Buscar

Dosimetria - Sentença de porte ilegal de arma de fogo

Prévia do material em texto

DOSIMETRIA DE PENA: Sentença de porte ilegal de arma de fogo de uso restrito. 
Laylla Alves Loubaques Crespo, Letícia Ferreira de Assis, Maria Fernanda Pereira Gomes, Suellen Dias Loubak Teixeira.
1. RESUMO
O documento utilizado neste trabalho científico como base do tema de dosimetria de pena é uma sentença judicial da 1ª Vara Criminal da Comarca de Montes Claros proferida pelo MM. Dr. Bruno Sena Carmona, Juiz de Direito da referida Vara. O objeto deste trabalho trata de uma decisão a partir de denúncia feita pelo Ministério Público contra os réus: Igor Brito Borges e Guilherme Alexandre Rodrigues Dias, sob a acusação de porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, configurada no artigo 16, caput da Lei 10.826/03.
O referido crime ocorreu na data de 16 de abril de 2016, no qual os réus, ao transportarem no carro uma submetralhadora automática, calibre 9 mm a partir de uma abordagem feita pela Polícia Militar, o flagrante delito foi realizado mediante abordagem e revista policial, após atitude suspeita dos réus em veículo na Rodovia BR 251. 
Cabe a este trabalho averiguar a dosimetria de pena utilizada pelo magistrado na sentença, apontando os acertos e os equívocos na valoração das circunstâncias judiciais, gerais e especiais que estão apresentadas no caso concreto. Por fim, o grupo analisará o regime de cumprimento de pena imposto e a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito. Além de concluir discorrendo a respeito a importância do princípio da racionalidade na dosimetria de pena. 
2. FUNDAMENTOS DA CONDENAÇÃO 
O crime imputado é o do artigo 16, caput da lei 10.826/03, tal crime possui preceito secundário de reclusão de 3 (três) a 6 (seis) anos e multa. Em respeito ao princípio da individualização das penas, a dosimetria da pena foi realizada individualmente para cada acusado. 
Deste modo, a respeito do réu Igor Brito Borges, em análise da primeira fase da dosimetria nos termos do artigo 59 do Código Penal, a pena foi atribuída além do mínimo legal, devido à culpabilidade. Nas palavras de NUCCI (2020, p. 320) “a culpabilidade trazida nesse artigo é em sentido lato, ou seja, a reprovação social que o crime e o autor do fato merecem”. Deste modo, visto que, o tipo da arma é considerado como armamento de guerra, fixou-se na primeira fase a pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 11 (onze) dias- multa. 
Na segunda fase da dosimetria nos termos do artigo 65 do Código Penal, analisou-se as circunstâncias agravantes e atenuantes, aplicou-se a atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, d, do Código Penal) e menoridade relativa (art. 65, I do Código Penal), sendo diminuída a pena em 6 (seis) meses de reclusão e 1 (um) dia multa. Como não havia agravantes, a pena na segunda fase foi cominada de 3 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias multa.
Na terceira fase não foram verificadas causas de diminuição ou de aumento de pena, ficando a pena definitiva fixada em 3 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa. 
Quanto ao réu Guilherme Alexandre Rodrigues Dias, a pena na primeira fase foi fixada acima do mínimo legal (artigo 59 do CP), devido a arma ser considerada como arma de guerra, ficando fixada a pena em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 11 (onze) dias multa. Na segunda fase da pena não foram verificadas agravantes ou atenuantes, na terceira fase não se verificou causas de aumento nem de diminuição, permanecendo a pena em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 11 (onze) dias multa. 
3. ANÁLISE DA VALORAÇÃO DAS OITO CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS PELO MAGISTRADO 
3.1: Culpabilidade
O caso concreto apresentado parte de uma acusação por parte do Ministério Público. A referente decisão incorreu os réus nas penas do artigo 16, caput, da Lei 10.826/03. O entendimento do magistrado tanto para o réu Igor Brito Borges, quanto para o réu Guilherme Alexandre Rodrigues Dias, devido ao elevado grau de ofensividade da arma citada nos autos em questão, sendo considerada uma arma de guerra, a culpabilidade dos réus é superior aos delitos da espécie. 
A culpabilidade imposta pela própria pena prevista no artigo 16 já recai sobre o argumento do magistrado no que diz respeito ao tipo de arma de fogo que foi encontrada em posse dos réus. Não há que se falar em grau superior de culpabilidade utilizando o mesmo argumento no qual se estabelece o crime aos réus imputado. 
No que tange tal argumento, Roig, p.31 (2015) discorre em seu texto: 
