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1 Introdução 2 Classifi cação 3 Estrutura dos vírions 3.1 O genoma 4 Replicação 5 Retrovírus de interesse veterinário 5.1 Vírus da leucose bovina 5.1.1 Epidemiologia 5.1.2 Patogenia, sinais clínicos, patologia e imunidade 5.1.3 Diagnóstico 5.1.4 Profi laxia e controle 5.2 Vírus da imunodefi ciência bovina 5.2.1 Epidemiologia 5.2.2 Patogenia, sinais clínicos, patologia e imunidade 5.2.3 Diagnóstico e controle 5.3 Vírus da pneumonia progressiva dos ovinos (Maedi-Visna) 5.3.1 Epidemiologia 5.3.2 Patogenia, sinais clínicos, patologia e imunidade 5.3.3 Diagnóstico e controle 5.4 Vírus da artrite-encefalite caprina 5.4.1 Epidemiologia 5.4.2 Patogenia, sinais clínicos, patologia e imunidade 5.4.3 Diagnóstico e controle 5.5 Vírus da adenomatose pulmonar dos ovinos 5.5.1 Epidemiologia 5.5.2 Patogenia, sinais clínicos, patologia e imunidade 5.5.3 Diagnóstico e controle RETROVIRIDAE Ana Paula Ravazzolo & Ubirajara Maciel da Costa 31 811 811 811 812 815 819 819 819 820 821 822 823 823 824 824 824 824 825 825 826 826 827 827 828 828 828 829 5.6 Vírus da anemia infecciosa eqüina 5.6.1 Epidemiologia 5.6.2 Patogenia, sinais clínicos, patologia e imunidade 5.6.3 Diagnóstico e controle 5.7 Vírus da leucemia felina 5.7.1 Epidemiologia 5.7.2 Patogenia, sinais clínicos, patologia e imunidade 5.7.3 Diagnóstico e controle 5.8 Vírus da imunodefi ciência felina 5.8.1 Epidemiologia 5.8.2 Patogenia, sinais clínicos, patologia e imunidade 5.8.3 Diagnóstico 5.8.4 Controle e profi laxia 5.9 Vírus da leucose aviária 5.9.1 Epidemiologia 5.9.2 Patogenia, sinais clínicos, patologia e imunidade 5.9.3 Diagnóstico e controle 6 Bibliografi a consultada 829 829 830 830 831 831 832 832 833 833 834 834 835 835 835 836 836 836 1 Introdução A família Retroviridae é composta por um grande número de vírus que podem ser encontra- dos em, virtualmente, todos os vertebrados. Os retrovírus possuem vírions envelopados e apre- sentam duas moléculas idênticas de RNA de fi ta simples linear como genoma. Os membros dessa família são assim denominados por possuírem uma enzima capaz de sintetizar uma molécula de DNA pela transcrição do seu genoma, mecanismo chamado de transcrição reversa. A enzima que cataliza esta reação – a transcriptase reversa (RT) – é um componente dos vírions e possui, ainda, outras atividades essenciais para a replicação vi- ral. A etapa de transcrição reversa se constitui no evento central da multiplicação dos retrovírus. O ciclo replicativo dos retrovírus envolve também uma etapa de integração da cópia DNA do seu ácido nucléico no genoma da célula hospedeira, etapa essencial para a expressão gênica e para a produção de progênie viral. Esse evento faz com que as infecções pelos retrovírus assumam um caráter persistente, ou seja, uma vez infectados, os hospedeiros se tornam portadores do agente pelo resto da vida. Alguns retrovírus também têm sido descritos como indutores de tumores em humanos e animais. Os retrovírus foram responsáveis por dois marcos importantes nas Ciências Biológicas, am- bos relacionados com a descrição da enzima RT – DNA polimerase dependente de RNA – por Howard Temin, em 1970, que lhe valeu o prêmio Nobel. O primeiro refere-se à quebra de um para- digma: até então se acreditava que a transcrição só ocorria de DNA para RNA. O segundo, basea- do justamente nesta característica, proporcionou grandes avanços na Biologia Molecular, pela uti- lização de enzimas com essa propriedade na ob- tenção de DNA complementar (cDNA) aos RNA mensageiros (mRNA). Os retrovírus podem ser encontrados em praticamente todas as espécies de animais do- mésticos, com signifi cado clínico e sanitário va- riáveis. Dentre os retrovírus de importância vete- rinária, destacam-se o vírus da anemia infecciosa eqüina (EIAV), o vírus da leucose bovina (BLV), o Maedi-Visna de ovinos, o vírus da artrite e en- cefalite caprina (CAEV), os vírus da leucemia (FeLV) e imunodefi ciência felina (FIV) e o vírus da leucose aviária (ALV), entre outros. Nas duas últimas décadas, um número ex- pressivo de pesquisas relacionadas aos retrovírus foi publicado, pesquisas essas motivadas a partir da identifi cação e da importância adquirida pelo vírus da imunodefi ciência humana (HIV). Esse vírus foi classifi cado no gênero Lentivirus, em função de sua similaridade com o vírus Maedi- Visna. Além de sua importância como patógenos de animais, vários lentivírus têm sido também estudados como modelos para o HIV, em estudos de patogenia e na pesquisa e desenvolvimento de drogas antivirais e vacinas. O BLV, que é um Deltaretrovirus, também tem sido utilizado como modelo para o vírus da leucemia dos linfócitos T de humanos (HTLV). Neste capítulo, serão abordados aspectos re- lacionados aos principais retrovírus de animais domésticos, com ênfase naqueles de maior im- portância em nosso meio. 2 Classifi cação Segundo o Comitê Internacional de Taxono- mia Viral (International Comittee of Viral Taxonomy – ICTV), a família Retroviridae está dividida em duas subfamílias, sendo cada subfamília dividida em gêneros (Tabela 31.1). A divisão em subfamí- lias baseia-se mais em propriedades patogênicas do que em critérios moleculares. A análise de ho- mologia de nucleotídeos, estrutura e organização genômica permite a divisão em grupos. A maio- ria dos retrovírus de importância em veterinária está classifi cada na subfamília Orthoretrovirinae; na subfamília Spumaretrovirinae, os Spumavirus ainda não foram associados com doenças. 3 Estrutura dos vírions Os vírions dos retrovírus contêm duas mo- léculas idênticas de RNA de fi ta simples, polari- dade positiva, com aproximadamente 10 kb cada. Nesse sentido, são os únicos vírus animais a pos- suírem duas cópias do genoma nos vírions e, por isso, são ditos diplóides. O genoma viral encontra- 812 Capítulo 31 se altamente condensado e associado com múlti- plas cópias da nucleoproteína (NC), formando o núcleo ou core. Neste núcleo também estão pre- sentes algumas proteínas que desempenham fun- ções catalíticas durante a replicação: a protease (PR), a RT e a integrase (IN). Esse complexo está contido em um capsídeo de forma esférica ou cô- nica, formado pela associação de cópias múltiplas da proteína do capsídeo (CA). O nucleocapsídeo (core + capsídeo) é revestido externamente por uma camada formada por centenas ou milhares de cópias da proteína da matriz (MA). Essa cama- da é recoberta por um envelope lipoprotéico, no qual se encontram as duas glicoproteínas virais, a transmembrana (TM) e a de superfície (SU). A TM é uma proteína integral de membrana, ou seja, apresenta uma região transmembrana; a SU está localizada externamente no vírion, associa- da de forma não-covalente com a região externa da TM. As partículas víricas dos retrovírus são liberadas das células infectadas ainda imaturas. A maturação ocorre no meio extracelular, pela clivagem dos precursores protéicos e rearranjos estruturais nas estruturas víricas internas, o que resulta em mudanças na aparência dos vírions sob microscopia eletrônica. As partículas madu- ras dos retrovírus são, aproximadamente, esféri- cas e possuem um diâmetro que varia entre 80 e 120 nm para os diferentes vírus. A Figura 31.1 apresenta uma fotografi a de microscopia eletrô- nica e uma ilustração esquemática de partículas víricas dos retrovírus. 3.1 O genoma O genoma RNA dos membros da família Retroviridae possui entre sete e 13 kb, dependen- do do vírus, e contém três genes principais: gag, pol e env. O gene do antígeno específi co de grupo (group antigen – gag) codifi ca as proteínas MA, a NC e a CA. O gene pol codifi ca as enzimas RT, IN e PR. O gene env codifi ca as proteínas do enve- lope (TM e SU). As proteínas Gag, Pol e Env são sintetizadas como poliproteínas precursoras e são clivadas somente na fase fi nal do ciclo, durante o egresso e mesmo após, dando origemàs pro- teínas individuais. A Figura 31.2 apresenta uma ilustração da estrutura e organização do genoma dos lentivírus de pequenos ruminantes (SRLV), e a Figura 31.3 apresenta uma comparação da estrutura e organização genômica (provírus) de diferentes retrovírus. Orthoretrovirinae Subfamília Gênero Espécie viral Alpharetrovirus Vírus da leucose aviária (ALV) Jaagsiekte (JSRV; adenocarcinoma ovino) Gamaretrovirus Vírus da leucemia felina (FeLV) Deltaretrovirus Vírus da leucose bovina (BLV) Epsilonretrovirus Nenhum associado com doença animal Betaretrovirus Vírus da imunodeficiência bovina (BIV) Vírus da anemia infecciosa eqüina (EIAV) Vírus da imunodeficiência felina (FIV) Vírus da artrite encefalite caprina (CAEV) Vírus Maedi Visna dos ovinos (MVV) Lentivirus Spumaretrovirinae Spumavirus Nenhum associado com doença animal Tabela 31.1.Vírusda família de importânciaemMedicinaVeterinária.Retroviridae Retroviridae 813 Figura 31.1. Vírions da família . A) Fotografia de microscopia eletrônica de partículas do HIV; B) Ilustraçăo esquemática de um vírion mostrando os seus componentes. RNA: genoma; NC: proteína do nucleocapsídeo; CA: capsídeo; MA: matriz; IN: integrase; RT: transcriptase reversa; PR: protease; TM: glicoproteína transmembrana; SU:glicoproteína desuperfície,ENV:envelope. Retroviridae A B SU ENV TM RT IN CA NC MA RNA PR Fonte: A) Dept. Microbiologia, University of Otaga, Nova Zelândia. ICTVdB. env pol LTR gag rev LTR tat vif gp160 Env TMSU gp 135 gp 45 .Gag-pol INPR p12 p29RT p66/p51 P55 Gag NC CA MA p16 p25 p14 AAAACap Figura 31.2. Organizaç o do genoma e do provírus DNA dos lentivírus de pequenos ruminantes (SRLV ou CAEV e MVV), com as proteínas codificadas. LTR: regi o repetida terminal. Genes: gag (antígenos específicos de grupo); pro (protease); pol (polimerase); env (envelope). Proteínas: MA: proteína da matriz; CA: proteína do capsídeo; NC: proteína do nucleocapsídeo; RT: transcriptase reversa; IN: integrase; PR: protease; TM: proteína transmembrana; SU: glicoproteína