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O Guerreiro Guardião: Uma História de Amor e Fuga

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Sua mente mandava que parasse. A voz da razão exigia que a
soltasse. Genevieve não lhe pertencia, nunca seria sua. Aquilo era
errado.
As mãos dela tocaram timidamente seu peito, as palmas pousando de leve sobre o tórax antes
de lhe cingirem o pescoço. Inexperiente e insegura, Genevieve parecia assustada, porém,
determinada.
Lug! Não se lembrava da última vez em que uma mulher o abraçara. Era tão bom, um atear de
fogo. Seu corpo ficou impaciente, e por fim Bevan cedeu à vontade. Capturou os lábios de
Genevieve, saboreando o doce calor de sua boca.
Ela estremeceu em seus braços, mas não o repeliu. A respiração dele fluía entrecortada.
— Não devemos fazer isso — murmurou ela. — Não posso...
As mãos de Bevan desceram pelo corpo dela até alcançarem os quadris, puxando-a para perto.
— Eu sei. — Mas, enquanto dizia estas palavras, Bevan sabia que não seria capaz de parar de
desejá-la.
E a beijou novamente….
Querida leitora, Guerreiros indomados, corações apaixonados!
Genevieve de Renalt precisa escapar do homem ao qual foi prometida em casamento, mesmo
que isso signifique ser forçada a confiar em seus inimigos. O guerreiro irlandês Bevan MacEgan
não pode abandonar uma donzela em apuros, mas até onde irá para mantê-la a salvo? Um
casamento beneficiaria a ambos, mas ele jurou jamais amar novamente... Orgulhoso e forte, ele se
mantém distante de Genevieve. Contudo, à medida que ela começa a derreter seu coração, Bevan
se vê forçado a fazer uma escolha... que pode significar perdê-la para sempre!
Boa leitura!
Equipe Editorial Harlequin
Michelle Willingham
O GUERREIRO GUARDIÃO
Tradução
Elaine Moreira
2007
Glossário de Termos Irlandeses Antigos 
A chroí — meu coração A dalta — termo carinhoso para um filho de criação,
literalmente meu Aluno a ghrá — meu amor
A iníon — minha filha
A stór — meu tesouro, meu (minha) querido(a) Aenach — feira / mercado local Aite — pai
de criação
Bean-sidhe (banshee) — fada do gênero feminino Brat — xale rústico de lã usado nos ombros
por homens e mulheres Brehons — juízes de casos levados à corte Cailín — menina
Corp-dire — "preço de corpo", normalmente multa paga ao ofendido por Crime de lesão
corporal Craibechan — prato de sabor forte, tira-gosto ou sobremesa de carne com legumes Dia
dhúit — olá, literalmente que Deus esteja com você Ech — cavalo de batalha
Eraic — multa de indenização, literalmente dinheiro de sangue Flaiths — nobres
Léine — túnica longa para mulheres ou camisa longa para homens Méirge — estandarte
colorido
Níl — não
Rath — fortaleza
Sibh — fadas
Sibh dubh — fadas das trevas
Tuatha — cidade ou vila pertencente a um clã, literalmente o povo.
Capítulo Um
A ilha de Erin , 1171 d.C
O AR ardia nos pulmões de Genevieve de Renalt enquanto ela corria. Cada músculo do corpo
gritava de exaustão, mas ela se recusava a parar. A liberdade se aproximava um pouco mais a
cada passo. Podia ouvir o som de cascos a distância. Ele vinha atrás dela.
Sou tão estúpida, pensou. Precisaria de um cavalo, suprimentos e algumas moedas caso
tivesse qualquer esperança de sucesso. Mas não houve tempo. Genevieve tinha visto a
oportunidade para escapar e a aproveitara. Mesmo que a fuga estivesse condenada ao fracasso, ela
havia tentado.
Esta era a única chance de fugir do noivo. Pensar em Sir Hugh Marstowe era como pôr o
dedo numa ferida. Antes, Genevieve o amava. Agora, faria qualquer coisa para escapar dele.
Hugh mantinha o cavalo num trote tranquilo. Brincava com ela, feito um falcão rodeando a
presa. Sabia que poderia apanhá-la sem qualquer esforço. Portanto, preferia que ela fosse alertada
de sua aproximação, que sentisse medo.
Ele vinha mantendo controlo sobre ela desde o último mês, ditando como deveria se
comportar como sua futura esposa. Genevieve se sentia um cachorro, encolhendo-se diante de
suas ordens. Nada do que dizia ou fazia era bom o suficiente. Sentia-se nervosa só de lembrar dos
socos dele.
O ódio aumentava dentro de si. Por todos os santos! Mesmo que todas as forças lhe faltassem,
precisava fugir! Ela tropeçava pela floresta, as costelas estavam doendo, sua energia se esgotando.
Logo teria que parar de correr. Pedia a Deus por um milagre, por uma maneira de escapar
daquele pesadelo. Se ficasse lá por mais tempo, Genevieve se tornaria uma casca vazia, sem
coragem, sem qualquer vestígio de vida.
Um ramo espinhento de amoreira lhe cortou as mãos, os arbustos agarrando sua capa. A luz
Um ramo espinhento de amoreira lhe cortou as mãos, os arbustos agarrando sua capa. A luz
da tarde começava a desvanecer, o crepúsculo se aproximava de modo imperturbável. Genevieve
lutava contra as lágrimas de exaustão, empurrando os arbustos até as mãos sangrarem.
— Genevieve! — chamou Hugh. A voz dele disparou o pavor dentro dela. Ele havia detido o
cavalo à margem da floresta. Vê-lo fez com que o estômago dela se apertasse.
Não voltarei. Obstinada, Genevieve abriu caminho entre as nogueiras retorcidas até alcançar a
clareira. A geada cobria a relva, fazendo com que ela caísse de joelhos ao tentar subir o terreno
escorregadio.
Um estranho silêncio permeava a campina. De sua vantajosa posição no topo da colina,
Genevieve vislumbrou um movimento. A moribunda relva de inverno revelava a presença de um
homem.
Não! Homens, ela percebeu. Irlandeses, trajados com cores que os confundiam com a
paisagem. Atrás deles, ao pé da colina, Genevieve viu um único homem a cavalo. O guerreiro
estava escarranchado sobre o animal, a capa presa por um broche de ferro do tamanho da palma
de sua mão. Ele não buscou pela espada ao lado, mas a postura se tornou alerta. Um capuz
escondia o rosto do homem, que irradiava uma silenciosa confiança.
Alto e de ombros largos, ele a observava. Genevieve não sabia distinguir se era um nobre ou
um soldado, mas o homem se portava como um rei. A um gesto dele, os homens se espalharam e
desapareceram atrás de outra colina.
O coração de Genevieve estava disparado, pois o homem poderia abatê-la com a espada.
Contudo, ela ergueu os ombros e o encarou. Caminhou lentamente na direção dele, mesmo com
o cérebro alertando que guerreiros assim não tinham misericórdia por mulheres.
Mas ele possuía um cavalo. O cavalo de que ela precisava para ter alguma chance de escapar
de Hugh.
O olhar do homem encontrou o dela. Se Genevieve gritasse, alertaria Hugh da presença deles.
Restava uns poucos segundos, pois Hugh logo a surpreenderia.
— Por favor — implorou ao homem. — Preciso de sua ajuda. — A voz atormentada soava
quase como um sussurro e, por um momento, Genevieve pensou não ter sido ouvida pelo
guerreiro. Então notou o desenho celta na capa dele. Desta vez, repetiu o pedido em irlandês. A
postura do homem mudou e, após um instante que se estendeu até a eternidade, ele se afastou
com o cavalo. Desapareceu rapidamente por trás da colina, levando consigo a esperança de
Genevieve.
Bevan MacEgan amaldiçoou a si mesmo pela fraqueza. No instante em que a mulher falou,
percebeu que era normanda. O costumeiro ódio cresceu dentro dele, logo sendo suplantado pelo
desejo de ajudá-la.
Ela havia despertado o fantasma de suas lembranças. Ao primeiro olhar, o rosto e os cabelos
escuros evocaram um pesadelo que Bevan tentava esquecer havia dois longos anos. Ele fechou os
olhos, tentando bloquear a imagem da mulher.
Percebeu que ela fugia muito antes de ordenar que seus soldados se escondessem entre as
colinas. O atacante não pretendia matá-la. Se quisesse, já o teria feito. Não, a intenção do
normando era capturar a mulher.
E, ao lhe dar as costas, Bevan permitiu que isso acontecesse.
Sentiu-se obrigado a escolher entre a segurança de seus homens e a de uma mulher
Sentiu-se obrigado a escolher entre a segurança de seus homens e a de uma mulher
desconhecida. Mas, apesar de saber que tomara a decisão correta, seu senso de honra o
atormentava. Era de se esperar que protegesse as mulheres, não que as prejudicasse.
Mas se Bevan interferisse agora, seus planos de batalha poderiam dar errado. Não ousaria
arriscar as vidas de seus homens denunciando sua posição.O ataque dependia do elemento
surpresa. Precisaria observar e esperar o momento certo.
Descobriu-se dando ordens.
— Quero que cinco homens venham comigo para dentro da fortaleza. Pegue os outros e
cerque a paliçada externa. Ao pôr do sol, acenda o fogo.
— Vai atrás dela, não é? — comentou o capitão de seus homens.
— Vou.
— Não pode salvar a todos. É só uma mulher.
— Faça o que ordeno. — Sim, era um risco desnecessário. Mas havia visto o terror nos olhos
da mulher — o mesmo terror que viu nos olhos de sua esposa segundos antes de ser feita
prisioneira.
Bevan sentia a mesma impotência agora.
Escolheu os homens que o acompanhariam e os conduziu à fortaleza de Rionallís. Era sua
terra, roubada por invasores. Com a ajuda de seus homens, pretendia retomá-la.
Rionallís não era um rath, como as outras fortalezas; era ligeiramente mais ampla. Bevan
erguera um castelo de terra e madeira, semelhante ao estilo normando. Ele conhecia cada
centímetro do castelo, por isso sabia exatamente como penetrar suas defesas.
Ao seu comando, os homens se colocaram em posição. Bevan esperou que estivessem prontos
para afastar os arbustos que escondiam a entrada do souterrain. Um túnel secreto levava para
debaixo da fortaleza, para dentro dos cômodos usados como depósito.
Ele ergueu os olhos para o donjon, cuja silhueta se erguia no pôr-do-sol vermelho-sangue. No
íntimo, Bevan rezava pela vitória.
Ao entrar, foi envolvido pelo frio da passagem pelo souterrain. Não pisava ali há um ano e
meio, então notou o vazio da área de depósito. Deveria estar repleta de sacos de grãos e potes de
comida lacrados com barro. Seu povo sofreria neste inverno se não fizesse algo para ajudá-lo.
Embora não soubesse da conquista de suas terras até recentemente, Bevan culpou a si mesmo.
Tinha permitido que o sofrimento o consumisse enquanto servia de mercenário para outras
tribos. E, na última primavera, os normandos haviam descido sobre Rionallís feito gafanhotos,
comendo do trabalho de seu povo e profanando sua casa. Seu pequeno exército era inferior em
número, mas Bevan conhecia bem o território. Nada o impediria de expulsar o inimigo.
