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DIRETORIA DA FEBRASGO 2016 / 2019 Alex Bortotto Garcia Vice-Presidente Região Centro-Oeste Flavio Lucio Pontes Ibiapina Vice-Presidente Região Nordeste Hilka Flávia Barra do E. Santo Vice-Presidente Região Norte Agnaldo Lopes da Silva Filho Vice-Presidente Região Sudeste Maria Celeste Osório Wender Vice-Presidente Região Sul César Eduardo Fernandes Presidente Corintio Mariani Neto Diretor Administrativo/Financeiro Marcos Felipe Silva de Sá Diretor Cientí� co Juvenal Barreto B. de Andrade Diretor de Defesa e Valorização Pro� ssional Imagem de capa e miolo: foxie/Shutterstock.com COMISSÃO NACIONAL ESPECIALIZADA EM GINECOLOGIA INFANTO PUBERAL - 2016 / 2019 Presidente Marta Francis Benevides Rehme Vice-Presidente Zuleide Aparecida Felix Cabral Secretária Denise Leite Maia Monteiro Membros Cláudia Lúcia Barbosa Salomão Elaine da Silva Pires Araujo José Alcione Macedo Almeida Liliane Diefenthaeler Herter Márcia Sacramento Cunha Machado Maria Virginia Furquim Werneck Marinho Ricardo Cristiano Leal da Rocha Romualda Castro do Rego Barros Rosana Maria dos Reis Distúrbios do desenvolvimento sexual José Alcione Macedo Almeida1 Vicente Renato Bagnoli1 Ângela Maggio da Fonseca1 Rodrigo Itocazo Rocha1 Descritores Intersexualidade; Distúrbios da diferenciação sexual; Malformações genitais; Diferenciação anormal dos ductos de Müller Como citar? Almeida JA, Bagnoli VR, Fonseca AM, Rocha RI. Distúrbios do desenvolvimento sexual. São Paulo: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO); 2018. (Protocolo FEBRASGO - Ginecologia, no. 19/ Comissão Nacional Especializada em Ginecologia Infanto Puberal). Introdução As malformações genitais congênitas, hoje, têm nova classifi- cação com a nomenclatura de Distúrbios do Desenvolvimento Sexual (DDS), que resultou do Consenso de Chicago e englobam os Estados Intersexuais e os Defeitos Müllerianos.(1,2) No encon- tro multidisciplinar de Chica go, termos como intersexo, sexo reverso, hermafrodita, pseudo-hermafrodita e outros até então empregados foram considerados pejorativos e estigmatizan- tes, o que poderia interferir desfavoravelmente na assistência e no comportamento desses indivíduos.(3) A prevalência dessas 1Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. *Este protocolo foi validado pelos membros da Comissão Nacional Especializada em Ginecologia Infanto Puberal e referendado pela Diretoria Executiva como Documento O� cial da FEBRASGO. Protocolo FEBRASGO de Ginecologia nº 19, acesse: https://www.febrasgo.org.br/protocolos 4 Protocolos Febrasgo | Nº19 | 2018 anomalias é baixa na população geral,porém constitui grupo de indivíduos com quadro clínico polimorfo, desenvolvendo,com frequência,a diferenciação sexual anormal, cujas manifestações clínicas quase sempre criam situações constrangedoras não so- mente ao portador do quadro,mas, também, aos seus familiares, que merecem assistência e orientação correta e permanente,- desde a primeira suspeita diagnóstica,por vezes, já no berçário e no decorrer da vida.(2,3) De� nição e sinonímia De� nição As malformações genitais congênitas denominadas de Estados Intersexuais e Anomalias dos Ductos de Müller agrupam in- divíduos que apresentam discordância de um ou mais dos fatores determinantes do sexo, isto é 1- Sexo Genético; 2 - Diferenciação Gonodal; 3- Diferenciação do Sexo Fenotípico; 4 - Diferenciação dos ductos de Müller, e apresentam manifes- tações clínicas variáveis nos órgãos genitais e diferenciação do fenótipo.