“De fato, a ausência de contornos do conceito de culpabilidade na quantificação da pena sofre críticas por parte de amplos setores da doutrina alemã, fundadas na afirmação de que a referência a uma ininteligível culpabilidade apenas esconde valorações de índole subjetiva, parciais e por muitas vezes impregnadas por emoções do juiz criminal. Resulta, assim, reforçada a tese de que os juízos acerca da culpabilidade, uma vez que compostos por considerações subjetivas, não devem constituir fundamentos para o incremento da sanção penal em prejuízo do autor, mas apenas a seu favor”.
3.2: Antecedentes
Ambos os réus são primários e não possuem maus antecedentes, portanto, não há o que se falar em influência desta circunstância na valoração da pena em desfavor dos acusados. Visto isto, os réus terão a possibilidade de substituírem a pena privativa de liberdade imposta no artigo 16, caput, Lei 10.826/03, pela restritiva de direito prevista no artigo 44, II, CP, que enuncia: As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando o réu não for reincidente em crime doloso.
3.3: Conduta social
A conduta social diz respeito às ações do réu em diversas áreas da sua vida em sociedade, como trabalho, família, religião, amigos e como ele se comporta nas diversas relações sociais que possui. No caso concreto, ambos os réus não possuem conduta social diretamente relacionada com a denúncia do processo, que motive o aumento da pena. 
3.4 Personalidade do agente
No que diz respeito à personalidade do agente, é perceptível que não consta no documento em questão, sequer uma prova, seja testemunhal, ou documental/pericial, que comprove a tendência dos réus para a prática delituosa em questão. Portanto, não há o que se falar da personalidade dos agentes influenciarem o aumento da pena. 
3.5: Motivos do crime
Consta nos autos que, a motivação do porte e transporte de arma de fogo de uso restrito foi motivado pela presença da polícia, próxima ao bairro onde o acusado Igor se encontrava, juntamente com a referida arma de fogo, e Guilherme, incentivado por um terceiro, devidamente citado no documento, efetuou o transporte de Igor e da arma. Embora haja uma clara motivação para a circunstância de portar e transportar, descrita no artigo 16, caput, da lei 10.826/03, esta não pode valorar o aumento da pena, pois seu motivo é censurado pelo próprio tipo penal.
3.6: Circunstâncias do crime
As circunstâncias, em sentido estrito, consistem nos aspectos exteriores do delito, informando sobre local, tempo e a forma de agir. Neste caso específico, as circunstâncias podem revelar maior ou menor intenção de preparo do delito, desde que este intento não esteja já descrito na própria conduta típica na qual se acusa. Conforme o Juiz argumenta em sua sentença, de fato, tanto os motivos quanto as circunstâncias do crime são naturais à espécie do crime. 
3.7: Consequências do crime
De acordo com Boshi em Dosimetria da Pena, p. 180 (2014):
“...os resultados das condutas humanas tipificadas penalmente, para poderem ser valorados negativamente como circunstância judicial, devem ser estranhos aos elementos que compõem a figura típica simples ou qualificada e às causas legais de modificação de pena (...) porque, se assim não fosse, os resultados ou consequências da infração perfectibilizariam os tipos e, ao mesmo tempo, autorizariam maior exasperação das penas-base respectivas, em nítido desrespeito ao princípio do ne bis in idem”.
Como se trata de acusação descrita no artigo 16, caput, Lei 10.826/03, valorar apena em desfavor dos réus, nesta questão, condenaria duplamente os réus pelo mesmo crime, anulando assim o princípio que garante que ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime.
3.8: Comportamento da vítima
Analisa-se nesta circunstância se o comportamento da vítima contribuiu induzindo ou fomentando o agente, de forma deliberada, a cometer o crime. Neste caso, a sociedade é a vítima da ação. Verifica-se a ausência de contribuição da sociedade na ação dos agentes, portanto, o comportamento da vítima torna-se uma circunstância neutra, não sendo suficiente para a contribuição da valoração da pena. 
4. ANÁLISE DA EXISTÊNCIA DE AGRAVANTES OU ATENUANTES, E DE MAJORANTES OU MINORANTES 
No caso de Igor e Guilherme o juiz não utilizou de agravantes, uma vez que os réus não são reincidentes, e tampouco cometeram o crime nas hipóteses taxadas no artigo 61, inciso II e alíneas do Código Penal. 
Também não se pode falar de agravantes conforme artigo 62 do mesmo códex, pois, conforme os autos, os agentes incorrem em nenhuma das hipóteses previstas por este dispositivo. 
Por outro lado, existe o emprego de atenuantes no caso. As atenuantes são circunstâncias legais que reduzem a punibilidade e serão valoradas na sentença final (BITTENCOURT, p. 827, 2020) classificadas nos artigos 65 e 66 do Código Penal. Na presente sentença, o juiz determinou duas circunstâncias atenuantes ao réu Igor Brito Borges, por conta da menoridade relativa (21 anos) na data do fato, prevista no artigo 65, inciso I do código penal.
