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Didática da Alfabetização e do Letramento Temas 1 ao 10

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A História da Língua Escrita
– Escrita Pictográfica
Diante da necessidade de transmitir informações e de registrar os acontecimentos do dia a dia, os homens primitivos faziam suas impressões nas paredes das cavernas utilizando figuras para representar cada objeto. Essa forma de expressão, representada na Figura 2.2 e na Figura 2.3, é chamada de pictografia. A representação pictográfica apresenta uma escrita simplificada dos objetos da realidade, por meio de desenhos que podem, por exemplo, ser vistos nas inscrições astecas registradas em cavernas, ou em paredes de cavernas do nordeste brasileiro.
O resultado era uma escrita complexa, havendo nela pelo menos dois mil sinais, e seu uso era bastante complicado, pois
a escrita pictórica poderia remeter a vários significados, já que existem muitas formas diferentes de se “ler” um desenho.
Durante essa fase, os sinais foram tornando-se mais abstratos. As atividades diárias e aquelas que marcavam cada período como mais importante eram registradas de maneira mais complexa, resultando num processo de escrever mais objetivo.
– Escrita Ideográfica
Segundo Cagliari (1998, p. 14), a escrita surgiu do sistema de contagem. Os pastores vendiam ovelhas e compravam cereais. As vendas começaram a aumentar, e era preciso anotar os dados sobre as trocas comerciais. Com isso, inventaram um sistema que se baseava em contas: uma série de pedras de argila, de diversas formas, com alguns desenhos e listras ou cruzes, guardadas em caixas que precisavam de identificação. A escrita, então, se tornou um instrumento de valor inestimável para a difusão de ideias e informações.
Com o passar do tempo, surgiram outras formas de representar a escrita. Para facilitar esse processo, o homem passou a utilizar uma imagem (ou figura) que representasse uma ideia (como desenhos estilizados e padronizados), e não mais rabiscos e figuras associados à imagem que se queria registrar. Por exemplo, o desenho de um pé não representa mais somente uma parte do corpo, mas se torna também um símbolo para caminhada, bem como para os verbos ir, caminhar e ficar de pé. Assim, surgiu a escrita ideográfica, que foi se tornando, posteriormente, uma convenção de escrita. Os leitores dependiam do contexto e do senso comum para decifrar o significado. Pesquisas arqueológicas revelam que esse tipo mais antigo de escrita data do período entre 3.300-3.200 a.C.
Podemos citar como exemplos de escritas ideográficas as escritas suméria cuneiforme, minoica e chinesa, da qual provém a escrita japonesa, representada na Figura 2.4.
Na escrita ideográfica, a intenção não era apenas representar uma ideia, mas também os sons com que tais objetos ou ideias eram nomeados em cada idioma, facilitando a leitura e o registro dos fatos. Essa estratégia de escrita é conhecida como rébus.
Como a história da escrita não se deu de forma tão simples e linear, os próprios hieróglifos, ilustrados nas Figuras 2.5,
2.6 e 2.7, são exemplos de vários tipos de escrita “compostos de pictogramas e ideogramas com valores semânticos, além de hieróglifos criados explicitamente com representação fonética” (CAPOVILLA; CAPOVILLA, 2007, p. 7).
Nesse contexto, com o signo passando a ter um valor fonético, foi possível exprimir todas as formas linguísticas, até mesmo as mais abstratas, em símbolos escritos.
– Escrita Silábica
A ampliação do sistema de escrita ocorreu pela necessidade de agregar, às transcrições, elementos das línguas faladas, fazendo com que as pessoas abandonassem os símbolos para representar coisas e passassem a utilizar, cada vez mais, os símbolos que representassem sons da fala como, por exemplo, as sílabas.
Há evidências históricas de que os primeiros sistemas silábicos possam ter surgido cerca de 1.500 anos depois da escrita ideográfica, em 2800 a.C., na cidade de Ur, no atual Iraque.
Esse passo adiante, da escrita ideográfica para um sistema silábico e baseado nos sons, tornou-se muito conveniente e difundido na sociedade, pois como há, em média, 60 tipos de sílabas diferentes por língua, o sistema de símbolos necessário para representar as palavras através das sílabas ficou muito reduzido e fácil de ser memorizado (ROCHA, 2005).
– Escrita Alfabética
O alfabeto foi uma criação única que mudou a história da humanidade. A invenção do sistema de escrita alfabético se deu graças à noção de que a escrita poderia ser mais bem organizada se cada som individual fosse representado por um sinal específico, o que reduziria, consideravelmente, a quantidade de sinais utilizados para representar a escrita.
Os primeiros alfabetos foram inventados no Oriente Próximo em cerca de 1.500 a.C. Porém, eles representavam apenas os sons consonantais, deixando de lado as vogais. Essa invenção do alfabeto consonantal é atribuída, de modo incerto, a palestinos, fenícios ou sírios. (CAPOVILLA; CAPOVILLA, 2007, p. 7).
O alfabeto fenício tinha 22 letras que representavam sons e não a palavra toda como na escrita egípcia e suméria. Para representar a palavra, usavam-se objetos cujos nomes começavam com o mesmo som. Exemplo: a letra alef queria dizer “boi”, usava-se o hieróglifo da cabeça de um boi para representar o som inicial da palavra alef.
Com os gregos, a letra alef passou a representar a vogal A, agora denominada alfa. Assim, os gregos, diferentemente de outros povos, além de identificarem na fala as consoantes, também identificavam as vogais. Nosso próprio alfabeto latino é uma derivação do alfabeto grego, a partir do alfabeto romano.
Os romanos, por sua vez, aprenderam o sistema de escrita dos gregos, mas perceberam que não precisavam nomear de maneira especial as letras, era mais simples atribuir ao nome da letra apenas o próprio som dela, ficando mais fácil usar o alfabeto e se alfabetizar. Foi assim que alfa, beta, gama, etc., tornaram-se a, bê, cê..., e assim por diante (CAGLIARI, 1998).
A aquisição da escrita foi um dos processos mais longos pelos quais passou a humanidade. A escrita constitui-se em um sistema de intercomunicação humana por meio de signos convencionais visuais, que são registrados em diversos tipos de material, os quais foram evoluindo através dos tempos.
Os símbolos da escrita foram marcados em ossos, pedras, tabuinhas de barro ou argila, objetos ornamentais, papiros, pergaminhos, até chegar ao papel e aos suportes multimídias, como o advento das tecnologias da informação e comunicação. A invenção do papel contribuiu decisivamente para o desenvolvimento da escrita.
– A Escrita no Contexto Escolar
Nos dias atuais, a escrita tem ligação direta com a prática escolar. Entretanto, essa ligação está desatrelada do
papel que a escrita cumpre na formação social e cultural da criança.
Vemos, com frequência, nos anos iniciais e em classes alfabetizadoras, um exercício mecânico do ato de escrever e ler, deixando de lado a linguagem escrita propriamente dita, ou seja, o “sistema particular de símbolos e signos cuja dominação prenuncia um ponto crítico em todo o desenvolvimento cultural da criança”, segundo Vygotsky (1999, p. 140).
Vygotsky (1999) questiona ainda se o desenvolvimento da escrita deve ser visto, exclusivamente, como uma complicada habilidade motora ou se ele deve ser analisado como a linguagem escrita como tal, com suas especificidades, constituída por um sistema de signos que designam os sons e as palavras da linguagem falada.
O que acontece é que, aos poucos, a linguagem falada (ou seja, os signos das relações e entidades reais), que apoia o processo da escrita, diminui sua influência, e a linguagem escrita (que é constituída por um sistema de signos que designam os sons e as palavras da linguagem falada) transforma-se num sistema de signos para representar essas entidades reais e as relações entre elas (ou seja, a linguagem falada). Em outras palavras: num primeiro momento, a linguagem falada regula, organiza a linguagem escrita que, posteriormente, prescinde da linguagem falada para converter-se, ela mesma, num sistema de signos que passa a representar essa linguagem falada.
Pensando nisso, como a aquisiçãode um sistema tão complexo de signos pode ocorrer de maneira mecânica, imposta e tão precoce como observamos nas escolas?
Não estamos tirando da escola a sua atribuição como responsável pela alfabetização das crianças e pelo ensino das especificidades da escrita. Porém, o que não pode ocorrer é que essa prática seja exclusivamente mecânica e artificial. Para Vygotsky, a aquisição da escri¬ta resulta de um longo processo de desenvolvimento das funções superiores do comportamento infantil, etapa à qual o autor dá o nome de pré-história da linguagem escrita. Esta história – que é,
na verdade, a história das formas de expressão da criança – é constituída por ligações, em geral, não perceptíveis à simples observação e começa com a escrita no ar, com os gestos da criança aos quais nós, adul¬tos, atribuímos um significado (MELLO, 2005).
O desenvolvimento da linguagem escrita nas crianças não ocorre seguindo-se uma regra, uma forma linear. Ao contrário disso, é um desenvolvimento que pode aparecer e desaparecer, no qual a criança significa e ressignifica. Sobre o assunto, refere Baldwin (1912, apud VYGOTSKY, 1999, p. 140-141): esse processo é constituído tanto de involuções como de evoluções, ou seja, no mesmo passo de progressão no processo de desenvolvimento, do surgimento de novas conquistas, de cada novo caminhar, há um processo de redução, um estágio que se estaciona, ou um desenvolvimento contrário de velhas formas. “A história do desenvolvimento da linguagem escrita nas crianças é plena dessas descontinuidades” (VYGOTSKY, 1999, p. 141). Nesse contexto, a história da língua escrita tem início com o surgimento do gesto como um signo visual para a criança, seguido do desenvolvimento do simbolismo no brinquedo, no desenho e, por fim, na escrita, como veremos a seguir.