(2,4-6) Classi� cação e etiopatogenia Segundo a nova nomenclatura do Consenso de Chicago, a classi� ca- ção passou a ter a denominação geral de Distúrbios da Diferenciação Sexual,de acordo como fator etiopatogênico e a � siopatologia de Cada Grupo de DDS(1,3,4,7,8) ‒ erros na determinação do sexo genético, erros na diferenciação gonadal e erros na diferenciação fenotípica. O quadro 1 ilustra a nova classi� cação dos DDS. 5 Almeida JA, Bagnoli VR, Fonseca AM, Rocha RI Protocolos Febrasgo | Nº19 | 2018 Quadro 1. Classi� cação etiopatogênica proposta dos DDS(2,3) DDS CROMOSSOMO SEXUAL ANORMAL A- 45 X (Síndrome de Turner e variantes ou DDS 45 X) B- 47 XXY (Síndrome de Klinefelter e variantes ou DDS 47 XXY C- 45 X/46 XY (disgenesia gonadal misto DDS disgenético mosaico) D- 46 XX/46 XY (ovotesticular DDS mosaico) DDS 46 XY A- Distúrbio do desenvolvimento gonadal DDS DISGENÉTICO XY 1. Disgenesia gonadal XY (Síndrome de Swyer) 2. Disgenesia gonadal XY parcial 3. Ovotesticular DDS XY B- Distúrbio na síntese ou ação de androgênio DDS ENDÓCRINO XY 1. De� ciências na síntese de androgênio (de� ciência 17- hidroxiesteroide deidrogenase, de� ciência 5 alfa redutase, outras de� ciências) 2. De� ciente ação androgênica (insensibilidade androgênica completa parcial) 3. Anomalia receptores LH (hipoplasia ou aplasia das células de Leydig) 4. Distúrbio do hormônio anti-mülleriano ou de seus receptores C- Outras 1. Hipospádias, extro� a cloacal 2. Iatrogenia DDS 46 XX A- Distúrbio do desenvolvimento gonadal DDS DISGENÉTICO XX 1. Ovotesticular DDS XX 2. Disgenesia gonadal XX 3. Testicular DDS (SRY +) B- Exposição a excesso de androgênio DDS ENDÓCRINO XX 1. Hiperplasia adrenal congênita fetal (de� ciência 21 hidroxilase; de� ciência 11 hidroxilase) 2. De� ciência placentária (aromatase) 3. Androgênio materno (luteoma; iatrogenia) C- Outras DDS ANOMALIAS DUCTOS DE MÜLLER 1. Distúrbios dos ductos de Müller (Ginatresias; anomalias da fusão; associações de síndromes) Fonte: Hughes IA. Disorders of sex development: a new de� nition and classi� cation. Best Pract Res Clin Endocrinol Metab. 2008;22(1):119-34. Bagnoli VR, Fonseca AM, Arie MH, Fassolas G. Distúrbios do desenvolvimento sexual. In: Baracat EC, Fonseca AM, Bagnoli VR, organizadores. Terapêutica clínica em ginecologia. Barueri (SP): Manole; 2015. p.75-81.(2,3) 6 Distúrbios do desenvolvimento sexual Protocolos Febrasgo | Nº19 | 2018 Diagnóstico As � guras 1 e 2 sintetizam os diversos diagnósticos. Genitália ambígua e/ou estigmas da Síndrome de Turner Cariótipo e SRY 46 XY ou SRY+ 46 XX ou 45 X ou 45X/46XY Ultrassonogra�a pélvica e regiões inguinais Ausência de útero Testículos + Gônada incaracterística Ovários + Ovário – DDS Anomalia cromossômica DDS XX Dosagem 17 OH DDS Ovotesticular Biopsia de gônadas DDS XY Estímulo BHCG Útero atípico Útero normal Exame físico Fonte: Fonseca AM, Bagnoli VR, Hayashida SA, Pinotti JA. Amenorreia. In: Fonseca AM, Bagnoli VR, Halbe HW, Pinotti JA, editores. Ginecologia endócrina. Manual de normas. São Paulo: Roca; 2004.p.149-59.(6) Figura 1. Diagnóstico de recém-nascidos com DDS e genitália ambígua ou estigmas Turnerianos(6) 7 Almeida JA, Bagnoli VR, Fonseca AM, Rocha RI Protocolos Febrasgo | Nº19 | 2018 INFANTILISMO SEXUAL FSH/LH ULTRASSONOGRAFIA PÉLVICA (USP) ÚTERO +/OVÁRIOS +/VAGINA – + VAGINA – USP TESTÍCULOS? CARIÓTIPO NERVOSO CENTRAL ESTUDO SISTEMA FALÊNCIA GONADAL FALÊNCIA CENTRAL CRIPTOMENORREIA OBSTRUTIVA ÚTERO-OVÁRIOS GINATRESIA OU ÚTERO – VAGINA – DDS XY ELEVADAS BAIXAS DIFERENCIAÇÃO SEXUAL AMENORREIA PRIMÁRIA Fonte: Nihoul-Fékété C. The Isabel Forshall Lecture. Surgical management of the intersex patient: an overview in 2003. J Pediatr Surg. 2004;39(2):144–5. American Academy of Pediatrics. Timing of elective surgery on the genitalia of male children with particular reference to the risks, bene� ts, and psychological e� ects of surgery and anesthesia. Pediatrics. 