Quando alcançou a escada que levava para uma das cabanas de pedra em forma de colmeia,
ele parou. Queria não ter visto a mulher normanda, os olhos cheios de medo ao implorar por
ajuda. Seria mais fácil simplesmente odiar e matar todos, derramando sangue por vingança. Mas
a mulher complicava as coisas.
Era uma bela cailín, com rosto doce e olhos profundamente azuis. Uma inocente, que merecia
sua proteção. Bevan fora incapaz de salvar a esposa dos atacantes. Mas poderia salvar esta
mulher.
Isso deveria fazer com que se sentisse melhor. Mas, pelo contrário, acrescentava mais um
elemento de risco a um ataque já perigoso. Mesmo assim sua mente se agarrava às possibilidades.
Ela seria uma boa refém, proporcionando meios de recuperar a fortaleza. Depois poderia
conceder a ela a liberdade que tanto desejava.
Bevan subiu a escada, surpreendendo os habitantes da cabana. Pôs um dedo sobre os lábios,
sabendo que sua gente nunca o trairia. O ferreiro se aproximou de seu martelo, numa promessa
silenciosa de que ajudaria se necessário.
A entrada da cabana, Bevan contou o número de soldados inimigos no pátio. A fortaleza seria
invadida esta noite, decidiu. E Rionallís seria sua novamente.
— Genevieve, fico feliz que esteja salva. — Sir Hugh abraçou Genevieve, que lutava para
respirar. Suas forças tinham acabado, finalmente fora apanhada. Ela conteve as lágrimas de
frustração, a pele ficando muito fria.
Foi assaltada por lembranças sombrias. Sabia o que Hugh faria. Fechou a mente para o
próprio corpo, pois esta era a única maneira de suportar a dor.
Não havia quem a ajudasse. Seu pai enviara amigos próximos, Sir Peter de Harborough e a
esposa, para servirem de guardiões até a chegada dele. Era o mesmo que não ter enviado
ninguém. Ambos eram cegos para as ações de Hugh. Eles o enxergavam como um forte líder, um
homem respeitado por seus soldados.
Quando Genevieve reclamou dos castigos de Hugh, Sir Peter meramente deu de ombros.
— Um homem tem o direito de disciplinar a esposa — dissera. Mas ela não era esposa de
Hugh. Ainda. E nada do que ela dizia os convencia de qualquer mau procedimento.
Os homens de seu pai se negavam a interferir. O último homem que tentou protegê-la de uma
surra foi descoberto morto dias depois. Os soldados obedeciam Hugh sem questionar, com um
vazio nos olhos. Tinham medo dele, e Hugh sabia disso.
— Temi por você, sozinha aqui fora. — Hugh lhe beijou a têmpora. O gesto era como um
ferrete, queimando sua pele. As palavras dele, aparentemente gentis, zombavam de sua tentativa
de fuga. Mas Genevieve reconhecia a modulação insensível na voz, a promessa de punição.
O sentimento de posse dominava os olhos azuis de Hugh. Genevieve antes o achava bonito,
com seu curto cabelo dourado-escuro. Mas o coração dele era tão frio quanto a cota de malha que
cobria o corpo forte.
Genevieve aprumou o corpo.
— Deixe-me voltar para a casa de minha família, Hugh. Não sou a esposa de que precisa.
Hugh segurou o queixo dela, os dedos lhe apertando a carne.
— Aprenderá a ser a esposa de que preciso.
— Há outras mulheres, mais ricas do que eu. — Genevieve não pôde sustentar o olhar, pois a
mão de Hugh descia até sua cintura.
— Nenhuma de tão alta posição. — A palma contornava as costas de Genevieve, o polegar
friccionando uma lesão ainda não curada. — Nenhuma com terras como Rionallís. — A voz se
tingiu de ambição. — Aqui posso me tornar rei. Estes irlandeses são primitivos, sem qualquer
conhecimento do que significa lutar. — A boca se curvou num sorriso. — E você reinará ao meu
lado. O próprio rei ordenou.
Genevieve não disse nada. A bravura de Hugh em campo de batalha lhe conquistara as graças
do rei Henrique. Quando ele a pediu em casamento, tendo recebido a bênção do rei, Genevieve se
tornou vítima de suas lisonjas. Acreditando no falso galanteio, ela implorou ao relutante pai por
um noivado. Agora desejava ter ficado calada.
Hugh a colocou sobre o cavalo, montando atrás dela. Ao contato dos corpos, Genevieve
estremeceu de repulsa. Ele colocou o cavalo para andar, o rude abraço aprisionando-a. Quando a
fortaleza se tornou visível, seus últimos vestígios de coragem morreram.
A rejeição e o pânico guerreavam dentro dela. Havia algo mais que pudesse fazer para
impedir este casamento? Precisava mais do que tudo da ajuda do pai. A cada dia rezava para ver
as cores do conde tremulando, anunciando a chegada de seu séquito. Mas ele ainda não viera.
Cavalgaram além do portão, e Genevieve não deixou de notar o olhar compadecido no rosto
dos irlandeses. Hugh desmontou e a obrigou a acompanhá-lo.
— Deve estar cansada — ele disse. — Eu a escoltarei até seus aposentos.
Genevieve sabia o que aconteceria assim que chegassem ao quarto. Fechando os olhos,
procurou por uma desculpa — qualquer coisa que retardasse o inevitável castigo.
— Tenho fome — ela disse. — Eu poderia comer algo antes?
— Mandarei que subam com comida. Depois que conversamos sobre seu... passeio. — Hugh
apertou o braço de Genevieve com uma força que anunciava que a desforra estava por vir. Pois
ela não lhe daria a satisfação de choramingar.
Concentrou-se na dor que Hugh provocava de tanto apertar seu braço enquanto a guiava
escada acima, em direção ao seu quarto. Ele trancou a porta com uma pesada trava de madeira.
Sozinhos, Hugh ficou a observá-la.
— Por que fugiu de mim?
Genevieve não respondeu. O que poderia dizer?
— Não sabe que sempre buscarei por você? Devo proteger o que é meu. — Ele lhe acariciou o
cabelo, enroscando os cachos entre os dedos. Genevieve permaneceu imóvel, tentando não
encará-lo. — O rei nos chamou a Tara — disse Hugh, soltando-a de repente. — Nós nos
casaremos lá dentro de poucos dias. — Ele transbordava de orgulho. — Talvez ele me conceda
mais terras, como presente de casamento. — Inclinando-se, beijou de leve os lábios de Genevieve.
— Não fique tão carrancuda. Agora não falta muito.
A afirmação dele não eratranquilizadora. Sentia-se grata ao rei Henrique por ter ignorado as
outras solicitações de Hugh. As alianças políticas com os reis irlandeses tinham precedência. Mas
agora o tempo de Genevieve estava esgotado.
— Não me casarei sem meu pai.
— Thomas de Renalt virá. — A expressão de Hugh endureceu. — Já deveria ter chegado a esta
altura.
— Ele estava doente — argumentou Genevieve. O pai ordenara que ela permanecesse em
Rionallís sem a companhia dele. Com a escolta dos soldados e dos guardiões, o pai acreditava que
estaria segura. Genevieve conseguira subornar um padre para enviar cartas, implorando ao pai
que terminasse com o noivado. Mas Thomas de Renalt não dera resposta, e ela temia que Hugh
tivesse interceptado as mensagens.
— Não continuarei esperando por ele. — Hugh meneou a cabeça. — Não sei quais são as
intenções do conde, mas o acordo de casamento está assinado. Com ou sem ele, eu me casarei
com você.
— Nunca me casarei com você — ela jurou. — Não me importa o que diga o rei.
O punho dele a atingiu por trás da cabeça. A dor explodiu, ecoando nos ouvidos, mas
Genevieve se recusava a gritar.
— Não perdeu o espírito, não é? — comentou Hugh.
Genevieve engoliu em seco, desejando não ter provocado Hugh. Sabia que não poderia lutar
com ele, que era muito mais forte. Quando ela fingia obediência, ele costumava ser mais brando
com o castigo. Tentaria conter suas palavras de rebeldia.
Então Hugh sorriu, o sorriso cruel que ela aprendera a desprezar.
— Tire as roupas.
Genevieve sentiu fel na garganta ao pensar no que ele faria. Nas últimas semanas, Hugh se
vangloriava em humilhá-la. Quando se negava a obedecer, era surrada até não poder mais ficar
de pé. Embora Hugh ainda não tivesse violado sua virgindade, Genevieve sabia que era apenas
questão de tempo. O medo pulsou por seu corpo ao pensar nisso.
Por não obedecer, Hugh lhe golpeou o estômago, fazendo-a vergar-se. Genevieve agarrou as
costelas, incapaz de impedir o gemido de agonia. Era nisso que se transformaria sua vida? Teria
que renunciar a tudo, deixando que ele a dominasse?
Fechou os olhos, temendo que o futuro fosse assim. Embora outra mulher pudesse pensar em
acabar com a própria vida, Genevieve não queria se arriscar à perdição eterna. Não deixaria que
Hugh se apropriasse de sua alma também.
Hugh puxou a adaga, fazendo seu coração quase parar ao ver a lâmina. Num gesto rápido, ele
cortou os cordões do vestido até que este caísse aos seus pés. Vestida apenas com uma fina túnica,
Genevieve tentou se cobrir.
— Você me pertence, Genevieve. — Hugh largou a adaga sobre a mesa, aproximando-se. O
olhar de Genevieve dardejou para a arma. Evitando outro soco, ela se deixou cair contra a mesa.
A adaga retiniu no chão.
— Por favor — ela murmurou. — Eu lamento. — Não era verdade, mas o pedido de desculpas
poderia amenizar o ataque de Hugh. Sua cabeça doía; escorria sangue por sua face.
Hugh começou a despir as próprias roupas, revelando o corpo musculoso.
— Não. Não lamenta. Mas lamentará.
Hugh diminuiu a distância entre ambos.
— Chegou a hora de aprender a ser uma esposa obediente. — Os dedos agarraram a nuca
num gesto de controle. — Em breve, Genevieve — ele prometeu. Beijou-a com ferocidade,
esfregando os lábios no dela até fazer sangue. — Não tem ideia do prazer que posso lhe oferecer.
— Não — ela murmurou.
— Não quero forçá-la — disse Hugh, os dedos subitamente gentis. — Poderia ter tomado
você quando quisesse, se esta fosse minha intenção. Mas sou um homem paciente e clemente.
Caso se entregue a mim de boa vontade, eu lhe ensinarei as recompensas da obediência. — A
mão dele segurou o queixo. — Eu a conheço melhor do que você mesma. Você quer que eu a
tome, embora lute contra mim.
Nunca. Ao pensar nas mãos dele em seu corpo, uma náusea lhe dominou o estômago.
Genevieve ergueu o queixo e enfrentou aqueles implacáveis olhos azuis. O rosto bonito lhe
causava repulsa, então cuspiu nele.
— Odeio você.
