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1 1 O Cristão e a Cultura Uma visão cristã da cultura e do seu papel dentro dela Michael S. Horton tradução Elizabeth C. Gomes 19 de abril de 1997 Para Gary Horton, com gratidão por uma vida toda de amizade e apoio. 2 CONTEÚDO Introdução 1. Como ser um cristão mundano 2. Soberania da esfera: cuidar de nossos próprios afazeres 3. “Vã filosofia”: Uma fuga do anti intelectualismo 4. Cristianismo e as artes 5. Arte na vida do cristão 6. Cristianismo e a ciência moderna: Não podemos ser amigos? 7. Trabalho para o final de semana 8. Um mundo enlouquecido Conclusão: No mundo mas não do mundo 3 INTRODUÇÃO Por vezes os hinos me confundem. Eu me lembro bem, quando garoto, de ficar confuso com dois hinos populares que me pareciam totalmente contraditórios. O primeiro era “Aqui não é meu lar, um viajante sou”, e o outro era “O mundo é do meu Pai”. Se o mundo é do meu Pai, eu pensava, porque estou apenas passando por ele como viajante? Mas os hinos não eram a única coisa a confundir no negócio de relacionar-me como cristão no mundo. Esperava-se dos cristãos que justificassem tudo nas suas vidas pela sua utilidade espiritual ou evangelística. No máximo, a educação, atividades, vocações ou buscas “seculares” eram um mal necessário -- para se ganhar a vida, para ter com que dar o dízimo e dar para missões. Na pior das hipóteses, distraíam da vida cristã. Agiam como a canção da Sirene seduzindo mundaninhos insuspeitos aos recifes da incredulidade e do afastamento de Deus. Assim, os que queriam ser empresários procuravam empregos em organizações e agências cristãs. Se descobríssemos um pequeno Rembrandt num jovem artista da igreja, nós o colocávamos como responsável pelo quadro de avisos e (se ele fosse realmente bom) deixávamos que pintasse o batistério. Esperava-se dos nossos cientistas que promulgassem a causa do criacionismo - - mesmo que a cosmologia ou as ciências biológicas e antropológicas não fossem suas especialidades. Dos músicos esperava-se que entrassem (ou formassem) na banda de louvor ou fizesse uma turnê pelas igrejas do país -- o tamanho da igreja, claro, dependia do grau de talento do artista. Através dos anos, temos criado os nossos próprios guetos de artistas, super estrelas e apresentadores, com versões cristãs de tudo que há no mundo. 4 Essas experiências, porém, não se limitam ao nosso tempo e lugar. A Renascença, e de modo especial, os tempos da Reforma foram reações ao modo medieval de encarar a vida. Para a igreja medieval, filosofia, arte, música e ciência se confundiram tanto com a religião que não dava para distinguir uma da outra. A filosofia não era, na realidade, filosofia, A Renascença demonstrou como a interpretação da igreja medieval de Aristóteles e Platão (os favoritos) era diferente dos escritos daqueles filósofos. Se alguém quisesse ser artista, mais uma vez procurava-se a igreja para um emprego, como a arte era ferramenta da pregação ou do ensino da vida e dos tempos de Jesus e seus apóstolos. E os sofrimentos de Copérnico e Galileu nos lembram do perigo de dizer mais do que a Bíblia diz sobre teorias científicas específicas. A pressão de justificar arte, ciência e diversão em termos do seu valor espiritual ou sua utilidade evangelística acaba prejudicando tanto o dom da criação quanto o dom do Evangelho. A Reforma libertou homens e mulheres cristãos para seguir com dignidade e respeito os seus chamados divinos no mundo, sem ter que justificar a utilidade desses chamados à igreja ou ao empreendimento missionário. A vocação era dom da criação. Até mesmo os não cristãos, como quem carrega a imagem de Deus, possuíam este chamado divino. Crente e incrédulo eram igualmente responsáveis por desenvolver seu trabalho com excelência -- um reconhecendo a Deus como autor e alvo dessa excelência, e o outro servindo a Deus com seus talentos apesar de sua recusa em reconhecê-lo como doador e alvo de tudo. Em contraposição à visão monástica do mundo, a Reforma 5 promulgava uma teologia que abarca o mundo, um dos fatores principais no desenvolvimento da ciência, da Era Dourada” da arte holandesa e da literatura inglesa e escocesa, a libertação da igreja da política, a difusão universal da leitura e da escola pública, e o grito por liberdades civis em contraposição ao fundo da tirania vigente. É claro, não existe movimento perfeito -- há envolvida em todos gente demais parecida conosco! A Reforma não é exceção, com sua parcela de erros e os disparates de homens e mulheres pecadores. Contudo, os temas bíblicos por ela recuperados trouxeram de volta ao povo de Deus um senso de pertencer a este mundo durante o tempo que Deus nos deu, mas pertencer dentro de, e não como parte do mundo. A pressão de justificar a arte, ciência e a diversão em termos do seu valor espiritual ou sua utilidade evangelística acaba prejudicando tanto o dom da criação quanto o dom do Evangelho, desvalorizando o primeiro e distorcendo, no processo, o segundo. Por exemplo, “música cristã” é freqüentemente uma desculpa para artistas inferiores conseguir vencer numa sub cultura cristã que imita o brilho e glamour do entretenimento secular, inclusive suas próprias cerimônias de premiação e seu ambiente de super estrelato. Pode ser que essa não seja a intenção por parte de muitos artistas que querem contribuir ao cenário da música cristã contemporânea, mas a indústria acaba produzindo, na maioria, imitações nada criativas, repetitivas, superficiais da música popular. Produzir música em conformidade com os gostos anestesiados duma cultura consumista já é ruim; imitar a arte comercializada é desperdiçar os talentos, a não ser que se esteja escrevendo para o rádio e a televisão. Trivializa tanto a arte quanto a religião. Não quero com isso condenar todos os artistas cristãos, pois há muitos musical e liricamente sofisticados o bastante que integram uma compreensão séria da mensagem 6 bíblica com um estilo musical criativo. Também não quero que sejamos “esnobes” musicais que confundem seu gosto particular com a Palavra revelada de Deus. Afinal de contas, freqüentemente “a verdade está escrita nas paredes do metrô”, o equivalente arquitetônico da música popular. É esta uma das razões pelas quais eu aprecio a música popular de vez em quando, em parte porque é agradável e traz lembranças de tempos passados. Mas é uma forma inferior, dirigida comercialmente (noutras palavras, financeiramente) que se rebela contra os padrões mais altos da expressão artística. Essas pressões, porém, para se criar versões distintamente “cristãs” de tudo no mundo (ou seja, na criação), pressupõem que exista algo essencialmente errado com a criação -- e essa é uma pressuposição teológica que tem influência muito maior na formação das atitudes evangélicas em todas essas esferas do que geralmente se admite. Examinaremos essa posição básica nos próximos capítulos. Permita-me dizer de início que este livro não é uma análise sofisticada da base teológica de uma visão cristã do mundo ou da natureza das artes, ciências, filosofia e assim por diante. É para o leitor geral, especialmente para aqueles crentes que lutam com uma sub cultura que abafa ao invés de encorajar seus impulsos e suas ambições divinamente dotadas. Nesse sentido, é um livro pastoral. É oferecido com esperança de que os teólogos aprendam mais sobre outras disciplinas e que cristãos nessas outras disciplinas se ancorem mais firmemente sobre a teologia bíblica antes de tentar “integrar” sua fé e vida. Mas não obstante a posição do leitor em relação a esses tópicos -- seja ele um esteta de muita cultura ou uma mãe cristã que quer saber se sua filha pode cursar com segurança uma universidade secular -- haverá poucos desafios às idéias prevalecentes no mundo evangélico e aqui e ali algo em que pensar um pouco mais. 7 Parainiciar, quero definir alguns termos, Primeiro, estarei usando o termo “cultuara" no seu senso mais amplo, referindo-me tanto à cultura popular (esportes, política, ensino público, música popular e diversões, etc. e a alta cultura ( horticultura, academicismo, música clássica, ópera, literatura, ciências, etc.). Uma definição útil e abrangente de “cultura” para nossa discussão pode ser “a atividade humana que intenciona o uso, prazer e enriquecimento da sociedade”. Segundo, por “igreja” estou dizendo a igreja institucional, -- “onde a Palavra de Deus é pregada e os sacramentos são administrados corretamente”, como diziam os reformadores. Quando, por exemplo, se diz que a igreja não deve confundir sua missão com as esferas da política, arte, ciência, etc., não se está sugerindo que os cristãos como indivíduos devessem abandonar esses campos (muito pelo contrário), mas que a igreja como instituição deve observar a sua missão divinamente ordenada. Essa igreja institucional deve ser entendida como expressão visível do corpo universal de Cristo através de todos os séculos e em todo lugar. A igreja institucional recebeu a comissão única de pregar a Palavra e fazer discípulos, Meu emprego da palavra “igreja” , portanto, não é apenas uma referência ao corpo coletivo de cristãos individuais, mas ao organismo vivo fundado por Cristo, ao qual foi confiado o seu próprio ministério pessoal. 