1996;97(4):590–4.14,15) Figura 2. Fluxograma para portadoras de amenorreia primária(14,15) História clínica A história clínica deve ser feita de forma individualizada, incluin- do a vida intrauterina, os antecedentes familiares e pessoais, pois, com frequência, os DDS têm desordens genéticas, podendo ser de origem familiar.(9) No período da puberdade, durante a avaliação clínica, deve-se cogitar de DDS em indivíduos com queixa de ame- norreia primária, infantilismodos caracteres sexuais e estatura normal ou com baixa estatura associada a malformações somáticas turnerianas. Um grupo particular é composto por indivíduos que 8 Distúrbios do desenvolvimento sexual Protocolos Febrasgo | Nº19 | 2018 apresentam puberdade heterossexual, isto é, caracteres sexuais em desacordo com o sexo civil e social, sendo que o diagnóstico tardio pode gerar distúrbios pessoais e familiares.(2) Exame físico Atenção cuidadosa durante todo o exame físico e com destaque para o fenótipo e os órgãos genitais, sendo da maior importância desde o período neonatal e em todas as demais faixas etárias. O exame físico dos recém-nascidos e na primeira infância tem como principal objetivo detectar algum distúrbio de desenvolvimento dos órgãos sexuais, tais como hipertro� a do clitóris e seio uroge- nital; fusão parcial das pregas labiais; testículos criptorquídicos ou não palpáveis, hipospádia, hérnia inguinal bilateral; ou, então, a presença de estigmas da síndrome de Turner, como redundância da pele cervical, tórax escavado, baixa estatura e outros.(3,5) Exames complementares Para o diagnóstico � nal dos DDS, os exames complementares possibilitam a de� nição do sexo do paciente, sendo o sexo genéti- co recurso fundamental para a maioria dessas condições clínicas. Exames de imagem, como a ultrassonogra� a abdominal e pélvica, são úteis no diagnóstico para a avaliação dos órgãos genitais internos e suprarrenais. Se ainda persistirem dúvidas, recorre-se à ressonân- cia magnética ou a videolaparoscopia com eventual biopsia das gô- nadas. Dosagens hormonais são necessárias em algumas situações como em DDS XX ou XY Endócrino. Para avaliação das suprarre- nais, a 17 OH progesterona, principalmente em recém-nascidos com genitais ambíguos e em portadores de puberdade heterossexual. As gonadotro� nas (FSH e LH) são úteis no período da puberdade para portadoras de amenorreia primária e infantilismo sexual. 9 Almeida JA, Bagnoli VR, Fonseca AM, Rocha RI Protocolos Febrasgo | Nº19 | 2018 Tratamento hormonal Recurso obrigatório e que deve ser individualizado a cada caso, de acordo com os fatores etiopatogênicos. Em geral, tem o objetivo de suprir as de� ciências hormonais inerentes a cada grupo de DDS. Feminização A reposição hormonal está indicada para indivíduos que não apre- sentam diferenciação dos caracteres sexuais secundários na idade da puberdade e a opção for pelo sexo feminino. Em pacientes sem útero pode-se fazer a estrogenização com valerato de estradiol 1 a 2 mg via oral/dia de forma contínua. Pacientes com útero devem receber também progestagênios, como acetato de noretisterona ou acetato de medroxiprogesterona, ambos na dosagem de 5 a 10 mg via oral/dia/10 a cada ciclo.