As mãos dele se fecharam de raiva. A fúria relampejou no rosto de Hugh, que a atingiu no
rosto. Genevieve se virou no último segundo, caindo de joelhos. Ela ignorou a dor, a mão se
fechando sobre a adaga. Antes que Hugh pudesse ver o que tinha feito, ela escondeu a arma sob
as dobras da túnica.
Genevieve apertou a adaga com força. Sentia o cabo frio em sua mão, sem saber manejar o
peso. Não sabia se teria coragem de usá-la. Mil dúvidas enchiam sua mente. Mas ela se agarrou ao
instinto de sobrevivência.
Batidas violentas soaram na porta. O olhar de Genevieve disparou naquela direção.
Hugh praguejou, vestindo a túnica antes de abrir a porta.
— O que é?
— Um ataque, milorde — informou o servo. — Invasores irlandeses atearam fogo na paliçada
externa.
— Fique aqui — rosnou Hugh para Genevieve, que foi deixada sozinha. O destino lhe oferecia
uma trégua. Genevieve encostou o rosto na parede. Era como se pudesse se mesclar à madeira e
ao emboço, de tão fria que estava. Os dedos agarraram o linho da túnica, como se o fino tecido
pudesse de alguma forma protegê-la do retorno de Hugh. Não sentia alívio, pois ele voltaria. E,
então, a punição recomeçaria.
Genevieve podia sentir antigos temores voltando para atormentá-la. Largou a adaga, a
oportunidade de defesa perdida. O cabelo caía sobre o rosto. O sangue se emaranhava nos fios na
parte de trás da cabeça, então ela removeu o véu. Os cabelos escuros esconderiam o ferimento.
Podia-se ouvir os homens gritando ordens lá em baixo. Genevieve apoiou a testa nos joelhos,
tentando reunir forças. Se estivessem sitiados, teria outra chance de fugir. Mas não podia
continuar parada.
Esgotada, levantou-se. O corpo estava dolorido, e Genevieve imaginava se Hugh havia
quebrado suas costelas desta vez. Doía para respirar.
O vestido estava jogado no chão, onde caíra. Genevieve se encolheu de dor ao inclinar-se para
apanhá-lo. O latejar aliviou quando se aprumou e colocou o vestido sobre a túnica. Os cordões
estavam destruídos, mas isso a manteria aquecida por enquanto.
Você precisa sair, disse consigo mesma. Agora era sua oportunidade, não podia desperdiçá-la.
Um estranho ruído lhe chamou a atenção. Ela se voltou para a grande tapeçaria pendurada na
parede, que se agitou ligeiramente. Genevieve recuou, sem entender o que significava aquele
movimento. O instinto lhe dizia para ficar de guarda. Tomou a adaga na mão mais uma vez.
Um homem surgiu de trás da tapeçaria, completamente armado, com uma espada à cintura.
Usava calça de tartã e, presa por um cinto, uma túnica cor-de-musgo que fluía em dobras até o
joelho. Genevieve reconheceu o grande broche de ferro segurando a capa. Era o soldado da
colina. Uma calma autoridade emanava de sua postura, mas Genevieve ainda estava com raiva.
Ele não a ajudou quando mais precisava.
— Quem é você? — ela perguntou, segurando a adaga com firmeza. O cabelo dele, negro
como a alma do demônio, ondeava até os ombros. Uma fina marca, há muito cicatrizada,
desfigurava uma bochecha.
— Sou Bevan MacEgan.
A túnica permitia que Genevieve visse o contorno dos músculos fortes. Ocorreu que ele
pudesse ser uma ameaça mais perigosa que Hugh.
— E qual é o seu nome, a chara? — Ele cruzou os braços, esperando pela resposta. Os olhos
verde-escuros examinavam Genevieve como se avaliassem seu valor.
Genevieve sentiu a boca seca.
— Sou Genevieve de Renalt.
MacEgan a fitou por um instante, o olhar notando os ferimentos.
— O que lhe aconteceu?
Genevieve de súbito lembrou do vestido rasgado, então cobriu o corpo da melhor maneira
que pôde.
— Fui castigada por fugir.
— Por quem?
Genevieve hesitou, mas respondeu com sinceridade.
— Sir Hugh Marstowe.
— E por que ele estava caçando você?
— Porque eu não quis me entregar a ele.
Os olhos de MacEgan se tornaram frios, tal qual as pedras de granito recobertas de gelo que
margeavam as colinas.
— Posso matá-lo, se este for seu desejo.
— Você perdeu a oportunidade. — O rubor ardeu nas bochechas de Genevieve, cuja raiva
ameaçava explodir. — Eu poderia estar a salvo dele agora. Mas você ficou parado e não fez nada.
— Ainda não terminou— ele disse, calmamente. — E estou aqui agora.
MacEgan não passava de um intruso, um homem que a abandonara. Mas Genevieve viu algo
em sua expressão, algo inesperado: sinceridade. Podia ser um bárbaro rude, decidido a conquistar
Rionallís, mas o timbre da voz e a brutal honestidade no rosto a fizeram reconsiderar.
Era melhor do que esperar pelo retorno de Hugh, ela concluiu. Tendo de escolher entre ficar
ali e fugir com um estranho, preferia apostar suas chances em Bevan MacEgan.
— Se me levar em segurança, será o suficiente — ela disse com irritação, baixando a adaga. —
Como conseguiu entrar?
Ele puxou a tapeçaria, revelando um espaço estreito. Apenas uma simples corda pendia da
estreita passagem dentro da parede.
— Espera que eu desça desta maneira? — ela disse, a garganta apertada ao visualizar uma
queda vertiginosa.
— Não. Eu a levarei por outro caminho. — A expressão dele assumiu uma máscara de
determinação. — Venha.
— Para onde?
— Lá para baixo. Tenho uma condição antes de conceder o que me pede.
— Que condição?
— Será minha refém.
Genevieve hesitou por um instante. Não sabia nada daquele homem, que poderia lhe fazer
algum mal.
Mas MacEgan viera até ali, atendendo ao apelo feito mais cedo. Parecia haver pouca escolha.
— Não me entregará nas mãos dele, não é?
— Não. Mas você pode nos ganhar mais tempo.
— Por que está atacando a fortaleza? — ela perguntou.
— Sou dono de Rionallís por direito.
Genevieve percebeu que não era o momento de informar que Rionallís fazia parte de seu dote.
Genevieve percebeu que não era o momento de informar que Rionallís fazia parte de seu dote.
Especialmente por depender de MacEgan para conseguir a liberdade. Ele descobriria a verdade
em breve.
As mãos dela empurraram a tranca de madeira, mas MacEgan a pôs de lado pela cintura. Ao
toque, Genevieve ofegou de dor. Mordeu o lábio até recuperar o controlo de si mesma.
— Eu vou primeiro — ele disse. — Você vem depois.
Ele abriu a porta. Genevieve agarrou o vestido rasgado, relutante em enfrentar Hugh. Uma
parte sombria de si desejava fervorosamente que Hugh caísse sob a espada de MacEgan. Sem ele,
a vida voltaria a ser como era antes.
Depois de notar que era seguro, MacEgan a puxou para o corredor. Genevieve viu outros
homens, armados e prontos. Ele deu um brusco comando em irlandês, uma ordem para que os
seguissem e protegessem. Com a mão sobre o pescoço de Genevieve, guiou-a pela escada curva
até chegarem ao salão lá em baixo. Então levou uma faca à garganta dela.
— Não se mexa. Não quero que a lâmina corte sua pele.
Era estranho sentir-se segura com ele. Uma sensação de calma dominou Genevieve, pois
MacEgan lhe oferecia uma segunda chance de escapar.
Quando os guardas normandos os viram, movimentaram-se para defendê-la.
— Não se aproximem — disse MacEgan, mas eles continuaram a postos. Genevieve vasculhou
o salão à procura de Hugh, mas não havia sinal dele. Isso a deixou aflita.
— Diga a Sir Hugh que quero falar com ele — ordenou MacEgan. Um dos soldados se foi, e
MacEgan manteve Genevieve diante de si. Durante angustiantes minutos, ela esperou que Hugh
aparecesse. A lâmina tinha esquentado sobre sua pele, mas ela não ousava se mexer. Quando
MacEgan tocou a nuca, sua pele ficou arrepiada.
Os soldados estavam com as armas em prontidão, mas Genevieve sabia que, pela expressão
deles, não agiriam sem receber ordens de Hugh.
Mas Hugh não apareceu. Em seu lugar, surgiu Sir Peter Harborough. Os cabelos grisalhos
estavam bagunçados, a armadura manchada de suor e sangue.
— Solte-a — ordenou. Fez menção de puxar a espada da bainha.
— Sir Peter, espere! — gritou Genevieve.
MacEgan pressionou a faca na sua garganta.
— Se não quer que ela morra, sugiro que mande seus homens baixarem as armas. E quero ver
Sir Hugh.
Genevieve observava os soldados, imaginando quando seu noivo emergiria das sombras. Não
havia dúvida de que ele estava por perto.
A expressão de Sir Peter era uma combinação de fúria e hesitação. Após um instante, ele
desembainhou a espada.
— Malditos irlandeses. Não conseguem nem compreender que foram vencidos. — Sir Peter
olhou para um soldado e ordenou: — Traga o prisioneiro.
MacEgan ficou alerta. Genevieve não sabia do prisioneiro. Quando ele foi trazido, viu um
garoto que mal teria 14 anos. Era magricela, com cabelo louro-avermelhado e um princípio de
barba lhe cobrindo o rosto. Vinha de cabeça baixa, como se envergonhado de si mesmo.
MacEgan explodiu de raiva. Falava em irlandês, provavelmente para evitar que os outros o
compreendessem.
— No que estava pensando, Ewan? Mandei que ficasse em Laochre.
O garoto se encolheu.
— Sinto muito, irmão. Pensei...
— Pensou que poderia se juntar à luta? E quanto tempo demorou para que fosse capturado?
O rosto do garoto corou.
Genevieve não conseguiu ficar calada por mais tempo.
— Soltem-no. É só um menino.
— Que talvez não viva até se tornar homem se continuar a agir desta maneira. — MacEgan a
apertou com mais força, sua tensão se tornando palpável.
Sir Peter revelou um sorriso de vitória.
— Então chegamos a um acordo, MacEgan. Você chama seus homens de volta, devolve Lady
Genevieve ilesa e, em troca, soltamos o menino.
— E se eu recusar?
— A escolha é sua, claro. Mas somos superiores em número. — Sir Peter apontou com a
cabeça para a parede oposta, onde arqueiros aguardavam com os arcos em prontidão. —
Poderíamos matá-lo antes que seus homens largassem as armas.
Embora Sir Peter estivesse tentando protegê-la, Genevieve queria praguejar contra o homem.
Nos dois últimos meses, ele passava praticamente todos os dias comendo e bebendo cerveja. Não
tinha erguido um dedo para resguardá-la de Hugh. Mas no momento em que um irlandês
tentava resgatá-la, ele decidia assumir o papel de salvador.
— Esta fortaleza era minha muito antes que os normandos a tomassem — disse MacEgan. —
Esta gente é leal a mim. Não levaria muito tempo para que uma adaga se fincasse entre suas
costelas qualquer noite dessas.
Sir Peter deu de ombros.