8 .Capítulo Um COMO SER UM CRISTÃO MUNDANO “Só quero servir ao Senhor”. Qual a sua primeira impressão dessa declaração? Quando um novo crente que é advogado há vinte anos diz que resolveu “virar as costas para o mundo” e “entregar sua vida a Jesus”, nós não presumimos automaticamente que isso vá incluir algum compromisso radical com uma nova profissão? Talvez ela passe a trabalhar num serviço de advocacia cristã ou até mesmo abandonar por completo o direito para uma profissão ligada à igreja. Normalmente consideramos a paixão por servir ao Senhor como paixão por missões, evangelismo e envolvimento nas atividades e nos ministérios da igreja institucional. Mas quero que repensemos essa idéia através dos seguintes capítulos. Quero que consideremos a possibilidade de que servir ao Senhor signifique um compromisso renovado em desempenhar a função à qual fomos chamados com maior excelência ao invés de abandoná-la por outro chamado. Alguns cristãos têm dificuldade em entender sua relação para com o mundo porque percebem a terra como sob o reinado de Satanás, portanto, é melhor concentrar no evangelismo e no crescimento espiritual particular do que se envolver numa atividade secular. Através deste livro exploraremos o caráter da espiritualidade evangélica que afirme o mundo, desde a Reforma aos Puritanos e em algumas expressões contemporâneas. Especialmente no próximo capítulo, procuraremos também ver a importância de mantermos nosso envolvimento com o mundo num equilíbrio correto. SATANÁS ESTÁ NO CONTROLE? 9 “O deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é à imagem de Deus”(2 Coríntios 4:4). A partir deste trecho, muitos, através dos séculos, concluíram que o mundo está sob controle de Satanás e suas hostes. Os livros tremendamente populares de muitos “guerreiros espirituais” contemporâneos contribuíram para um dualismo cósmico entre Deus e Satanás, luz e trevas, o bem e o mal. Este tem sido um aspecto do impulso gnóstico que sempre volta a aparecer, vendo este mundo como um campo de batalha cósmica entre forças espirituais cujo destino será decidido pela habilidade de terráqueos com conhecimento e destreza espiritual. Assim, “mapeamento espiritual”, promulgado por crescente número de missiólogos, tenta identificar “pontos quentes” de atividade demoníaca com o alvo de “amarrar" os maléficos opressores da região. Naturalmente, soa como algo saído de um livro medieval de superstições, mas é levado muito a sério por bom número de líderes evangélicos. Os reformadores se alarmaram com o reavivamento, em sua época ,da antiga heresia do maniqueísmo, ma forma de gnosticismo que enfatizava o dualismo entre o “deus bom” e o “deus mau”. Como ressaltou Calvino com respeito a este trecho, “Paulo diz em outro lugar que „muitos são chamados de deuses‟ (1 Coríntios 8:5) e Davi declara que „os deuses das nações eram demônios‟ (Salmo 96:5)... Quanto aos maniqueístas esse título não sustenta mais os seus pontos de vista do que quando o diabo é chamado de príncipe deste mundo... Pois o diabo é chamado o deus deste mundo exatamente da mesma forma como Baal é chamado o deus daqueles que o adoram ou o cão é chamado o deus do Egito”. Não são na realidade deuses, mas são tratados como tais pelas 10 imaginações obscurecidas das nações. Conforme Lutero disse “O diabo é o diabo de Deus”, Calvino também argumentava que toda influência demoníaca e satânica do mal estava sob o comando soberano de Deus e está sob o controle do verdadeiro Soberano do Universo. C. Peter Wagner relata um caso em que um missionário pentecostal distribuía folhetos. A fronteira entre o Uruguai e o Brasil passava pela rua principal desta cidadezinha. Quando o missionário percebeu que os do lado uruguaio não aceitavam os folhetos, enquanto os brasileiros aceitavam, Deus lhe deu uma “palavra”: O “valente” estava amarrado de um lado, mas não no outro. Wagner oferece mais um exemplo: Omar Cabrera, de Santa Fé, Argentina, é um evangelista que leva a sério a necessidade de amarrar o valente ou quebrar o poder da hierarquia territorial. Quando ele vai a uma nova área ele se fecha sozinho num quarto de hotel por uns quatro ou cinco dias de jejum e oração intensos, Ele luta com as forças do inimigo até que identifique os valentes que dominavam o território. Então ele luta com eles e os amarra no nome do Senhor. Quando isso acontece ele simplesmente vai para a reunião e anuncia ao auditório que estão libertos. Os doentes começam a ser curados e os perdidos começam a ser salvos até mesmo antes dele pregar e orar por eles. Essa espécie de evangelismo de poder fez com que o seu movimento, Visão do Futuro, crescesse de 10.000 para 135.000 crentes em cinco anos. i Naturalmente, as Escrituras não relatam nenhum exemplo de pessoas se salvando antes de ouvir a pregação da Palavra. Até mesmo muitos títulos de livros evangélicos populares demonstram essa fascinação com a guerra cósmica que nada tem a ver com a batalha espiritual descrita na Escritura. Na Bíblia, a batalha espiritual ocorre sobre esta terra, quando Satanás tenta confundir ou diminuir no crente a confiança em Cristo e na sua justiça imputada como suficiente para a salvação. Em outras palavras, é uma batalha pelos corações e pelas mentes, e tem a ver com verdade versus erro, fé versus incredulidade, crença em Cristo versus crença em qualquer outra coisa ou pessoa. Não se focaliza em “encontros de poder” e exorcismos, mas no “valente” ser expelido por um “homem mais valente” que toma o seu lugar. Esse modismo popular tem mais afinidade com os filmes de “Guerra nas Estrelas” e é influenciado mais pelo sensacionalismo da 11 cultura popular, com sua atração pelo paranormal, do que por trechos claros das Escrituras. “Encontros de Poder” não era exatamente o que Paulo tinha em mente ao referir- se a Satanás como “o deus deste século”. Ele não dizia que um bom Deus reina no âmbito espiritual enquanto um deus mau reina nas arenas “seculares” e “mundanas”. Satanás é apenas deus deste mundo no sentido que ele está sendo servido como se fosse um deus. Como ministro da ira, Satanás cegou os corações de judeus e gentios, mas é sempre dentro da permissão divina, e essa permissão poderá ser retirada sempre que Deus quiser. Não há, portanto, razão para ver este mundo como inerentemente mau, campo de batalha para o controledo planeta e do universo, cujo resultado é determinado pela habilidade de alquimistas espirituais amarrarem os demônios e fazerem o mapeamento espiritual das regiões. Embora nós, homens e mulheres pecadores, tornamos este mundo em lugar de rebeldia, maldade e desordem, Satanás não tem a mínima chance de vitória final; ele não tem, em tempo algum, vitória sobre os propósitos de Deus e nem pode frustrar os intentos de Deus (Daniel 4:34-37). Contudo, ele é incansável em tentar enfraquecer a confiança do crente na graça de Deus. A resposta a isso tem que ser um entendimento mais firme do evangelho. A soberania de Deus nos consola na crise e contém nosso orgulho no triunfo. A soberania de Deus não é apenas um ponto essencial da fé cristã em especial ( e do teísmo em geral), mas é também imensamente prática para nossa confiança de que Deus luta as nossas batalhas por nós; o mal nunca terá a última palavra. Na cruz, nossa 12 dívida não foi apenas cancelada, mas “despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz” (Colossenses 2:15). Não seria o máximo da arrogância, beirando a blasfêmia, sugerir que é a vitória do crente sobre as forças demoníacas ao invés do triunfo de Cristo, uma vez por todas, que garante a libertação das amarras de satanás? É por proclamar o Evangelho, declara Paulo em sua passagem famosa sobre batalha espiritual (Efésios 6), não por tomar sobre nós mesmos a tarefa de extirpar as trevas espirituais, que o Reino de Deus é divulgado e o reino de Satanás é diminuído. Freqüentemente nossas causas políticas, como nossas cruzadas evangelísticas, tendem a ignorar esta verdade fundamental, fazendo com que às vezes pareça que este último movimento, mais recente e grandioso (a Direita Cristã na política, os Cumpridores de Promessa, o movimento de Sinais e Maravilhas, AD 2000 no evangelismo e missões) de nossa própria atividade e ambição frenética em projetos e empreendimentos atinja a obra que as Escrituras atribuem à Cruz de Cristo. Ou, no outro lado, se a pessoa errada estiver na Presidência, temos a impressão de que o universo está fora do nosso controle, como se Deus dependesse de nós e de nossas maquinações para a realização do seu reino. Muitas vezes, os crentes mais bem-intencionados se envolvem nessas causas com os melhores motivos, mas é grande a tentação de esquecer, quando perdemos, que Cristo ainda é Rei e que, quando nós ganhamos, ainda assim nós não o somos. É claro que isso não significa que o triunfo de Cristo na cruz elimine nossa responsabilidade de evangelizar as nações ou de ensinar-lhes a justiça, mas é afirmar que a única forma de se trazer esta vitória às nações é por proclamar o que Cristo já realizou, não por nossos feitos de grandeza e glória. Pois, diferente dos “super apóstolos”, como 13 Paulo se referiu aos gnósticos, “Porque não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus como Senhor, e a nós mesmos como vossos servos por amor de Jesus” ( 2 Coríntios 4:5). A soberania de Deus consola-nos em crise e contém nosso orgulho no triunfo, lembrando-nos que não somos nós que determinamos o resultado das batalhas espirituais, mas Cristo o Rei que luta por nós e já assegurou-nos a vitória final. ALGUNS BONS EXEMPLOS Sendo que este ainda é o mundo de Deus e que Ele reina soberano ainda mesmo quando não reina como Salvador, como podemos nos tornar “cristãos mundanos” no melhor sentido da frase? Talvez fosse útil observar a herança que temos no cristianismo evangélico, não porque não houvessem grandes exemplos de fidelidade a essa missão mundial antes da Reforma, mas porque este movimento restaurou a piedade que abarca e afirma o mundo encontrada claramente exposta nas Escrituras Sagradas. Martinho Lutero sabia que compreender que a aceitação do pecador perante um Deus santo era resultado de uma “justiça estrangeira” que necessariamente conduziria a revoluções