· Gestos e Signos Visuais
Ao observarmos uma criança envolvida em seus desenhos, num primeiro momento suas representações ocorrem mediante garatujas, símbolos que somente a criança é capaz de ler e interpretar. Durante a sua representação no papel, a criança dramatiza o que quer nos dizer em seus rabiscos. Durante essa etapa pictórica da criança, há um momento em que ela começa a desenhar objetos mais complexos, representando as qualidades reais destes como, por exemplo, o registro do redondo. Segundo Vygotsky (1999, p. 142), “[...] essa fase do desenvolvimento coincide com todo o aparato motor geral que caracteriza as crianças dessa idade e que governa toda a natureza e o estilo dos seus primeiros desenhos”.
· O Desenvolvimento do Simbolismo no Brinquedo
O desenvolvimento do simbolismo no brinquedo é a segunda etapa que une os gestos e a linguagem escrita. Nessa etapa, a criança confere significado aos gestos, aos objetos e à brincadeira.
A criança dá significado a objetos como os brinquedos, atribuindo uma ação representativa para sua brincadeira. A cada nova situação, a criança aprimora seu faz de conta, atribuindo novas possibilidades, à medida que novos objetos e interesses vão surgindo. Um cabo de vassoura, por exemplo, pode virar um cavalo de pau; um pano no chão, por sua vez, ao ser colocado sobre a vassoura, pode se tornar o chapéu do cavalo; e um pauzinho preso nas cerdas da vassoura pode representar o cavalo comendo capim etc.
O faz de conta estimula a linguagem da criança que cria, inventa, fantasia, levanta hipóteses, encara novos desafios e os soluciona.
Durante essa etapa, quanto menor for a criança, mais gestos ela utilizará para se comunicar; e quanto maior ela for, mais a fala vai predominando, enquanto os gestos diminuem.
· O Desenvolvimento do Simbolismo no Desenho
O outro processo pelo qual a criança passa durante a aquisição da escrita se refere ao desenvolvimento do simbolismo do desenho.
Nesse momento, a criança costuma desenhar o que vê e o que ela sabe que existe, como, por exemplo: barriga, blusa, a carteira no bolso etc. A criança também desenha o que fala, e este nível de produção exige abstração e memória, sendo uma etapa anterior ao desenvolvimento da escrita.
No decorrer desse processo, há um momento relevante durante a passagem dos rabiscos para os desenhos que já
expressam, representam ou significam algo.
- O Simbolismo na Escrita
Por considerar a escrita uma atividade simbólica, Vygotsky aponta que atividades igualmente simbólicas tais como o gesto, o jogo e o desenho (mediados pela fala) vão compondo a gênese da escrita na criança. Essas atividades simbólicas, portanto, revelam fases da pré-história da escrita e contribuem para o surgimento da própria escrita.
Com base em experimentos realizados com crianças, Vygotsky e Luria (VYGOTSKY, 1999) apontam que a simbolização da escrita vai evoluindo gradativamente.
Partindo de simples traços indiferenciados (sinais indicativos, traços imitativos, rabiscos simbolizadores e marcas topográficas), a representação gráfica da criança avança para pequenas figuras e pequenos desenhos (tentativas de marcar o ritmo das frases, e transcrições de quantidades, tamanhos, formas, cores), como numa pictografia primitiva.
Seguindo-se à representação pictográfica, as crianças iniciam a escrita simbólica, criando maneiras de expressar informações difíceis de serem desenhadas, substituindo, ao final do processo, os desenhos por signos, conforme referem Fontana e Cruz (1999, p. 204):
Para superar os limites que encontravam no desenho, as crianças passavam do registro do conteúdo da fala para o registro de uma ideia. Nesse processo, o desenho deixa de ser o desenho de alguma coisa para ser o desenho de palavras. Esse procedimento aparentemente simples envolve um grau considerável de desenvolvimento intelectual e abstração. A criança percebe que a fala também pode ser desenhada. Ao longo das tentativas de utilização da escrita, as crianças, que inicialmente não compreendiam o significado da escrita e tentavam utilizá- la por imitação de uma atividade do adulto, foram elaborando e aprimorando técnicas primitivas de registro, diferenciando-as gradualmente, até chegar ao significado funcional do símbolo.
Como exemplo, apresentamos, na Figura 2.8 (um desenho realizado por uma criança do sexo feminino, com cinco anos e sete meses), a representação gráfica da frase: “Eu vejo pássaros na árvore”. Tal como pode ser observado, a representação da ideia foi a seguinte: a figura de uma menina, representando o “Eu vejo”, e o desenho de uma árvore rodeada por vários pássaros (representando os “pássaros na árvore”). Esse exemplo corrobora o que Vygotsky afirma acerca do desenho da criança e sua relação estrita com a fala:
No processo de alfabetização da criança, segundo Vygotsky e Luria (VYGOTSKY, 1999), há uma relação entre a escrita primitiva (pictográfica) infantil e a escrita convencional, pois, em seus experimentos, foi possível constatar que as crianças iam fazendo diferenciação gradual entre os símbolos usados pra escrever, como afirmam Fontana e Cruz (1999, p. 205):
No processo de alfabetização, a criança, interagindo com os usos e formatos da língua escrita, pela mediação do adulto, de quem recebe informações sobre o sistema convencional de escrita, tenta utilizar as letras para ler e produzir textos. Ela imita o adulto nos atos de ler e escrever e segue suas instruções. Ela confronta suas técnicas primitivas de escrita com as regras da escrita convencional. Assim ela vai se apropriando dos mecanismos da escrita simbólica culturalmente elaborada. O domínio do sistema de escrita convencional vai substituindo, então, suas técnicas primitivas de escrita.
O que se espera com esse processo de aquisição da escrita, esclarecido por Vygotsky, o qual procuramos representar aqui, é oferecer situações que preparem e organizem essa transição que ocorre naturalmente. Assim que a criança domina o princípio da linguagem escrita, fica então a encargo da escola simplesmente aperfeiçoar os métodos e as especificidades da escrita, sempre levando em consideração o seu caráter cultural e social.
Implicações Práticas
Vemos, nos dias atuais, que cada vez mais cedo as crianças conseguem ter atenção ememória, e muitas delas
fazem combinações de signos (B+O=BO).
O que ressaltamos aqui, e ainda discutiremos ao longo do curso, é como a alfabetização vem ocorrendo nesse contexto onde crianças cada vez mais novas ingressam no universo escolar transbordando informações. Para isso, o ensino precisa ser organizado como tal, e deve atender às exigências dessa nova demanda de alunos.
É importante repensarmos nossas ações e darmos espaço a novas tendências educativas, tomando o aluno como sujeito de sua aprendizagem e oferecendo situações para que a leitura e a escrita sejam algo de que a criança necessite. Assim, poderemos reverter o quadro do ensino da escrita como uma habilidade motora para uma atividade cultural muito mais significativa (VYGOTSKY, 1999).
Esta disciplina visa analisar e discutir processos implícitos à alfabetização. A alfabetização é compreendida como o ensino e a aprendizagem da língua escrita na fase inicial de escolarização, tanto das crianças como dos jovens, adultos e idosos.
Você consegue imaginar a vida ao longo do tempo sem a escrita? E na atualidade? Você utiliza a escrita em seu dia a dia em quais momentos? Já havia pensado sobre sua importância?
Fica difícil até imaginar a hipótese de não existir a escrita, não é? Ainda mais com toda a tecnologia que permite associá- la a um vasto campo de comunicação que integra também imagens e sons. Desde sua origem, em distintos ambientes culturais, a escrita desempenha um papel muito importante na sociedade, pois permite a interação dos indivíduos sem o uso da oralidade.
Neste tema, você estudará o momento de aquisição da língua escrita e os processos didáticos envolvidos.
A Aprendizagem e a Língua
Considera-se que, para se compreender o processo de ensino-aprendizagem nas séries iniciais de alfabetização, é importante destacar algumas características da concepção de aprendizagem tratada neste tema. Se alguém lhe perguntar o que é aprendizagem, como você responderia? Veja o quanto sua resposta se aproxima da que apresentamos:
· Aprendizagem é um ato intelectual em que o aluno se apropria de um novo conhecimento, e, neste caso, não é um ato condicionado, como o obtido a partir de repetições de sequências de exercícios, de cópias, entre outros, diferenciando-se de uma reprodução apenas.
Desta forma, entende-se que a aprendizagem é comprometida simplesmente fazendo exercícios repetitivos e, muitas
vezes, sem sentido. Aprendemos diante de práticas significativas.
Se você pensar sobre como aprendeu a fazer seu perfil em uma rede social, por exemplo, perceberá que aprendeu preenchendo seus dados ao fazer seu perfil! Você não ficou fazendo exercícios para aprender a preenchê-lo! Descobriu como fazê-lo fazendo! Assim, a aquisição de um novo conhecimento e, neste caso, a aquisição da competência leitora e escritora são resultantes de práticas significativas, de práticas contextualizadas. Escrever textos no processo de alfabetização é contextualizar a grafia criando sentido na mensagem. É criar a intenção de comunicação entre emissor e receptor por meio da mensagem.
Vale ressaltar que a escrita surge com o objetivo de comunicar. Dos desenhos ao alfabeto que conhecemos hoje, ela foi se desenvolvendo em um processo natural, aprimorando-se pouco a pouco. Ela é um sistema que está sempre mudando, e não faz sentido aprender formas arcaicas, salvo por motivos específicos para aprendê-la.
Aquisição da Competência Leitora e Escritora e a Questão dos Métodos
Muitos estudiosos entendem que é possível conhecer uma língua sem dominar todos os termos técnicos, todas as suas regras. Pode-se dizer que, mesmo sem ter domínio sobre a correta grafia da língua escrita, é possível que as crianças produzam textos. Elas podem contar histórias oralmente, como também são capazes de produzir histórias por escrito. Antes de chegar à escola, os alunos já têm experiência da língua portuguesa, pois atuam como falantes e já leem muitas coisas.