— Isso é problema de Marstowe, não meu. Meu propósito é guardar Lady Genevieve até o
casamento.
— Parece estar fazendo um péssimo trabalho.
A fúria eclodiu no rosto do homem e Bevan a apertou com mais força. Genevieve conteve o
fôlego, amedrontada com a faca na garganta. Embora não acreditasse que ele fosse feri-la, a
menor pressão faria a lâmina deslizar.
Onde estava Hugh? Genevieve duvidava que ele estivesse longe. Teria fugido? Ou estava
tramando contra eles?
Então percebeu um leve movimento entre as sombras. O brilho da ponta de uma flecha
refletindo a luz do fogo. Por instinto, empurrou MacEgan com toda a força, exatamente quando a
flecha disparou. A seta arranhou o ombro de MacEgan, e teria acertado a garganta de Genevieve
caso ela não tivesse se afastado a tempo.
A faca deixou sua garganta por um instante, e braços fortes a arrastaram para longe.
— Peguem-no! — ordenou uma voz.
Cinco guardas seguraram MacEgan. Ele lutou, golpeando com a adaga, mas havia muitos
deles. Genevieve tentava se livrar de Sir Peter, mas ele a segurava com firmeza. Depois de uma
luta medonha, MacEgan foi desarmado. Segundos depois, Hugh emergia das sombras. Ao vê-lo,
o sangue de Genevieve congelou. A expressão no rosto dele parecia carinhosa, amorosa.
Genevieve conhecia bem aquela artimanha.
Hugh a tomou nos braços, acariciando o ponto onde a lâmina estivera pressionada contra sua
garganta.
— Eu o matarei por tocá-la. — Tirando a adaga da bainha, ele olhou MacEgan. — Poderia
cortar a garganta dele agora.
Genevieve fechou os olhos, sabendo que nenhum prisioneiro seria libertado.
Hugh traçou com o dedo o contorno do seu queixo. O gesto fez a pele de Genevieve se eriçar.
— Mas prefiro que ele sofra pelo que fez. Será executado pela manhã, para que todos
aprendam a não atacar Rionallís. Ele poderá assistir ao mais novo ser enforcado primeiro.
Genevieve voltou-se para ele, incapaz de esconder o ódio.
— Pensei que libertaria o menino.
— Não deixo escapar ninguém que ataque o que é meu. Volte para seu quarto e tranque a
porta. — Hugh deu umtapinha no ombro de Sir Peter. — Agradeço por defendê-la.
— Não foi problema. — A mão de Sir Peter procurou a espada outra vez. — Devemos liquidar
o resto deles?
Hugh inclinou a cabeça. Aos soldados, ordenou:
— Protejam o pátio externo. Não poupem ninguém. — Com estas palavras, Hugh colocou o
elmo e saiu.
Genevieve se obrigou a subir a escada, cada passo mais pesado que o último. Não podia
permitir que MacEgan morresse, não depois de tentar salvá-la. Cruzou os braços em volta das
costelas doloridas, lembrando do olhar faminto de Hugh. Ele se divertia com seu sofrimento.
Suas mãos desceram até os quadris, trêmulas de medo, sabendo exatamente como ele pretendia
machucá-la desta vez.
Existia uma última chance. Encontraria uma maneira de salvar MacEgan e o irmão, mesmo
que isso significasse sua morte.
Capítulo Dois
Genevieve escondeu-se num cômodo usado para estocar alimentos e
ervas até que os ruídos da batalha desaparecessem ao longe. A
densidade da fumaça sujava o ar, mas ela tentou não pensar no
número de homens mortos no momento. Havia dois que poderiam
ser salvos, e Genevieve os salvaria.
Analisou raízes e talos secos até descobrir o que precisava. Misturadas à cerveja, o gosto
amargo não seria notado pelos guardas, assim as ervas os fariam dormir.
Hugh mandara os prisioneiros para um porão. Como Genevieve esperava, MacEgan estava
fortemente vigiado. Ela equilibrou o jarro de cerveja e os canecos enquanto descia a escada. O ar
frio lhe provocou arrepios no braço, mas ela ergueu os ombros e colocou um sorriso falso no
rosto.
Assim que o guarda a viu, franziu a testa.
— Lady Genevieve, não deveria estar aqui.
— Achei que você e seus homens mereciam uma recompensa pela bravura desta noite — ela
disse, erguendo o jarro.
O guarda ficou radiante com a oferta, permitindo que ela lhe enchesse o caneco. Ele ergueu o
caneco num brinde, então bebeu com vontade. Genevieve serviu cerveja aos outros soldados, que
logo relaxavam com um jogo de dados. Ela esperou por um instante, para ver se alguém reagiria à
mistura de ervas, mas nada aconteceu.
Teria colocado o suficiente? Ou, pior, será que as ervas surtiriam qualquer efeito? Esta noite
era a sua única chance de ajudar os MacEgan, pois Hugh estava ocupado com os invasores
irlandeses. Olhou na direção dos prisioneiros, encolhendo-se quando viu o olhar suspeito de
Bevan MacEgan.
Ele estava agachado, os punhos acorrentados. Embora por fora parecesse calmo, Genevieve
pressentia que ele estava apenas esperando por uma oportunidade. MacEgan transpirava força,
era um lobo enjaulado preparado para rasgar a garganta do inimigo quando tivesse a chance.
Seria a decisão certa libertá-lo? Se fosse apenas o menino, Ewan, ela não hesitaria. Mas não
sabia nada sobre Bevan MacEgan, nem mesmo se era um homem honrado.
Genevieve tomou a direção da escada, como se pretendesse partir. O outro soldado ergueu a
mão em despedida, e ela fingiu subir os degraus. Quando a atenção deles se concentrou no jogo,
Genevieve esgueirou-se para as sombras. Recostou-se nas pedras frias, a pulsação disparada de
ansiedade.
Na escuridão, viu MacEgan observá-la. O olhar penetrante a deixava trêmula, embora ele não
dissesse nada que denunciasse sua presença.
As ervas estavam demorando demais para ter efeito. Genevieve não sabia o que fazer caso os
soldados não sucumbissem ao sono.
O menino se debatia com as correntes, lutando para se soltar. MacEgan se encostou
novamente à parede, nenhum traço de emoção no rosto mareado. Esperava com a paciência de
um homem que já conhecera o cativeiro. Genevieve rezava para não estar cometendo um erro ao
confiar nele.
Depois de longo tempo, ela ouviu passos se aproximando. A voz de Hugh ecoou enquanto ele
descia a escada.
— Quero ficar sozinho com os prisioneiros.
Ao som de sua voz, Genevieve tentou se encolher ainda mais. Encontrou um pequeno nicho
atrás de um dos barris, curvando bem o corpo. Os guardas subiram a escada, mas nenhum deles
pareceu notá-la. Genevieve apertou as mãos, cada músculo tenso.
Hugh puxou uma adaga, o dedo alisando o gume da lâmina. O aço brilhava prateado à luz das
tochas. Ele parou diante de MacEgan, uma expressão sombria lhe afinando a boca.
— Não devia tocá-la. Ela me pertence. Qualquer homem que a ameace morrerá.
O menino empalideceu, mas MacEgan enfrentou o olhar do adversário sem titubear.
— Então deve estar pronto para enfrentar a própria morte. Foi você quem bateu nela, não foi?
Uma fúria assassina escureceu o rosto de Hugh. Ele ergueu a adaga e cortou o rosto de
MacEgan, talhando uma ferida que se assemelhava à cicatriz na face oposta.
Embora um lampejo de dor tivesse ofuscado os olhos do guerreiro irlandês, ele não se mexeu.
Encarava Hugh em mudo desafio. Genevieve conteve a respiração, a mão procurando as costelas
doloridas.
Então Hugh cravou a adaga no ombro de MacEgan, onde a flecha o cortara mais cedo.
Genevieve esperava que MacEgan gritasse, mas ele não emitiu nenhum ruído. Apenas sustentava
o olhar de Hugh, o rosto contorcido de dor.
Já tinha visto o bastante. Se não agisse agora, Hugh cortaria a garganta de MacEgan em
seguida. Ela saiu do esconderijo, segurando o jarro de cerveja. A frágil cerâmica se estilhaçou na
cabeça de Hugh, mas ele continuou de pé. Genevieve tentou se afastar, mas ele a agarrou.
Hugh lhe bateu no rosto, e uma dor violenta explodiu ao longo de sua bochecha. Não pôde
evitar o grito que lhe escapou dos lábios em grande agonia. O punho dele foi de encontro às suas
costelas machucadas, expulsando o ar de seus pulmões. Pela primeira vez, Genevieve vislumbrou
o rosto da morte. Havia ultrapassado os limites do medo e da raiva, agarrando-se à necessidade
de sobreviver. Os joelhos se dobraram, pois não conseguia respirar. A escuridão tomava sua
visão.
Bevan aproveitou a oportunidade para prender a garganta do homem com sua corrente.
Sentia gosto de sangue, mas ignorava a forte dor no ombro. Um claro senso de propósito atiçava
a raiva que crescia em seu interior.
Quando o cavaleiro normando bateu em Genevieve, era como se ele estivesse vendo a esposa.
Passado e presente se confundiram, as imagens do campo de batalha preencheram sua mente.
Viu a esposa, Fiona, gritando por socorro enquanto os normandos a perseguiam a cavalo.
MacEgan enfrentava hordas de soldados inimigos, tentando com todas as forças alcançá-la.
Seu fracasso o assombrava desde então.
Embora fosse Genevieve quem sucumbiu sob os punhos de Sir Hugh, era a esposa que Bevan
via ao pressionar a corrente de metal ao redor da garganta do homem, estrangulando-o. A
medida que a corrente apertava, o rosto do cavaleiro ficava frouxo, o corpo desabando na
inconsciência.
Os olhos de Bevan perceberam movimento. Soldados começaram a descer a escada, espadas
em punho. Foi forçado a largar Hugh, embora desejasse ter tempo para arrancar a vida. Qualquer
homem que batia em uma mulher não valia a sujeira debaixo dos próprios pés. Arriscou uma
olhada em Genevieve e viu que ela segurava as costelas. Estava viva, mas era enervante que uma
mulher tentasse resgatá-lo.
Uma espada veio na sua direção, mas Bevan deteve o ataque com a corrente. Anos de
treinamento tornavam fácil defender-se, então esperou por uma oportunidade de desarmar o
oponente.
Estranhamente, os soldados pareciam não ter firmeza nos pés, comportando-se como se
tivessem tomado cerveja demais. Um dos homens mirou em Ewan, e Bevan girou para receber o
impacto da lâmina em sua corrente. Respirou aliviado quando os homens deixaram seu irmão
em paz.
Ewan jogou-se no chão, usando os pés para derrubar um dos guardas. Bevan se esquivou de
mais golpes enquanto lutava para manter-se de pé. Sentiu-se revigorado quando um dos homens
perdeu o equilíbrio, pois pôde tomar a espada. Segundos depois, o homem jazia morto no chão.
O segundo guarda veio cambaleando, a expressão vazia. Uma adaga estava cravada em suas
costas. Por trás dele surgiu Genevieve, o rosto fantasmagoricamente pálido. Bevan já tinha visto
aquela expressão antes. Era primeira vez que Genevieve matava umhomem, ele podia apostar.