nos relacionamentos humanos. Liberto de focalizar só para dentro, o crente estava livre para tomar o mundo como uma atividade espiritual e piedosa, em vez de separar-se dele com o entendimento distorcido de que estivesse assim se separando do pecado. “Pois até mesmo na cela do monge,” Lutero lembrava, “eu ainda tinha aquele malandro (sua própria natureza pecaminosa) ali junto comigo”. Quando pessoas leigas comuns descobriram o Evangelho, foram de tal forma revolucionadas por ele que queriam fazer tudo para promovê-lo. Longe de levar à lassidão 14 moral. inspirava zelo onde antes havia apatia. Na verdade, um sapateiro perguntou a Lutero o que ele deveria fazer agora que conhecia o evangelho. Qual deveria agora ser o seu chamado? Da mesma forma que o caso hipotético do advogado que queria servir a Deus, mencionado no início deste livro, era uma pergunta óbvia para uma pessoa medieval que fora treinada a achar que uma grande experiência religiosa requeria devoção especial em termos de um chamado sagrado. A resposta do reformador foi surpreendente para o sapateiro, do mesmo modo que surpreenderia muitos de nós hoje: “Faça um bom sapato e venda-o com preço justo”. Quando lhe perguntaram o que faria se ele soubesse que Cristo estava voltando amanhã, Lutero respondeu: “Eu plantaria uma árvore”. Noutras palavras, Deus se agrada de nossa atividade comum e fiel neste mundo, de tal forma que Lutero não achava que teria que estar em oração ou “exercícios espirituais” no momento da volta de Cristo para receber a sua bênção. Na família Lutero é considerado por muitos historiadores como o pai do ponto de vista da família que tornou-se parte de uma herança ocidental hoje em desaparecimento. Antes, a falsa espiritualidade diminuía o valor de um lar piedoso no sentido de não considerar que criar uma família fosse um ato de serviço a Deus em si mesmo. Era secular, mundano, comum, e portanto, os cristãos mais devotos se separariam de tais preocupações mudanças e concentrariam em sua ascendência espiritual pessoal na escada de experiência e piedade cristã. Relações sexuais eram consideradas um mal necessário com propósitos de procriação, mas Lutero e os outros reformadores causaram um grande escândalo ao dizer que eram também com propósito de prazer e comunhão no relacionamento conjugal. Os relatos que temos da vida no lar de Lutero estão cheios de 15 retratos de uma família sentada em volta da mesa orando, lendo a Bíblia e cantando, tocando instrumentos e jogando, brincando. Na arte Na arte as coisas também começavam a mudar, como veremos em detalhes quando discutirmos o cristianismo e as artes. Pode-se observar a transformação quando se visita um museu moderno que tenha uma coleção medieval e uma coleção do barroco holandês. Alguns anos atrás, experimentei isso com um amigo católico romano com quem eu estudava direitos humanos na França. Nós estivemos lendo juntos a epístola de Paulo aos Romanos e ele estava ansioso por aprender mais a respeito do Evangelho. Um dia, quando visitávamos o Louvre em Paris, visitamos a ala medieval e depois o barroco holandês. Sem muita direção, ele pôde ver em ação os diferentes pontos de vista sobre o mundo. as pinturas medievais, por exemplo, o assunto era quase sempre religioso. Mesmo quando retratados assuntos seculares (tais como os mitos pagãos), personagens ou imagens bíblicas eram integradas como se de alguma forma o assunto secular exigisse alguma justificativa. Os quadros populares de Nossa Senhora e Filho, refletindo as influências bizantinas, eram freqüentemente iconográficas: isto é, achatadas, unidimensionais e altamente decorativas. A intenção óbvia era inspirar devoção e ensinar uma lição moral ou espiritual. Em nada diferente de nossos próprios dias, a imagem, mais do que a palavra, era o meio de comunicação e instrução, e a arte servia um propósito didático e moral. A igreja encomendava a maior parte dasobras artísticas, e era assim que uma pessoa de talento ganhava a sua vida no mundo medieval. 16 Fomos então para a ala do barroco holandês e imediatamente notamos uma visão totalmente diferente da vida e da religião. Primeiro, a maioria das obras era secular, ou seja, não foi feita para pregar ou ensinar. Não tentavam informar ou inspirar uma piedade fora do mundo. Somos tocados pelas cenas pastorais, pequenos retratos de vida comum nos vilarejos, homens e mulheres trabalhando, famílias (como a de Lutero) em volta de suas mesas tendo prazer no que os outros faziam para divertir com instrumentos musicais, (às vezes com a participação do pastor, indicando a afirmação desta vida no lar pela igreja). Há ainda as natureza mortas, com tigelas de frutas cuidadosamente representadas, e há as cenas tristes com a pobreza dos sem-teto contrasta com a animação da vida na corte. Este mundo era assunto aceitável de maravilha e estudo, mesmo quando não desse uma lição espiritual ou moral ou convertesse os perdidos. Ainda assim, embora não fosse seu propósito explícito, os quatros eram ilustração da diferença entre a piedade católica romana na qual meu amigo fora criado (e que havia rejeitado) e a perspectiva evangélica. Deu-me um exemplo que explicava o próprio evangelho e discutia as formas como os dois evangelhos diferentes criavam dois distintos pontos de vista sobre o mundo. Até mesmo nos quatros religiosos, nota-se uma revolução na visão do mundo que tinham os artistas. Por exemplo, nos quadros medievais da Família Sagrada, há um retrato achatado, unidimensional. Maria, José e Jesus vestem mantos caros e têm halos dourados em volta de suas cabeças. Afinal de contas, o propósito era inspirar devoção, ensinar e trazer os leigos ao contato com o Deus invisível. No quadro de Rembrandt do mesmo assunto, ele fez a sagrada família sentada no canto de uma sala. Na parte da frente, que ocupa a maior parte da pintura, vê-se um lar típico de campesinos. Todas as indicações de vestimenta e ambiente mostram que é uma família normal e simples de gente do 17 campo. A fonte de luz é natural" em vez de emanar dos halos, entra pela janela como luz natural do sol da tarde. Há, portanto, dois princípios importantes funcionando: Primeiro, há a aceitação do mundo como é de verdade, criado por Deus, sob o cuidado de Deus, mas quebrado e corrupto. É totalmente realista e nada sentimental. Existe perspectiva verdadeira, dando a impressão de que esta é uma família de verdade que mora num lugar de verdade, dentro de um tempo verdadeiro, e não uma família espiritualizada, efêmera sem ligação com a realidade do mundo. Parte desta perspectiva se deve à influência da Renascença, que se rebelou contra a visão medieval e sua maneira estática de ver a vida e a história, insistindo em que o estudo de história e das disciplinas seculares pudesse ser um fim em si mesmo, separado do controle de tudo da espiritualidade da igreja. Mas a Reforma explorou esse interesse em recuperar um senso de história e perspectiva verdadeiro -- não apenas recuperando a antiga fé, mas também descrevendo o mundo real em termos verdadeiros. Verdade: Jesus é Deus, mas a igreja medieval de tal maneira enfatizara a sua distância e divindade que os devotos tinham que olhar para os santos e para Maria para entender alguma coisa. A Reforma enfatizou a verdade que deus se fez homem, trazendo dignidade à vida terrena e secular. Em Cristo, Deus tornou-se vizinho próximo da pessoa. O segundo princípio é este: não é necessário “santificar" a arte exigindo que ela sirva aos interesses morais e religiosos da igreja. A criação é uma esfera legítima em si mesma. O falecido historiador holandês Hans Rookmaker, amigo de Francis Schaeffer, resumiu bem esse conceito no título de seu livrete “Art needs no justification”( A arte não precisa de justificativas). 18 Embora a visão medieval do mundo produzisse uma multidão de obras artísticas surpreendentes, belas e evocativas nas habilidosas apresentações do ideal religioso, a visão Reformada libertou a arte das amarras, permitindo que ela fosse um empreendimento puramente secular, um dom de Deus. Nomes tais como Rembrandt, Vermeer, de Hootsch, Cranach, Holbein, e Dürer figuram alto na história da arte, dando expressão artística a esse ponto de vista. Na verdade, Albrecht Dürer (1471-1528) se converteu ao Evangelho e tornou-se aluno e amigo pessoal de Lutero, pois os ensinos do reformador o “livraram de grandes ansiedades”. Dürer, que já abraçara o estilo renascentista sobre o medieval, agora sentiu-se livre para retratar assuntos seculares nas ilustrações para textos científicos, nos mapas de exploradores, e retratos de pessoas. Suas gravuras (tais como seu famoso “Quatro cavalheiros do Apocalipse”) eram muitas vezes religiosos, mas em estilo realista. Quando esses artistas apelavam para as histórias bíblicas, os personagens vestiam roupas contemporâneas e representavam vidas verdadeiras de pessoas de todas as camadas da vida, ricos e pobres. Lucas Cranach, que morreu em 1553, fez muitos retratos e peças para altares de igrejas evangélicas. O reformador de Zurique, Ulrico Zuinglio (1484-1531) proibiu a arte e a música na igreja porque insistia na centralidade única da Palavra e dos sacramentos. Contudo ele próprio tocava instrumentos e fundou a orquestra de Zurique. Vez após vez vemos a atitude dos reformadores como sendo longe de anti arte ou anti música; queriam, pelo contrário, libertar a Palavra no culto e as artes na criação, desde que estas não tivessem primazia sobre a Palavra. “A música é um maravilhoso dom de Deus‟, disse ele, “e depois da teologia, eu não desistiria do meu pequeno conhecimento musical por nada. A 19 juventude precisa aprender esta arte, pois ela forja pessoas excelentes e habilidosas”. ii Até mesmo