Emilia Ferreiro, na década de 1980, desenvolveu muitos estudos sobre a língua, e alguns deles apresentavam novas formas de se pensar a aquisição da leitura e escrita. Assim, quando os primeiros livros de Emilia Ferreira surgiram, foi com olhar desconfiado que muitos professores observaram que era possível, inclusive, a produção de livrinhos mesmo antes que as crianças conhecessem todas as famílias silábicas. Esta prática não era empregada até então.
Antes de serem conhecidas estas ideias, a alfabetização ocorria com o emprego de métodos sintéticos (fônico, silábico), em que se partia das unidades mínimas – das partes para o todo – ou de outros métodos como os de palavração, de sentenciação, que partem respectivamente das palavras e das sentenças, ou seja, de unidades maiores.
Em todos esses métodos, os textos empregados e as produções escritas se voltam a textos artificialmente construídos, textos elaborados para cada etapa da aprendizagem, e não textos da vida real, textos que circulam na sociedade, ou seja, textos autênticos.
O Papel do Aluno
Para que a prática pedagógica proposta por autores como Emilia Ferreiro se torne possível, é necessário compreender o aluno não como sujeito passivo, um receptáculo vazio em que se deposita informações, conteúdos já prontos e selecionados pelo professor. A partir do conceito de aprendizagem que já apresentamos, o papel do aluno ganha destaque em um ensino que valoriza a aprendizagem. Veja a importância da ação do aluno para que a aprendizagem ocorra:
· O aluno tem um papel ativo, isso significa que ele constrói seu próprio conhecimento a partir da ativação de estruturas cognitivas, à medida que se relaciona com o meio (colegas, professor, livros etc.) em uma relação entre sujeito e objeto.
SUJEITO — OBJETO
Neste caso, o sujeito se relaciona com o objeto (colega, professor, livros, brinquedos, jogos etc.), ocorrendo uma interação. Ao se relacionar com a língua escrita é que ele vai cada vez mais se apropriar deste sistema complexo. A criança passa a associar a linguagem oral às formas gráficas na medida em que começa a compreender o princípio alfabético. Assim, é necessário relacionar a fala com a escrita e buscar, desde o início do processo de alfabetização, a criação de sentido ao ler.
Não se pode esquecer que a língua falada tem características que lhe são peculiares, incluindo a variação linguística, e difere-se das características da língua escrita. Diante destas diferenças, o professor dever adotar sempre a norma culta, tanto na sua oralidade quanto na sua escrita, explicando o porquê e reconhecendo o valor das variações linguísticas e seu emprego em espaço não escolar. O professor deve trabalhar no sentido de que a criança se torne capaz de compreender o processo de conceitualização da língua escrita e aquisição da norma culta da língua.
Exposição a Textos Autênticos
Pode-se dizer que, a partir da concepção de aprendizagem que compreende o aluno como sujeito ativo no processo de construção do conhecimento, a exposição de crianças, jovens e adultos em processo de alfabetização a situações que envolvam a leitura e a escrita deve ser muito valorizada. Espera-se que cada aluno, em seu próprio ritmo, desenvolva suas competências e habilidades, e que o professor saiba respeitar as diferenças entre cada um deles.
Nas práticas de alfabetização que se respaldam no papel do professor como aquele que ensina e do aluno como receptor, não tão ativo no processo de aprendizagem, isso não ocorre. Observa-se nestes métodos, por exemplo, que o aluno é visto como incapaz de produzir textos senão adaptados, artificiais, enquanto não dominar grande parte das famílias silábicas ou, até mesmo, a ortografia correta das palavras.
Na fase inicial de alfabetização, deve-se trabalhar para que a criança entenda o princípio alfabético. Ao ler ocorre o reconhecimento das palavras escritas. O processo de alfabetização neste caso, desde o início, deve ser compreendido e planejado com o enfoque na funcionalidade da língua, em outras palavras, na contextualização da língua escrita a partir de situaçõesda vida cotidiana dos alunos.
O trabalho com textos autênticos é fundamental, e a primeira etapa da alfabetização é a decifração, pois sem ela não é possível escrever. É ao decifrar que o sujeito é capaz de compreender como a escrita funciona. A leitura é uma condição para a compreensão.
E como ensiná-la? Você pode estar se perguntando se existe um método ideal para alfabetizar. Não existem receitas prontas, e sim práticas que permitem que o sujeito interaja com novas informações e, a partir de estratégias e sequências didáticas, seja orientado, podendo desenvolver suas competências e habilidades, construindo novos conhecimentos. Da mesma forma que a criança aprende a falar, ela deve ser inserida no mundo da escrita. Sabe-se que, quando ela chega à escola, a leitura e a escrita, de certa forma, já fazem parte do mundo em que vive, e ela já lê o mundo (ela lê imagens, slogans, algumas palavras etc.). A criança já compreende a linguagem ao ser alfabetizada, mas é no processo de alfabetização que ela desenvolve a habilidade de reconhecer e de produzir a forma gráfica das palavras (ler e escrever). Deve ser capaz de realizar uma leitura compreensiva e de produzir textos dotados de sentido.
Sobre a Correção
Lembre-se de que você aprendeu a falar português falando! A criança pequena aprendeu a falar “eu comi carne ontem”, e não “eu comeu calne ontem”, porque foi corrigida sem humilhação, sem ter de fazer lista de verbos no passado várias vezes. Ela aprendeu falando em situações reais de fala. Ela foi corrigida e aprendeu na prática, principalmente ouvindo outras pessoas. O processo de aquisição da escrita deve ocorrer da mesma forma, de forma natural, tendo acesso a textos escritos diversos e autênticos. Vale lembrar que, apesar de o processo de aquisição da escrita se aproximar da aquisição da fala, devem ser resguardadas as devidas diferenças, uma vez que o alfabeto representa a estrutura fonológica da língua.
· Consideramos que o processo de alfabetização deve ser prazeroso, em que a escrita espontânea seja estimulada, visto que a apresentação de diferentes textos contribui para que a criança relacione a linguagem oral com a escrita e perceba sua adequação em cada caso com enfoque na aquisição da norma culta. A orientação para a leitura compreensiva e a escrita espontânea permite que o aluno relacione fala e escrita, e a apropriação da norma culta é consequência de um processo em que a criança compara, por exemplo, sua produção escrita com a do livro e com a dos colegas e pouco a pouco vai se apropriando deste conhecimento naturalmente.
Há conteúdos em que o aluno é desafiado a pensar em caminhos e a encontrar respostas, mas, por exemplo, na aprendizagem da ortografia de palavras cujos sons têm mais de uma grafia, como em sozinho, casa, lápis, feliz, o professor deve apresentar a ortografia correta e explicar que a grafia pode mudar, mesmo diante de um mesmo som, e ela pode ser empregada para outros sons também. É principalmente lendo que a criança vai passar a conhecer a ortografia correta das palavras. Para tanto, na fase inicial de alfabetização, o professor deve trabalhar, como foi apresentado, para que a criança entenda o princípio alfabético.
O Letramento
Enquanto a alfabetização passou a ser o termo empregado para a prática de ensinar a codificação e decodificação (escrita e leitura), o termo letramento surgiu em decorrência da necessidade de nomear essas práticas ao empregar a língua em situações sociais. Podemos dizer que o letramento, para além da aquisição da leitura e escrita (alfabetização), busca expandir esse processo para o desenvolvimento de competências e habilidades do uso da língua em práticas sociais, nos diversos contextos em que a leitura e a escrita ocorram. Exemplo: ser capaz de empregar o gênero textual adequado a determinado contexto. Há, portanto, uma relação de interdependência entre a aquisição da língua escrita e as atividades de letramento, pois elas se complementam. De acordo com Barcellos (2007, p. 18) “dissociar alfabetização de letramento é um erro, pois os processos ocorrem simultaneamente. São interdependentes porém cada qual tem sua especificidade, exigindo um trabalho direcionado”.
Sobre o Papel do Professor
Uma crítica sobre a aquisição da linguagem escrita de forma espontânea é que a seriedade do professor estaria ausente, e seu papel seria o de mero observador da transcrição da fala feita pelas crianças no papel, totalmente livre, sem se preocupar com o processo de ensino da língua no padrão da norma culta. Muito pelo contrário, o papel do professor nesta prática é de contribuir para que os alunos possam tomar consciência de que a língua escrita se relaciona com a fala e seu objetivo é a comunicação entre as pessoas. A língua é um código capaz de transmitir ao receptor certa mensagem. A relação emissor – mensagem – receptor permite a interação humana. A decifração (leitura) e a codificação (escrita) é um processo com objetivo da interação social.
De acordo com Cagliari (2009, p. 8-9), neste processo:
Não basta deixar de lado o livro das cartilhas; é preciso deixar de lado o método das cartilhas, o ensino centrado na noção de sílaba como unidade privilegiada da escrita e da leitura. Ensinar as crianças a tornar conscientes os procedimentos de decifração da escrita é uma estratégia que as agrada mais do que ficarem repetindo coisas aparentemente sem sentido, ou ser largadas à própria sorte, esperando que saiam de dentro de si os conhecimentos que a escola exige para ler e escrever.
Esse processo pode ser aprendido de forma prazerosa, e não excludente. O aluno, ao escrever de forma espontânea com a mediação do professor, cria hipóteses e pouco a pouco vai adquirindo conhecimentos linguísticos em uma ação natural, como visto, tal qual quando aprendeu a falar – praticando, neste caso, lendo e escrevendo.