de superfície. Os produtos dos genes tat, vif e rev s o proteínas acessórias com funç es regulatórias.Os númerosabaixode cadaproteínareferem-se àrespectivamassamolecular. ã ã ã õ 814 Capítulo 31 Figura 31.3 Estrutura comparativa do genoma de diferentes retrovírus de animais domésticos. ALV: vírus da leucose aviária; BLV: vírus da leucose bovina; FeLV: vírusda leucemia felina; CAEV: vírus da artrite-encefalite caprina; EIAV: vírus da anemia infecciosa eqüina; BIV: vírus da imunodeficiência bovina; FIV: vírus da imunodeficiência felina; LTR: regiăo repetida terminal. Genes gag (antígenos específicos de grupo); pro (protease); pol (polimerase); env (envelope).Genesacessórios: tax, rex, rev, vif, tat etc. LTR LTR LTR LTR LTR LTR LTR LTR LTR LTR LTR LTR LTR LTR gag gag gag gag gag gag gag pro pro pol pol pol pol pol pol pol env env env env env env env .tax .rex vif tat tat rev rev rev .tat rev S2 ALV BLV FeLV CAEV EIAV BIV FIV Vif A w y Vif Retroviridae 815 O RNA genômico é produzido pela trans- crição do provírus integrado no cromossomo da célula hospedeira, reação que é catalisada pela maquinaria celular de transcrição. Por isso, o ge- noma viral contém uma estrutura cap em sua ex- tremidade 5’ e uma cauda poli-A na extremidade 3’. O genoma possui seqüências envolvidas na expressão gênica e na replicação, localizadas pró- ximas às extremidades: as regiões R (de repetida) e U5 (única da extremidade 5’) estão próximas à extremidade 5’; as seqüências R e U3 se localizam próximas à extremidade 3’. O processo de trans- crição reversa resulta na duplicação das regiões únicas (U5 e U3), o que faz com que a molécula de DNA resultante – denominada provírus – conte- nha seqüências idênticas nas duas extremidades, as regiões longas terminais (Long Terminal Repeat, LTR). Cada LTR apresenta as seguintes seqüên- cias, nesta ordem: U3-R-U5. Na região U3, estão localizadas as principais seqüências de ligação para os fatores de transcrição, enquanto o início da região R corresponde ao início da transcrição. Essas seqüências são necessárias para a transcri- ção do provírus, que somente ocorre após a sua integração ao genoma da célula hospedeira. Alguns retrovírus, incluindo os lentivírus, possuem genes adicionais, denominados acessó- rios ou auxiliares. Esses vírus são denominados retrovírus complexos, enquanto aqueles que não possuem estes genes são denominados retrovírus simples. Os produtos desses genes participam da regulação de diversas etapas da replicação viral. O HIV parece conter o maior número de genes acessórios. Três desses genes foram igualmente descritos em lentivírus de animais: os genes tat, rev e vif. O gene tat não parece ser essencial, en- quanto a deleção do gene rev impede a produção de progênie viral. A função da proteína Rev con- siste em facilitar a exportação de determinados mRNA virais do núcleo para o citoplasma, onde serão traduzidos. Esses mRNAs contêm uma se- qüência para a ligação da Rev (RRE – rev respon- sive element) localizada na região central do gene env. 4 Replicação O ciclo replicativo dos retrovírus pode ser dividido em duas fases. A primeira fase, que ocor- re após a penetração e desnudamento, envolve a síntese de uma cópia DNA (provírus) a partir do genoma RNA, transporte do provírus até o inte- rior do núcleo e a sua integração no cromossomo da célula hospedeira. Uma parte dessas etapas ocorre no citoplasma; e a outra parte, no núcleo, e são mediadas por proteínas presentes nos ví- rions (RT, IN). A segunda fase envolve a síntese e processamento de mRNAs e síntese das proteí- nas virais. Essas etapas utilizam a maquinaria ce- lular de transcrição e processamento de mRNAs e de síntese protéica, respectivamente. A morfo- gênese inicia pelo encapsidamento do genoma, juntamente com as enzimas virais, por precur- sores das proteínas estruturais. A morfogênese é completada pelo brotamento do nucleocapsídeo na membrana plasmática. O processamento fi nal dos precursores protéicos, dando origem às pro- teínas estruturais maduras, ocorre já no interior dos vírions extracelulares. A infecção inicia pelo reconhecimento e li- gação dos vírions à superfície das células-alvo. Este evento é mediado pela glicoproteína SU do envelope, que interage com receptores específi - cos da membrana plasmática. Vários receptores para retrovírus já foram identifi cados, incluindo os receptores para o FIV, FeLV e BLV. A maioria dos retrovírus infecta células do sistema imuno- lógico, como as células da linhagem monocítica/ macrofágica e/ou linfocítica. A etapa seguinte consiste na fusão do enve- lope viral com a membrana plasmática, processo que envolve interações da proteína TM com com- ponentes da membrana e que resulta na liberação do nucleocapsídeo no citoplasma. Essa fusão in- depende da redução de pH e ocorre na superfície da célula. Além do genoma e das proteínas NC e CA, o nucleocapsídeo contém algumas molécu- las das enzimas RT, IN e PR. A primeira etapa após a penetração e desnudamento do genoma é a síntese do DNA proviral – mecanismo deno- minado de transcrição reversa. O processo se inicia em uma seqüência denominada de sítio de liga- ção do primer (primer binding site, PBS), localizada próxima da região U5, onde ocorre a ligação de um RNA transportador (tRNA celular que está presente nos vírions). Inicialmente é sintetizada a fi ta de DNA complementar (cDNA), iniciando pela síntese das regiões U5 e R. O DNA de fi ta 816 Capítulo 31 simples recém-sintetizado desloca-se, então, para a extremidade 3’ (primeiro salto), ocorrendo o pareamento com a região R, e a síntese prossegue até a seqüência PBS. À medida que a transcrição avança, a fi ta de RNA é degradada pela atividade da ribonuclease H (RNAse H) da enzima RT, a qual é igualmente responsável pela liberação do primer de RNA, que possibilita a síntese da fi ta complementardo DNA proviral. A seguir, ocorre um segundo salto, com o pareamento da região PBS entre as duas fi tas, que culmina com a for- mação da molécula de DNA de fi ta dupla, deno- minada provírus. A atividade da enzima RT é parcialmente responsável pela variabilidade observada no ge- noma dos retrovírus. Essa enzima comete erros ao transcrever o RNA genômico em DNA, com uma freqüência de um em cada 103-104 nucleotí- deos incorporados. Isso equivale a uma mutação em cada novo genoma produzido, considerando- se que o genoma dos retrovírus apresenta apro- ximadamente 10.000 nt. Esta taxa de mutação é signifi cativamente maior, comparando-se com as enzimas de replicação do DNA celular, cuja fre- qüência de erros é estimada em um em cada 109. O provírus DNA de fi ta dupla é, então, transportado para o núcleo da célula, onde é in- serido no cromossomo celular pela atividade da IN. Essa enzima possui também atividade endo- nuclease, que é necessária para clivar o DNA ce- lular para a integração do provírus. A etapa de inserção resulta na incorporação defi nitiva de uma cópia do genoma viral (na forma de DNA) no cromossomo do hospedeiro e se constitui em uma etapa essencial para o prosseguimento do ciclo replicativo e produção de progênie viral. Após ser integrado no cromossomo da cé- lula hospedeira, o provírus DNA é transcrito pela RNA polimerase II e fatores de transcrição celulares para a síntese de mRNAs destinados à produção das proteínas virais. Os transcritos pri- mários originam duas classes de mRNA: mRNA subgenômicos e mRNAs com a extensão total do genoma. Os mRNA subgenômicos foram subme- tidos a processamento por splicing, exportados para o citoplasma, onde serão traduzidos nas proteínas do envelope (Env, que, após clivagem, dará origem às proteínas TM e SU) e nas proteí- nas acessórias (nos retrovírus que as possuem). Os mRNA com a extensão do genoma serão tra- duzidos nas proteínas gag e pol (precursoras das proteínas MA, NC e CA; e RT, IN e PR, respecti- vamente), e também serão encapsidados em nu- cleocapsídeos pela NC e CA. Ambas as classes de mRNAs possuem cap na extremidade 5’ e são po- liadeniladas na extremidade 3’. As etapas da re- plicação do genoma e a estrutura das moléculas intermediárias (provírus) estão apresentadas na Figura 31.4. As etapas tardias do ciclo, com o des- tino dos diferentes RNA transcritos a partir do AAAACap .gag pol env .gag pol env .gag pol env .gag pol env R R R R R R U5 U5 U5 U5 U5 U3 U3 U3 U3 U3 Transcrição reversa (1) Integração (2) Transcrição (3) Genoma Genoma Provírus Provírus Integrado DNA celular DNA celular AAAACap R RU5 U3 DNA RNA RNA DNA Figura 31.4. Etapas da replicação do genoma dos retrovírus e estrutura das moléculas intermediárias. O genoma é constituído por duas moléculas idênticas de RNA de fita simples com 5' cap e poliA. Próximo às extremidades, o genomapossui duas regiões repetidasR (5' e 3') e duas regiões únicas (U5 e U3). Entre essas regiões, localizam-se as seqüências codificantes: genes gag, pol e env. A primeira etapa da replicação é síntese do provírus DNA (molécula de DNA de fita dupla correspondente ao genoma) pela enzima viral transcriptase reversa (1). O provírus contém as regiões U3 e U5 duplicadas nas extremidades opostas e é integrado aos cromossomos celulares pela ação da enzima viral integrase (2). Após a integração, o provírus é transcrito pela RNA polimerase II celular (3), originandomRNAs idênticos ao genoma. EssesmRNAs servem para a tradução em proteínas e também constituem o RNA genômico para serem encapsidados na progênieviral. Retroviridae 817 provírus integrado e a morfogênese dos vírions estão apresentadas na Figura 31.5. A transcrição do genoma dos retrovírus que possuem genes acessórios (p. ex., os lentivírus), ocorre em duas fases: uma fase precoce, quando são transcritos os mRNA que codifi cam as prote- ínas envolvidas na regulação da replicação viral; uma fase tardia, em que ocorre a exportação do núcleo para o citoplasma mRNAs que serão tra- duzidos nas proteínas estruturais. LTRLTR Env (SU+TM) Splicing Exportação Tradução Tradução Núcleo Citoplasma Transcrição Cap gag gag pol pol AAAAA AA AAA AAAAA env env env env Gag (MA, CA, NC) Pol (PR, RT, IN) Sem splicing Figura 31.5. Etapas tardias da replicaçăo dos retrovírus. O provírus DNA integrado ao cromossomo celular é transcrito pela RNA pol II celular em toda a sua extensăo, gerando transcritos com cap e poli-A. Uma parte desses transcritos é exportada donúcleo sem sofrer e serve demRNApara a síntesedapoliproteínadogene gagedas proteínas do gene pol .A outra parte destesmRNAs, quenăo sofre processamento, é exportada do núcleo e servirá de RNA genômico. Em fases tardias do ciclo, uma populaçăo de transcritos sofre e serve de mRNA para a traduçăo em uma poliproteína (Env) que originará as glicoproteínas do envelope. Esta poliproteína é transportada para a membrana plasmática, onde as proteínas TM e SU săo geradas por clivagem e ficam associadas à membrana que dará origem ao envelope viral. As poliproteínas dos genes gag e pol săo transportadas para a membrana plasmática, onde interagem com o RNA genômico e com as caudas das glicoproteínas, membrana, resultando na formaçăo do nucleocapsídeo e brotamento das partículas víricas. A maturaçăo completa das proteínas precursoras ocorre empartículas víricas extracelulares. splicing splicing 818 Capítulo 31 A morfogênese é uma etapa pouco conhe- cida do ciclo replicativo dos retrovírus e parece apresentar algumas diferenças entre os vírus. Para a maioria dos vírus, as etapas de montagem do nucleocapsídeo (interações RNA + NC + CA) e brotamento na membrana parecem ocorrer si- multaneamente. Em outros, os nucleocapsídeos são inicialmente montados no citoplasma e trans- portados até a membrana plasmática, onde inte- ragem com a proteína MA e com as caudas das glicoproteínas, resultando no brotamento e egres- so. De qualquer forma, estes eventos ocorrem no citoplasma, e as partículas víricas são liberadas sem a necessidade de lise celular. Durante a mor- fogênese, são incluídas algumas moléculas das enzimas virais RT, IN e PR nas partículas recém- formadas. O ciclo replicativo dos retrovírus está ilustrado esquematicamente na Figura 31.6. O estudo da replicação dos retrovírus pode ser realizado in vitro, em diferentes tipos celula- res. Por outro lado, a infecção de cada retrovírus in vivo parece estar restrita a um determinado hospedeiro e a poucos tipos celulares, restrição principalmente relacionada com a presença dos receptores virais. Apesar de serem considerados predomi- nantemente espécie-específi cos, alguns retroví- rus podem infectar mais de uma espécie animal. A infecção cruzada de caprinos e ovinos pelo CAEV e MVV foi descrita por vários autores, que sugeriram a denominação lentivírus de peque- nos ruminantes (SLRV – small ruminant lentivirus) para esses vírus. Provavelmente, a proximidade fi logenética entre essas espécies favoreça a in- fecção cruzada. Por outro lado, estudos recentes demonstraram que o CAEV é capaz de infectar bovinos – igualmente ruminante – experimental- mente, apesar de a infecção não persistir. A replicação de vários lentivírus em células de cultivo resulta na produção de efeito citopá- 2 Transcrição reversa A AA AA A AA AA A AA AA A AA AAA AA AA Integração Transcrição Tradução Tradução Formação do capsídeo Brotamento Penetração RER Ligação aos receptores Provírus Provírus integrado Maturação Figura31.6. Ilustraçăo simplificadadociclo replicativodos retrovírus. Retroviridae 819 tico, caracterizado pela formação de células gi- gantes multinucleadas ou sincícios. A replicação in vitro de outros retrovírus pode levar à morte da célula devido ao acúmulo de partículas virais (superinfecção). Isso tem sido observado com al- gumas cepas do ALV e em variantes do FeLV. 5 Retrovírus de interesse veterinário O número de retrovírus que infectaanimais é muito grande e, por isso, de difícil enumeração e abordagem em um livro texto como este. Por- tanto, será dada ênfase aos principais retrovírus que causam doenças em animais de companhia e de produção. A ordem de apresentação será de acordo com a espécie animal. 5.1 Vírus da leucose bovina O BLV (bovine leukemia virus), agente etioló- gico da leucose enzoótica bovina, é classifi cado como um Deltaretrovirus e apresenta muitas simi- laridades estruturais, genômicas e de patogenici- dade com o HTLV-1 e o HTLV-2 (human T lym- photropic viruses 1 and 2). Esse vírus foi descrito, pela primeira vez, em 1871, na Lituânia, em um bovino com hipertro- fi a de linfonodos superfi ciais e esplenomegalia. Depois disso, outros casos semelhantes também foram descritos e, em 1917, Kenneth demonstrou que a doença era causada por um agente infeccio- so. Em 1976, Kettmann e colaboradores demons- traram que as partículas virais possuíam RNA exógeno e que continham a enzima RT, permitin- do sua classifi cação como um retrovírus oncogê- nico. O BLV é um retrovírus complexo e, assim como os HTLV-1 e 2, contém genes que codifi cam produtos acessórios como Tax e Rex, cuja função está relacionada com a regulação da expressão gênica desses vírus. A variabilidade genômica do BLV não pare- ce ser grande entre isolados, provavelmente de- vido à taxa de mutação de sua RT ser inferior a de outros retrovírus. Comparativamente, o BLV te- ria um comportamento similar ao HTLV, em que isolados do Japão, Caribe e África apresentam até 99% de homologia. 5.1.1 Epidemiologia O BLV está distribuído mundialmente, com exceção de alguns países europeus que erradi- caram a infecção a partir da década de 1980. No Brasil, a infecção está amplamente difundida, com níveis variáveis de prevalência entre os re- banhos. Estudos sorológicos já foram realizados em praticamente todas as regiões do país, in- dicando a ampla distribuição da infecção, com índices de prevalência geralmente maiores em gado leiteiro. Na Serra de Botucatu, SP, foi de- tectada prevalência de 52% entre animais e de 10 a 67% das propriedades eram positivas. No Rio de Janeiro, 17,3% de 734 animais testados foram positivos. Em um estudo envolvendo aproxima- damente 10.000 amostras no Rio Grande do Sul, detectou-se uma prevalência de 8% de animais soropositivos. Em condições naturais, o vírus pode infectar bovinos, zebuínos, búfalos e capivaras. Infecções experimentais já demonstraram a susceptibilida- de de ovinos, caprinos e coelhos. Os coelhos po- dem desenvolver tumores ou imunodefi ciência após um tempo variável de incubação. Assim como os outros retrovírus, o BLV apresenta uma baixa transmissibilidade, ou seja, não é facilmente transmitido. A transmissão ocor- re predominantemente entre animais do mesmo rebanho, e é incomum ocorrer entre rebanhos vizinhos. É comum a existência de regiões onde rebanhos positivos e negativos vizinhos coexis- tam por longos períodos, sem a disseminação do vírus para os rebanhos livres. Essas observações indicam que um contato mais próximo entre os animais é necessário para a transmissão. A trans- missão iatrogênica, pela aplicação de vacinas, uso compartilhado de agulhas hipodérmicas, administração de medicamentos e após o toque retal contribui de forma importante para a disse- minação da infecção dentro dos rebanhos. O vírus está presente no sangue dos animais infectados e é transmitido por procedimentos que envolvam a transferência de células sangüí- neas entre animais. Cabe lembrar que os animais infectados tornam-se portadores pelo resto da vida e possuem o vírus no sangue, sobretudo em 820 Capítulo 31 linfócitos B. Aproximadamente 1 microlitro de sangue de um animal com linfocitose persistente já pode ser sufi ciente para transmitir o vírus para outro animal. Assim sendo, a forma iatrogênica parece contribuir de forma importante para a transmissão do vírus. Animais submetidos a pro- cedimentos cirúrgicos ou terapêuticos, como cas- tração, descorna, tatuação, vacinações, pequenas cirurgias, palpação retal, injeções ou colocação de brincos, sem os devidos cuidados de profi la- xia, estão propensos a adquirirem a infecção pelo BLV. A transmissão pela picada de insetos, como os tabanídeos, já foi relatada e parece possuir al- guma importância em regiões com alta infestação desses insetos. A presença do vírus já foi descrita na glândula mamária, associada aos linfócitos, bem como no leite, indicando a possibilidade de transmissão através do leite. Embora o vírus possa ser ocasionalmente encontrado no sêmen de touros, a inseminação artifi cial não parece ser um meio importante de disseminação do vírus. Não obstante, centrais de coleta de sêmen são desaconselhadas a manter touros positivos. A transmissão pela monta na- tural pode ocorrer, representando uma forma de disseminação do vírus de touros infectados para fêmeas. Vacas positivas prenhes podem transmi- tir o vírus para o feto; entretanto, menos de 10% dos animais nascidos dessas fêmeas são portado- res do vírus ao nascer. Em outros trabalhos, que analisam a transferência de embriões a partir de doadoras infectadas pelo BLV, não foi detectada transmissão para os embriões ou para as recep- toras. Em países cujos sistemas criatórios mantêm registros detalhados de produtividade, como os EUA, Canadá, Japão e Austrália, estima-se que os efeitos do BLV podem atingir uma redução de até 10% na produção leiteira. 