professores escolares devem saber cantar, insistia Lutero. Conquanto muitos dos anabatistas defendessem desprezar as artes como sendo “mundanas”, Lutero contra argumento: “Não sou da opinião de que as artes devam ser jogadas de lado ou desprezadas pelo Evangelho, como protestam algumas pessoas super espirituais; eu quisera ver, com prazer, todas as artes, especialmente a música, a serviço daquele que as deu e as criou” iii . Compositor de hinos ele mesmo, Lutero inspirou toda uma tradição de hinologia evangélica. Na música O nome de Johann Sebastian Bach vem à mente como alguém que levou à frente essa visão. Tanto suas peças sacras quanto as seculares levavam a mesma assinatura “S.D.G.”o dizer reformado “Soli Deo Gloria” (só a Deus a glória), e ele mandou gravar essas letras no seu órgão em Leipzig. G.F.Händel declarou “Que coisa maravilhosa é ter certeza de nossa fé! Que maravilha ser membro da igreja evangélica, que prega a livre graça de Deus através de Cristo como esperança dos pecadores! Se fôssemos depender de nossas obras -- meu Deus, o que seria de nós?” iv No século dezenove, um jovem músico judeu se converteu a Cristo e compôs sua célebre “Sinfonia da Reforma” como tributo ao dom gracioso de Deus. O nome daquele jovem foi Felix Mendelssohn. Esses grandes artistas puderam mover-se livremente entre o secular e o sagrado sem confundir nem um nem o outro, pois estavam de bem com a realidade, fosse ela a realidade sobre a Criação e a Queda, épicos históricos, impressões delicadas de uma terra estrangeira ou a realidade da salvação do pecado pela redenção em Cristo. Eles se 20 moviam confortavelmente entre o secular e o sagrado como âmbitos legítimos e divinamente ordenados, mas não confundiam os dois. A tradição reformada mais formada pela influência de João Calvino produziu também uma rica tradição artística. Não só o Barroco Holandês era tributo à sua influência, como também a tradição do cântico dos salmos, hoje em dia muito esquecida, que foi popularizada durante o seu ministérioem Genebra. Crianças de escola na França cantavam os Salmos nos pátios onde brincavam (até que o mestre de escola os compelisse a parar) e estes hinos majestosos foram cantados em lugares longínquos como na Hungria, Polônia, Escócia e Itália durante a Reforma. Embora Calvino admoestasse contra colocar a igreja de volta sob as leis cerimoniais de Israel, que eram apenas sombra do reino futuro e passaram com a vinda de Cristo, ele encorajou o desenvolvimento de sociedades musicais na comunidade. Para o cântico sagrado dos salmos nas igrejas, ele empregou o poeta mais famoso da Renascença Francesa, Clement Marot (1497-1544) para escrever o texto e compor a música com a assistência de Louis Bourgeois. Até mesmo nas artes dramáticas, houve um impacto notável. A maioria das peças dramáticas era em forma de peças medievais de moralidade, que freqüentemente tinham o mesmo final: o bom era recebido na glória e os que não aprenderam a lição eram lançados no inferno. Mas os reformadores libertaram também esta esfera do domínio da igreja. Na verdade, o pastor associado de Calvino e seu sucessor em Genebra, Teodoro Beza (1519-1605) escreveu a primeira tragédia francesa, entre escrever seus imensos tomos teológicos. Os puritanos na Inglaterra estavam longe de condenar o teatro, como uma obra teatral importante por Martin Butler, Theater and Crisis, 1632-1642 21 (Cambridge University Press, 1984) demonstrou. Muitos deles eram, eles próprios, arquitetos do palco shakesperiano. Na literatura Nas artes literárias, a Reforma inspirou liberdade das constrições eclesiásticas também, Vemos aí o surgimento do romance moderno, estudos históricos e uma variedade de explorações literárias. Lutero escreveu sobre uma variedade de assuntos seculares, e Calvino até mesmo experimentou com a poesia. A primeira obra publicada de Calvino foi um comentário De Clementia (sobre a clemência), um estudo do antigo jurista romano Sêneca. Beza escreveu textos políticos que muitos historiadores hoje consideram como tendo grande influência na formação da teoria democrática moderna. Grande número de mudanças perturbadoras e transformadoras poderiam ocorrer na nossa compreensão do universo sem que despojassem a revelação infalível da Escritura. A “Era Dourada” da literatura inglesa está ligada à reforma, com nomes tais como Spenser, Donne, Herbert, Milton e uma multidão de outras luminárias foram resultado da enorme influência daquele movimento evangélico. Na Ciência O mesmo espírito prevaleceu na ciência. Não há melhor exemplo da confusão e do domínio da igreja sobre os empreendimentos científicos do que no caso de Copérnico. Conquanto deixaremos a discussão da crise em si para o capítulo apropriado, basta aqui dizer que quando a igreja confunde as Escrituras com um determinado sistema filosófico em particular, ela facilmente fala onde a Escritura não falou, enfranquecendo a autoridade bíblica quando as afirmativas dogmáticas da igreja são impossíveis de ser reconciliadas 22 com os fatos. A igreja confundiu a ortodoxia bíblica com Aristóteles, e quando a ciência provou ser falsa a cosmologia geocêntrica, muitos concluíram que a Bíblia simplesmente fora sobrepujada pelos fatos. Para os reformadores, a Bíblia era sobre Cristo, não sobre o relacionamento dos planetas. Calvino louvou a astronomia e admoestou contra a expectativa de Moisés dar informações científicas sobre os movimentos dos planetas e dos astros. Não devemos “censurar a Moisés por não falar com maior exatidão... Moisés escreveu em estilo popular coisas que, sem instruções, pessoas comuns, dotadas de bom senso, são capazes de entender; mas os astrônomos investigam com grande esmero aquilo que a sagacidade da mente humana pode compreender”. v Como a Bíblia não foi feita como manual de teoria artística, literária, musical ou política, também não deveria ser vista como livro texto para as ciências. Tudo nas Escrituras é verdade, no sentido daquilo para o qual foi escrito pelo autor original, mas o propósito das Escrituras não é nos contar tudo sobre todas as coisas, mas explicar -- na linguagem mis comum e básica possível -- o progresso da obra salvífica de Deus em Cristo através da história da redenção. Isso libertou o cientista para seguir sua vocação sem ter aqueles não treinados nas ciências constantemente julgando as suas observações. Os grandes cientistas protestantes, portanto, criam que “o segundo livro de Deus”, como se referiam à criação, se harmonizaria perfeitamente com o “primeiro livro” (as Escrituras), sendo que Deus era o autor de ambos. Foi dado espaço à razão e à observação empírica para explorar as “coisas terrenas" sem medo de derrubar o céu. Foi só quando a ciência, após o Iluminismo, tentou exceder os seus limites de observação e postular sobre a natureza daquilo que não se vê que caiu na mesma confusão que fora a vergonha da igreja católica romana. 23 Enquanto muitos cristãos estavam nervosos sobre o surgimento da astronomia e das mudanças em potencial que ela poderia trazer para o modo que se entende o universo, avisou Calvino, “Este estudo não deve ser reprovado, nem a ciência deve ser condenada, por que algumas pessoas desesperadas tendem a rejeitar ousadamente qualquer coisa que lhes é desconhecida” vi Portanto, os reformadores deram grande espaço à “revelação natural" e às disciplinas seculares que desfraldavam a sabedoria divina de modo a complementar as Escrituras. Como estavam convencidos de que a Bíblia é a respeito de Cristo e não discorre sobre a ciência, não tiveram dificuldade em aceitar a idéia de que grande número de mudanças perturbadoras e transformadoras poderiam ocorrer na compreensão do universo sem que despojassem a revelação infalível da Escritura. . Talvez as nossas pressuposições sobre o que a Bíblia ensina fossem derrubadas, mas eventualmente, chegaríamos a conclusão que as novas descobertas (se fundamentadas em fatos) se harmonizavam perfeitamente com as Escrituras, não importa o quanto eram deferentes de nossas queridas opiniões pessoais. John Dillenberger observa que os reformadores “ foram positivos quanto ao papel das ciências em geral e da astronomia em particular. A abordagem teológica de Lutero e de Calvino oferecia uma visão da ciência e da Escritura que teria estado aberta para Copérnico”. vii O escolasticismo protestante, movimento que seguiu imediatamente à Reforma, refinando e sistematizando o protestantismo evangélico num todo coerente, continuou com essa atitude afirmativa para com a ciência e ajudou grandemente a contribuir para a sua ascensão. Kepler, Bacon e Newton estão entre os maiores astros nessa constelação. 