O Papel do Erro
Para que isso seja possível, ele não pode ter medo de errar. O erro é compreendido como parte do processo de tomada de consciência. É a partir dele que se aprende, visto que contribui para a construção de novas hipóteses, para a aquisição de novos conhecimentos. O erro não pode ser punitivo!
· O erro é um momento de reflexão tanto para o aluno como para o professor. Neste momento, as hipóteses são reorganizadas. Cada sujeito, em um diálogo consigo mesmo, reflete sobre as hipóteses construídas e elabora novas possibilidades. O professor, como mediador da situação de aprendizagem, diagnostica o que é necessário ser trabalhado com mais ênfase para contribuir para que o aluno construa seu conhecimento.
Para compreender melhor a escrita espontânea e o erro, neste caso entendido como parte do processo de aquisição de
uma nova aprendizagem, vamos apresentar duas produções textuais e refletir a partir delas.
Analisando a Produção Escrita
Veja os exemplos dos Textos 1 e 2, produzidos por crianças das séries iniciais de alfabetização. O Texto 1 foi
produzido por Pedro e o Texto 2, por Robson (nomes fictícios apenas para ilustrar).
Texto 1
A pata.
A pata é amarela. A pata bebe suco.
A pata come pipoca.
A pata no lago do menino.
A pata da menina no lago do menino.
Texto 2
A pata
Uma vez fui no lagomunicipau. Queria ver apata blanca nadamdo no lagomunicipau dai meu pai não dexo ve a pata poque estava chobemdo muito.
FIM
Qual dos dois textos ilustra as propostas apresentadas? Em qual dos dois textos o aluno descreveu uma história enquanto acontecimento? Qual o sentido do Texto 1? E o sentido Texto 2? Quais são as principais diferenças entre eles?
Entre outras questões, podemos dizer que, no Texto 1, Pedro provavelmente percebeu como funcionam as regras da escola e não arriscou nenhuma palavra que não estivesse seguro para escrever, pois provavelmente os textos que lhe foram apresentados eram textos adaptados, artificiais. Sua produção escrita seria, portanto, um reflexo desses textos.
No Texto 2, Robson narrou um acontecimento e o que ocorreu? Apesar dos erros, é possível entender a mensagem? É possível perceber o que precisa ser trabalhadopara que a criança aprenda? Sim! Vemos que o texto de Robson permite que o professor perceba as hipóteses que estão sendo construídas, podendo trabalhar o conteúdo a partir dos erros percebidos, direcionando atividades específicas para isso.
Os Textos 1 e 2 demonstram formas diferentes de trabalhar a alfabetização; uma delas já envolve o letramento, enquanto
a outra apenas se preocupa em ser um exercício de codificação.
Vale destacar que existem programas de combate ao analfabetismo e eles devem ser acompanhados de políticas e mudanças sociais capazes de levar à prosperidade e a um possível bem-estar social. A partir de 1988, com a Constituição Federal, as metas de erradicação do analfabetismo foram propostas pelo Plano Nacional de Educação, ofertando a garantia de atendimento a jovens e adultos no ensino fundamental e médio. Antes de 1988, diversos programas existiram, e mesmo após a Constituição esses programas ainda não atingiram os resultados esperados. Eles podem ser, por exemplo, programas adotados por políticas públicas, como também por organizações da sociedade civil ou parcerias.
Veja alguns programas de alfabetização:
· Programa Brasil Alfabetizado – criado em 2003, o Programa Brasil Alfabetizado, do Ministério da Educação e Cultura (MEC), previu projetos com o objetivo de alfabetizar jovens com 15 anos ou mais, adultos e idosos, e universalizar o ensino fundamental.
· Programa Alfabetização Solidária – criado em 1996, faz parcerias com alguns municípios, instituições de Ensino Superior e empresas. Em 1998, foi transformado em uma organização não governamental (ONG). O programa é apoiado pelo Programa Brasil Alfabetizado desde 2003.
· Projeto Mova Brasil – criado em 2003, abrange os seguintes estados: Bahia, Minas Gerais, Alagoas, Ceará, Amazonas, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Sergipe. É inspirado no educador Paulo Freire e desenvolvido em parceria com a Petrobrás, Federação Única dos Petroleiros e o Instituto Paulo Freire.
Atualmente, o Estado de São Paulo trabalha sob orientação da professora Telma Weiz, com o projeto Ler e Escrever em todas as escolas de ensino fundamental I. O objetivo é desenvolver a competência leitora e escritora. O projeto foi instituído em 2007 para o Ciclo I das Escolas Estaduais de Ensino Fundamental das Diretorias de Ensino da Coordenadoria de Ensino da Região Metropolitana da Grande São Paulo. Em 2008, passou também a atender às escolas estaduais do interior de São Paulo. Desde 2009, faz parcerias com prefeituras interessadas no programa.
Pode-se dizer que esses projetos de alguma forma possibilitam a inclusão social. Para que isso seja possível, o professor no processo de ensino-aprendizagem deve valorizar os conhecimentos prévios dos alunos e, a partir deles, realizar mediações para a aquisição de novos conhecimentos.
Como visto, a língua trabalhada em seu sentido social permite o acesso ao código escrito e a compreensão de sua função (que é social). Ela é, desta forma, um instrumento de inclusão dos sujeitos na sociedade, opondo-se à marginalização e à exclusão social.
O sujeito alfabetizado/letrado (criança, jovem ou adulto) é aquele capaz de compreender os diversos textos interpretando- os, bem como ser capaz de produzi-los em suas diversas formas e funções sociais. Vê-se que a língua é entendida como objeto de interação e comunicação, composta por elementos ideológicos, histórico-sociais e socioculturais.
Os elementos socioculturais inerentes aos textos podem ser observados a partir de um trabalho com textos autênticos. São os textos autênticos trabalhados em situações sociointerativas, por exemplo, capazes de contribuir para a formação das crianças, dos jovens e adultos conscientes, capazes de refletir sobre si mesmos e sobre a sociedade em que vivem. A reflexão crítica sobre o mundo em que se insere a partir da apropriação do código escrito permite que o sujeito atue em sociedade de forma mais autônoma e digna, construindo uma identidade nacional.
A Consciência Fonológica no Processo de Alfabetização
A Consciência Fonológica começa a existir a partir dos seis anos de idade, quando as crianças geralmente são encaminhadas à pré-escola. Antes dessa idade, alguns autores estudiosos do processo de alfabetização consideram que essa consciência esteja presente no individuo, porém não há como avaliá-la.
A Consciência Fonológica é ter a ciência dos sons da fala. Quando temos essa ciência, o processo de aquisição da língua escrita torna-se mais rápido e com sentido prático.
O processo de alfabetização analisa a relação entre as letras e os sons, enquanto a consciência fonológica se refere a operações baseadas na fala, ou seja, na língua oral.
No entanto, quando pensamos em crianças com deficiência auditiva ou surdez, essa consciência fonológica não ocorre, pois os surdos não ouvem os sons da fala e, consequentemente, o processo de alfabetização fica comprometido.
Então, como podemos alfabetizar crianças surdas e ouvintes? Como facilitar a relação fonema-grafema para crianças surdas e ouvintes? Para responder a estas questões, no que se refere às crianças ouvintes, temos que desenvolver nelas a habilidade de reflexão e identificação dos sons da fala para que possam perceber as frases, as palavras, as sílabas e os fonemas. Já para as crianças surdas, o processo de alfabetização não é tão simples, pois envolve outra forma de comunicação: a espaço-visual pelo uso da Língua de Sinais. Os surdos não têm como identificar os fonemas para associá-los aos grafemas e, assim, dar sequência ao seu processo de alfabetização.
Medeiros e Oliveira (2008) afirmam que para que a criança reconheça que os sons emitidos são associados às letras é
necessário que ela tenha a consciência fonológica, conforme você pode observar a seguir:
Em verdade, para que a representação do nível do fonema aconteça, é necessário que a criança tenha a habilidade de consciência fonológica, ou seja, que tenha a capacidade para: objetivar a palavra, direcionar a atenção para sua estrutura, perceber seus segmentos e manipulá-los de diferentes formas. (MEDEIROS; OLIVEIRA, 2008, p. 45)
Conforme a criança avança em seu processo de alfabetização, ela percebe que cada som pode representar uma letra, que cada fonema e grafema possui uma sequência e que, alterando essa sequência, há a produção de uma palavra diferente.
A consciência fonológica envolve o reconhecimento pela criança de que as palavras são formadas por diferentes sons, que podem ou não ser manipulados, abrangendo não só a capacidade de reflexão, mas também a de operação com fonemas, sílabas, rimas e aliterações (MEDEIROS; OLIVEIRA, 2008). Esta capacidade de operação pode ser dividida três níveis: rimas e aliterações (exemplo: café – boné), sílabas (exemplo: fada – faca) e fonemas (exemplo: vida – vento).
Desse modo, a consciência fonológica pode ser dividida em três tipos:
1. Consciência sintática: faz referência à consciência das palavras, ou seja, possui a habilidade de segmentar a frase em palavras; de ordenar as palavras nas frases; de organizar as palavras que foram distribuídas de forma desordenada e, por fim, de contar o número de palavras numa frase.
2. Consciência de sílabas: esta consciência constitui uma sub-habilidade da consciência fonológica, pois envolve a habilidade de segmentar as palavras em sílabas, de contar o número de sílabas, de identificar a sílaba inicial e final e, por fim, de subtrair uma ou mais sílabas formando novas palavras.
3. Consciência de fonemas: se refere ao fonema como constituidor de palavras. Nesta consciência há a habilidade de: analisar os fonemas que compõem uma palavra, o uso dos fonemas na formação de novas palavras, a indicação da quantidade de fonemas que compõem a frase, a identificação de palavras a partir dos fonemas ditados ou citados e, por fim, a subtração ou a substituição dos fonemas para formar novas palavras.