5.1.2 Patogenia, sinais clínicos, patologia e imunidade O BLV infecta principalmente linfócitos B, nos quais produz uma infecção persistente, em- bora também possa infectar linfócitos T. A exem- plo das infecções pelos outros retrovírus, uma vez infectados os animais tornam-se portadores do agente pelo resto da vida. Na maioria das vezes, a infecção pelo BLV é assintomática, e o reconhecimento dos animais positivos somente é possível pela realização de testes sorológicos. Entre os animais infectados, aproximada- mente 30% desenvolvem uma linfocitose per- sistente, sem a manifestação de quaisquer sinais clínicos. Estima-se que entre 1 e 5% dos animais infectados persistentemente irão desenvolver a forma clínica da doença em algum momento de suas vidas. A enfermidade (denominada leuco- se) caracteriza-se pela produção de tumores de origem linfóide, como linfossarcomas ou linfo- mas malignos, em diversos órgãos. A patogenia dos tumores não está relacionada a oncogenes presentes no genoma viral, mas a proteína viral Tax parece ter um papel importante na sua pro- dução. Os sinais clínicos são variáveis e estão rela- cionados com os órgãos e tecidos afetados pelos tumores. Assim, tumores que se desenvolvem no trato gastrintestinal podem ocasionar obstru- ções ou provocar úlceras, que podem resultar em disfunções digestivas, anorexia e perda de peso. Tumores que atingem a medula espinhal podem resultar em distúrbios neurológicos com manifes- tações diversas. Alguns sinais clínicos observados em dois grupos de animais com linfossarcoma es- tão descritos na Tabela 31.2. Aproximadamente dois terços dos animais com tumores apresentam também linfocitose persistente. A forma tumoral do BLV afeta geralmente animais acima de dois anos de idade, com um pico de incidência entre os 5 e 8 anos. Esses tumores devem ser distin- guidos da leucose esporádica bovina, que afeta animais com idade inferior a um ano e não está relacionada à infecção pelo BLV. Os tumores podem afetar um ou vários lin- fonodos, superfi ciais ou profundos. Algumas ve- zes, o infartamento de linfonodos superfi ciais é o primeiro indicador clínico da ocorrência de lin- fossarcoma. A partir do reconhecimento clínico, o linfossarcoma possui um curso de tempo variá- vel, mas é virtualmente sempre fatal. Retroviridae 821 A viremia é detectável somente nas duas pri- meiras semanas após a infecção e, tardiamente, a detecção de antígenos virais no sangue é difícil. Alguns trabalhos indicam que, apósa infecção inicial, a permanência do vírus no organismo se- ria mantida principalmente pela divisão celular – da célula contendo o provírus – e não pela re- plicação do genoma viral via RT. Isso, de certa forma, também ajudaria a explicar a menor varia- bilidade genômica do BLV, quando comparado com outros retrovírus (p. ex., EIAV), cuja taxa de replicação é maior no curso da infecção. Os animais infectados desenvolvem uma resposta sorológica entre duas a oito semanas pós-infecção. Os anticorpos são direcionados principalmente contra as glicoproteínas do enve- lope (TM, SU) e contra as proteínas do capsídeo. Os anticorpos são persistentes, porém os níveis presentes podem variar de acordo com a condi- ção fi siológica e imunológica do animal. Um es- tudo recente estimou o tempo médio de sorocon- versão em 47 dias (infecção experimental) e 57 dias (dados de infecção experimental e natural). O provírus integrado é detectado em, apro- ximadamente, 30% dos linfócitos circulantes. A expansão da população linfocitária ocorre a par- tir da proliferação policlonal de linfócitos B, com citologia e cariótipo normais. Os achados de necropsia incluem aumento generalizado dos linfonodos, tanto superfi ciais como internos. Ao corte, os linfonodos apresen- tam uma superfície branco-amarelada, sem dis- tinção entre a cortical e medular. Massas tumorais com o mesmo aspecto podem ser encontradas no coração, rins, intestinos, abomaso, medula espi- nhal e útero. Histologicamente observa-se pro- liferação das células da linhagem linfocítica e infi ltração maciça dessas células nos órgãos afe- tados. 5.1.3 Diagnóstico Duas condições distintas devem ser consi- deradas no diagnóstico do BLV: o diagnóstico da enfermidade (leucose ou linfossarcoma) e o diag- nóstico da infecção. A suspeita da doença clínica, Perda de peso Sinais clínicos Grupo 1 (%)b - 80 Grupo 2 (%)c Agalactia - 77 Linfoadenopatia (aumento de volume) 58 58 Anorexia 62 52 Paralisia/paresia do posterior 16 41 Febre - 23 Exoftalmia 9 20 Dificuldade respiratória - 14 Obstrução intestinal 19 9 Anormalidade no miocárdio 64 7 Linfócitos anormais 63 - a Fonte: adaptado de:TheCompendiumCollection, InfectiousDisease in FoodandAnimal Practice, 1993. b c Dados de298animais hospitalizados. Dadosde1.100animais de campo. Tabela 31.2. Sinais clínicos associados com a infecçăo pelo vírusda leucose bovina (BLV). 822 Capítulo 31 pela observação dos sinais mencionados, deve ser confi rmada por exames histopatológicos e so- rológicos; a infecção pode ser diagnosticada por testes sorológicos. Dentre os sinais que mais chamam a aten- ção e levam o veterinário a suspeitar de leucose bovina, estão o infartamento de linfonodos su- perfi ciais, distúrbios digestivos persistentes com anorexia e perda de peso, presença de massas tumorais no intestino e paralisia dos membros posteriores. Como nenhum desses sinais é pa- tognomônico, o diagnóstico requer a realização de testes sorológicos e/ou histopatológicos. Os testes sorológicos são realizados principalmente para a identifi cação de portadores e para triagem de rebanhos. Em animais com suspeita clínica, um teste sorológico positivo reforça a hipótese diagnóstica, mas não é capaz de fornecer o resul- tado defi nitivo. O diagnóstico defi nitivo de lin- fossarcoma no animal vivo pode ser obtido por exames histopatológicos de linfonodos super- fi ciais obtidos por biópsia. No animal morto, os achados patológicos macro e microscópicos po- dem confi rmar o diagnóstico. Os testes sorológicos são utilizados para de- tectar a condição de portador. O primeiro teste sorológico empregado para diagnóstico da infec- ção pelo BLV foi a imunodifusão em gel de ágar (IDGA), utilizando a proteína do capsídeo (p24) como antígeno. O uso da glicoproteína principal do envelope (gp51), entretanto, permitiu o au- mento da sensibilidade desse teste. Desta forma, os testes de IDGA atuais utilizam a glicoproteína gp51 ou uma combinação de gp51 e p24 como an- tígeno. A simplicidade, praticidade e custo baixo fi zeram com que o teste de IDGA fosse aceito ra- pidamente em todo o mundo, tornando-se o teste ofi cial para detecção de anticorpos anti-BLV. Como os animais infectados pelo BLV per- manecem como portadores permanentes, todos os animais positivos, com idade superior a seis meses, devem ser considerados portadores e po- tenciais fontes de infecção para outros animais. A imunidade passiva pode infl uenciar as provas sorológicas para o BLV, gerando resulta- dos falso-positivos. Sorologia positiva em animais com idade inferior a seis meses pode ocorrer em razão da infecção ou dos anticorpos maternos ad- quiridos passivamente pelo colostro. Os anticor- pos passivos tendem a desaparecer até os 6 ou 7 meses de idade, e o teste de IDGA nesses animais deve tornar-se negativo após este período. Re- sultados falso-negativos também podem ocorrer, sobretudo, em fêmeas prenhes nas proximidades do parto, devido ao seqüestro de anticorpos para o colostro. O ensaio imunoenzimático (ELISA) também tem sido utilizado para detecção de an- ticorpos anti-BLV e apresenta vantagens como a maior sensibilidade e facilidade de automação. Apesar de apresentar uma grande variação de resultados entre diferentes laboratórios, o tes- te da reação em cadeia da polimerase (PCR), que detecta o DNA proviral, tem se mostrado útil como método complementar aos testes de IDGA e ELISA. Essa variação de resultados ocorre em função da variabilidade genética do genoma viral. O teste de PCR é realizado com DNA extraído de leucócitos em amostras de sangue coletadas com anticoagulante. Amostras negativas no IDGA ou no ELISA ou de animais que receberam colostro de mães positivas podem ser testadas por PCR. A técnica de PCR, no entanto, não é muito utilizada na rotina e possui aplicação apenas em situações especiais. 5.1.4 Profi laxia e controle Considerando-se as formas de transmissão do BLV, é possível erradicar a infecção de reba- nhos e populações maiores pela adoção de práti- cas de manejo associadas com o uso de medidas sanitárias profi láticas. A etapa inicial do progra- ma envolve a realização de testes sorológicos e a identifi cação dos animais soropositivos. Os ani- mais positivos devem ser preferencialmente des- cartados, mas podem ser mantidos no rebanho desde que separados dos demais e submetidos a práticas que minimizem o risco de transmissão. Os animais positivos devem ser distinguidos dos outros para serem facilmente reconhecidos e, as- sim, manejados com cuidados especiais para evi- tar a transmissão iatrogênica do vírus. Bezerros nascidos de mães positivas devem ser isolados e testados, só podendo ser introduzidos no rebanho negativo se mantiverem a condição soronegativa até os 6-8 meses, ocasião do desaparecimento dos Retroviridae 823 anticorpos passivos. A condição sorológica dos animais deve ser monitorada a cada seis meses, com a qual se avalia a efi cácia das medidas ado- tadas. Como medidas de controle em rebanhos que possuem animais positivos, citam-se: – utilização de agulhas estéreis individuais para procedimentos profi láticos, clínicos e tera- pêuticos (aplicação de vacinas, antiparasitários, outros medicamentos, anestésicos e coleta de sangue); – utilização de luvas de palpação individu- ais para cada animal; – lavagem e desinfecção de instrumentos cirúrgicos ou de procedimentos potencialmente contaminados com sangue de animal infectado; – adoção de um programa de controle de insetos hematófagos nas regiões em que há ne- cessidade; – uso de inseminação artifi cial, evitando transmissão de linfócitos infectados através da monta natural; – separação dos bezerros fi lhos de mães po- sitivas, não permitindo que entrem em contato com animais negativos até que sua condição so- rológica para BLV possa ser defi nida. Pode-se co- letar uma amostra de sangue do animal logo após o nascimento, antes de mamar o colostro. Caso a amostra seja positiva,considera-se que o animal foi infectado in utero e é portador do vírus; – separação dos animais em grupos de