24 Kepler se referiu a esse empreendimento como “pensar os pensamentos de Deus após ele” e foi um dos primeiros apoiadores das novas teorias de Copérnico. Os puritanos fundaram a famosa Sociedade Real, cidadela das ciências britânicas. Um dos seus fundadores, Thomas Sprat, comparou a reforma, com a libertação dos acréscimos da Palavra de Deus, com o surgimento das ciências, dando crédito ao primeiro pelo último. Roberto Boyle ( 1627-91), um dos primeiros pioneiros da física, desejou para os colegas da Sociedade Real “que se vá bem nas louváveis tentativas de descobrir a verdadeira natureza das obras de Deus, e [orava] para que eles e os demais que buscavam as verdades da física pudessem de coração render as suas realizações para a glória do Autor da Natureza e para o benefício da humanidade”. viii Lewis Spitz, da Universidade de Stanford, nota também que Boyle escreveu um livro intitulado A Excelência da Teologia Comparada com a Filosofia Natural, e, observa Spitz: “Ninguém pode negar a preponderância dos protestantes entre os cientistas após 1640. Luteranos, anglicanos e acima de tudo calvinistas fizeram mais descobertas científicas do que os católicos e apreciam ser maisflexíveis em colocá-las em prática”. ix Na educação Uma área de preocupação dos reformadores que consideraremos é na educação, pois aqui, especialmente nos dias atuais, sentimos o ardume das palavras de H.G. Wells: “A civilização é uma corrida entre a educação e a catástrofe”. Os reformadores não se limitaram a amaldiçoar as trevas; estavam decididos a trabalhar de maneira positiva 25 para o bem do próximo e para a glória de Deus. Martinho Lutero persuadiu o governo a proclamar a educação universal compulsória tanto para meninas como para meninos. Com seus associados ele criou um sistema de educação pública na Alemanha. o cristianismo era religião da Palavra, e aqueles que dependiam de imagens religiosas e só “ouvir falar” eram, a princípio espiritualmente empobrecidos. Mas eram também culturalmente empobrecidos, e esse era um ponto importante também. Com este propósito o colega de Lutero, Melâncton, declarou: “A finalidade última que confrontamos não é apenas a virtude particular mas o interesse do bem público”, e exortava os professores a “tomar a vocação escolar no mesmo espírito com que tomariam o serviço de Deus na igreja”. x Imagine a liberdade que isso deu ao professor comum de escola pública! Calvino argumentou em suas Ordenanças de 1541: “Como é necessário preparar para as gerações futuras a fim de não deixar a igreja num deserto para os nossos filhos, é imperativo que se estabeleça um colégio para se instruir os filhos e prepará-los tanto para o ministério quanto para o governo civil”. Esta Academia, que mais tarde tornou-se na Universidade de Genebra, tornou-se modelo para as grandes universidades da Europa e do Novo Mundo. Muitos dos nomes associados à reconstrução ou fundamentação das grandes universidades foram anteriormente alunos desta Academia. Em 1536, os cidadãos de Genebra assinaram um pacto comprometendo-se a enviar seus filhos às recém formadas escolas públicas. João Comenius foi reformador polonês que procurou integrar sua visão reformada do mundo com a visão da educação pública universal. Ele é visto por muitos como sendo 26 o pai da educação moderna. Avançada para o seu tempo, sua filosofia de educação revolucionou grandes partes da Europa. Semelhantemente, o First Book of Discipline (primeiro livro de disciplina) elaborado por John Knox em 1560, conclamou por um sistema nacional de educação pública para a Escócia. Antigos mosteiros foram transformados em bibliotecas e escolas. Como diz Lewis Spitz, “Não foi por acidente que a alfabetização universal foi atingida na Escócia e em diversos estados protestantes da Alemanha”. xi Longe de serem anti intelectuais ou temerosos do estudo secular, os reformadores acreditavam que o cristianismo só poderia florescer em meio a um povo que lesse e fosse culto. Seu treinamento humanista os preparou amplamente para a tarefa; da tradição reformada surgiram as universidades de Zurique, Estrasburgo e Genebra, Edimburgo, Leiden, Utrecht, Amsterdã, Harvard, Yale, Princeton, Brown, Dartmouth e Rutgers. Os Puritanos restauraram Oxford e Cambridge, e as igrejas alemãs luteranas e reformadas reconstruíram a decadente Universidade de Heidelberg. Como reação a esse movimento gigantesco de educação, os Jesuítas foram fundados a fim de construir universidades e colégios para combater o avanço do Protestantismo. “Mas isso foi há tanto tempo, e as pessoas de então estavam interessadas no aprendizado”, dirão alguns. Contudo, o mentor de Calvino e principal reformador em Estrasburgo, Martinho Bucer, lamentou: Hoje em dia ninguém quer aprender a não ser o que dá dinheiro. Todo mundo corre atrás das profissões e ocupações que dão menos trabalho e trazem maior lucro, sem se preocupar com o próximo ou por uma reputação de honestidade e bem. O estudo das artes e ciências está sendo deixado de lado para os tipos mais baixos de trabalhos manuais... todas as boas cabeças a quem foram dotados por Deus a capacidade para estudos mais nobres estão ocupadas pelo comércio. xii 27 Os reformadores não apenas amaldiçoaram as trevas; estavam decididos a trabalhar de maneira positiva para o bem do próximo e para a glória de Deus. Tomaram o estandarte e ergueram os padrões para toda uma época, em vez de simplesmente lamentar as condições e propor legislação. Estava longe de ser perfeito, mas foi uma experiência notável naquilo que pode ser feito quando o povo de Deus é libertado pelo Evangelho para o bem de seu próximo e para a glória do seu Redentor. Mas esse testemunho evangélico, naturalmente, não terminou com os séculos dezesseis e dezessete, assim como não começou com eles. Hoje Um exemplo moderno é o de Abraão Kuyper (1837-1920), cuja carreira começou como um pastor liberal na Holanda. Após formar-se em teologia pela Universidade de Leiden, Kuyper foi chamado por uma pequena paróquia do interior onde vários dos seus paroquianos o levaram a converter-se à fé ortodoxa em Cristo. Daí em diante, tornou-se pregador popular em Amsterdã, desafiando o liberalismo com uma argumentação sólida, tornando-se editor do jornal De Standaard, e depois, acrescentando à sua vida já ocupada, membro do Parlamento holandês. Kuyper se consagrou ao chamado de estadista e fundou o Partido Anti-revolucionário, um sistema nacional de escolas cristãs e a Universidade Livre de Amsterdã, onde em seu discurso inaugural ele declarou: “Não existe uma só polegada, em todo o domínio de nossa vida humana, da qual Cristo, que é soberano de tudo, não proclame „Meu!‟”. A dedicação de Kuyper aos princípios democráticos não caiu bem com muitos de seus colegas, e seu compromisso para com os direitos civis dos trabalhadores o alienou de muitos dos seus correligionários de partido. Apesar dessas diferenças, Kuyper recebeu 28 doutorados honorários da universidade de Princeton em 1898 e tornou-se Primeiro Ministro da Holanda três anos depois. Após sua carreira oficial, Kuyper assumiu o papel de estadista-senior e escreveu muitos livros sobre uma variedade de assuntos sobre os quais parecia ter um conhecimento enciclopédico, escrevendo sobre arte, estrada de ferro, viagens, e a crise de autoridade cultural que estava por vir no Ocidente. Uma das contribuições importantes de Kuyper foi sua insistência de que os cristãos na política servissem à nação toda e que não apenas promulgassem o próprio bem. O “povo pequeno”, uma das frases favoritas de Kuyper, era na verdade o grande povo sobre o qual o magistrado deve servir com diligência singular. Portanto, Kuyper foi capaz de entrar no que tinha se tornado um ambiente pluralista, apoiando as liberdades de todos os cidadãos holandeses e imigrantes, enquanto encorajava o avanço de cada grupo, libertando-os a seguir após suas próprias esperanças, línguas, tradições culturais. e fé religiosa. Foi neste ambiente que o cristianismo floresceu novamente naquela nação, embora não sem um bom número de problemas dentro das próprias igrejas. Contudo, Kuyper fez versões “cristãs” de muitas coisas no mundo: escolas cristãs, jornais, e partidos políticos tendiam a obscurecer a confiança protestante anterior no âmbito da natureza como possuindo luz suficiente e justificativa para sua existência sem ter de ser organizado especificamente como sendo cristã. Esse espírito kuyperiano tornou-se especialmente atraente em alguns círculos da América do Norte, porque abarca o mundo e rejeita a retirada pietista da sociedade, contudo não se pode concluir rapidamente demais que seja possível encontrar uma filosofia, teoria política ou estética distintamente “cristã”. Se estes estão realmente dentro do âmbito da graça comum e revelação natural, não exigem uma explicação especificamente cristã. Procurandopor 29 uma tende apenas a polarizar os cristãos em contraposição aos não cristãos até que os crentes sejam novamente exilados da praça pública, forçados a seguir sua filosofia “cristã” dentro de seus próprios guetos espirituais. Existe também um perigo em algumas formas do pensamento kuyperiano em termos de confundir o senhorio de Cristo na redenção (ou seja, sobre sua igreja) com o senhorio de Cristo sobre a criação. Se, por exemplo, um líder evangélico se levantasse esta semana e declarasse, nas palavras de Kuyper, que “Não existe uma só polegada, em todo o domínio de nossa vida humana, da qual Cristo, que é soberano de tudo, não proclame „Meu!‟”, a mídia secular provavelmente tomaria essas palavras como uma tentativa de impor a fé cristã sobre toda a sociedade. No entanto, o próprio Kuyper não se referia a um golpe religioso, mas estava destacando o senhorio de cristo sobre “todo o domínio de nossa vida humana”. Em outras palavras, as vidas dos crentes devem ser regulamentadas e regidas pela vontade revelada de Deus, não apenas nos domingos, mas às segundas-feiras também. Todo pensamento tem que ser levado cativo a Cristo, declarou Paulo, Homens e mulheres todos devem se curvar ante o reino de Cristo sobre toda a vida, mas somente os crentes farão, de fato, isso -- até o ;ultimo dia, quando “todo joelho se dobrará e toda língua confessará que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus pai”(Filipenses 2.10-11). O pluralismo religioso contemporâneo torna anacrônicas todas as tentativas da “cristandade”; contudo, ainda há muito que permanece útil. Ao final de sua vida, Kuyper tinha aberto caminho para uma Igreja Reformada Nacional que recobrara sua ortodoxia e fé viva, havia iniciado um sistema nacional de escolas cristãs, e servira àqueles além do escopo do cristianismo como seu primeiro ministro. 