(9) Aos indivíduos com opção feminina e que apresentem hirsutismo, deve-se adicionar antiandrogênio, como espironolactona 50 a 100 mg via oral/dia ou acetato de cipro- terona 50 a 100 mg oral/dia, sempre, de forma contínua. Para DDS XX endócrino, como as formas clássicas e não clássicas da hiper- plasia das suprarrenais, indica-se glicocorticoides para controlar o excesso de androgênios secretados. Quanto mais precoce o uso de glicorticoides, maior será a chance de cessar o processo de viriliza- ção. Para recém-nascidas e na primeira infância, a opção é hidro- cortisona 10 a 20 mg/m2 em duas tomadas diárias. Na segunda infância, e puberdade, indica-seprednisona5 a 10 mg/dia, de pre- ferência, à noite. O controle da dose é realizado pela dosagem de outros androgênios, como testosterona e androstenediona, pois os níveis da 17-OH progesterona di� cilmente se normalizam. A repo- sição conduz ao desenvolvimento normal com puberdade isossexu- al e manutenção da fertilidade, devendo ser mantido permanente- 10 Distúrbios do desenvolvimento sexual Protocolos Febrasgo | Nº19 | 2018 mente,mesmo durante a gestação. Atualmente, o diagnóstico pode ser feito durante o pré-natal, quando a mãe apresentar o distúrbio, ou se dúvidas surgirem durante a ultrassonogra� a, e uma vez diag- nosticada a doença já iniciar a supressão da adrenal.(3,8) Virilização Complemento obrigatório para indivíduos com opção masculina. Estão indicados os androgênios como undecanoato de testostero- na intramuscular na dose de 1.000mg intramuscular a cada 10 ou 14 semanas, ajustada a cada paciente ou via oral na dose de 30 a 40 mg/dia de forma contínua. Esses indivíduos devem ser controlados mediante a resposta clínica e nos níveis sanguíneos de androgênio para manter ou modi� car a dose empregada. Em ambas as condições (feminização ou virilização) é impor- tante o acompanhamento do paciente e dos familiares por psicó- logo ou psiquiatra para dar suporte e tratar desvios decorrentes das limitações e insatisfações que geram expectativas nem sempre atendidas.(3) Cuidados com gônadas Indivíduos com cariótipo XY ou detecção de fragmento ou determi- nantes testiculares como SRY apresentam maior risco de transfor- mação neoplásica, assim como testículos ectópicos. Nesses casos, em vez da gonadectomia bilateral, atualmente, a conduta é mais individualizada e com boas chances de sucesso.(1,2,4,5) Essa conduta baseia-se em revisão sistemática realizada por Hughes(1)et al., em 2006, na qual foi estabelecido que, com o risco de transformação neoplásica, a melhor conduta no tocante às gônadas de portadores de DDS é assim recomendada: 11 Almeida JA, Bagnoli VR, Fonseca AM, Rocha RI Protocolos Febrasgo | Nº19 | 2018 Risco elevado: DDS XY disgenético e DDS XY ovotesticular, se a gônada for ectópica está indicada a gonadectomia. Risco intermediário: DDS anomalia cromossômica Y+,DDS XY com testículo tópico e DDS XY ovotesticular necessitam acom- panhamento rigoroso das gônadas e eventual gonadectomia, par- cial ou total. Risco baixo: DDS ovotesticular com gônadas bem-de� nidas e tópicase DDS disgenético Y-, merecem apenas acompanhamento. Risco ausente: DDS XX endócrino, o acompanhamento dos ovários é o rotineiro. Tratamento para os DDS Os portadores de DDS, em geral, apresentam ambiguidade dos ór- gãos genitais e discordância do fenótipo, por isso, necessitando de correção cirúrgica e tratamento hormonal. A opção por determina- do sexo deve obedecer a critérios cientí� cos pela equipe multidis- ciplinar. Além do diagnóstico etiológico é necessário avaliar bem a possibilidade de oferecer ao indivíduo órgãos genitais e tratamento hormonal compatíveis com o sexo escolhido, inclusive, em termos de função. Sempre que possível, optar pelo sexo genético, porém nem sempre isso