posi- tivos e negativos, o que favorece o manejo, pois os animais negativos devem ser manejados antes. As propriedades livres do vírus devem ado- tar medidas para evitar a sua introdução. Para isso, todos os animais adquiridos devem ser previamente testados para o BLV. Se oriundos de rebanhos sabidamente negativos, podem ser incorporados ao rebanho; se oriundos de pro- priedades de situação sorológica desconhecida, devem ser mantidos separados por oito semanas e, então, submetidos a um novo teste sorológico. A adoção de medidas de controle para evi- tar a disseminação do vírus dentro do rebanho tem surtido efeito e tem sido possível manter animais positivos no rebanho, com risco mínimo de transmissão aos outros animais. Essa estraté- gia somente deve ser adotada quando os animais positivos possuem um alto valor genético e eco- nômico; do contrário, devem ser identifi cados e eliminados do rebanho. Atualmente não existem vacinas disponíveis contra o BLV. 5.2 Vírus da imunodefi ciência bovina O BIV (bovine immunodefi ciency virus) foi isolado, pela primeira vez, por Van der Maaten e colaboradores, em 1972, a partir de um bovino com suspeita de linfossarcoma. Durante aproxi- madamente 15 anos, pouca importância foi dada ao BIV, pois esse vírus aparentemente não estava relacionado com nenhuma enfermidade. Com a descoberta de que a síndrome da imunodefi ci- ência humana adquirida (AIDS) era causada por um lentivírus, o BIV e outros vírus pertencentes a este gênero assumiram grande importância em estudos de evolução e de características biológi- cas e moleculares. O BIV foi classifi cado como um lentivírus por possuir similaridades moleculares, genéticas, antigênicas e estruturais com o HIV. 5.2.1 Epidemiologia A presença do BIV já foi relatada em vá- rios países, como o Canadá, Costa Rica, Estados Unidos, França e Itália. Nos Estados Unidos, a soroprevalência da infecção é bastante variável. Alguns estudos identifi caram uma prevalência de anticorpos em 40% de animais de carne e em 60% de animais de leite no estado da Louisiana. Embora os dados de prevalência sejam escassos, acredita-se que o BIV esteja amplamente difun- dido na população bovina de diferentes países. No Brasil, von Groll et al. (1997) relataram, pela primeira vez, a presença do BIV pela detecção de animais sorologicamente positivos entre animais clinicamente sadios. A transmissão experimental pode ser obtida pela administração de sangue total de um animal infectado. Dessa forma, o uso de agulhas e ins- trumental cirúrgico contaminados, ingestão de colostro de fêmeas infectadas e a higienização defi ciente de instrumentos utilizados em práticas invasivas, como castrações e descornas, podem estar envolvidos na transmissão do BIV. Já foi de- 824 Capítulo 31 monstrada a presença do provírus do BIV em um grande número de amostras de sêmen, podendo essa secreção se constituir em um veículo para a transmissão. A transmissão pela via transplacen- tária também já foi demonstrada experimental- mente. O BIV infecta naturalmente os bovinos e pode infectar experimentalmente ovinos, capri- nos e coelhos. 5.2.2 Patogenia, sinais clínicos, patologia e imunidade Ainda não foi demonstrado que o BIV seja capaz de, agindo isoladamente, produzir mani- festações clínico-patológicas específi cas, nem que o vírus torne os animais infectados susceptíveis a outros agentes infecciosos. No entanto, existe uma correlação positiva entre soropositividade para o vírus (e a condição de portador) e redução na produção de leite. Uma das primeiras descrições da infecção pelo BIV relata um bovino da raça holandesa, de oito anos, com um aumento no número de leucó- citos e perda de condição corporal. Após a mor- te desse animal, não foram observados tumores, como inicialmente suspeito. Histologicamente foi relatada uma hiperplasia folicular dos linfonodos e lesões no sistema nervoso central. Assim como outros lentivírus, o BIV apre- senta tropismo por subpopulações específi cas de leucócitos. Já foi identifi cada a presença de DNA proviral do BIV e a produção de partículas infec- ciosas em células B, T e em monócitos durante os estágios agudos da infecção. O BIV pode ser propagado em vários tipos de cultivos celulares de origem bovina, e a repli- cação em células de baço e pulmão é mais indi- cada, pois o vírus é capaz de replicar em altos títulos. 5.2.3 Diagnóstico e controle O diagnóstico da infecção pelo BIV pode ser realizado pela detecção de anticorpos, com o uso de técnicas como imunofl uorescência (IFA) e Western blot. Anticorpos para o BIV podem ser detectados pelo teste de IFA, três semanas após a infecção, e persistem por mais de dois anos em animais inoculados experimentalmente. Pela prova de Western blot, anticorpos contra a proteína do capsídeo p26 são os primeiros a se- rem detectados, demonstrando que esta proteína é imunodominante. A detecção do provírus e do RNA genômi- co, em células infectadas, pode ser realizada pelo uso das técnicas de PCR e transcrição reversa se- guida de PCR(RT-PCR), respectivamente. Considerando-se que o vírus infecta leucó- citos, a medida mais indicada para prevenir a transmissão é evitar a transferência de sangue de animais contaminados para animais sadios. Além disso, é recomendado aquecer (56ºC – 30 min) o leite de vacas soropositivas antes de fornecê-lo aos bezerros. 5.3 Vírus da pneumonia progressiva dos ovinos (Maedi-Visna) O vírus Maedi-Visna (MVV) ou vírus da peneumonia progressiva dos ovínos (OPPV) foi caracterizado nos anos 1960, na Islândia, em ovi- nos que apresentavam pneumonia progressiva e encefalite degenerativa. A presença da doença havia sido descrita inicialmente nos anos 1930, quando mais de 100.000 animais morreram em decorrência da infecção. Os termos islandeses Maedi e Visna correspondem, respectivamente, aos sinais clínicos observados nos animais doen- tes: dispnéia e defi nhamento. A denominação do- enças causadas por vírus lentos (slow virus diseases) foi atribuída, pela primeira vez, por Sigurdsson (1954), que identifi cou a presença de um agente viral associado a casos de Maedi-Visna. O agente da Maedi-Visna é classifi cado no gênero Lentivirus e tem sido denominado, junta- mente com o vírus da artrite-encefalite caprina, como lentivírus de pequenos ruminantes (SRLV – small ruminant lentivirus) em função da similari- dade genômica, antigênica e de apresentação da doença em caprinos e ovinos. 5.3.1 Epidemiologia Com exceção da Islândia, de onde a doen- ça foi erradicada após o sacrifício de milhares Retroviridae 825 de animais, a presença do MVV já foi detectada em diversos países da Europa e das Américas. A Austrália e Nova Zelândia são consideradas li- vres da doença. No Brasil, a situação epidemioló- gica da enfermidade é desconhecida, no entanto, já foram realizados alguns estudos e o seqüencia- mento e análise fi logenética de pelo menos um isolado do Sul do país. O MVV foi, inicialmente, associado com in- fecção de ovinos, embora, atualmente, se aceite que possa ocorrer infecção cruzada entre ovinos e caprinos. Diversos estudos fi logenéticos indi- cam para essa disseminação interespécies, princi- palmente em países em que as duas espécies são criadas juntas. O vírus é excretado em secreções como par- tículas livres ou associado com células como os monócitos e macrófagos. A transmissão pode ocorrer por contato direto ou indireto e através de materiais e equipamentos compartilhados. Para o recém-nascido, a principal fonte de contaminação é o colostro. O leite contaminado também pode permitir propagação do vírus entre animais que compartilhem o uso de ordenhadeiras e na práti- ca de se utilizar um banco de colostro. Parece que a maioria das infecções ocorre pela ingestão de colostro ou leite de fêmeas soropositivas. O con- tato prolongado entreanimais parece ser menos efi ciente na transmissão do agente. Considerando-se o comprometimento do trato respiratório, uma vez que o pulmão é o principal órgão de replicação do MVV, os aeros- sóis podem ser importantes na disseminação do vírus. A transmissão horizontal é favorecida em animais criados em regime de confi namento. A transmissão intra-uterina não foi demons- trada claramente e, mesmo que ela ocorra, não parece desempenhar um papel epidemiológico importante. O mesmo se aplica à transmissão pelo sêmen contaminado. 5.3.2 Patogenia, sinais clínicos, patologia e imunidade As doenças associadas aos lentivírus apre- sentam uma evolução lenta e progressiva, carac- terizadas por um longo período de incubação até o aparecimento dos sinais clínicos. Na maioria das vezes, os animais desenvolvem uma respos- ta humoral com títulos de anticorpos detectáveis por testes sorológicos, mas que não resultam na erradicação do vírus do organismo. A exemplo dos outros retrovírus, uma vez infectado, o ani- mal torna-se portador e fonte de contaminação para o rebanho durante toda a sua vida. Vários fatores são responsáveis pela persis- tência do vírus no organismo do hospedeiro. No caso dos SRLV, foi demonstrada a importância da diferenciação/ativação dos macrófagos no incremento da produção de partículas virais. A restrição da replicação viral estaria relacionada com a ausência e/ou quantidades insufi cientes de fatores de transcrição, capazes de levar à sínte- se dos mRNA virais codifi cadores das proteínas estruturais do vírion. As patologias pulmonares estão associadas com a formação de folículos linfóides que, atra- vés da secreção de citocinas, contribuiriam para o desenvolvimento da pneumonia intersticial devi- do a uma resposta infl amatória exacerbada. Além do pulmão, a glândula mamária pode igualmen- te apresentar a formação de folículos linfóides e o conseqüente desenvolvimento de mastite. As manifestações de origem neurológica, por ence- falite, são raras e foram descritas principalmente na epidemia que atingiu a Islândia e que levou à morte um grande número de animais. Com- prometimentos articulares (artrites) foram igual- mente descritos, mas com menor freqüência do que os quadros respiratórios. Em função dos diferentes órgãos atingi- dos pelo vírus, as manifestações clínicas podem variar desde difi culdade respiratória, mastite acompanhada de endurecimento da glândula mamária, artrite, ataxia dos membros posteriores e incoordenação. Os sinais clínicos podem levar meses ou anos para se manifestarem; e apenas uma parcela dos animais infectados desenvolve a sintomatologia. Estima-se que apenas 30% dos animais sorologicamente positivos manifestem sinais clínicos da infecção, e as manifestações res- piratórias apresentam maior incidência. 