30 Muitos outros deixaram sua marca sobre o mundo. David Livingstone, grande missionário e explorador, trabalhou infatigavelmente para acabar com o comércio de escravos na África, enquanto o primeiro ministro britânico William Wilberforce e seu círculo de amigos cristãos no governo finalmente levaram ao fim daquela instituição terrível. Vemos o mesmo impulso na tímida e modesta Corrie ten Boom e nas vidas de incontáveis outros cristãos da Resistência holandesa que esconderam judeus em suas residências e lojas com perigo de suas próprias vidas. Quando o oficial japonês que lançou o ataque sobre Pearl Harbor se converteu a Cristo, e abraçou o oficial americanocristão tambémque estivera no comando durante o ataque, este espírito de abraçar o mundo estava vivo e bem. Heróis incontáveis simplesmente cumprem seus deveres com vistas à glória de Deus e ao serviço da família e do próximo. Muitos daqueles a quem eu me referi são europeus, com referência especial à Reforma protestante, e isto somente porque foi um movimento que recuperou muito da percepção que traz uma nova compreensão de nosso papel neste mundo. Esta mensagem tem feito com que incontáveis homens e mulheres de todas as nações, que em si mesmos são pequenos aos olhos do mundo, grandes no reino de Deus. Mas produziu também muitos dos benefícios culturais que fazem de nosso mundo um lugar melhor no qual ouvir a melhor notícia de todas, as novas que deixam pálidos, por comparação, todos os nosso maiores ganhos na cultura. No próximo capítulo veremos o equilíbrio das diversas esferas em que os crentes estão envolvidos. 31 Capítulo Dois SOBERANIA DE ESFERA: CUIDAR DE NOSSOS PRÓPRIOS AFAZERES Mais um auxílio para ser um cristão mundano é a idéia de Abraão Kuyper de “soberania da esfera”, que ele adaptou da insistência dos reformadores da pessoa permanecer dentro da esfera de seu chamado e deixar claros os limites. Mudamos as escolas através da política? A arte tem que servir uma finalidade moral, política, religiosa ou terapêutica além de oferecer prazer e deleite estético? Os esportes tomaram um lugar importante demais na sociedade? Essas são apenas algumas perguntas práticas que encontram utilidade neste princípio. Veio significar muito mais do que isto, ou seja, a existência distinta de toda atividade humana, não apenas a independência da esfera do estado, mas também das outras esferas. Como argumentam Kuyper, Meeter, e outros defensores da soberania da esfera, essa idéia não se deriva de não gostar do estado ou da igreja, ou de quaisquer outras instituições ou tarefas culturais. Nas Escrituras, encontramos as tarefas culturais como sendo dadas antes mesmo da criação do governo, sendo este último necessário em razão da Queda. Como eram anteriores na criação, são dadas, através das Escrituras, existência distinta, como quando se contrasta a construção de cidade por Caim com a construção do reino por Sete. 32 Henry Meeter define a seguir esta idéia: Por isto queremos dizer que as organizações culturais, filantrópicas e quaisquer outros grupos que se desenvolvem naturalmente da vida orgânica da sociedade humana, como também as igrejas, não devem sua origem, existência ou princípio de vida ao Estado. Eles têm um princípio interior e uma tarefa cultural própria, que lhes foi confiada por Deus... sobre essa soberania que lhes foi dada pelo Criador o Estado não pode infringir. 1 Diferente de muitas das caricaturas sobre ele, o protestantismo historicamente tem se oposto ao individualismo que vê a igreja ou a sociedade meramente como uma coleção de indivíduos. Muitos cristãos de hoje aprovariam a citação acima porque desprezam o governo, e muitos secularistas aprovariam-na porque não gostam da igreja, mas a base para essa idéia é uma consideração bíblica. Uma discussão significativa na filosofia desde os tempos de Heráclito e Parmênides, o debate entre o individualismo (os muitos) versus coletivismo (a unidade) tem relevância especial no século vinte, em que vimos tanto a anarquia quanto o comunismo totalitário desarraigar raças inteiras levando ao genocídio na Europa e mais recentemente, África e Ásia. Será a sociedade apenas uma coleção de seres isolados, cada qual atrás de seus próprios interesses que por acaso, de vez em quando, coincidem com os interesses de outros seres isolados? Isso não pode ser superficialmente descartado como teoria filosófica, pois a resposta à pergunta tem movido os exércitos e talvez tenha mais a ver com o desmoronamento da família no Ocidente moderno do que a política ou os índices de divórcio. Discutiremos essa idéia mais detalhadamente no capítulo sobre a política, mas é importante aqui apresentar o assunto, pois ele se relaciona com tudo mais que estaremos discutindo. Por exemplo, na política, ativistas cristãos e liberais seculares muitas vezes 33 são mais parecidos do que desejamos admitir. Parecem compartilhar uma dependência do estado e da esfera política ou judicial para resolver os problemas morais e espirituais da sociedade. De acordo com pesquisas recentes, cristãos evangélicos são tão capazes de se divorciar ou abusar seus filhos nos lares; têm sua parcela de abortos na catástrofe nacional, e jovens cristãos são capazes de assistir mais horas de MTV do que seus colegas não cristãos. Pais evangélicos talvez pressionem com resoluções iradas pedindo oração e a colocação dos dez mandamentos nas escolas públicas, mas a maioria dos crentes não sabe citar os dez mandamentos e demonstra uma ignorância tremenda quanto aos temas e fatos mais básicos da Bíblia. Surge a pergunta: Não seria melhor focalizar nos deveres dos pais nos lares em vez de colocar a responsabilidade sobre os políticos? Seja por estimular a dependência financeira e um sentimento de ter direitos por ser minoria, ou por encorajar soluções políticas e judiciais para nossas enormes crises espirituais e morais, cristãos e secularistas igualmente parecem ser filhos de sua era. Na arte esperamos que hajautilidade social para o empreendimento. Deve nos ajudar no culto ou no evangelismo, ou deve encorajar a moralidade e o patriotismo cívico, ou desenvolver o caráter. Mas a arte tem seu valor intrínseco, que lhe foi dado pelo Criador de todas as coisas boas. Como disse o cristão, historiador de arte, H.R.Rookmaker: “A arte não precisa de justificativas”. Se o estado está destituído de vida familiar, ou se a igreja é superficial e corrupta no seu ministério, toda a sociedade geme com a doença e a autodestruição. 1 . 34 A família também não é um apêndice de alguma outra instituição. Por vezes pensamos no estado ou na igreja como sendo de maior importância, como quando um crente gasta tanto tempo no ativismo político ou atividades eclesiásticas que seus próprios filhos são negligenciados, perdidos na própria guerra em que a pessoa está tão zelosamente enfronhada. Nos tempos de grande perseguição ou de secularismo profundo e dominante, o povo de Deus sempre dobrou os seus esforços nos deveres para com a família: filhos são instados a decorar o catecismo sob a tutela de pais piedosos que modelam a visão cristã da vida tanto por seus ensinos quanto por seu exemplo pessoal. Isso não quer dizer que eles se tornam mais rígidos e sérios em suas personalidades, mas que se tornam mais apaixonados pela Palavra de Deus e por seu impacto sobre o círculo de crentes mais próximos deles. Portanto, o lar torna-se em refúgio, uma “pequena igreja”, como Lutero disse -- até mesmo um “pequeno seminário” onde os filhos sabem pelo menos bastante sobre o que crêem e por que crêem para distingui-los do mundo descrente. De início, isso pode parecer uma forma de escapismo: já que não conseguimos ganhar o mundo, pelo menos nos retiramos para dentro das quatro paredes de nossa casa. Não é isso mesmo que os secularistas queriam que nós fizéssemosmanter nossa fé fora da arena pública? Mas não importa o que querem os secularistas; o que importa é o que Deus quer que façamos, e ele declarou que é sua vontade que os pais assumam plena responsabilidade por suas famílias. Não devem culpar outras instituições ( o estado, as escolas, o “mundo” em geral) e nem depender delas para as condições do lar. O lar é tão básico e central de todas as instituições sociais, não apenas porque foi a primeira instituição da sociedade fundada por Deus, mas porque é o berçário da igreja. A família, portanto, é a única instituição social que é ao mesmo tempo secular e sagrada. 