Uma das questões que você deve estar se fazendo é: se a consciência fonológica é tão importante para o processo de alfabetização, por que não propomos mais atividadespara desenvolvê-la melhor? Infelizmente, muitos professores da educação infantil e das séries iniciais do ensino fundamental não têm a formação inicial adequada para estimular a consciência fonológica das crianças.
A consciência fonológica é importante neste processo de aquisição da língua escrita. O sucesso para o aprendizado na língua escrita está na linguagem oral, pois ao representá-la graficamente, a criança conseguirá relacionar as letras e os sons.
A aquisição da leitura e da escrita pelas crianças depende da utilização de diversas estratégias pelo professor para o sucesso no processo de alfabetização. Dentre elas, pode-se destacar o método sintético e o método analítico.
Há três grandes métodos de alfabetização: o método sintético, o método analítico e o método misto, também classificado
como método sintético-analítico. Os mais difundidos são os dois primeiros, dos quais você verá a descrição a seguir.
Método Sintético: neste método, também classificado como método fônico, parte-se da identificação de pequenos elementos para a formação de palavras, ou seja, da “parte” para o “todo” do texto. Busca-se, ainda, a relação entre fonemas e grafemas, com o intuito de possibilitar à criança uma aquisição de leitura e escrita. O desenvolvimento deste método envolve exercícios que combinem a consciência fonológica e o exercício de correspondência entre os grafemas e os fonemas.
Método Analítico: também classificado como método silábico, pois são dadas às crianças as palavras para que delas sejam extraídas as sílabas, ou seja, parte-se do “todo” para as “partes”. Neste método, primeiro é apresentada a forma e o nome das vogais e, posteriormente, são combinadas as vogais para se formar os ditongos e os tritongos para que, em seguida, sejam passadas as consoantes.
Neste processo de aquisição da língua escrita a criança passa a visualizar a forma usual da escrita, seja na escola, seja na família. O processo de aquisição de escrita envolve quatro níveis, a saber:
1. Nível pré-silábico: neste nível a criança não realiza nenhuma correspondência entre a fala e a escrita, ou seja, qualquer traço ou rabisco é considerado a escrita para a criança.
2. Nível silábico: neste nível a criança começa a organizar seu pensamento de modo que compreende que para ler algo diferente é necessário ler de uma maneira diferente. A criança começa a se preocupar com a quantidade de palavras faladas e escritas, evidenciando nesta etapa grafismos mais definidos. É neste nível que a relação entre a fala e a escrita se torna mais consistente.
3. Nível silábico-alfabético: neste nível a criança já conhece as sílabas e já é capaz de identificar que as sílabas podem ser fragmentadas em unidades menores. Neste caso, já há o entendimento de que o fonema não necessariamente é igual ao grafema e vice-versa.
4. Nível alfabético: neste nível inicia-se o processo de uma escrita regular, mais formal. A consciência fonológica que existia nos três níveis anteriores era, respectivamente, a fala, a palavra e a sílaba e, agora, se concentra ao nível dos fonemas, tornando-se um processo mais analítico e não mais automático.
Os processos de leitura e escrita ganharam força a partir da década de 1970, quando os estudos mostraram a importância do processo fonológico para o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita das crianças.
A consciência fonológica é baseada na habilidade de organizar a estrutura sonora das palavras, ou seja, para adquirir essa consciência, a criança tem que ser capaz de relacionar os grafemas e os fonemas.
De acordo com alguns autores, a consciência fonológica está intimamente relacionada com o aprendizado da leitura e da escrita, portanto, relacionada ao processo de alfabetização.
Santamaria et al. (2004, p. 238) afirma que existe uma relação entre as habilidades de leitura e escrita e o processamento temporal. Essa relação, segundo a autora, pode ser de três tipos: a consciência fonológica, a velocidade de acesso ao léxico mental e a memória de trabalho fonológico.
Enquanto algumas pesquisas apontam que a criança inicia o desenvolvimento da consciência fonológica no momento em que é introduzida ao sistema alfabético, outros estudos mencionam que a criança só consegue se inserir no sistema alfabético se possuir a consciência fonológica previamente.
De acordo com Santamaria (2004, p. 238):
O desenvolvimento da consciência fonológica parece estar atrelado ao próprio desenvolvimento simbólico da criança no sentido de atentar ao aspecto sonoro das palavras (significante) em detrimento de seu aspecto semântico (significado). Assim, alguns estudos têm demonstrado que há um caminho longo até que a criança perceba que a escrita não representa diretamente os significados, mas sim os significantes verbais a eles associados. E quando ela descobre esta relação entre a fala e a escrita, ainda assim há todo um processo de cognição envolvido no sentido de compreender como se dá esta relação, a saber, através da correspondência entre fonema e grafema.
Corroborando com as ideias de Santamaria (2004), Capovilla (2005) afirma que há estudos para o desenvolvimento da
consciência fonológica das crianças e também para ensiná-las as correspondências grafo-fonêmicas.
É importante destacar a diferença entre a consciência fonológica e o método fônico. Para Santamaria (2004), aplicar o método fônico para trabalhar a consciência fonológica seria um retrocesso, pois pesquisas apontam que a criança formula hipóteses e constrói o conhecimento ao se familiarizar com as formas de escrita e ao refletir sobre o funcionamento da língua escrita. Ainda de acordo com esta autora, o uso de músicas, poesias, parlendas e trava-línguas são recursos que podem auxiliar no desenvolvimento da consciência fonológica.
A seguir, indicamos atividades para se trabalhar com o desenvolvimento da consciência fonológica. Essas atividades foram propostas por Isabel Ruivo (2013).
Atividades de consciência das palavras: Levar a criança a perceber que as frases variam em número de
palavras, ao falar uma por uma. Por exemplo: contar as palavras de provérbios como: “filho de peixe, peixinho é”.
Atividade de rima: A poesia Jogo de Bola, de Cecília Meireles, dá uma boa atividade de rima, pois contém as palavras amarela, Arabela... Para destacar a rima, todos os “ELA” podem ser trocados por um símbolo.
Atividades de síntese silábica: Ao colocar ou tirar sílabas de palavras, o aluno pode formar novas palavras: se tirar o de de verde, fica ver; sa + bichão forma sabichão.
Nos cadernos 2 e 5 da coleção Organização do Ciclo Inicial de Alfabetização, disponíveis no Portal Educativo Ceale (www.fae.ufmg.br/ceale), há também exemplos para desenvolver a consciência fonológica. (RUIVO, 2013,
p. 5)
A aquisição da escrita só ocorre quando a criança reflete sobre a sua fala, ou seja, quando ela consegue representar graficamente os sons da fala. Para que a consciência fonológica auxilie no processo de alfabetização das crianças, é necessário que exista a formulação de hipótese sobre a escrita por parte das crianças, que elas consigam refletir a relação entre a fala e a escrita e, por fim, que façam uso da consciência fonológica.
Algumas pesquisas afirmam que o uso de rimas e aliterações na língua oral favorece o aprendizado da língua escrita, pois neste caso há semelhanças sonoras entre as palavras e as sílabas, podendo auxiliar no aprendizado dos grafemas e fonemas das palavras.
Uma forma de avaliar a consciência fonológica é verificar se uma dificuldade de aprendizagem existe de fato, identificar quais são ou qual é essa dificuldade, analisar por que essa dificuldade existe e, por fim, identificar quais seriam ou qual seria a diferença entre essa dificuldade e as demais dificuldades vivenciadas por crianças da mesma faixa etária.
Após a verificação dessa dificuldade, você deverá propor às crianças algumas tarefas para que elas estimulem a consciência fonológica, tais como atividades que contenham: identificação de rimas, contagem de sílabas, contagem de fonemas, comparação com otamanho das palavras e representação de fonemas com letras do alfabeto.
Considerações Finais
Você pôde refletir neste tema que a consciência fonológica é um importante processo para o desenvolvimento da leitura e escrita das crianças de seis e sete anos de idade. Viu também que para as crianças surdas o processo de aquisição da leitura e escrita envolve outra forma de comunicação, ou seja, a espaço visual por meio do uso da Língua de Sinais. Para o professor, é importante saber identificar nos seus alunos quando estes já possuem a consciência fonológica e como fazer para desenvolvê-la com maior habilidade. Quanto aos alunos surdos, não há como desenvolver a consciência fonológica, mas é importante auxiliá-lo na aquisição da leitura e escrita da língua portuguesa.
Referindo-se aos métodos de alfabetização, você acompanhou que existem os métodos sintático e analítico. O método analítico, no qual está presente a consciência fonológica, também é chamado de método fônico. Já o método sintático é chamado também de método global.
Por fim, você observou que a consciência fonológica está vinculada com a relação entre os fonemas e os grafemas que,
em síntese, favorecem o desenvolvimento da língua escrita.
Métodos de Alfabetização: sintético, analítico e misto
Para melhor compreender os métodos de alfabetização é oportuno retomar alguns caminhos percorridos e as diversas práticas de ensino da leitura e da escrita desenvolvidas e postuladas ao longo da história.
De acordo com Mortatti (2006, p. 3), no Brasil, especialmente com o advento da República, a educação ganha maior destaque, configurando-se como um instrumento privilegiado para a modernização e o desenvolvimento da nação. Nesse contexto, as práticas de leitura e escrita constituem:
[...] fundamentos da escola obrigatória, leiga e gratuita e objeto de ensino e aprendizagem escolarizados [...], submetidas a ensino organizado, sistemático e intencional, demandando, para isso, a preparação de profissionais especializados.
Todavia, frente ao histórico cenário de fracasso escolar na alfabetização, os esforços concentraram-se, sobretudo, nas discussões e embates acerca da hegemonia de determinados métodos de ensino da leitura e da escrita, assim como entre os defensores dos métodos oficiais e vigentes e aqueles que proclamavam estratégias e princípios inovadores.