5.3.3 Diagnóstico e controle Em regiões endêmicas, o diagnóstico pre- suntivo pode ser realizado pelo quadro clínico, embora apenas uma parcela dos animais apre- 826 Capítulo 31 sente sinais clínicos. As principais manifestações clínicas em ovinos infectados pelo MVV são os sinais respiratórios. O quadro pode progredir, levando à caquexia e morte. As fêmeas podem igualmente apresentar endurecimento do úbere devido à formação de nódulos linfóides. A sus- peita clínica deve ser necessariamente confi rma- da por exames laboratoriais para a detecção de anticorpos ou de antígenos e RNA viral. O con- trole é principalmente baseado na identifi cação e segregação dos animais infectados. Diversos testes sorológicos são utilizados para identifi car os animais infectados, como a IDGA, ELISA, Western blot e radioimunoprecipi- tação (RIP). Não existe, atualmente, um teste que seja considerado padrão (gold standard) para de- terminar a sensibilidade e especifi cidade dos tes- tes disponíveis. No entanto, é de consenso que a utilização de um teste sorológico associado a me- didas de controle permite reduzir a prevalência da infecção, reduzindo a disseminação do agente no rebanho. O isolamento viral é realizado a partir de co-cultivo de monócitos do sangue periférico ou de macrófagos alveolares com fi broblastos de origem fetal, células de plexo coróide ou mesmo com cultivos primários de membrana sinovial. Observa-se, na maioria das vezes, a formação de sincícios, caracterizada pela presença de células gigantes multinucleadas. A replicação do vírus em cultivo é lenta, e os resultados podem levar vários dias ou semanas. As técnicas de imunohistoquímica e hibridi- zação in situ podem ser utilizadas para demons- trar antígenos ou ácidos nucléicos virais nos cultivos e em amostras de tecidos destinadas à histopatologia. Ainda, para detecção do provírus ou do genoma viral, podem ser utilizadas a PCR e a RT-PCR. A variabilidade genética e antigênica exis- tente entre os isolados do SRLV indica que a de- tecção de anticorpos ou do ácido nucléico viral por PCR deve considerar as características das cepas circulantes na população estudada. As principais medidas de controle relacio- nam-se com a identifi cação dos animais infecta- dos e a sua separação dos não-infectados, pois não existem vacinas para os SRLV. Uma das me- didas mais importantes consiste na separação do recém-nascido da fêmea infectada, impedindo a ingestão do colostro. Neste caso, pode-se proce- der à inativação do vírus, aquecendo o colostro a 56°C por 1 hora ou fornecer colostro de origem bovina. A remoção gradativa de animais sorolo- gicamente positivos associada com a reposição com animais negativos, separando-se os rebanhos positivos dos negativos, vem sendo utilizada em diversos países. O que determina o sucesso dos programas de controle é, em grande parte, a esco- lha do teste diagnóstico mais adequado à região, levando-se em consideração as cepas circulantes. Testes mais sensíveis que o IDGA devem ser ado- tados quando a prevalência de animais soroposi- tivos diminui no rebanho. 5.4 Vírus da artrite-encefalite caprina O vírus da artrite-encefalite caprina (CAEV) foi descrito, pela primeira vez, em 1980, por Crawford e colaboradores, como sendo um retro- vírus causador de artrite, embora a etiologia vi- ral de encefalite em caprinos jovens já tenha sido descrita anos antes por Cork (1974). Das duas manifestações clínicas inicialmente descritas, a artrite é a forma mais comum de apresentação da doença. A classifi cação do CAEV é a mesma do MVV, assim como diversos aspectos de patoge- nia e transmissão. Assim, somente os aspectos que diferenciam os dois vírus serão abordados com maior ênfase, a seguir. 5.4.1 Epidemiologia O vírus já foi detectado em diversos países, inclusive no Brasil, pelo isolamento do agente ou pela detecção de anticorpos. A infecção já foi de- tectada em caprinos nos estados de Minas Gerais, Pernambuco e São Paulo. Um inquérito sorológi- co, no Ceará, demonstrou 1% de prevalência en- tre 4.019 animais e, no Rio de Janeiro, 32,1% dos rebanhos testados possuíam animais positivos. O CAEV é transmitido principalmente atra- vés do colostro e leite, durante as primeiras ma- madas dos recém-nascidos. A transmissão por sangue contaminado, pelo uso de agulhas hipo- Retroviridae 827 dérmicas e de material cirúrgico contaminado, além de feridas abertas, é considerada a segunda principal forma de transmissão. A transmissão por contato entre animais adultos é considerada pouco importante. 5.4.2 Patogenia, sinais clínicos, patologia e imunidade A patologia mais freqüente é a artrite, que se desenvolve lentamente e acomete geralmente animais adultos, com mais de dois anos de ida- de. A artrite afeta principalmente as articulações do carpo (joelhos), determinando um aumento de volume localizado, o que determinou a ter- minologia big knee (joelho grande). Os animais afetados apresentam difi culdade de locomoção e perda de peso. A infl amação crônica das articulações pa- rece ser mediada por deposição de imunocom- plexos (complexos antígeno-anticorpos), pois foi evidenciadauma relação direta entre o título de anticorpos contra a proteína do envelope viral e a severidade das lesões articulares. Quanto maior o título de anticorpos no soro e/ou no líquido si- novial, mais abundantes e severas são as lesões. A encefalite tem sido descrita principalmen- te em animais com idade inferior a seis meses, embora animais adultos também possam ser al- vos da forma neurológica. Observa-se uma des- mielinização, aumento no número de leucócitos no líquido céfalo-raquidiano, infi ltração de célu- las mononucleares e astrocitose na medula e no cérebro. Alterações na glândula mamária e pneumo- nia intersticial também são manifestações da in- fecção pelo CAEV. Observa-se o endurecimento da glândula mamária, provavelmente associado com a formação de folículos linfóides, sendo de- nominada em inglês hard udder (úbere duro). Na pneumonia intersticial, observa-se uma prolifera- ção de pneumócitos do tipo II e uma epitelização dos alvéolos. Assim como no caso do MVV, a presença de anticorpos não signifi ca uma resposta imune pro- tetora. A resposta imune humoral em caprinos infectados pode ser detectada tardiamente após a infecção, e a presença de anticorpos no teste de ELISA pode ocorrer de forma intermitente duran- te a vida do animal. Além disso, já foi demonstra- da a resistência à doença em animais portadores de certos haplótipos do complexo principal de histocompatibilidade (MHC). A doença se manifesta principalmente em rebanhos com alta soroprevalência, sendo pouco signifi cativa em rebanhos com baixa prevalência de animais soropositivos. Essa observação favo- rece a hipótese de que não existiriam fatores de virulência relacionados às cepas de SRLV, uma vez que se consegue eliminar a ocorrência da do- ença com a redução dos animais soropositivos no rebanho. 5.4.3 Diagnóstico e controle Os métodos de diagnóstico e as medidas de controle são basicamente as mesmas preconiza- das para os ovinos infectados pelo MVV. Além dos testes sorológicos descritos para o MVV (IDGA, ELISA, Western blot) pode-se usar também a IFA indireta para detecção de anticor- pos. Nesses testes, células infectadas com o vírus servem de antígeno para a captura dos anticorpos no soro-teste. Os antígenos dos testes sorológicos podem ser empregados indiscriminadamente para os SRLV. No entanto, alguns trabalhos de- monstraram que o uso de antígenos de CAEV para detecção de anticorpos em caprinos aumen- ta a sensibilidade do teste quando comparado com antígenos de MVV. O resultado positivo no teste sorológico in- dica que o animal é portador do CAEV e pode transmitir o agente a outros animais, principal- mente durante a lactação através do colostro. A ausência de sinais clínicos é irrelevante do pon- to de vista de controle, pois acima de 90% dos animais portadores podem não apresentar ma- nifestações clínicas. Se o teste for realizado em animais com idade inferior a seis meses, é possí- vel que o resultado positivo se deva a anticorpos maternos adquiridos pelo colostro. Nesses casos, recomenda-se avaliar o animal novamente após os seis meses de idade. Nesse período, devem-se minimizar as chances de transmissão do agente a partir desse animal, que deve ser considerado suspeito. 828 Capítulo 31 Um aspecto importante a salientar é o fato de que, em função das evidências de infecção cruza- da entre ovinos e caprinos, as medidas de contro- le a serem implementadas em uma propriedade ou região devem considerar as duas espécies. No entanto, na Austrália e na Nova Zelândia, foi de- monstrada somente a ocorrência de infecção por CAEV em caprinos, sem evidências de infecção por lentivírus em ovinos. 