Ela agia como se esperasse que Deus a castigasse pelo pecado cometido.
Bevan não se importava mais com a alma. Vivia na perdição eterna há dois anos. Capturou o
terceiro guarda, enrolando a corrente na garganta do homem e apontando a espada na barriga
dele.
— Abra meus grilhões.
O guarda olhou na direção da escada. A paciência de Bevan desapareceu.
— Estará morto antes que cheguem aqui se não abrir isso.
O homem tateou pelo pesado aro de ferro pendurado à cintura com as chaves e abriu os
grilhões.
— Agora meu irmão.
Quando a última corrente caiu, o guarda tentou disparar para a escada. Bevan girou a espada
na direção da cabeça do homem, atingindo-o com o punho. O guarda desabou no chão,
inconsciente.
— Você não o matou — murmurou Genevieve.
— Mantive minha palavra. — Ao irmão, disse: — Pegue nossas armas e liberte os homens.
Diga que alertem os outros e voltem para Laochre.
Ewan disparou pela área de armazenamento para cumprir a ordem. Bevan ajudou Genevieve
a ficar de pé, embora ela ainda segurasse as costelas.
— Está ferida.
— Não tanto quanto você — ela balbuciou. — Deixe-me cuidar de suas feridas. Seu ombro
está sangrando muito.
— Não há tempo. — O ferimento não era mortal, embora a dor o deixasse tonto.
— Precisa partir. Matarão você.
Bevan sabia disso, com a mesma certeza com que sabia que precisava levá-la consigo. Era a
única maneira de mantê-la a salvo.
— Você vem conosco?
Os olhos de Genevieve encheram-se de lágrimas, e ela olhou para o corpo caído de Hugh.
— Ele ainda está vivo?
Bevan deu de ombros.
— Por enquanto.
— Não posso ficar aqui. Não mais.
Ewan retornou, carregando arco e flechas, além de duas espadas. Era visível que a lâmina
tinha mais da metade da altura do menino, mas Ewan a segurava com fervor.
— Os homens saíram. Pela passagem do souterrain, como você ordenou.
— Bom. — Bevan pôs a espada na bainha e estendeu a mão para Genevieve. — Vem ou fica?
A escolha é sua, a chara.
Com um olhar amedrontado para o homem que lhe batera, Genevieve segurou a mão de
Bevan.
— Eu vou.
Escaparam pela estreita passagem, o cheiro de terra e barro molhado a envolvê-los. Bevan os
guiou por um túnel secundário que dava para a floresta. A noite se tornara fria, o ar gelado
açoitando o rosto quando ventava.
Genevieve segurava as costelas, o rosto contorcido de sofrimento, mas não reclamava.
Bevan considerava que alguma loucura havia se apossado dele, para trazer uma mulher
consigo. Era fraqueza sua não suportar ver uma mulher apanhar. Suspeitava que Sir Hugh era
alguém próximo de Genevieve, um parente, ou o noivo.
Ele sabia que precisava encontrar abrigo para os três. A jornada de regresso à fortaleza de seu
irmão levaria dias, e não houve tempo para recuperar os cavalos. A voz da dúvida fincava os
dentes em sua confiança. Não sabia se eles teriam sucesso.
E também não havia qualquer sinal de seus homens. Isso o incomodava, pois Bevan não sabia
se tinham sido detectados. No negrume da floresta, parou para ver Rionallís. Tochas ardiam na
escuridão em meio ao cintilar de armaduras de malha. Precisavam se distanciar mais, então
Bevan acelerou o passo.
A viscosidade sob a túnica o alertava da necessidade de estancar o sangramento. A dor se
tornara uma grave realidade, mas Bevan não tinha escolha senão seguir adiante. Se parassem
agora, estariam mortos.
O irmão conseguia acompanhá-lo, mas Genevieve começou a ficar para trás. Ela se encostou a
uma árvore, o braço envolvendo as costelas.
— Dê-me um instante — ela implorou, recuperando o fôlego.
— Não podemos. Estão nos seguindo. — Bevan a observou, avaliando os ferimentos.
Baixando a voz, perguntou: — Prefere ficar aqui? Voltar com eles?
— Não. — A rebeldia luziu nos olhos de Genevieve, que ergueu os ombros. — Nunca voltarei
para ele. — Aprumou o corpo, então recomeçou a andar.
— Quem é ele? Seu marido?
— Meu noivo. — Ela acelerou o passo até se afastarem da floresta. — Mas não por muito
tempo. Não se eu ficar livre dele.
Atravessaram campo aberto, o instinto guiando Bevan pelo caminho certo. Envolto pelo
escuro, usava a fraca luz que vinha da igreja. A cada passo, ele sentia suas forças decaindo.
Genevieve pareceu pressentir isso, pois o deteve.
— Precisa fechar as feridas.
— É muito perigoso.
— Ela está certa, Bevan. — Ewan segurou a mão dele. — Você não vai aguentar muito mais.
Bevan não gostava de admitir fraqueza, particularmente quando os outros dois dependiam
dele para sobreviver. Mesmo assim, não seria bom para nenhum deles que tropeçasse e desabasse.
Seu olhar buscou as luzes distantes. Por fim, disse:
— Sei de um lugar onde podemos ficar. Mas se houver qualquer sinal dos homens de Sir
Hugh, teremos que partir.
Quando alcançaram os limites das terras dos arrendatários, Genevieve se encaminhou para
uma cabana em forma de colmeia. Bevan meneou a cabeça.
— Não colocarei minha gente em perigo.
Só existia uma possibilidade de abrigo. Ele apontou para uma distante torre redonda erguida
ao lado da igreja.
— Fiquem atrás de mim.
Quando se aproximaram, viram que a igreja era pequena, mas que a torre ofereceria grande
proteção durante a noite. Bevan viu uma vela acesa na janela e ergueu o punho contra a porta.
Um padre alto e magro atendeu à batida. Ele reconheceu o padre O'Brian, um homem quieto,
que era conhecido por ter manejado a espada durante a juventude. Bevan respeitava o padre e a
força da fé daquele homem.
— Procuramos um lugar para ficar — disse Bevan.
O padre olhou para os três, a atenção na túnica ensanguentada.
— Bevan MacEgan. — Ele esfregou a barba castanha e abriu mais a porta para que entrassem.
— Já faz muito tempo. Quase um ano e meio desde que saiu de Rionallís. — O padre gesticulou
para que entrassem. — Fico feliz por vê-lo. Temos rezado por seu retorno desde que os invasores
vieram.
Bevan compreendeu a censura velada. Mas, depois da morte de Fiona, o vazio de Rionallís
tornara sua permanência insuportável. No primeiro ano, viajou de uma tribo para outra,
vendendo os serviços de sua espada. Então, na última primavera, seu povo foi atacado e
conquistado.
Ele segurou o braço do padre.
— Retornaremos outra vez. Eu juro. — O rosto de seu irmão caçula Ewan, corou de vergonha.
O menino se culpava pelo fracasso da invasão.
— Que bom. — Padre O'Brian apontou para a pequena capela. — O que posso fazer para
ajudá-lo?
— Precisamos de abrigo esta noite, e comida. Cavalos pela manhã, se possível.
O padre assentiu.
— Acho que a torre será o melhor. — Ele os levou para fora, por trás da igreja. A torre de
pedra se erguia acima das sombras do lugar, estreita em diâmetro. O padre trouxe uma escada
para que eles subissem para a entrada, seguindo na frente. Uma vez lá dentro, fechou a porta e
baixou uma escada de corda que conduzia ao andar de cima.
— Que lugar é este? — perguntou Genevieve.
— Usamos como depósito — respondeu padre O'Brian. — Mas também podemos detectar
nossos inimigos a distância. Está aqui há centenas de anos. Dizem que os padres costumavam
esconder tesouros religiosos nestas torres.
Usando uma tocha para iluminar, ele os guiou vários andares acima, mas não os levou ao
topo. Bem acima deles estava o sino usado para anunciar as horas. Seis janelas rodeavam o andar
mais alto. Bevan pretendia usá-las para vigiar os inimigos.
— Não há fogo, mas devem ficar bem aquecidos neste andar. Há um catre, caso desejem
dormir. — Padre O'Brian apontou para a ferida de Bevan. — Trarei uma bacia d'água para cuidar
dos ferimentos...
— Eu cuido — interrompeu Genevieve. — Você tem agulha e linha? Alguns cortes são
profundos.
O padre inclinou a cabeça e deixou a tocha numa arandela de ferro antes de partir. Depois
que ele saiu, Genevieve olhou o interior da torre, examinando cada andar até o topo.
O vento soprava contra as pedras, um guincho agudo que fazia Bevan pensar em espíritos
demoníacos. Embora não fosse um homem supersticioso, fez o sinal da cruz. Não enganaria a si
mesmo achando que estavam seguros aquela noite.
Demorou um pouco para que ele voltasse, mas padre O'Briantrouxe pão e hidromel, além de
água e tiras limpas de linho. Entregou a Genevieve um pacotinho de pano contendo agulha e
linha. Então os deixou sozinhos. Ewan ergueu a primeira escada, selando a entrada principal,
então se ocupou com a comida.
Com ajuda de Genevieve, Bevan removeu a túnica, evitando cuidadosamente a ferida no
ombro. Ela limpou o corte sem erguer os olhos para ele. Embora ela fizesse a tarefa com calma
eficiência, Bevan pressentia um grande desconforto. Genevieve estava com medo dele, mesmo
depois de tudo o que havia acontecido.
A bochecha dela estava inchada, uma mossa começava a se formar. Uma crosta de sangue lhe
cobria a têmpora, emaranhando o cabelo escuro. Ele estava contente por ter tirado Genevieve de
Rionallís. Contudo, não sabia o que fazer com ela.
— Você tem outra família por aqui?
Ela meneou a cabeça, colocando linha na agulha.
— Meu pai deveria ter vindo. Ficou doente e não pôde viajar comigo para Rionallís. Em seu
lugar, mandou Sir Peter e a esposa como meus guardiões. — Ela juntou as beiradas da ferida no
ombro e Bevan ficou tenso. — Deveria me casar com Sir Hugh assim que chegássemos.
— E por que não casou? — Ele trincou os dentes com a dor da sutura. Sentia-se tolo por uma
agulhinha lhe causar tonteira, uma vez que tinha suportado a punhalada sem fraquejar.
— O rei queria testemunhar o casamento. — A boca de Genevieve se contorceu. — Suspeito
que Hugh queira o testemunho do rei. Ele superestima sua importância junto ao rei Henrique.
Fiquei contente com a protelação. — Ela terminou a sutura, e Bevan suspirou de alívio.
— Seus guardiões... não deviam cuidar de você? — Ele olhou explicitamente para o
machucado dela, então para as costelas. O vestido rasgado o lembrou de Sir Hugh, da brutal surra
que testemunhara.
Genevieve ficou vermelha.
— Sim. Mas Sir Peter acreditava que eu era desobediente, e que Hugh estava certo ao me
punir.
As mãos de Genevieve se voltaram para o corte no rosto de Bevan, que se preparou para a
agulha novamente.