A esse respeito, Mortatti (2004, p. 2) salienta que:
Em nosso país, a história da alfabetização tem sua face mais visível na história dos métodos de alfabetização, em torno dos quais, especialmente desde o final do século XIX, vêm-se gerando tensas disputas relacionadas com ‘antigas’ e ‘novas’ explicações para um mesmo problema: a dificuldade de nossas crianças em aprender a ler e a escrever, especialmente na escola pública.
Pode-se dizer que tradicionalmente os métodos de alfabetização subdividem-se em método sintético, analítico e misto. Segundo Frade (2007), tais métodos apresentam como conteúdo o ensino da leitura e da escrita, porém diferem no tocante ao ponto de partida e encaminhamento do processo de alfabetização, assim como você verá adiante.
O método sintético parte da unidade para o todo, ou seja, da letra para a sílaba, da sílaba para a palavra e da palavra para a sentença. O ensino da leitura parte da compreensão das letras e seus respectivos nomes – método alfabético; ou de seus sons – método fônico; ou ainda, das famílias silábicas – método silábico; percorrendo uma ordem crescente de dificuldades. Isto posto, “[...] reunidas as letras ou os sons em sílabas, ou conhecidas as famílias silábicas, ensinava-se a ler palavras formadas com essas letras e/ou sons e/ou sílabas e, por fim, ensinavam-se frases isoladas ou agrupadas” (MORTATTI, 2006, p. 5).
Em suma, os processos derivados do método sintético podem ser definidos como método alfabético, método fônico e método silábico. No método alfabético, o processo de ensino decorre do nome das letras e sua configuração, para as sílabas e suas modificações e, por conseguinte, para as palavras e suas propriedades. No método fônico, o processo de ensino parte do som da letra, o fonema, para a sua representação gráfica e, em seguida, para a sílaba, a palavra e a frase. No método silábico, empregam-se as sílabas como unidades-chave, ensinam-se as vogais, com o auxílio de recursos ideográficos e, posteriormente, realizam-se exercícios de combinação de cada vogal com as diferentes consoantes, formando-se palavras que possibilitarão a fixação do padrão silábico estudado (MONTEIRO; OLIVEIRA, 1985).
Para Monteiro e Oliveira (1985), os processos derivados do método sintético enfatizam o aspecto mecânico da leitura, a partir de elementos fonéticos destituídos de significado, bem como apresentam divergências quanto aos princípios psicológicos de aprendizagem.
Conforme Cagliari (2009) e Mortatti (2006), o método sintético prevaleceu até o final do período imperial brasileiro, em especial no âmbito das aulas régias. Contudo, de acordo com Frade (2007, p. 34), “é preciso reconhecer que a permanência de métodos sintéticos para o ensino do sistema alfabético de escrita é muito recorrente na história das práticas pedagógicas”.
O método analítico, por sua vez, passa a ser divulgado, de modo sistemático e ordenado, a partir da década de 1880, em virtude da publicação da obra Cartilha Maternal, do poeta português João de Deus, cujo ensino da leitura fundamentava- se no método da palavração, segundo pressupostos da “moderna linguística da época” (MORTATTI, 2006, p. 6).
Diferentemente dos métodos de marcha sintética até então utilizados, o método analítico, sob forte influência da pedagogia norte-americana, baseava-se em princípios didáticos derivados de uma nova concepção - de caráter biopsicofisiológico – da criança, cuja forma de apreensão do mundo era entendida como sincrética. (MORTATTI, 2006, p. 7)
Nos métodos analíticos, o ensino da leitura parte do todo para, em seguida, proceder-se a analise de suas unidades constitutivas, buscando romper com o princípio da decifração e intervindo na compreensão do fenômeno linguístico (FRADE, 2007). Neste sentido:
Estes métodos tomam como unidade de análise a palavra, a frase e o texto e supõem que se baseando no reconhecimento global como estratégia inicial, os aprendizes podem realizar posteriormente um processo de análise de unidades que dependendo do método (global de contos, sentenciação ou palavração) vão do texto à frase, da frase à palavra, da palavra à sílaba. (FRADE, 2007, p. 26)
Desse modo, os processos derivados do método analítico podem ser classificados como método de palavração, método de sentenciação e método global ou de contos. Segundo Frade (2007), no método de palavração são apresentados grupos de palavras que serão, posteriormente, reconhecidas por meio da visualização e configuração gráfica, mediante o recurso da memorização. São empregadas estratégias de leitura global, contudo, a atenção pode dirigir-se a detalhes da palavra, como sílabas, letras e sons.
No método de sentenciação, a unidade-chave é a sentença, a qual, após o seu reconhecimento global e a sua compreensão, será segmentada em palavras e sílabas. Já o método global ou de contos parte do reconhecimento global e memorização do texto, para subsequente fragmentação em sentenças, palavras e, finalmente, sílabas. Atribui como princípios o interesse, a percepção visual e global, bem como a leitura espontânea.
Todavia, a respeito dos métodos analíticos, é oportuno interrogar, segundo Frade (2007, p. 35), se para além da “aplicabilidade para a fluência e compreensão”, esses métodos possibilitariam apreender também “as regras do sistema alfabético”.
Por fim, de acordo com Mortatti (2006), a partir de meados da década de 1920, vivencia-se um cenário de emancipação didática, decorrente das novas demandas políticas e sociais da época, assim como a Reforma Sampaio Dória, no Estado de São Paulo. Com o passar do tempo, acirra-se o debate entre os defensores dos métodos sintéticos e dos métodos analíticos, contestando-se as suas possibilidadese limitações. Tais divergências resultam na conciliação de ambos, instituindo-se o método misto ou eclético. Desse modo, o método misto ou eclético emprega tanto a análise como a síntese, por meio de atividades que visam decodificar e codificar o símbolo gráfico, estabelecendo um ecletismo conceitual e metodológico no processo de alfabetização.
Dentre as obras que se fundamentaram nos princípios do método misto ou eclético destacam-se a cartilha Caminho Suave, de Branca Alves de Lima, publicada no ano de 1948 (CAGLIARI, 2009) e a cartilha Minha Abelhinha, de Almira Sampaio Brasil da Silva, Lúcia Marques Pinheiro e Risoleta Ferreira Cardoso, publicada na década de 1970 (MONTEIRO; OLIVEIRA, 1985).
Destarte, pode-se dizer que os métodos sintético, analítico e misto de alfabetização sustentavam-se em:
[...] uma concepção de leitura e escrita como decodificação e codificação. O aprendizado do código alfabético se dava por meio do ensino transmissivo das unidades da língua, seguindo uma progressão pré-determinada que ia das unidades mais fáceis para as mais difíceis. Partia-se do pressuposto de que todos os alunos iniciavam o processo sem conhecimento algum sobre a escrita e que cabia aos professores o ensino das letras, sílabas e palavras. Ao aluno, nessa concepção, cabia um papel passivo de ‘recebedor’ de algo pronto: a língua. (ALBUQUERQUE, 2012, p. 7-8)
A aprendizagem da escrita compreendia as habilidades de caligrafia e ortografia, ensinadas concomitantemente à habilidade de leitura, mediante exercícios de cópia, ditados, entre outros (MORTATTI, 2006).
A fim de complementar o conteúdo estudado, é pertinente ressaltar que ao final da década de 1980 e início da década de 1990, devido a inúmeras críticas tecidas aos métodos “tradicionais” de alfabetização - métodos sintético, analítico e misto
· e, especialmente, graças à consolidação de teorias sobre a psicogênese da língua escrita, postuladas por Emília Ferreiro e seus colaboradores, observa-se no Brasil uma tendência de “desmetodização” do processo de alfabetização, segundo princípios construtivistas, compondo o discurso institucional vigente. Segundo Mortatti (2006, p. 10):
Deslocando o eixo das discussões dos métodos de ensino para o processo de aprendizagem da criança (sujeito cognoscente), o construtivismo se apresenta, não como um método novo, mas como uma ‘revolução conceitual’, demandando, dentre outros aspectos, abandonarem-se as teorias e práticas tradicionais, desmetodizar-se o processo de alfabetização e se questionar a necessidade das cartilhas.
Conforme o exposto, você pode compreender que a história da alfabetização no Brasil concentrou-se, especialmente, na questão dos métodos de ensino, ainda que algumas discussões sinalizem a recusa aos tradicionais métodos de alfabetização. No entanto, para além da “questão dos métodos”, muitas são as demandas envolvidas nesse fenômeno, “[...] que vem apresentando como seu maior desafio a busca de soluções para as dificuldades de nossas crianças em aprender a ler e escrever e de nossos professores em ensiná-las” (MORTATTI, 2006, p. 14).
Nesse contexto, ao abordar a questão dos métodos no processo escolar de alfabetização, Cagliari (2009) demonstra que os mesmos fundamentam-se em dois métodos básicos: o método de ensino, assim como os métodos sintético, analítico e misto, e o método de aprendizagem, denominados respectivamente pelo autor como método 1 e método 2.
De acordo com Cagliari (2009), no método 1, orientado exclusivamente para o ensino, a alfabetização configura-se, em síntese, como um processo de “desmontar e montar as palavras da língua”, de modo artificial. Acrescentam-se informações, uma após a outra, à medida que o conteúdo é dominado pelo aluno, por meio de procedimentos de repetição, segundo uma ordem crescente de dificuldades. A avaliação compreende somente o conteúdo ensinado e “[...] constitui-se do que o aluno precisa dominar e repetir” (CAGLIARI, 2009, p. 50). Logo, o erro assume equivocada relevância, sinalizando aquilo que o aluno ainda não dominou e a necessidade de se repetir a lição.