5.5 Vírus da adenomatose pulmonar dos ovinos A adenomatose pulmonar dos ovinos (SPA, para sheep pulmonary adenomatosis) é causada pelo retrovírus de ovinos Jaagsiekte (JSRV), perten- cente ao gênero Betaretrovirus. A denominação Jaagsiekte foi atribuída na primeira descrição do vírus, na África do Sul, em 1825. A palavra Ja- agziekte, de origem holandesa, foi proferida por um fazendeiro para se referir a duas manifesta- ções observadas em ovinos afetados: jaag signi- fi ca caçar, e siekte signifi ca doença. Os animais doentes apresentavam-se como se tivessem sido perseguidos ou caçados, devido à difi culdade respiratória. Outra denominação da doença é carcinoma pulmonar de ovinos (OPC, para ovine pulmonary carcinoma), sendo considerada como modelo para o carcinoma brônquio-alveolar de humanos pelas semelhanças clínicas, macroscó- picas e histopatológicas dos dois tumores. 5.5.1 Epidemiologia O JSRV apresenta distribuição mundial, com exceção da Austrália, onde a doença ainda não foi descrita, e da Islândia, de onde a doença foi erradicada. A doença ocorre de forma esporá- dica, podendo atingir até 25% de incidência em alguns rebanhos de alto risco em países como o Reino Unido, África do Sul e Espanha. A doença também já foi descrita no Chile, no Peru e no Bra- sil, onde é considerada enfermidade de notifi ca- ção obrigatória. No genoma dos ovinos, estima-se que exis- tam entre 15 e 20 cópias do genoma de retrovírus endógenos relacionados ao JSRV, alguns deles apresentando transcrição ativa. No entanto, foi demonstrado que o JSRV, produzido a partir de um clone infeccioso, foi capaz de reproduzir a doença. A transmissão, embora ainda não totalmen- te elucidada, parece ocorrer através de contato direto e indireto com secreções do trato respira- tório e também pela saliva. Os animais infectados provavelmente excretem o vírus em secreções respiratórias mesmo alguns dias antes do início dos sinais clínicos. As secreções podem formar aerossóis e aumentar o alcance da disseminação. Tem sido demonstrado que os caprinos po- dem se infectar naturalmente pelo JSRV, com freqüência semelhante aos ovinos. O signifi cado epidemiológico e patológico desses achados, no entanto, são desconhecidos. 5.5.2 Patogenia, sinais clínicos, patologia e imunidade Os animais infectados apresentam uma in- fecção silenciosa, aparentemente sem a indução de resposta imune humoral. Níveis baixos de RNA e DNA proviral estão presentes, e podem ser detectados pelo uso de técnicas de detecção de ácidos nucléicos altamente sensíveis, como a nested PCR. As células envolvidas na dissemina- ção do vírus no organismo do hospedeiro seriam principalmente as da linhagem linfóide, como os linfócitos B, e da linhagem mielóide, como monó- citos e macrófagos. A formação dos tumores está relacionada com a transformação neoplásica de células epiteliais do pulmão. O vírus replica ati- vamente nas células epiteliais tumorais, origina- das a partir dos pneumócitos tipo II e das células clava bronquiolares. Antígenos virais podem ser detectados nas células tumorais, embora o me- canismo de transformação neoplásica pelo vírus ainda não seja conhecido. Os tumores associados com a infecção são classifi cados como adenomas e adenocarcinomas. Recentemente, foi demons- trada a capacidade da proteína do envelope viral em induzir a transformação em diferentes tipos celulares, e a formação de tumores em camun- dongos e ovinos recém-nascidos. O período até a manifestação de sinais clí- nicos pode variar de um a três anos, sendo mais curto em animais jovens. A sintomatologia clínica Retroviridae 829 está relacionada com a produção de muco pelas células tumorais, observando-se tosse e descar- gas nasais abundantes. Pode ocorrer a obstrução das vias respiratórias e morte por anoxia e pneu- monia por infecções secundárias. 5.5.3 Diagnóstico e controle Devido à ausência de resposta humoral de- tectável, o diagnóstico da infecção deve basear-se principalmente nos sinais clínicos nas fases avan- çadas da doença. Nessa fase, freqüentemente ob- serva-se secreção nasal abundante, acompanha- da de dispnéia em graus variáveis. Os achados macroscópicos e histopatológicos devem ser con- siderados para a confi rmação da suspeita clínica. A detecção de ácidos nucléicos virais nostu- mores por hibridização in situ ou por PCR podem ser também utilizados. Após a confi rmação do diagnóstico, o con- trole da infecção pode ser estabelecido pelo isola- mento dos animais doentes, reduzindo a incidên- cia da doença no rebanho. Em alguns países, o descarte dos animais positivos (e erradicação dos animais do rebanho) é a medida indicada. 5.6 Vírus da anemia infecciosa eqüina A anemia infecciosa eqüina (EIA) é uma doença infecciosa potencialmente fatal que afe- ta os eqüídeos. O EIAV (equine infectious anemia virus) é mais um membro do gênero Lentivirus. Assim como os SRLV, o EIAV também apresenta algumas características que o relacionam ao HIV. Foram reações sorológicas cruzadas, observadas entre o soro de eqüinos infectados e a proteína do capsídeo do HIV, que levaram Montagnier e colaboradores a relacionar o vírus que havia sido recentemente isolado com os lentivírus. A ane- mia infecciosa eqüina foi inicialmente descrita em 1843, na França, e sua etiologia viral foi deter- minada em 1904, por Vallée e Carré. A enfermi- dade é facilmente confundível com outras infec- ções que cursem com febre, como a infl uenza e as encefalites eqüinas. 5.6.1 Epidemiologia A infecção pelo EIAV apresenta distribuição mundial, com maior ocorrência em áreas tropi- cais ou subtropicais pantanosas e que apresen- tam populações numerosas de vetores artrópo- des – moscas, tabanídeos e mosquitos. Em áreas endêmicas, a prevalência pode atingir 70% dos animais adultos. Estudos sorológicos em vários estados brasileiros, como o Pará, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Goiás e Rio Grande do Sul, demonstram a presença do EIAV na população eqüina do país. Em geral, os níveis de prevalên- cia são moderados a altos em regiões com po- pulações numerosas e permanentes dos insetos vetores. Os hospedeiros naturais são os eqüídeos e, até o presente, não foi demonstrada infecção natural de outras espécies. A principal forma de transmissão é pela picada de insetos hematófa- gos – sobretudo tabanídeos – que exercem o pa- pel de vetores mecânicos, carreando o vírus na probóscide. A transmissão é mais freqüente em áreas de grande infestação de insetos e com gran- de concentração de animais. A picada dos insetos estimula um refl exo defensivo dos animais, o que freqüentemente resulta na interrupção do repas- to sangüíneo. Esses insetos procuram reiniciar o repasto com a maior brevidade, freqüentemen- te o fazendo em animais que se encontram nas proximidades e, com isso, transmitindo o agente. A transmissão do EIAV por insetos depende da população e hábitos dos insetos, da densidade dos animais, do número de picadas no animal e em animais das proximidades, da quantidade de sangue transferida entre animais, e do nível de vírus no sangue do animal infectado que serve de fonte de infecção. Mosquitos e moscas também podem transmitir a infecção entre animais. Acredita-se que o homem também possa desempenhar um papel epidemiológico na trans- missão do EIAV entre animais, pela utilização de agulhas, seringas e materiais cirúrgicos não-des- cartáveis. Embora possua papel epidemiológico secundário, a transmissão pela ingestão de leite ou pela inseminação artifi cial com o sêmen con- taminado também pode ocorrer. 830 Capítulo 31 5.6.2 Patogenia, sinais clínicos, patologia e imunidade O curso clínico da infecção é variável e está relacionado com a susceptibilidade do hospedei- ro, dose e virulência da cepa do EIAV envolvida. Nos dias que se seguem à infecção, os animais desenvolvem uma viremia inicial, que cursa com hipertermia, anemia e trombocitopenia. Essas manifestações são geralmente observadas entre uma a duas semanas após infecção, e estão rela- cionadas com a resposta imunológica. A anemia é resultante de hemólise e fagocitose, mediada pela presença de eritrócitos recobertos pelas proteínas do complemento (C3) e, concomitantemente, pela redução da eritropoiese. A trombocitopenia pare- ce estar associada com um aumento dos níveis do fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), que é um regulador negativo da produção de plaquetas no plasma dos animais infectados. A hipertermia deve-se aos níveis aumentados de TNF-α e tam- bém pela produção de interleucina 1 (IL-1) por células da linhagem monocítica-macrofágica. Acredita-se que a maioria dos animais infec- tados apresente uma infecção subclínica, tornan- do-se portadores assintomáticos do agente. Esses animais geralmente apresentam níveis mais bai- xos de viremia do que aqueles que desenvolvem a infecção ativa sintomática. A forma inaparente – ou subclínica – da infecção pode se transformar em forma clínica aguda ou crônica devido a fato- res como estresse, trabalho pesado ou a ocorrên- cia concomitante de outras doenças. Em cavalos infectados experimentalmen- te, observa-se o estabelecimento de uma infec- ção persistente, geralmente acompanhada por episódios de viremia, febre e anemia. Além das manifestações supracitadas, os animais podem apresentar glomerulonefrite, linfoadenopatia e infi ltração de macrófagos e linfócitos no fígado e em outros órgãos. A exemplo dos outros retro- vírus, a infecção pelo EIAV é persistente, ou seja, os animais infectados tornam-se portadores do agente por toda a vida. A diferença entre a in- fecção pelo EIAV daquelas causadas por outros lentivírus é o fato de o EIAV desencadear picos de viremia, que não são observados em infecções pelo CAEV, MVV ou FIV. Após a viremia primária, diferentes qua- dros podem se desenvolver nos animais infec- tados pelo EIAV: a) anemia profunda e morte (forma aguda); b) recuperação e recidivas coin- cidentes com novas viremias (forma crônica) ou, ainda, c) o animal pode tornar-se um portador, mas sem recidivas ou manifestações clínicas apa- rentes (forma inaparente). As recidivas e novas viremias estão associadas com o surgimento de variantes virais e, à medida que o sistema imu- ne reage à infecção pela produção de anticorpos e pela resposta celular, ocorre redução da carga viral no sangue, correspondendo aos períodos