— E a esposa de Sir Peter?
— Ela mal falava comigo — admitiu Genevieve. — Reclamava da Irlanda, queria voltar para a
Inglaterra. Ficava a maior parte do tempo no solar, choramingando. — Genevieve fez uma careta
de desgosto.
A agulha se movia rápido, fechando o corte. Genevieve, felizmente, terminou logo. Era mais
fácil respirar agora que tinha acabado.
Ela enfaixou o ferimento com as tiras de linho. Com um pano, limpou o corte no rosto dele.
Terminou de cuidar dos ferimentos e lhe serviu um copo de hidromel.
Bevan tomou a bebida fermentada e apontou para o machucado no rosto dela.
— Para onde quer que eu a leve quando amanhecer?
— Para longe de Hugh. Não importa onde. — Genevieve se levantou e cruzou o cômodo, para
se sentar no catre.
Bevan lembrou a si mesmo que não deveria se preocupar com os problemas de Genevieve.
Era filha de um inimigo, nada mais. Tinha pagado seu débito para com ela, então era melhor que
seus caminhos se separassem o quanto antes. Ainda assim, a presença dela o desconcertava.
Seus cabelos eram escuros, como os de Fiona. Os olhos eram azuis, da cor do mar. Era alta, a
cabeça alcançando o queixo dele. Embora tivesse se afastado, Bevan notou como ela segurava as
costelas. Não era a primeira vez que Sir Hugh a maltratava. Só não compreendia por que alguém
permitiria que algo assim acontecesse.
Bevan pegou a bacia e foi sentar ao seu lado. Um leve perfume de lavanda emanava da pele de
Genevieve. Sem pensar, limpou o sangue na têmpora.
O que estava fazendo? Pensamentos de culpa lhe invadiram a mente com o ato íntimo, pois
era a primeira vez que tocava uma mulher em muito tempo. Estendeu o pano para Genevieve,
que o aceitou em silêncio.
— Ele a machucou. — Não era uma pergunta.
Genevieve encharcou o pano outra vez, torcendo-o. As mãos esfregaram as costelas.
— Acho que ele não quebrou nenhum osso, mas, sim, dói.
Bevan lamentava não ter matado Sir Hugh quando teve a chance. Comeram a magra refeição
fornecida pelo padre O'Brian. Lá fora, o vento uivava. Bevan subiu para o andar cercado por
janelas pela escada de corda. O vento rugia através das aberturas, mas ele perscrutou a escuridão
para ver se o inimigo se aproximava. Uma rajada branca rodopiou pelo cômodo.
— Vê algo? — chamou Ewan.
— Neve. — Evan desceu vários andares, apoiando-se no ombro bom. A mudança de tempo
diminuía sua preocupação, embora percebesse a confusão nos olhos de Ewan. — Esconderá
nosso rastro, caso tentem nos perseguir. Por esta noite, desde que a neve continue, estamos
salvos.
Um sorriso surgiu em resposta nos lábios de Genevieve. A leveza da expressão chamou a
atenção de Bevan, que deu um passo adiante. Ela lhe susteve o olhar por um instante antes de
desviar o rosto.
O que havia naquela mulher para encantá-lo tanto? Seus parentes tinham assassinado sua
gente e roubado seu lar. O sangue correndo em suas veias era o mesmo sangue de seus inimigos.
Ainda assim, Genevieve era uma inocente presa numa batalha que não deveria envolvê-la.
— Agora durma — ele disse, afastando-se. — Ficarei de vigia durante a noite.
Genevieve se enroscou sobre o catre de palha, abraçando-se para ficar aquecida. Ewan dormiu
encostado a um saco de grãos no lado oposto da torre.
A noite se estendeu em longas horas, deixando Genevieve aflita por ter abandonado Rionallís.
Hugh viria atrás dela, caçando-a até retomar posse dela. Não desistiria enquanto ela não voltasse
para ele. Genevieve queria de alguma forma se tornar invisível, uma serva que não atrairia a
atenção dos homens.
Lembrou como Bevan a olhava, a maneira como cuidou de seu ferimento. Antigamente teria
encorajado suas atenções. Aceitaria de bom grado os sentimentos que Bevan podia despertar nela
quando as mãos dele aqueciam as dela.
Mas agora tinha aprendido a lição. Aqueles dias ficaram para trás, não confiaria novamente
no próprio julgamento. Não deixaria que nenhum homem cortejasse sua afeição outra vez,
embora o pai provavelmente fosse lhe arranjar novo casamento. Genevieve sentiu o coração
pesado ao fechar os olhos, desejando saber o que o amanhã lhes traria.
No escuro, Bevan observava Genevieve dormindo. Ela estava deitada de bruços, as palmas das
mãos apoiadas sobre o catre, a respiração calma e cadenciada. Os cabelos escuros caíam sobre os
ombros. Ele estendeu a mão e tocou uma mecha de cabelo. Esta se enrolou em seu dedo, macia
como uma fita de seda, antes que a soltasse.
Por que Genevieve os ajudara? O desespero para escapar de Sir Hugh era verdadeiro, e ele
sabia que aquele ato de bravura tinha salvado suas vidas. Em retribuição, Bevan jurou protegê-la.
Mas esta promessa significava trazer um inimigo para o seio de sua família.
Ewan aceitara a fuga como uma guinada de sorte do destino, mas era apenas um menino. Não
parou para considerar a repercussão das ações de Genevieve. Embora ela tivesse vindo por
vontade própria, Bevan sabia que Sir Hugh os perseguiria, buscando a morte deles. Ficava
satisfeito com a perspectiva de matar sir Hugh, mas não podia permitir que Genevieve ficasse
com eles. A presença dela colocaria em perigo seus entes queridos.
Um leve ruído chamou sua atenção. Genevieve estava acordada. Ela se sentou e encostou os
joelhos no peito, mantendo o olhar em Bevan. O vento açoitava a torre de pedra, gemendo na
escuridão do inverno.
— Não consigo dormir.
Bevan não fez qualquer movimento, qualquer ruído, apenas a observava. O longo cabelo de
Genevieve derramava-se sobre os ombros como uma cachoeira, um halo se formando sob a fraca
luz da tocha.
— Não lhe agradeci por me salvar — ela disse. — Não há palavras que expressem o quanto
sou grata.
— Assim que chegarmos à fortaleza de meu irmão, farei com que vá para um lugar seguro —
ele murmurou com brusquidão.
— Quero voltar para minha casa na Inglaterra — Genevieve relanceou Ewan -, mas depois,
quando você deixar seu irmão em segurança. As vidas de vocês estão em jogo, afinal.
— Não me importo com minha vida. Só com a dele. — Não pretendia dizer isso em voz alta,
mas era verdade. A morte não o assustavamais. Fora repreendido muitas vezes por Patrick e
Connor por causa de sua imprudência nas incursões contra outras tribos.
Genevieve se aproximou, seu perfume o perturbou. Ela deu mais um passo, e Bevan mal
conseguiu respirar. Levando a mão ao rosto dele, Genevieve traçou com os dedos a nova cicatriz
em sua mandíbula.
— Sua bochecha está sangrando outra vez.
No escuro, com os cabelos soltos sobre os ombros, Bevan quase conseguia imaginá-la como
uma amante, procurando por ele. Ele se afastou dela.
— Deixe assim.
Bevan tentou ignorar as imagens em sua mente. Antes que perdesse seu último vestígio de
honra, subiu para um andar superior da torre, procurando pelo gélido abrigo da noite.
Capítulo Três
— É hora de irmos — disse Bevan na quieta escuridão da manhã.
Genevieve abriu os olhos, dominada por uma estranha mistura de entusiasmo e esperança.
Fugira de Hugh. Se conseguisse voltar para a Inglaterra, acreditava que seu pai a ajudaria a
romper o noivado.
— Para onde estamos indo? — Ela esfregou os braços, tentando aquecê-los. Dentro da torre,
as pedras retinham o frio. Sua respiração formava nuvens no ar da manhã.
— Para o acampamento normando de Tara. Poderá encontrar escolta lá.
Genevieve não tinha muita certeza. Se fosse para Tara, Hugh a encontraria em questão de
dias.
— Será seguro — assegurou Bevan.
— Não. Os homens de lá são leais a Hugh. — Ela pressentia a irritação de Bevan. Ele não
gostou de ter sua autoridade questionada. Embora lhe fosse grata pela ajuda, Genevieve não
correria o risco de ser deixada em Tara. A reputação de Hugh em batalha lhe conquistara o
respeito de seus semelhantes. Eles apenas a considerariam uma mulher histérica. Precisava
encontrar o pai, a única pessoa que poderia ajudar.
O ferimento no ombro de Bevan começara a sangrar, apesar dos pontos. Uma mancha escura
se espalhava pelo linho da túnica.
— Precisamos encontrar uma curandeira para cuidar de seu ferimento — ela disse. Não
gostava da tensão no rosto dele, a dor silenciosa que suportava.
— A curandeira de meu irmão cuidará disso. — Ele afivelou o cinto da espada. Genevieve
percebeu que ele tinha dormido contra a parede, no chão, isso se tivesse mesmo dormido. Bevan
se aproximou, e ela se encolheu contra a parede de pedra da torre.
— E você? — ele perguntou com gentileza. — Suas costelas estão quebradas?
— Só estão machucadas. — A dor era mais suportável agora, embora o local ainda fosse
sensível ao toque.
Bevan sacudiu o irmão caçula para que acordasse. Ewan bocejou, alongando o corpo magro.
O cabelo claro estava revolto do sono, a túnica aberta. Ele fazia com que Genevieve recordasse
dos próprios irmãos quando mais jovens. Ela os idolatrava, acreditando que matariam dragões
por ela. Uma ponta de remorso a assaltou. Não via os irmãos há quase um ano. O irmão mais
velho, James, havia casado. O segundo em nascimento, Michael, fora para a Escócia. Sentia
saudades, mesmo que vivessem a importuná-la sem cessar.
Quase pensara em pedir ajuda a um deles, mas desistira da ideia. Se Michael ou James viessem
à Irlanda, matariam Hugh sem pensar duas vezes. O pai era a melhor escolha, pois poderia
terminar com o noivado sem qualquer derramamento de sangue.
— Venha — disse Bevan, arrumando cuidadosamente a capa. — Padre O'Brian nos arranjou
dois cavalos.
Genevieve se sentou devagar, contendo um grito por causa das costelas doloridas. Tudo doía,
até a parte de trás da cabeça.
Não pararam para o desjejum, apenas se despediram do padre O'Brian.
E partiram. Lá fora, grossos flocos de neve continuavam a cair, cobrindo chão com uma
camada de imaculado branco. O sol ainda não havia surgido, mas uma leve luz no oeste tornava o
céu lavanda em contraste com a sombra cinza do amanhecer.
Bevan a escarranchou sobre uma égua castanha, montando atrás dela na sela, enquanto Ewan
cavalgava um rocim preto. Genevieve mascarava a dor nas costelas, recusando-se a mostrar
qualquer sinal de fraqueza. Nada poderia ser feito, e ela não queria retardar a fuga.