De caráter mecanicista, o método 1 fornece ao aluno um modelo pronto a ser seguido. “Se tentar inovar, corre-se o risco de errar e não saber mais retomar o caminho suave e tranquilo das coisas já dominadas” (CAGLIARI, 2009, p. 52).
O método 2, direcionado para o processo de aprendizagem, difere do método 1 ao centrar-se especialmente na reflexão. Conforme Cagliari (2009), o método 2 considera os conhecimentos prévios e espontâneos dos alunos e concebe a linguagem como manifestação do pensamento. A técnica empregada baseia-se em explicações adequadas, conduzidas pelo professor em situações oportunas, assumindo, assim, o papel de mediador entre o saber, historicamente construído, e os seus alunos. A avaliação não se limita a constatar o erro, quantificá-lo e atribuir um conceito final, como no método 1, mas sobretudo, consiste em “[...] realizar um estudo interpretativo daquilo que foi feito, para verificar o que está correto e o que está errado e por que está correto e por que está errado” (CAGLIARI, 2009, p. 58). Desse modo, a avaliação, contínua e permanente, associada à mediação do professor, fornece ao aluno subsídios para generalizar o conhecimento que possui e construir novas hipóteses. Nessa perspectiva, o aluno “aprende a aprender”.
Em suma, acerca dos respectivos métodos no processo de alfabetização, Cagliari (2009, p. 61) ressalta que:
Um método não é uma panaceia que resolve todos os problemas educacionais. [...] Os dois métodos podem alfabetizar, mas o método 1 o fará de uma maneira indesejável, embora aparentemente adequada. O método 2 exige experiência e competência do professor, paciência dos pais e uma escola preparada para ser uma oficina de trabalho, não apenas uma sala onde o professor ensina e o aluno tem de se virar para aprender.
Assim como argumenta o autor, ao passo que a alfabetização limitou-se aos métodos, aos livros e cartilhas e à autoridade do professor, muitos alunos não conseguiram se alfabetizar. De outro modo, na medida em que as propostas e práticas de alfabetização passaram a valorizar o aluno e o seu processo de aprendizagem, instituiu-se um ambiente favorável, que propiciou a interação entre o professor e o aluno, assegurando condições adequadas para a efetivação desse processo.
Cagliari (2007) evidencia, ainda, que a competência do professor é a essência do método. Neste sentido, bons resultados são frutos de uma ação competente do professor, apoiada, sobretudo, em conhecimentos técnicos e linguísticos.
Destarte, com vistas a buscar caminhos para a superação das dificuldades e dos inúmeros desafios envolvidos no processo de alfabetização, as discussões necessitam exceder a questão dos métodos de ensino.
Alfabetização e Letramento de Crianças, Jovens e Adultos
Letramento e Alfabetização
Foi na década de 1980 que a expressão letramento começou a circular na língua portuguesa. Encontramos na obra “No Mundo da Escrita: uma perspectiva psicolinguística”, de Mary Kato, uma das primeiras ocorrências do termo.
O registro existe de fato, mas não há nenhuma definição que atenda às necessidades conceituais e ideológicas do termo. Então, qual é a definição de letramento, ou melhor, o que é letramento?
Para Soares (2001), letrar é mais do que alfabetizar. É inserir a criança, o jovem e/ou o adulto no mundo letrado, trabalhando com os diferentes usos da escrita na sociedade e ensinando-lhes a ler e escrever dentro de um contexto em que a escrita e a leitura façam parte suas vidas. Para ampliar a alfabetização funcional, é necessário fazer mais do que alfabetizar, ou seja, é preciso alfabetizar letrando (KLEIMAN, 1995). Mas, como isso ocorre? É preciso “ensinar a ler e a escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se torne, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado” (SOARES, 2001, p. 47).
Nesse momento, surge a pergunta: Alfabetização ou Letramento? Qual método escolher?
A resposta é: nenhum dos dois, haja vista quealfabetização é uma prática e letramento não é método, nem é habilidade, tampouco alfabetização. É importante saber que ambos são processos cognitivos e metodológicos diferentes, inseparáveis e não excludentes. Complementam-se em suas aplicabilidades e especificidades. Segundo Kleiman (1995), essa é uma terminologia usada para fins metodológicos e não para fins conceituais. É importante ressaltar que nesses processos um é condição do outro, isto é, a alfabetização é condição para o letramento existir e vice-versa; e um não precede o outro. Durante muito tempo, acreditou-se que só conseguiríamos letrar alguém se antes o tivéssemos alfabetizado, ou seja, era preciso aprender o código para depois praticá-lo. Segundo Cagliari, “para alguém ser alfabetizado, não precisa aprender a escrever, mas sim aprender a ler. No processo de alfabetização, o professor poderia prescindir do ensino da escrita, mas não da leitura” (2009, p. 114). O autor acrescenta que o segredo da alfabetização é a leitura, ou seja, a decifração da escrita.
Vimos que a alfabetização é uma prática que corresponde à codificação por meio da escrita e à decodificação por meio da leitura, cujo objetivo é o domínio do sistema alfabético e ortográfico. É uma ação predominantemente individual, que ocorre entre o indivíduo e o objeto do conhecimento. Para Piaget e Vygotsky, os processos de ensino-aprendizagem ocorrem entre o sujeito, o objeto do conhecimento e a cultura em que vive, interativamente, cognitivamente e individualmente, ou seja, ninguém aprende pelo outro. “Aprender é um ato individual: cada um aprende segundo seu próprio metabolismo intelectual” (CAGLIARI, 2009, p. 38).
Afirmar que o conceito de Letramento surgiu para substituir o lugar ocupado pela Alfabetização seria como dizer que, com isso, os problemas de analfabetismo no Brasil estariam resolvidos e, também, que novos conjuntos de saberes sobre os códigos da escrita e códigos alfabéticos seriam implementados e, então, os exaustivos trabalhos de aquisição das primeiras letras e operações cognitivas estariam com os dias contados. Na verdade, isso não ocorreu, tanto que a definição de Letramento ainda é algo amplo, complexo e plural, pois abrange aspectos sócio-históricos e culturais da aquisição da escrita.
Então, por que a palavra letramento apareceu em nossa língua? Soares (2001) esclarece que o termo letramento é a versão para o português da palavra de língua inglesa literacy, que significa o estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e a escrever. Esse mesmo termo é definido no Dicionário Houaiss (2001) como “um conjunto de práticas que denotam a capacidade de uso de diferentes tipos de material escrito”. A aparição de novas palavras num idioma não é privilégio da língua portuguesa. Isso acontece em todas as línguas, porque a linguagem é um organismo vivo, ou seja, ela está diretamente em contato com um mundo em constantes mudanças e transformações. Há pouco tempo, não precisávamos das palavras flex, tablet, spam, empreendedorismo, antivírus, selfie, computação em nuvem, smartphone, ebola, e-book, mochileiro, test drive etc. Essas palavras foram se relacionando a fenômenos que o mundo foi nos impondo.
O mesmo aconteceu com o termo letramento. Vários pesquisadores foram aperfeiçoando os estudos acerca da alfabetização, ou seja, afastando dessa prática a redução de uma tecnologia de leitura e escrita. “O ‘entulho’ que se acumulou com o tempo enchendo a alfabetização de ridículos exercícios de prontidão e coisas semelhantes foi sendo eliminado da prática escolar” (CAGLIARI, 2009. p. 33). Para o autor:
A alfabetização tem outros objetivos, além de ensinar a decifrar a escrita, sobretudo na escola. Saber escrever corretamente é um deles. A escrita não deve ser vista apenas como uma tarefa escolar ou um ato individual, mas precisará estar engajada nos usos sociais que envolve, principalmente como forma especial de expressão de uma cultura. (CAGLIARI, 2009, p. 115)
Conforme isso acontecia, a quantidade de indivíduos analfabetos foi diminuindo. Soares (2001) explica que à medida que o analfabetismo vai sendo superado, mais pessoas leem e escrevem. Concomitantemente, a sociedade vai se tornando mais grafocêntrica, e um novo fenômeno ocorre: “não basta apenas a ler e escrever” (2001, p. 45). Mas, esse não foi o fator preponderante e determinante para o surgimento da expressão letramento.
São gritantes as transformações pelas quais a sociedade passou ao longo dos últimos 20 anos. O advento da Internet e as novas Tecnologias da Informação (TI) revolucionaram a vida e o modo de ser e estar num mundo onde tudo muda o tempo todo. “Ouvimos com muita frequência que o mundo mudou. Isso é óbvio, a novidade não é a mudança do mundo, mas a velocidade da mudança” (CORTELLA, 2014, p. 18). Temos a cada dia mais velocidade de informação, de relações, de comunicação, de aprendizagens e de práticas. De certa forma, esses fenômenos nos obrigaram a repensar nossas práticas e processos de trabalho.
A escola faz parte do mundo e é claro que ela não deixaria de ser atingida por essas mudanças. Kleiman (1995) afirma que a escola era o lugar onde se esperava que os alunos usassem lápis e caderno para escrever de forma legível, mas hoje, se espera que eles escrevam coisas com sentido no caderno e no computador, e que também dominem a Internet.
As crianças de classe média têm em suas casas essa comodidade e também têm a oportunidade de ler livros de histórias, revistas, gibis, jornais etc., ou seja, são crianças que vivem a inserção, a valorização e a compreensão no mundo da escrita. Mas isso não ocorre com todas as crianças do Brasil, principalmente com as que estão na escola pública.
Para pensar em letramento, é preciso, sobretudo, pensar na multiplicidade de culturas brasileiras e na multimodalidade, ou seja, nos diversos modos que um texto assume na vida social. Na escola, os textos são trabalhados com uma única linguagem, que é a escrita, mas o texto pode assumir outras modalidades, conforme a sua aplicabilidade social (ROJO, 2009).