35 Uma família ateísta não é menos fundada por Deus do que um lar cristão; é uma ordenança da criação. Assim como incrédulos e crentes participam, ambos da imagem de Deus, ao possuir um chamado divino ou uma vocação no mundo, e ao compartilhar a graça comum, eles criam famílias não apenas por instinto biológico mas, devido àquela imagem de Deus, continuam sendo criaturas que requerem comunhão. Os relacionamentos familiares são os mais básicos para a natureza humana. Contudo, o lar cristão é, nas palavras da Escritura, nitidamente distinto do lar de não crentes: “A maldição do Senhor habita a casa do ímpio, mas a morada dos justos ele abençoa” (Provérbios 3:33). O lar cristão é a expressão mais básica do corpo de Cristo e portanto, é uma instituição civil, arraigada na criação, e uma instituição sacra, arraigada na redenção. Santificado pela água e pela Palavra, essa assembléia santa deve ser zelosamente guardada e defendida pelo pai, que exerce seu sacerdócio no lar, e pela mãe, que também compartilha do sacerdócio de todos os crentes. Nenhuma instituição, nem mesmo a igreja, deve ter prioridade sobre o lar. Kuyper levava tão a sério este ponto que as escolas cristãs na Holanda eram organizadas e supervisionadas pelos pais, não pelo governo e nem pela igreja. Mas isso só funcionava porque os próprios pais eram bem ensinados nas igrejas. Vemos imediatamente, portanto, a ligação entre as esferas, enquanto cada uma mantém sua identidade distinta. Se o estado estiver destituído de vida familiar, ou se a igreja for superficial e corrupta no seu ministério, toda a sociedade geme com a doença e a autodestruição. A resposta final não está na política, na igreja ou no lar, mas em Deus, que reforma e reconstrói todas as três instituições distintas, liberando cada uma para cumprir seu papel divino sem confundi-lo com as demais esferas. A igreja é, portanto, 36 colocada de volta em seu rumo, restaurando sua confiança no poder da Palavra; a família, restaurando sua confiança na importância de tempo de qualidade no lazer juntos como também de comunhão nas Escrituras, e a nação, restaurando a sua missão secular de proteger seus cidadãos contra a agressão doméstica ou estrangeira. Somente através de distinções claras entre essas esferas é que somos capazes de ter expectativas sadias e razoáveis sobre as diversas instituições nas quais estamos envolvidos no cotidiano. Por “cultura” queremos dizer os gostos que regem um povo específico. Conforme já vimos, a preocupação de Calvino de que muita confusão social dos seus dias era porque os homens e mulheres estavam transgredindo os limites de seus chamados é especialmente relevante para os nossos dias. Quando pastores tornam-se políticos, ou políticos invocam o nome de Deus na religião civil; quando artistas tornam- se evangelistas ou professores-pregadores (ou políticos) ou o ensino público, a arte e as ciências se tornam altamente politizados, há um profundo empobrecimento da sociedade. Os educadores devem preocupar-se com o ensino de alunos, não em fazer “lobby” em Brasília 2 ; artistas devem dedicar-se à sua arte, não a fazer propaganda política ou religiosa; os políticos devem se dedicar aos deveres civis, não à salvação espiritual, material ou moral da nação; devemos esperar daqueles que pregam, que proclamem a Palavra, administrem os sacramentos e mantenham a boa ordem e disciplina entre os crentes professos, e não confundam sua missão com qualquer outra dessas importantes mas distintas esferas da criação. 2 Nota da Tradutora: Devo mudar “Washington para Brasília quando falando sobre capital política, ou o que? 37 Sendo necessário que façamos distinção entre as “coisas celestes” e as “coisas terrestres”, e entre “graça comum” e “graça salvadora”, como também entre as diversas esferas da atividade humana, para onde vamos daqui? Antes de entrar nos detalhes práticos, devemos expor quais as nossas opções. CRISTO E CULTURA Publicado em 1951, Christ and Culture, por H. Richard Niebuhr, de Yale, por décadas reinou como um resumo das distintas abordagens para com a cultura feitas pelos diversos grupos católicos romanos e protestantes. Como veremos mais tarde, há alguns problemas com a visão de Niebuhr, mas é útil para organizar nossas idéias sobre este importante assunto. Nunca na história de uma nação foi mais importante uma análise dessas, especialmente dada a confusão que temos estado a discutir. Niebuhr, que era teólogo neo- ortodoxo alemão reformado, classificou cinco abordagens diferentes. Tomemos cada uma por sua vez. Mas antes disso, vamos tentar definir de modo geral o que se quer dizer por “cultura”. Derivado da palavra ligada à jardinagem (horticultura, cultura da terra, etc.), os alemães tomaram a palavra para referir-se ao cultivo dos hábitos, interesses, língua e vida artística de uma nação. Por “cultura” queremos dizer os gostos que regem um povo específico, seja das elites (alta cultura) ou as massas (cultura popular). Embora em cada cultura existam muitas sub-culturas, existem tendências gerais que marcam um povo, e é isso que pretendemos dizer como “cultura” a seguir. Cristo contraa cultura O primeiro grupo de cristãos a expressar essa abordagem foram os primeiros cristãs, e sua reação era de se entender. Embora Paulo tivesse aconselhando os cristãos 38 primitivos: “Procurai viver quietos, e tratar dois vossos próprios negócios, e trabalhar com as vossas próprias mãos, como já vo-los tenho mandado, para que andeis honestamente para com os que estão de fora, e não necessitais de coisa alguma”(1 Tessalonicenses 4.11,12), houve, por vezes, perseguição intensa que aumentava o sentimento de que eram estrangeiros e peregrinos neste mundo. Enquanto alguns faziam parte da elite cultural, Paulo notou que os crentes de Corinto “não tinham entre eles muitos sábios e nem muitos de nascimento nobre,”. A igreja atraiu ricos e pobres, escravos e livres, homens e mulheres, judeus e gentios, e aqueles provenientes de todas as camadas da sociedade. Estavam unidos uns aos outros pelo Evangelho. Embora por vezes suas posições na terra geraram conflitos, a esperança cristã transcendia as categorias temporais. É difícil ter uma visão otimista do impacto sobre a cultura quando se está sendo jogado aos leões, e as perseguições intensificaram a experiência de deserto desses cristãos primitivos que almejavam uma cidade melhor. O Pai Latino da Igreja Tertuliano expressou esse sentimento de “Cristo contra a cultura” como também sua própria oposição à filosofia secular com os dizeres: “O que tem Atenas a ver com Jerusalém?” Mas os anabatistas do século dezesseis tomaram novamente este tema no crisol da perseguição. Derivando seu nome da prática de rebatizar os adultos, os anabatistas reagiram contra Roma com mais veemência do que os reformadores, renunciando o batismo infantil. Além do mais, nunca chegaram a abarcar a doutrina central da reforma de justificação somente pela graça e somente mediante a fé. O anabatismo representava uma linha legalista na sua doutrina de salvação e vida cristã, juntamente com uma visão sectária da igreja e sua relação com a sociedade. Nos nossos 39 próprios dias, existem grupos anabatistas, desde os menonitas mais abertos até as comunidades reclusas dos “amish” do oeste da Pennsylvania. Radicalmente opostos ao envolvimento com afazeres seculares, os anabatistas adotaram a posição exposta na sua Confissão de Fé de Schleichtheim: “Concordamos na separação, Uma separação será feita do mal e da maldade que o diabo plantou no mundo; desta forma, simplesmente não teremos comunhão com os ímpios nem correremos com eles na multidão de suas abominações. É assim que vemos: já que todos que não andam na obediência da fé e não se uniram com Deus a fim de fazer a sua vontade, são uma grande abominação perante Deus, não é possível crescer ou prover deles nada a não ser abominações. Pois na verdade existem apenas duas classes: bem e mal, crentes e incrédulos, luz e trevas, os que saíram do mundo e os que são do mundo, templo de Deus e ídolos, Cristo e Belial; nenhum tem parte com o outro... Deus ainda nos admoesta a sair da Babilônia e do Egito terreno para que não sejamos participantes da dor e do sofrimento que o Senhor trará sobre eles. Este desprezo do mundo incluía não apenas os cultos católicos romanos e protestantes (ou seja, luteranos e reformados) mas as “casas de bebidas e os afazeres cívicos” e outras instituições seculares. De todas estas coisas nós nos separaremos e não teremos parte com eles, pois nada mais são do que abominação, e são a causa de sermos odiados perante Jesus Cristo, que nos libertou da escravidão da carne e nos preparou para o serviço de Deus pelo Espírito que ele nos outorgou.. xiii Recusando servir o exército ou em cargo público, a maioria dos anabatistas até mesmo se separava fisicamente da Cidade dos Homens, estabelecendo utopias espirituais fora dos limites das cidades, assim como os monges medievais deixaram as pressões dos lugares seculares para se devotarem inteiramente aos afazeres do outro mundo. Os Quakers também seguiram a rejeição da cultura como os anabatistas. Essencialmente, os anabatistas viam Cristo e a cultura como antagônicos. Achavam que existia pouca esperança de influenciar a cultura maior; viviam vidas 40 simples e desprezavam as artes seculares, música, filosofia, educação e passatempos. Conseqüentemente, enquanto a igreja medieval e os protestantes da reforma produziram numerosos líderes nas artes, letras e ciências, os anabatistas historicamente permaneceram suspeitosos quanto à cultura. Mas essa rejeição da cultura é evidente não só nos místicos, monges e mártires, como também naqueles que secularizaram a mensagem de Cristo numa libertação do estabelecido. É interessante que Niebuhr inclua o famoso romancista russo Leo Tolstoi nessa tradição. Poderíamos nos lembrar também de Nietsche, cuja filosofia niilista pronunciou a vida como sendo sem sentido, e Marx, que admirou de tal forma os anabatistas que as moedas da antiga Alemanha Oriental são em sua homenagem. Os anos de 1960 representam uma rebeldia semelhante contra a cultura e a “grande arte”. Ironicamente, quando os cristãos atacam as “elites culturais" e a arte e literatura clássicas, estão agindo mais como os radicais dos anos sessenta do que poderiam imaginar. Aqueles que assumem a posição de “Cristo contra a cultura tendem a gloriar-se na natureza irracional da fé, segundo o dizer famoso de Tertuliano “Creio porque é absurdo”. Embora esse pai da igreja foi injustamente mal representado por seu ponto de vista, há sem dúvida uma certa oposição entre natureza e graça, secular e sagrado, razão e fé, nesse modo de pensar. Niebuhr argumenta que essa abordagem é marcada pelo legalismo e “concentração na vontade própria em vez de concentrar na obra graciosa de Deus”. Há suspeita do mundo natural, e o Espírito que está trabalhando diretamente nos seus corações muitas vezes tem destaque maior do que a obra do Pai e do Filho na redenção. conseqüentemente, muitas vezes a Escritura é secundária aos sentimentos espirituais