Com um rincho para a égua, Bevan colocou o animal para trotar pelos campos. Quando mal
se via a igreja, Bevan aumentou o passo para um galope. Genevieve trincou os dentes, lutando
contra a forte dor nas costelas.
Seus olhos miravam o horizonte, procurando por algum sinal dos homens de Sir Hugh.
Desejava uma floresta, ou alguma maneira de se esconderem. Cavalgar pelos campos abertos os
tornava alvo fácil para um arqueiro.
A neve continuava a cair, cobrindo seus rastros. Às costas, ela sentia o calor do corpo de
Bevan. A maneira rude e a força sólida a intimidavam. Embora compreendesse a necessidade de
compartilharem um cavalo, Genevieve se chegava para a frente, tentando não deixar que os
corpos se tocassem. A posição fazia suas costelas arderem com o esforço, mas os ferimentos de
Bevan eram muito mais graves. Não queria lhe causar mais desconforto.
Após breve intervalo, Bevan mudou de direção. Ewan o acompanhou, emparelhando o cavalo
com o deles.
— Este não é o caminho mais rápido — ele protestou.
— Fique quieto. — Bevan olhou para trás e incitou a égua a ir mais rápido. Genevieve
percebeu que seguiam em direção à costa, ligeiramente ao sul de Rionallís.
Seus dedos agarraram a crina da égua e ela se perguntava o que Bevan estava fazendo. Ele
mudou o rumo mais uma vez, descendo o terreno. Genevieve agora via Rionallís, bem além do
mar. Abaixo deles, pequenos barcos de pesca balançavam na água. Bevan os conduziu na direção
dos barcos.
Naquele princípio de manhã, o mar refletia o céu nublado. Um aroma pungente e salgado
preencheu as narinas de Genevieve quando se aproximaram. O grito das gaivotas ecoava no
silêncio da manhã enquanto os pássaros se lançavam à procura de peixes.
A costa rochosa guardava um toque de geada, mas não havia neve cobrindo as areias.
Pescadores carregavam suas redes em pequenas embarcações, conversando com voz abafada.
Bevan desmontou e se aproximou de um dos pescadores, apontando para o barco.
Depois de uma longa conversa, Bevan entregou prata a ele. O pescador recolheu suas coisas e
deixou o pequeno barco, resmungando baixinho.
Genevieve não compreendia por que ele queria o barco. Era muito mais rápido viajar a cavalo.
Onde ele planejava ir?
Bevan chamou com um gesto e ela se aproximou, segurando a mão dele para entrar na
pequena embarcação de madeira. O pescador levou os dois cavalos embora.
— Fique abaixada. — Bevan empurrou os ombros dela para trás para que ficasse encostada no
fundo do barco. Genevieve obedeceu, mas o movimento ondulante fazia seu estômago revirar.
— Por onde estamos indo? — ela perguntou. Genevieve não recebeu resposta, então conteve a
língua. Olhou para trás, imaginando se Bevan tinha visto alguém a segui-los. Embora a neve que
caía continuasse a cobrir seus rastros, Genevieve não acreditou nem por um segundo que Hugh a
deixaria escapar. Em algum lugar, homens estavam à sua procura.
Apoiou a cabeça na madeira úmida, observando os homens. Os músculos dos braços de
Bevan se contraíam ao remar, e ela não deixou de notar um súbito esgar. Ele empurrava os remos
na água sem qualquer esforço, embora isso lhe causasse dor. Depois de um breve instante,
desfraldaram a vela e ajustaram o curso.
Genevieve o observava remar, flocos de neve agarrando-se aos cílios e ao rosto dele. Os olhos
verdes relancearam para os dela por um momento, e dentro deles Genevieve viu um grande
vazio. Bevan voltou o olhar para a paisagem, como se procurasse por algo.
— O que é? — ela murmurou.
— Meus homens. Acho que não conseguiram evitar os normandos.
— Você não pode saber com certeza — ela comentou, mas Bevan meneou a cabeça.
— Já teríamos nos encontrado com eles a esta altura.
Genevieve arriscou olhar para terra firme. Nuvens de neve obscureciam a costa, e o mar
cercava o diminuto barco. A água era verde-escura, quase preta. Queria assegurar a Bevan que ele
poderia voltar, que poderia resgatar seus homens. Mas se ele assim fizesse, mais dos soldados de
seu pai morreriam.
Por isso, preferiu mudar de assunto.
— Não me disse para ondeestamos indo.
Ewan ajustava uma das velas, amarrando a corda enquanto o vento a inflava.
— Ennisleigh — ele respondeu. Seu rosto demonstrava orgulho.
— Onde é isso?
— É uma fortaleza insular que pertence ao nosso irmão mais velho, Patrick. Não poderão nos
rastrear pela água — foi tudo o que Bevan disse.
Um leve sorriso curvou os lábios de Genevieve. A esta hora da manhã, ninguém os procuraria
pela costa. A neve tornava o barco quase invisível, encoberto pelo forte nevoeiro.
Ela se reacomodou no oscilante barco, observando a neve flutuar ao sabor do vento. Depois
de quase uma hora, viu gaivotas planando no ar.
A vela foi recolhida, e logo o barco raspava o chão. Ewan pulou do barco nas rochas, evitando
a água. Bevan pisou diretamente no mar, erguendo Genevieve nos braços para que seus pés não
tocassem a água. Colocou-a na praia, parecendo alheio ao frio. Os pés dele deviam estar
congelando. Bevan e Ewan puxaram o barco para a areia.
Genevieve aproveitou o momento para olhar ao redor. Tinham chegado a uma ilhota além da
costa, com uma imponente fortaleza circular.
— É aqui que você mora?
Bevan meneou a cabeça.
— Mas paramos aqui para descansar. Eu a deixarei aqui até lhe arranjar uma escolta.
Genevieve refreou a língua, nada contente com a ideia de ser deixada sozinha.
— E você?
— Reunirei mais soldados para retomar o ataque a Rionallís. Preciso resgatar meus homens.
— Por que abandonou Rionallís, afinal? — ela perguntou. — Quando os homens de meu pai
chegaram na última primavera, ninguém reclamou a fortaleza. — O lugar estava completamente
negligenciado quando Genevieve chegou lá. O salão não era limpo há meses, e camadas de
comida estragada e sujeira cobriam os juncos. Nenhuma das pessoas que viviam dentro da
paliçada havia colocado um pé dentro da habitação.
A expressão de Bevan era dura, insondável.
— Dei ordens para que ninguém entrasse em minha casa. Minha gente obedeceu. Sabiam que
eu voltaria para proteger o que me pertence. Especialmente dos Gaillabh.
— Sou um dos estrangeiros — ela salientou. — E Rionallís agora pertence ao meu pai. É parte
de meu dote.
— Um dote roubado.
Genevieve não sabia o que dizer. Mesmo que tivesse o poder de lhe devolver as terras, uma
parte sua não queria se desfazer delas. Gastara dias e dias limpando a fortaleza, ajudando os
soldados a reparar a paliçada. E neste meio tempo começara a considerar o lugar como seu. Às
vezes, à noite, subia à casa da guarda para ver a lua iluminar os campos.
— É um belo lugar — ela disse por fim. — Meu pai jurou ao rei Henrique manter a
propriedade a salvo.
Os olhos de Bevan escureceram enquanto ele subia a trilha que levava à fortaleza. Em seu
semblante, Geneviève via um homem preparado para declarar guerra à sua família. E, pior, ela
compreendia o motivo.
— Não podemos chegar a um acordo? — ela sugeriu.
— Não haverá acordo. A terra me pertence.
— Eu libertei vocês dois — ela argumentou. — Será que suas vidas não valem um trato de paz
entre nós?
— Arranjarei uma escolta que a leve de volta à Inglaterra — ele disse. — Então minha dívida
estará paga. Depois disso, não lhe deverei mais nada.
O tom frio na voz de Bevan a calou. Genevieve olhou para a água cinzenta lá atrás. Seus
temores aumentaram ao imaginar Bevan lutando contra seu pai. Era o que aconteceria, a não ser
que ela encontrasse uma saída.
Os sapatos pouco a protegiam das pedras duras da base da ilha, mas Genevieve continuou
subindo, ignorando a dor nas costelas. Bevan não fazia queixas, embora tivesse tropeçado uma
vez e levado a mão ao ombro.
Que tipo de homem ele era? Não se vestia como nobre, mas a perícia com a espada e a
Que tipo de homem ele era? Não se vestia como nobre, mas a perícia com a espada e a
inquestionável liderança tornavam isto uma possibilidade. Contudo, as roupas simples e
comportamento estoico permitiriam que ele se passasse facilmente por um plebeu. Um guerreiro,
ela concluiu. Um homem feroz, com forte senso de justiça.
A neve rodopiava mais forte, mas logo alcançaram a entrada. Os homens ali cumprimentaram
Bevan pelo nome, saudando-o com um respeitoso gesto de cabeça. Genevieve tentou contar o
número de componentes da tribo, mas havia muitos. Isso a deixou aflita, sabendo que havia
tantos a disposição para atacar Rionallís e sua família.
Seguiu Bevan para dentro, para um cômodo com um fogo brilhante ardendo na lareira.
Genevieve se aproximou de lá, aquecendo as mãos. Um servo lhes trouxe comida e bebida, e ela
comeu avidamente. Ewan fez o mesmo, mas Genevieve notou que Bevan não compartilhava do
hidromel e do pão.
Ele tirou a capa e sentou-se, fechando os olhos por um momento. A postura permanecia
ereta, mas Genevieve podia notar os sinais de exaustão. Ela pegou um pedaço de pão e o levou
para ele.
— Deve comer alguma coisa.
— Não preciso de nada.
A voz soava áspera, o rosto parecia fatigado. Uma mecha do cabelo escuro lhe caía sobre os
olhos, que faiscavam de dor.
— Precisa deitar e descansar. Sua ferida deve estar doendo. E você precisa aquecer seus pés
por causa da água do mar.
— Estou bem.
Por impulso, Genevieve tocou a testa de Bevan. A pele parecia quente e febril.
— Deixe-me em paz, Genevieve — ele disse.
Homem teimoso. A ferida provavelmente estava infeccionada. Os sinais eram visíveis.
Contudo, ele era do tipo de soldado que se recusava a admitir um pingo de vulnerabilidade.
— Você salvou minha vida — ela disse, a voz quase um sussurro. — E eu salvei a sua. Mas
você não teria este ferimento se não fosse por mim. Deixe-me cuidar disso. Não direi nada ao seu
irmão ou aos seus homens. Diga a eles que me levará para um quarto onde eu possa descansar.
Bevan segurou o pulso dela, detendo-a.
— Não preciso de ama-seca, tampouco pedi sua ajuda.
Genevieve o ignorou. Em voz alta, ela disse:
— Então? Não há lugar nesta fortaleza onde eu possa descansar?
Ewan parecia pouco à vontade, mas um homem barbudo de meia-idade se adiantou. Algum
tipo de mordomo, adivinhou Genevieve, a julgar pelo largo aro de chaves preso à cintura. Ele
curvou a cabeça para Genevieve:
— Com sua permissão, Bevan, eu a levarei a um dos quartos.