assintomáticos. Na forma crônica, os episódios de febre po- dem ocorrer a intervalos variáveis, entre os quais a temperatura volta a valores normais. Quadros recorrentes de depressão e letargia, petéquias nas mucosas, emagrecimento progressivo, edema nas partes baixas e anemia estão freqüentemente as- sociados com a infecção crônica. A resposta mediada por linfócitos T citotó- xicos específi cos para epitopos das proteínas do capsídeo e das glicoproteínas do envelope viral seria a principal responsável pela manutenção do estado assintomático em animais portadores. O período entre uma recidiva e outra é variável, podendo ser inferior a 30 dias. A replicação contínua do vírus nas células- alvo – os monócitos/macrófagos – é responsável pela carga viral presente na corrente sangüínea. Embora ocorra uma redução de até 700 vezes nos títulos virais no sangue de animais assintomáti- cos quando comparados com animais virêmicos, estima-se que a replicação viral continue nesses períodos, nos macrófagos de diferentes órgãos, como o fígado, linfonodos e baço. 5.6.3 Diagnóstico e controle As manifestações clínicas de hipertermia, anemia, depressão e letargia recorrentes, em áre- as endêmicas para o agente são sugestivas da in- fecção pelo EIAV e devem ser investigadas. A de- tecção de anticorpos é o método laboratorial mais empregado para o diagnóstico da anemia infec- ciosa eqüina. O teste sorológico mais utilizado – e considerado o teste-padrão – é a IDGA, também Retroviridae 831 conhecido como teste de Coggins. Esse é o teste recomendado pelo Ministério da Agricultura de vários países. A suspeita clínica também pode ser confi rmada por outros testes laboratoriais, como fi xação do complemento, inibição da hemagluti- nação (HI), IFA e ELISA. O teste de IDGA se constitui em um teste simples, com boa especifi cidade (baixa sensibi- lidade), que pode ser utilizado para a confi rma- ção da suspeitaclínica, mas que possui aplicação mais importante no monitoramento de rebanhos e da condição sanitária de animais submetidos a transporte, comércio, importação/exportação. No Brasil, laboratórios e técnicos interessados em realizar o teste devem ser cadastrados no Minis- tério da Agricultura e ser submetidos a treina- mento específi co. Somente técnicos e laboratórios cadastrados são legalmente licenciados para a re- alização do teste e emissão do laudo. O EIAV replica em macrófagos dos eqüinos infectados, mas o isolamento viral não é uma téc- nica empregada na rotina diagnóstica, embora existam cepas laboratoriais adaptadas em cultivo de fi broblastos. O vírus não induz efeito citopá- tico, e a confi rmação da infecção pode ser feita por IFA ou pela detecção de RNA viral ou DNA proviral por RT-PCR ou PCR, respectivamente. Não existem vacinas comerciais disponíveis contra o EIAV. O controle da infecção baseia-se na identifi cação e restrição ao trânsito e comér- cio de animais positivos. Animais destinados a comércio, trânsito, participação em competições, feiras e exposições devem ser necessariamente testados e apresentar resultado negativo no teste de IDGA. No Brasil, os animais positivos nesse teste devem ser sacrifi cados, conforme estabeleci- do no Programa Nacional de Sanidade dos Eqüi- nos do Ministério da Agricultura. Outras medidas de controle recomendadas são: a) isolamento dos animais positivos até o sacrifício; b) não compartilhar seringas e outros utensílios que possam ser veículo de células in- fectadas; c) combate a insetos vetores em áreas endêmicas (inviável em grandes áreas ou em áreas de grande infestação, mas viável em insta- lações); d) minimizar o contato de eqüinos com secreções, sangue ou outros eqüinos de status sanitário desconhecido, até que sejam testados e certifi cados livres do vírus. 5.7 Vírus da leucemia felina O vírus da leucemia felina (FeLV) pertence ao gênero Gamaretrovirus, cujo protótipo é o ví- rus da leucemia murina (MLV). Dentre os gama- retrovírus de mamíferos, o FeLV se enquadra na categoria dos vírus autônomos para a replicação, enquanto os outros vírus do gênero são defecti- vos. Embora ainda não tenham sido descritos sorotipos, os isolados do FeLV possuem varian- tes ou subgrupos (FeLV-A, FeLV-B, FeLV-C e FeLV-T), devido à variabilidade das seqüências de aminoácidos das glicoproteínas do envelope. As variações de seqüências detectadas na proteí- na SU seriam responsáveis pela utilização de di- ferentes receptores celulares, o que resultaria em diferenças de tropismo e patogenia entre isolados de campo. 5.7.1 Epidemiologia A infecção pelo FeLV possui distribuição mundial, e a sua prevalência é notadamente maior em locais de grande densidade de felinos, como os gatis e abrigos. Nesses locais, o contato freqüente e próximo entre os animais facilita a transmissão e pode resultar em prevalências de até 33%. A prevalência é geralmente mais baixa, podendo atingir níveis aproximados de 1%, na população geral de gatos domésticos, em que o contato entre animais é apenas casual. No Brasil, a ocorrência da infecção tem sido demonstrada em felinos domésticos e selvagens em vários es- tudos. No zoológico da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), 12 de 16 felinos selvagens possuíam antígenos do FeLV e, no Ceará, 83% dos gatos de rua testados foram positivos. Um estudo em São Paulo revelou uma prevalência baixa (<5%). Acredita-se que a transmissão ocorra princi- palmente por contato direto e indireto, através da saliva, sendo favorecida durante as brigas. Isso pode explicar o porquê de gatos castrados apre- sentarem incidência menor da infecção. Os gatos com infecção persistente podem excretar até 106 vírions por mL de saliva, o que constitui a princi- pal fonte de vírus para a transmissão por contato 832 Capítulo 31 direto ou por fômites. A utilização de seringas e outros equipamentos contaminados com sangue também podem transmitir o agente. Já foi des- crita a transmissão vertical, inclusive de fêmeas apresentando a infecção latente. 5.7.2 Patogenia, sinais clínicos, patologia e imunidade A forma mais comum de apresentação clí- nica por animais infectados pelo FeLV é a imu- nodefi ciência, causada principalmente por va- riantes do subgrupo A. Os vírus desse subgrupo são igualmente os mais descritos na transmissão natural, na qual se classifi ca o isolado FeLV-FAI- DS. Além do quadro de imunodefi ciência, outras manifestações estão associadas à infecção pelo FeLV: linfomas, leucemia, anemia e falhas repro- dutivas. Os sinais clínicos mais comuns são os obser- vados em casos de imunodefi ciência e devem-se a infecções oportunistas e repetidas: estomatite e gengivite crônicas, lesões de pele e abscessos subcutâneos, doenças respiratórias crônicas e maior incidência de peritonite infecciosa felina. A ocorrência de toxoplasmose também é favorecida pela infecção pelo FeLV. A imunodefi ciência está relacionada com a presença do antígeno viral – oncovírus felino as- sociado à membrana (feline oncovirus membrane- associated antigens, FOCMA) – e ocorre por causa da depleção das células linfóides infectadas, pro- vavelmente pela ação citotóxica mediada por an- ticorpos (ADCC). A leucemia e anemia são indu- zidas a partir da transformação de células-tronco, das linhagens mielóides e linfóides, que dão ori- gem aos linfócitos e eritrócitos. Os variantes do subgrupo C, aparentemente gerados a partir de mutações de vírus do subgrupo A, parecem es- tar associados com os casos de anemia induzidos pelo FeLV. Os linfossarcomas representam 30% dos tumores em felinos, e evidências indicam que a maioria deles está associada ao FeLV. Esses tu- mores podem se desenvolver em diferentes célu- las e tecidos, como o timo, trato gastrintestinal, sistema nervoso, pele e outros. O contato com o FeLV, na maioria dos gatos, leva a uma infecção aguda temporária que pode progredir para a recuperação clínica completa ou infecção latente. Em outras situações, pode ocorrer uma viremia persistente, que resulta no desenvolvimento da doença, nas suas diversas manifestações fatais. Os fatores que conferem re- sistência ou susceptibilidade não são totalmente conhecidos, embora tenha sido descrito que ani- mais jovens sejam mais susceptíveis do que ani- mais adultos. A exemplo dos outros retrovírus, a infecção pelo FeLV é essencialmente persistente. Recentemente, analisando animais vacina- dos e não-vacinados desafi ados experimental- mente, pesquisadores propuseram quatro cate- gorias para defi nir as relações do FeLV com o hospedeiro: a) abortiva, em que não foi detectado DNA proviral, nem antígeno viral; b) regressiva, quando não é detectado antígeno viral e a carga proviral é transitória ou baixa; c) latente, antige- nemia transitória e carga proviral moderada e d) progressiva, antigenemia e carga proviral eleva- das e persistentes. As diferentes categorias obser- vadas experimentalmente sugerem que alguns animais, naturalmente infectados, poderiam eli- minar o vírus e não apresentariam nenhuma sin- tomatologia clínica. Por outro lado, animais com infecção latente poderiam não ser detectados através da antigenemia e seriam prováveis fontes de transmissão. A detecção de anticorpos neutralizantes tem sido associada com a recuperação dos animais infectados. No entanto, o surgimento de anticor- pos é posterior à erradicação do vírus em animais que desenvolvem uma infecção transitória, o que indicaria a existência de uma resposta imune do tipo celular. 5.7.3 Diagnóstico e controle O isolamento do vírus não é muito utilizado como método diagnóstico, embora antígenos vi- rais possam ser detectados em células do sangue periférico. Conseqüentemente, a técnica mais uti- lizada no diagnóstico é a IFA, em esfregaços san- güíneos, utilizando anticorpos específi cos para as proteínas do capsídeo. Existem kits de ELISA e Retroviridae 833 testes imunocromatográfi cos disponíveis
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