobre o chamado liberalismopelo qual 
está se referindo ao protestantismo culturalé em si expressão de lealdade cultural, 
numerosos interesses fundamentalistas assim indicam....Os costumes que eles associam 
com Cristo têm pelo menos tão pouca relação com o Novo Testamento e mais ligação 
com costumes sociais que os de seus oponentes. O movimento que identifica a obediência 
a Jesus Cristo como sendo a prática da proibição e com a manutenção da organização 
social americana primitiva, é uma espécie de cristianismo cultural; embora a cultura que 
ela busca conservar difira daquela que seus rivais estimam... quando o ataque 
contemporâneo ao protestantismo cultural é feito dessa forma, é uma briga de família 
entre gente que na essência está concordando no ponto central de que Cristo é o Cristo da 
cultura e que a maior tarefa do homem é manter sua melhor cultura. Nada no movimento 
cristão é tão parecido com o protestantismo cultural quanto o catolicismo cultural; nada 
mais parecido com o cristianismo alemão do que o cristianismo americano... Cristo é 
identificado com aquilo que os homens concebem como seus mais altos ideais, suas 
instituições mais nobres, sua melhor filosofia.
xiv
 
 
 No evangelicalismo norte-americano, o cristianismo cultural produziu uma 
confiança inusitada na capacidade do espirito americano de conseguir fazer o que 
quisesse. “Cristo” é uma idéia, mais que uma pessoa, é quem garante os valores e as 
pressuposições básicas americanas. Assim, diz Niebuhr, “o cristianismo cultural, pelo 
menos nos tempos modernos, sempre deu lugar a movimentos com a tendência ao 
extremo do humanismo auto-dependente, que achava a doutrina da graçae ainda mais a 
dependência nestadiminuidora do homem e de sua vontade”. É por isso que o 
arminianismo dá tão certo nos Estados Unidos e o Calvinismo é tão desprezado. O 
calvinismo jamais servirá ao individualista idealista ou otimista que acredita haver algo 
de especial no caráter nacional que predisponha um pecador a tornar-se um santo através 
do trabalho duro. Na teologia reformada, é Deus que julga e justifica; no arminianismo, o 
homem é quem decide e se ergue puxando os cordões do próprio sapato. 
 43 
 
Cristo acima da cultura 
 Esta categoria tem mais nuanças do que as duas anteriores, pois sugere que não 
deve haver nem antagonismo e nem assimilação Nesta abordagem, diz Niebuhr, “a 
questão fundamental não é entre Cristo e o mundo, por mais importante que seja, mas 
entre Deus e o homem”. Noutras palavras, vê toda a questão com direção mais vertical 
(de Deus para o homem) do que horizontal (Cristo e cultura). 
 Conforme os seus proponentes, este ponto de vista sugere que o mundo não deva 
ser nem amaldiçoado e em abençoado. Sustentado por um Deus gracioso, contudo o 
mundo se encontra em oposição a Deus. Existe aqui uma tentativa de sintetizar Cristo e a 
cultuara, mas não de simplesmente “batizar” a própria cultura de cristianismo. É esta a 
posição que Niebuhr atribui a Tomás de Aquino. 
Cristo e a Cultura em Paradoxo 
 Niebuhr se refere a nossa quarta opção como “dualismo” porque ela rejeita as 
tentativas dos tipos “Cristo acima da cultura" de sintetizar essas duas esferas. Em lugar 
disso, esta posição afirma a “cidadania dupla” do cristão, que é simultaneamente membro 
da Cidade de Deus e da Cidade dos Homens. Nenhuma esfera deverá reger a outra, e nem 
atacar a outra. São simplesmente esferas diferentes de atuação, com propósitos diferentes. 
 Os que promulgam esse ponto de vista são mais propensos a enfatizar a graça de 
Deus. A graça está em Deus; o pecado está no homem. Aderentes dessa posição não 
procurarão localizar a graça de Deus na cultura ou em si mesmos, mas distinguem 
claramente entre criação e redenção. Os luteranos são os maiores defensores de “Cristo e 
cultura em paradoxo”, conforme o esquema de Niebuhr. A cultura jamais será um meio 
 44 
para se encontrar a Deus, e nisso fica evidente a oposição ao ponto de vista de “o Cristo 
da cultura”. Mas também a cultura não pode ser objeto de desprezo, porque ela nunca 
promete salvar ou redimir. Ela existe com um propósito distinto, e quando uma pessoa 
encontra prazer no trabalho, na vida familiar, na educação, nas artes ou no lazer, é um 
dom de Deus, mas não um dom redentivo. 
Calvino instava com os crentes que vivessem de tal maneira 
 pela luz da revelação específica (a Bíblia) que sua influência 
pudesse ser notada na cultura mais ampla. 
 Lutero enfatizou este tema com sua doutrina dos “dois reinos”, A mão esquerda 
mundana segura a espada do poder no mundo, enquanto a mão direita celeste segura a 
espada do Espírito, a Palavra de Deus. Não se pode tentar coagir a fé, e nem se pode 
tentar acomodar a fé aos modos seculares de pensamento. Lutero recuperou a ênfase 
agostiniana nas “duas cidades”, e Calvino apoiou-a com sua própria defesa dos dois 
reinos, especificamente nas Institutas. 
 Portanto, para que ninguém tropece sobre a pedra [de confundir Cristo e a 
cultura], consideremos primeiramente que há um governo duplo no homem:... um 
poderemos chamar de reino espiritual, e o outro, o reino político. Ora, esses dois, como 
os dividimos, devem ser sempre examinados separadamente, e enquanto se considera um, 
deve-se tirar da mente e não pensar no outro, Há no homem, como se diz, dois mundos, 
sobre os quais reis diferentes e leis diferentes têm autoridade. (3.19.15) 
 