— Eu levo a dama ao quarto — disse Bevan, levantando-se. Olhou zangado para Genevieve,
mas ela o ignorou.
— Gostaria de um pouco de água quente e panos limpos para tirar a sujeira — ela disse ao
mordomo. — Mande-os lá para cima, por favor.
O mordomo inclinou a cabeça. Genevieve achou a escada em curva que levava ao andar de
cima, e Bevan a seguiu. A fortaleza não era grande, e demonstrava sinais de reparos recentes no
telhado. Ao longo das paredes havia armas de todos os tipos. Algumas pareciam decorativas,
enquanto outras revelavam cortes e evidências de batalha.
— Por que me desafia? — ele perguntou, baixinho.
— Você está sendo idiota. A ferida pode estar infeccionada com o sangue ruim.
Bevan se pôs diante dela, cruzando os braços.
— Não pretendo desistir do ataque a Rionallís, se é o que está pensando.
— Não. Isso seria demonstrar uma sabedoria que você não tem — ela rebateu.
— O que você está fazendo é ainda mais idiota — ele alertou. — Eu disse que não quero sua
ajuda.
Genevieve entrou num pequeno cômodo contendo uma cama. A lareira abrigava apenas
cinzas frias. Havia uma cadeira e uma mesa junto a uma das paredes.
— Sente-se — ela ordenou, quando se inclinava para acender o fogo. Cum o movimento, as
costelas doeram. Genevieve ignorou a dor, concentrando-se na tarefa. Em minutos havia uma
pequena chama ardendo.
Olhando para trás, viu que Bevan a observava. Ele tentava manter a expressão neutra, mas ela
podia ver a dor não-manifesta. Isso a recordava dos irmãos mais velhos, quando não queriam
admitir um ferimento do campo de treinamento.
Uma batida soou à porta e, ao atender, Genevieve viu o mordomo segurando uma bacia
d'água e linho limpo. Genevieve agradeceu e fechou a porta.
Bevan continuou de pé, mesmo com ela segurando a água e o linho para trocar as bandagens.
O olhar raivoso em seu rosto a intimidava. A nova cicatriz na face se contorceu.
Ele se aproximou dela tão rápido que Genevieveencolheu-se, cobrindo o rosto por instinto.
Um instante depois, ela baixava os braços, o rosto inundado de vergonha.
— Não bato em mulheres — ele disse, o tom mais gentil. Genevieve ficou rígida, odiando-se
por aquele momento de fraqueza.
— Eu sei. — Ela se ocupou com o linho, tentando recuperar a compostura. — Eu... você...
você me assustou.
Bevan se aproximou com deliberada lentidão, os dedos tocando de leve o lado lesionado da
bochecha.
— Só um covarde ergueria os punhos contra uma mulher. Só alguém com necessidade de se
testar.
Genevieve engoliu em seco e assentiu.
— Sim. — O leve toque fez o rosto dela corar. De repente, ela quis desvanecer-se, fugir
daquele olhar penetrante.
— Sente e deixe-me trocar sua bandagem — ela disse. Para sua surpresa, Bevan obedeceu.
As mãos de Bevan agarraram os braços da cadeira quando Genevieve colocou a bacia sobre a
mesa. A tensão permeava cada músculo do corpo dele, e ela temeu lhe causar mais dor, apesar do
desejo de ser gentil.
Viu que precisaria desafivelar o cinto. Bevan cerrou os punhos antes mesmo que ela lhe
puxasse a túnica pela cabeça, mas não emitiu qualquer som.
Embora tivesse visto o peito dele na noite anterior, a intimidade de tocar a pele nua a deixava
trêmula. Músculos fortes, formados por anos de treinamento, contraíram-se sob suas palmas. A
pele quente guardava a cor bronzeada pelo sol de verão, e Genevieve o imaginou no campo de
treinamento sem a túnica. Sulcos profundos lhe moldavam os músculos do tórax.
A ferida no ombro estava inchada, uma mancha roxo-escura se formando redor da carne
aberta. Ela tocou delicadamente à beira da ferida e Bevan se encolheu. Por todos os santos! Não
sabia como ele tinha conseguido ir tão longe sem desmaiar! Mas os pontos estavam firmes, apesar
da jornada.
Genevieve limpou o sangue seco com o linho, tentando não lhe causar desconforto. Dando
uma rápida olhada ao redor do quarto, viu grandes teias de aranha, seus fios cintilando à fraca luz
do fogo. Genevieve foi até um canto, esticou-se e apanhou um bocado do material grudento.
Manteve um pano sobre a ferida, para tirar o excesso de sangue, antes de enrolar o ombro
dele com as teias. Já havia testemunhado seus poderes curativos e sabia que ajudariam na
regeneração da carne. Por fim, enfaixou o ombro dele num linho limpo.
— Isso precisa de um cataplasma — ela disse. — Pedirei ao mordomo as ervas de que preciso.
Bevan não disse nada, o rosto tenso de dor. Genevieve se ajoelhou e lhe tirou as botas,
desnudando seus pés. Então os apoiou no colo e massageou a pele fria.
Nunca tocara o pé de um homem antes. O gesto parecia estranhamente íntimo. Os pés dele
eram ásperos, e Genevieve deslizava os dedos pela pele, tentando lhe recuperar a sensibilidade.
Esfregou as panturrilhas firmes e fortes, prosseguindo com o movimento até readquirirem cor.
— Lamento que tenha sofrido por minha causa — ela murmurou.
— A dor faz parte da batalha. Estou acostumado com isso.
O rosto dele se contraiu e Genevieve adivinhou que parte de suas práticas começava a
funcionar.
— Venha. — Genevieve o ajudou a ir para a cama. — Deite-se e descanse. — Afastou a
coberta da cama e acomodou a cabeça dele num travesseiro. A pele de Bevan ainda estava muito
quente ao toque, deixando-a preocupada com a febre.
— Muito obrigado — ele disse, que então fechou os olhos. Genevieve levou a palma da mão à
testa dele.
— Agora durma.
Observou o torso nu, verificando se havia outros cortes. Não viu nenhum. Percebeu-se
comparando Bevan com o noivo. Diferente de Bevan, a pele de Hugh era pálida, da cor de uma
massa crua. Genevieve estremeceu só de pensar.
Sentou-se diante do fogo, fitando seu calor tremeluzente. Seus olhos notaram a velha
bandagem sobre a mesa, manchada de sangue.
Não havia como voltar atrás agora. Nunca deixaria que Hugh Marstowe se aproximasse dela
novamente.
Genevieve ficou junto de Bevan a noite inteira, embora tivesse revelado ao mordomo sobre os
ferimentos dele. O homem foi solícito e arranjou as ervas que pedira. Ela fez um emplastro com
confrei e outras raízes que ajudariam a curar a ferida.
O céu se tornara escuro, por isso Genevieve fechou as venezianas. O fogo na lareira trazia um
pouco de calor para dentro do pequeno quarto, mas mesmo assim ela tremia. Sentou-se na cama
ao lado de Bevan, tentando fazer com que ele tomasse o chá feito de casca de salgueiro. Ele se
debatia dormindo, a pele ardendo ao toque. Genevieve lhe esfregava a testa com panos úmidos,
mas geralmente precisava segurá-lo para conter sua agitação.
Por fim, ele agarrou a cintura de Genevieve e a puxou. Ela relutou, mas a força dele
sobrepujava a dela, mesmo com o ferimento. Só quando Genevieve se deitou ao lado dele foi que
Bevan se acalmou. As mãos se enroscaram nos cabelos dela, então ele dormiu.
Genevieve não conseguiria se livrar sem lutar, por isso acabou desistindo depois de um
tempo. Se sua presença lhe trazia conforto, que assim fosse. Era um pequeno preço a pagar por
ter escapado de Hugh.
As horas da noite se estendiam, o congelante ar de inverno envolvendo-os. O parco fogo
pouco a aquecia, então Genevieve se aconchegou ao corpo de Bevan. Por fim, sucumbiu ao sono.
Bevan sonhava com Fiona, com sua pele branca como leite, macia como as primeiras flores de
primavera. Os cabelos pretos se enlaçavam em seus dedos enquanto ele traçava os contornos de
seu rosto. A outra mão deslizava sobre ela, até alcançar os seios. Pareciam mais cheios do que em
suas lembranças, mas era bom ter sua esposa nos braços novamente.
Seu corpo enrijeceu ao puxar o traseiro dela contra si. Pelo deus Lug! Como sentia falta de
Fiona! Queria rolar sobre ela e afundar-se em seu corpo, amando-a até que seus corpos
tremessem em êxtase.
Uma dor intensa ardia no ombro, mas Bevan se recusava a pensar nisso, dando toda sua
atenção à esposa. Ele a trouxe ainda mais perto e lhe capturou os lábios com os seus.
Misteriosos e doces, como ele lembrava. Ouviu Fiona emitir um gemido mudo, então lhe
acariciou a maciez da nuca, saboreando a boca como se fosse a primeira vez.
— A chroí — ele murmurou, pois ela era seu coração, sua alma. Nos recantos da mente,
Bevan sabia que havia algo errado, mas se esqueceu disso quando seus lábios encontraram os dela
outra vez. — Não se vá — murmurou.
Bevan a puxou para seus braços e ouviu o som do choro dela. Com o polegar, tentou lhe secar
as lágrimas.
— Bevan... pare — ela murmurou. As mãos o empurravam, o afastavam. Por quê? Saboreou
os lábios dela mais uma vez.
— Deixe-me amar você, Fiona. Deixe-me dar outro filho.
— Não! — Ela se empenhava mais desta vez, lutando para se afastar dele. — Solte-me!
As mãos dele pararam e, na obscura neblina de seu sonho, Bevan viu a esposa abandonando-
o. Ela não o amava. Ela não queria seu toque. Rolando para o lado, soltou Fiona, sentindo um
aperto na garganta.
— Você estava sonhando. Agora descanse. — Um pano úmido tocou sua testa e ele fechou os
olhos. — Durma.
Genevieve puxou a cadeira para perto do fogo, seu corpo tremendo de medo. Sabia que Bevan
estava sonhando. Sabia que estava pensando em uma mulher.
Mas quando a mão de Bevan lhe acariciou o seio, sensações tinham ganhado vida dentro dela.
Eram sensações aterradoras, diferentes da dor que Hugh causava. O toque de Bevan fez com que
Genevieve revivesse aqueles momentos, mesmo assim sentira prazer. Estava prestes a empurrá-lo
quando ele a beijou.
Bom Deus! Não sabia o que fazer! Bevan tinha murmurado palavras Carinhosas, palavras de
amor, fazendo com que sentisse um desejo desconhecido. Hugh nunca a beijava com amor ou
compaixão. Só havia degradação em seu abraço.
Mas isto...
Bevan usara a língua, idolatrando sua boca. Genevieve levou a mão ao seio, onde o bico ainda
estava rígido e aparente. A enormidade de seu desejo tornara afastar-se dele a coisa mais difícil
do mundo.
Mas ele não sonhava com ela. Não a tocava ou chamava seu nome. Era Outra. A febre fizera
com que ele perdesse a noção de onde estava.
Contudo Genevieve desejava ter conhecido amor assim. Houve um tempo em

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