intuitivos, e há um certo nervosismo quanto a dizer que Deus só fala através de 41 tinta e papel, água e pão e vinho. Esses são terrenos demais, materiais demais, O elemento gnóstico nessa abordagem torna-se evidente. O mundo é mau, mas o âmbito do Espírito é bom; coisas da terra são inerentemente pecaminosas, enquanto coisas celestes são inerentemente virtuosas. O Cristo da cultura Na outra extremidade do espectro há os que identificam de tal modo a cristo com determinada cultura que ele existe simplesmente como a encarnação da própria cultura. Como destacou Niebuhr, essa é a herança do liberalismo protestante, com seu “protestantismo cultural”. No nobre interessa da apologética e do evangelismo, o liberalismo alemão tentou tornar o cristianismo razoável para homens e mulheres do iluminismo que não criam mais nos milagres. Assim, Cristo era menos o Deus-homem que veio salvar o mundo do pecado do quer o poeta, moralista ou filósofo ideal do alemão. Ele dava sua bênção sobre o orgulho alemão, e a religião era principalmente questão da alma. Assim, Jesus salvava a alma mas deixava o corpo fazer o que bem entendesse. Estamos dolorosamente cônscios de onde essa ideologia levou. A igreja evangélica na Alemanha trocou o nome para Igreja do Reich e o clero jurou obediência a Hítler. Muitos teólogos protestantes liberais alemães estavam entre o arquitetos de “Deutschland über Alles” (A Alemanha acima de todos). Semelhantemente, nos Estados Unidos corremos o risco de confundir a nação com Cristo. Alguns evangelistas politizados lêem o Novo Testamento como se Jesus tivesse vindo do céu com a missão expressa de abençoar os Estados Unidos e lançar o capitalismo de mercado livre. Assim como os liberais dos anos sessenta fizeram de Jesus 42 um mascote para sua ideologia de esquerda, evangélicos conservadores se arriscam a fazer amesma confusão no outro lado do espectro político. Niebuhr oferece o seguinte juízo sobre o fundamentalismo: Quantas vezes o ataque fundamentalista sobre o chamado liberalismopelo qual está se referindo ao protestantismo culturalé em si expressão de lealdade cultural, numerosos interesses fundamentalistas assim indicam....Os costumes que eles associam com Cristo têm pelo menos tão pouca relação com o Novo Testamento e mais ligação com costumes sociais que os de seus oponentes. O movimento que identifica a obediência a Jesus Cristo como sendo a prática da proibição e com a manutenção da organização social americana primitiva, é uma espécie de cristianismo cultural; embora a cultura que ela busca conservar difira daquela que seus rivais estimam... quando o ataque contemporâneo ao protestantismo cultural é feito dessa forma, é uma briga de família entre gente que na essência está concordando no ponto central de que Cristo é o Cristo da cultura e que a maior tarefa do homem é manter sua melhor cultura. Nada no movimento cristão é tão parecido com o protestantismo cultural quanto o catolicismo cultural; nada mais parecido com o cristianismo alemão do que o cristianismo americano... Cristo é identificado com aquilo que os homens concebem como seus mais altos ideais, suas instituições mais nobres, sua melhor filosofia. xiv No evangelicalismo norte-americano, o cristianismo cultural produziu uma confiança inusitada na capacidade do espirito americano de conseguir fazer o que quisesse. “Cristo” é uma idéia, mais que uma pessoa, é quem garante os valores e as pressuposições básicas americanas. Assim, diz Niebuhr, “o cristianismo cultural, pelo menos nos tempos modernos, sempre deu lugar a movimentos com a tendência ao extremo do humanismo auto-dependente, que achava a doutrina da graçae ainda mais a dependência nestadiminuidora do homem e de sua vontade”. É por isso que o arminianismo dá tão certo nos Estados Unidos e o Calvinismo é tão desprezado. O calvinismo jamais servirá ao individualista idealista ou otimista que acredita haver algo de especial no caráter nacional que predisponha um pecador a tornar-se um santo através do trabalho duro. Na teologia reformada, é Deus que julga e justifica; no arminianismo, o homem é quem decide e se ergue puxando os cordões do próprio sapato. 43 Cristo acima da cultura Esta categoria tem mais nuanças do que as duas anteriores, pois sugere que não deve haver nem antagonismo e nem assimilação Nesta abordagem, diz Niebuhr, “a questão fundamental não é entre Cristo e o mundo, por mais importante que seja, mas entre Deus e o homem”. Noutras palavras, vê toda a questão com direção mais vertical (de Deus para o homem) do que horizontal (Cristo e cultura). Conforme os seus proponentes, este ponto de vista sugere que o mundo não deva ser nem amaldiçoado e em abençoado. Sustentado por um Deus gracioso, contudo o mundo se encontra em oposição a Deus. Existe aqui uma tentativa de sintetizar Cristo e a cultuara, mas não de simplesmente “batizar” a própria cultura de cristianismo. É esta a posição que Niebuhr atribui a Tomás de Aquino. Cristo e a Cultura em Paradoxo Niebuhr se refere a nossa quarta opção como “dualismo” porque ela rejeita as tentativas dos tipos “Cristo acima da cultura" de sintetizar essas duas esferas. Em lugar disso, esta posição afirma a “cidadania dupla” do cristão, que é simultaneamente membro da Cidade de Deus e da Cidade dos Homens. Nenhuma esfera deverá reger a outra, e nem atacar a outra. São simplesmente esferas diferentes de atuação, com propósitos diferentes. Os que promulgam esse ponto de vista são mais propensos a enfatizar a graça de Deus. A graça está em Deus; o pecado está no homem. Aderentes dessa posição não procurarão localizar a graça de Deus na cultura ou em si mesmos, mas distinguem claramente entre criação e redenção. Os luteranos são os maiores defensores de “Cristo e cultura em paradoxo”, conforme o esquema de Niebuhr. A cultura jamais será um meio 44 para se encontrar a Deus, e nisso fica evidente a oposição ao ponto de vista de “o Cristo da cultura”. Mas também a cultura não pode ser objeto de desprezo, porque ela nunca promete salvar ou redimir. Ela existe com um propósito distinto, e quando uma pessoa encontra prazer no trabalho, na vida familiar, na educação, nas artes ou no lazer, é um dom de Deus, mas não um dom redentivo. Calvino instava com os crentes que vivessem de tal maneira pela luz da revelação específica (a Bíblia) que sua influência pudesse ser notada na cultura mais ampla. Lutero enfatizou este tema com sua doutrina dos “dois reinos”, A mão esquerda mundana segura a espada do poder no mundo, enquanto a mão direita celeste segura a espada do Espírito, a Palavra de Deus. Não se pode tentar coagir a fé, e nem se pode tentar acomodar a fé aos modos seculares de pensamento. Lutero recuperou a ênfase agostiniana nas “duas cidades”, e Calvino apoiou-a com sua própria defesa dos dois reinos, especificamente nas Institutas. Portanto, para que ninguém tropece sobre a pedra [de confundir Cristo e a cultura], consideremos primeiramente que há um governo duplo no homem:... um poderemos chamar de reino espiritual, e o outro, o reino político. Ora, esses dois, como os dividimos, devem ser sempre examinados separadamente, e enquanto se considera um, deve-se tirar da mente e não pensar no outro, Há no homem, como se diz, dois mundos, sobre os quais reis diferentes e leis diferentes têm autoridade. (3.19.15) É por essa razão, dizia Calvino, que a lei moral de Deus escrita nas consciências humanas é suficiente para se estruturar uma sociedade justa. Noutras palavras, a sociedade não precisa ser explicitamente cristã para ser justa e cheia de virtudes civis: De fato a lei de Deus à qual chamamos de lei moral nada mais é do que um testemunho da lei natural e da consciência que Deus gravou sobre as mentes dos 45 homens... daí, esta equidade por si só deve ser o alvo e a regra e o limite de toda a lei. Não há razão pela qual nós devamos desaprovar quaisquer leis estruturadas sobre essa regra, dirigidas para esse alvo, limitadas por essa fronteira, mas, por mais que difiram das leis judaicas (leis civis do Antigo Testamento), ou entre si mesmas. Calvino insistia que, conforme o próprio texto bíblico, Deus teve com Israel um relacionamento teocrático especial e portanto tinha “preocupação especial por ele no fazer as suas leis”. As nações, sendo “comuns” em vez de “santas”, são regidas pela revelação geral (a lei escrita sobre as consciências) e não pela revelação especial (as Escrituras). Ele achava que os grupos anabatistas que queriam impor as leis civis do Antigo Testamento eram “maldosas e odientas para com o bem-estar público”. “Pois o Senhor pela mão de Moisés não deu a lei para ser proclamada entre todas as nações e nem cumpridas em todo lugar”(Institutas, 4.20.14-16). Contudo, Calvino instava com os crentes que vivessem de tal maneira pela luz da revelação específica (a Bíblia) que sua influência pudesse ser notada na cultura mais ampla. Isso nos leva ao próximo modelo. Cristo o transformador da cultura A classificação final de Niebuhr é também a que ele escolhe particularmente. “Embora eles se atenham à distinção radical entre a obra de Deus em Cristo e a obra do homem na cultura, não tomam a estrada do cristianismo exclusivo como um isolamento da civilização, e nem rejeitam as suas instituições com a amargura de Tolstoi”. Os proponentes deste ponto de vista não têm ilusões de que este mundo seja um dia transformado num paraíso pelo progresso humano, mas estão também ansiosos por ver a mão de Deus nos avanços científicos, da medicina, das artes, e do conhecimento em geral. Não desejam ficar de lado apenas, olhando a obra do braço da providência divina; querem ser os seus agentes de reforma
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