 É por essa razão, dizia Calvino, que a lei moral de Deus escrita nas consciências 
humanas é suficiente para se estruturar uma sociedade justa. Noutras palavras, a 
sociedade não precisa ser explicitamente cristã para ser justa e cheia de virtudes civis: 
 De fato a lei de Deus à qual chamamos de lei moral nada mais é do que um 
testemunho da lei natural e da consciência que Deus gravou sobre as mentes dos 
 45 
homens... daí, esta equidade por si só deve ser o alvo e a regra e o limite de toda a lei. 
Não há razão pela qual nós devamos desaprovar quaisquer leis estruturadas sobre essa 
regra, dirigidas para esse alvo, limitadas por essa fronteira, mas, por mais que difiram das 
leis judaicas (leis civis do Antigo Testamento), ou entre si mesmas. 
 
 Calvino insistia que, conforme o próprio texto bíblico, Deus teve com Israel um 
relacionamento teocrático especial e portanto tinha “preocupação especial por ele no 
fazer as suas leis”. As nações, sendo “comuns” em vez de “santas”, são regidas pela 
revelação geral (a lei escrita sobre as consciências) e não pela revelação especial (as 
Escrituras). Ele achava que os grupos anabatistas que queriam impor as leis civis do 
Antigo Testamento eram “maldosas e odientas para com o bem-estar público”. “Pois o 
Senhor pela mão de Moisés não deu a lei para ser proclamada entre todas as nações e 
nem cumpridas em todo lugar”(Institutas, 4.20.14-16). 
 Contudo, Calvino instava com os crentes que vivessem de tal maneira pela luz da 
revelação específica (a Bíblia) que sua influência pudesse ser notada na cultura mais 
ampla. Isso nos leva ao próximo modelo. 
Cristo o transformador da cultura 
 A classificação final de Niebuhr é também a que ele escolhe particularmente. 
“Embora eles se atenham à distinção radical entre a obra de Deus em Cristo e a obra do 
homem na cultura, não tomam a estrada do cristianismo exclusivo como um isolamento 
da civilização, e nem rejeitam as suas instituições com a amargura de Tolstoi”. Os 
proponentes deste ponto de vista não têm ilusões de que este mundo seja um dia 
transformado num paraíso pelo progresso humano, mas estão também ansiosos por ver a 
mão de Deus nos avanços científicos, da medicina, das artes, e do conhecimento em 
geral. Não desejam ficar de lado apenas, olhando a obra do braço da providência divina; 
querem ser os seus agentes de reforma

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