 A segunda atenuante está relacionada à confissão espontânea do réu, sendo essa circunstância prevista no mesmo artigo, no inciso III, alínea d. Ambas as circunstâncias atenuantes aplicadas pelo juiz estão em conformidade com lei, e, portanto, corretas. 
Ao réu Guilherme Alexandre Rodrigues não foi e não deveria ser atribuída nenhuma atenuante, pois já era maior de 21 anos na data do fato e também não incorre nas alíneas do inciso III, do artigo 65 do Código Penal.
Quanto as majorantes e minorantes, podem ser definidas como “fatores de aumento ou redução da pena, estabelecidos em quantidades fixas (ex.: metade, dobro, triplo, um terço) ou variáveis (ex.: um a dois terços), mas sempre prefixadas no texto legal” (BITTENCOURT, p. 849, 2020). 
Na sentença analisada o juiz não apresenta nenhuma majorante ou minorante à pena de nenhum dos réus. 
5. ANÁLISE DO REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA CORRETA PARA O CASO
Com base nos argumentos já expostos no texto, na primeira etapa, segunda a divisão de Nelson Hungria, ao averiguar que, os acusados não possuem circunstâncias judiciais que influenciem na valoração positiva ou negativa da pena, fixaria a pena-base fixaria em 3 (três) anos de reclusão. 
Quanto a pena provisória, ao avaliar agravantes e atenuantes, o réu Igor Brito Borges que portava a arma de fogo, e devido à confissão espontânea e menoridade relativa, poderá ter sua pena reduzida em 6 meses e por isso fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses. Entretanto não se pode validar o mesmo no segundo réu, Guilherme, permanecendo então a pena inicialmente fixada. 
Na terceira etapa, esta análise segue o caminho do Juiz da Sentença verificando que o caso em questão não possui causas de aumento ou de diminuição da pena. Fixando-se assim, de forma correta, a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão para o réu Igor e pena de 3 anos de reclusão, para o réu Guilherme, ambas iniciadas em regime aberto. 
6. ANÁLISE DA POSSIBILIDADE, OU NÃO, DE CONVERTER A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM RESTRITIVA DE DIREITO
O artigo 44 do Código Penal determina que as penas restritivas de direito substituam as penas privativas de liberdade quando os requisitos do artigo 44 do Código Penal forem preenchidos. 
Portanto, ambos os réus poderão ser beneficiados pela substituição da pena privativa de liberdade, por penas restritivas de direitos. Baseando-se, especificamente, nos critérios de se tratar de réus primários, não possuírem maus antecedentes e da pena estabelecida ser inferior a 4 anos.
Vale ressaltar que esta substituição só é possível pois, o crime em questão, ocorreu no ano de 2016. Em 2019, o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido foi incluída na lei de crimes hediondos, tornando-se assim, o cumprimento da pena, obrigatoriamente realizado, inicialmente em regime fechado. 
7. CONCLUSÃO DO GRUPO ACERCA DA IMPORTÂNCIA DO PRINCÍPIO DA RACIONALIDADE NA DOSIMETRIA DE PENA
O critério da racionalidade é de fundamental importância na dosimetria de pena, pois é uma forma de abrandar qualquer discricionariedade do juiz e trazer àquele que está sendo julgado uma pena justa, proporcional e coerente ao delito cometido, ao invés de uma condenação absurda, recheada de causas de aumento e agravo de pena, e cercada por arbitrariedades. Para finalizar, "a racionalidade da pena implica que tenha ela um sentido compatível com o humano e suas cambiantes aspirações. A pena não pode, pois, exaurir-se num rito de expiação e opróbrio, não pode ser uma coerção puramente negativa" (BATISTA, p. 100, 2001). Portanto, o Princípio da Racionalidade é imprescindível à dosimetria de pena.
REFERÊNCIAS:
BATISTA, N. Introdução Crítica ao Direito Penal brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Revan. 2007.
BITTENCOURT, C. R. Tratado de Direito Penal. 26. ed. São Paulo: Saraiva. 2020. v. 1. 
BOSCHI, J. A. P. Das Penas e seus Critérios de Aplicação. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2014. cap. 8. p. 159 – 183. 
CARVALHO, S. Penas e medidas de segurança no direito penal brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva. 2015.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. Rio de Janeiro: Forense, 2017. 
ROIG, R. D. E. Aplicação da Pena: limites, princípios e novos parâmetros. 2. ed. São Paulo: Saraiva. 2015. 
VIANNA, T.; MATTOS, G. A inconstitucionalidade da conduta social e personalidade do agente como critérios de fixação da pena. Anuário de Derecho Constitucional Latinoamericano.

Continue navegando

Outros materiais