O letramento, um caminho para a inclusão social
A escola tem valorizado as práticas de leitura e escrita mais prestigiadas socialmente em detrimento das práticas de letramento, ou seja, as que privilegiam a importância que a leitura e a escrita podem assumir na vida da criança, do jovem e do adulto. Frequentemente, a escola escolhe práticas dominantes, e “o comando da leitura e da escrita se dá a partir de palavras e de temas significativos à experiência comum dos alfabetizandos e não de palavras e de temas ligados à experiência do educador” (FREIRE, 1986, p. 26). As questões relacionadas à alfabetização no Brasil são de caráter político e muitas vezes desencadeiam injustiças e desigualdades sociais, as quais são amplamente fortalecidas quando as práticas de leitura e escrita tecnicistas e as metodologias arcaicas afastam ou expulsam ainda mais os alunos da escola e do mundo letrado, sobretudo os indivíduos de classes desfavorecidas, oprimidas e carentes.
Os letramentos e suas práticas puseram em xeque o tipo de conhecimento que a escola vinha construindo sobre a própria cultura e do que era mais importante ser apreendido ou descartado dentro de uma determinada sociedade. Isso obrigou a escola a pensar nos alunos das periferias, população esquecida quando havia somente ênfase nas práticas que beneficiavam as elites.
O ensino da língua padrão, ou seja, da norma culta, cujas regras e exceções, que muitas vezes não têm nenhum significado com as vivências e com a história de vida dos alunos, devem ser decoradas e aplicadas ao texto, é uma prática muito frequente na escola e quase obrigatória. Cagliari (2009) afirma que ensinar a norma culta deve ser uma atividade secundária em relação à aprendizagem da leitura e da escrita. Um exemplo clássico é a produção de um texto, cujo tema é Minhas Férias na Praia, e a constatação do aluno: “Professora, eu nunca fui à praia...”.
Cortella (2001) adverte que práticas como essa tornam a sala de aula um ambiente arcaico, independentementedo tempo em foram feitas e usadas. Para tanto, o autor adverte que é preciso saber a diferença entre tradicional e arcaico:
Tradição é aquilo que vem do passado e precisa ser protegido, guardado, levado adiante. Mas há coisas que vêm do passado e que têm que ficar lá no passado, porque elas são ultrapassadas, elas já não têm mais lugar, elas já não fazem mais sentido. A isso nós chamamos de arcaico. Há uma diferença entre o tradicional e o arcaico. O tradicional é o que veio do passado e nós temos que proteger, o arcaico é o que veio do passado e nós temos de descartar, deixar lá. (CORTELLA, 2001, p. 152)
Alfabetizar Letrando
A escola, um espaço privilegiado de interação social, torna-se excludente e distante de ser um ambiente propício ao “alfabetizar letrando”. Mas, como isso é feito? É possível alfabetizar e ao mesmo tempo letrar? São perguntas que exigem muitas respostas, mas a primeira delas é que alfabetizar letrando (SOARES, 2001) só é possível se houver condições letradas na escola e na sala de aula, ou seja, um espaço onde existam, circulem e sejam trabalhados textos de todos os tipos, que possam ser não só lidos e escritos, mas também discutidos. É necessário enriquecer e diversificar o ambiente escolar não só com livros, mas também com vídeos, filmes, desenhos, música e dança, ou seja, com todas as formas e vivências culturais mais amplas, haja vista a transmissão da cultura não estar mais restrita à leitura e à escrita.
Distinguir alfabetização de letramento se faz necessário para podermos trabalhar os dois processos paralelamente. É possível afirmar que alfabetização corresponde ao domínio do código escrito, ao sistema de escrita alfabética; enquanto as atividades de letramento referem-se às práticas sociais de leitura e de escrita que ocorrem na sociedade.
Em se tratando de alfabetização e letramento para crianças, estas aprendem a ler e a escrever convivendo com a leitura e a escrita reais, cotidianas. É inegável, do ponto de vista cognitivo e linguístico, que para aprender a ler e a escrever é preciso fazer a relação dos sons com as letras (com os grafemas), porque a nossa escrita alfabética é um registro dos sons de acordo com um sistema de representação complexo. Cabe, então, à criança, aprender a relacionar os sons da língua com “desenhos”, que são as letras. Mas, as crianças devem aprender isso primeiro ou devem ter acesso imediato aos livros, revistas, gibis e jornais? Na verdade, os dois devem ocorrer ao mesmo tempo, para que as crianças sintam que estão aprendendo algo que tem uso, aplicabilidade. Por outro lado, cabe ao professor trabalhar com as duas práticas, por exemplo, a escrita é usada para muitas finalidades e varia conforme o interlocutor, assim, o professor pode ler uma fábula ou um texto informativo e, neste momento, a criança está aprendendo e entendendo para que serve e quais são os usos que são feitos da escrita, no contexto em que ela vive. Contudo, a criança deseja escrever e ler sozinha, por isso, é importante a intervenção do professor neste processo, que deve ser sistemático e constante.
Quanto à alfabetização e letramento de adultos, é tarefa do professor criar uma diversidade de situações que trabalhem de modo qualitativo com a leitura e a escrita, com diferentes materiais e com situações reais, para promover interações que tragam os saberes que os alunos já têm e que foram apropriados fora da escola
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Mas, como inseri-los em práticas sociais de leitura e de escrita? Trazendo essas situações para sala de aula, onde os alunos vão ter contato agradável, prazeroso e curioso com a leitura e a escrita, no sentido de buscar informações em livros, pesquisar o significado de uma palavra no dicionário, investigar a origem de uma planta etc. Quando o professor consegue trazer para a sala de aula os mais variados objetos que circulam na sociedade da qual fazemos parte, todos os suportes e os materiais impressos, ele privilegia a reflexão da sua prática, e mais ainda, ele consegue justificar o que se faz e por que se faz, ou seja, auxilia os alunos a dominarem o sistema e a saberem quantas letras são necessárias para escrever uma palavra, ou quantas letras cada palavra tem. Trazer as práticas sociais para o interior da escola é, sobretudo, olhar primeiro para fora da escola, para ver como ocorre esse processo.
Alfabetizado, letrado, analfabeto e iletrado
Estas não são palavras desconhecidas; algumas delas, inclusive, já foram usadas de maneira pejorativa. Quando alguém tinha intenção de ofender uma pessoa ou tachá-la de ignorante, era comum ouvirmos “esse é um analfabeto de pai e mãe”. Muitas vezes, do ponto de vista social, a afirmação era verdadeira. A falta de oportunidade e acesso à escolarização não era e ainda não é um caso isolado. Apesar de a taxa de analfabetos ter caído no período de 2011 a 2013, ainda há no Brasil, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), cerca de 13 milhões de pessoas acima de 15 anos analfabetas. Entretanto, essas pesquisas investigam o nível de analfabetismo da população brasileira, ou seja, a quantidade de pessoas que não sabe ler ou escrever, e não o nível de letramento, o qual revela a capacidade de usar adequadamente a leitura e a escrita e de saber ler e escrever um requerimento, um bilhete, uma procuração, um ofício etc.
Os conceitos ‘estado’ e ‘condição’ são fundamentais para entendermos a diferença que há entre analfabeto, alfabetizado e letrado (SOARES, 2009). Por exemplo, pode-se citar uma criança, um jovem ou um adulto quando aprende ler e a escrever. Até então, essa pessoa era analfabeta, ou seja, até aquele determinado momento, antes de alguém começar o processo de alfabetização, ela era analfabeta. Quando o processo se inicia, ela começa a se alfabetizar, a letrar-se, portanto, vai aos poucos se tornando letrada.
“E isso tudo vem explicitado ou sugerido ou escondido no que chamo de ‘leitura do mundo’ que precede sempre a ‘leitura da palavra’” (FREIRE, 1997 p. 90). Uma pessoa letrada passa a viver e conviver num mundo onde as respostas oferecidas pelo senso crítico são as que mais o convencem e as que melhor o esclarecem para o entendimento de fatos que explicam os fenômenos da realidade. A mudança de classe social não é garantida, contudo, há grandes probabilidades de melhorias, alcançando uma ocupação social de maior destaque e poder aquisitivo. O anseio à cultura e às práticas afins é praticamente inevitável no mundo letrado. Portanto, um iletrado e vinculado permanentemente à “condição de” são palavras que, de fato, esclarecem e diminuem a distância entre analfabeto e iletrado.
É possível que daqui a alguns anos novos conceitos sejam incorporados à educação pelos mesmos motivos que o conceito de letramento surgiu, qual seja, para andar ao lado do conceito de alfabetização. Contudo, é preciso que saibamos que não adianta buscarmos novas práticas e técnicas se não conquistarmos o que ainda não temos, que é uma educação de boa qualidade para todos. Não estamos falando de escola pública ou privada, de ricos ou de pobres, mas de escola boa ou ruim. Muitos educadores repetem o mesmo discurso: “vamos alfabetizar nossos alunos num resgate à cidadania”. A frase é válida, mas uma reflexão quanto à palavra resgate se faz necessária. Só resgatamos algo que um dia tivemos, que já foi nosso e que perdemos.
Sabemos que muitos indivíduos não tiveram sequer uma chance de serem cidadãos nem puderam exercer a cidadania, num país tão caracterizado por desigualdades e injustiças sociais como o Brasil. Sabemos que “a alfabetização é o momento mais importante da formação escolar de uma pessoa” (CAGLIARI, 2002, p. 10), mas dominar a leitura e a escrita é um privilégio de poucos, sobretudo das elites. A História demonstrou correspondência entre essas desigualdades e as relações de poder. A escrita era e é forte instrumento de reivindicação e de transformação social, portanto, a alfabetização e o letramento são um problema que ultrapassa as esferas da Educação e da ação do professor Alfabetizador/Letrador. É por essas

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