é factível. Em se tratando de indivíduos XY com órgãos rudimentares, a opção pelo sexo feminino oferece melhores resultados anatômicos e funcionais. Tratamento cirúrgico Fundamentalmente, a cirurgia busca modi� car uma genitália ina- dequada, tornando-a compatível com o sexo atribuído. Apenas ci- rurgiões com treinamento especí� co devem realizar esses tipos de procedimentos,(10,11) num cenário em que deve haver prevenção à obstrução urinária e às infecções do trato urinário, preservação do 12 Distúrbios do desenvolvimento sexual Protocolos Febrasgo | Nº19 | 2018 potencial reprodutivo, com maximização da anatomia para obter a melhor função sexual possível.(12) Não há evidências de vantagem na remoção de estruturas discordantes que não produzam sinto- matologia. Em linhas gerais, recomenda-se que a decisão sobre a cirurgia genital seja dos pais e, quando possível, do paciente, sob o aconselhamento da equipe multidisciplinar. É importante infor- mar que o objetivo principal da cirurgia é a funcionalidade, embora se considere o resultado estético importante. O manejo cirúrgico deve, ainda, considerar as opções que irão aumentar as chances de fertilidade.(13,14) Momento da cirurgia Apesar das controvérsias quanto ao momento adequado, a Academia Americana de Pediatria tem consenso de que as cirur- gias genitais recomendadas sejam realizadas entre 2e 6meses de idade(15) e muitos cirurgiõesrecomendam a genitoplastia femini- zante precoce.(12,16) Há ainda estudos que demonstraram resultados satisfatórios decorrentes das cirurgias realizadas mais precoce- mente,(11,12,17) inclusive, com redução da ansiedade dos familiares e na redução do risco de estigmatização e confusão na identidade de gênero.(15,16) Feminização cirúrgica Consiste em remoção dos corpos cavernosos/clitoroplastia, criação de pequenos e grandes lábios e neovaginoplastia adequada. Clitoroplastia Deve ser considerada quando há virilização acentuada (Pradder III- IV) e deve ser realizada em associação, quando apropriado, com o reparo do seio urogenital comum, permitindo que a região geni- 13 Almeida JA, Bagnoli VR, Fonseca AM, Rocha RI Protocolos Febrasgo | Nº19 | 2018 tal tenha aspecto feminino. A redução do clitóris deve garantir a manutenção da sensibilidade e da capacidade da ereção,com a pre- servação de feixes nervosos e de estruturas anatômicas das quais a ereção seja dependente.(18,19) A remoção total do clitóris, como ocorria até 1960, hoje, é contraindicada. Labioplastia ou ninfoplastia Deve ser realizada no momento da vaginoplastia e dá aparência fe- minina para a genitália externa.(20,21) O tecido cutâneo sobressalen- te é utilizado para criar o capuchão do clitóris e para a reconstru- ção labial. As eminências labioescrotais, comumente, apresentam largura aumentada e podem ser reduzidas com o concomitante reposicionamento no sentido posterior utilizando uma técnica de avanço em V-Y para criar o aspecto de lábios maiores ao lado do introito vaginal. São necessárias uma técnica cirúrgica acurada e a manipulação cuidadosa dos tecidos.(22) Vaginoplastia/Neovaginoplastia Alguns preferem corrigir a genitália externa em tempo único no período neonatal devido à manipulação de tecidos livres de cica- trizes.(23,24) Outros defendem a manipulação do canal vaginal após a puberdade, quando as dilatações do canal são mais factíveis para prevenir a possibilidade de estenose(25) Nesse serviço,adota-se a con- duta de só realizar neovaginoplastia após o início da puberdade e próximo à menarca, em meninas com útero e quando há ausência de útero funcionante atender ao desejo da paciente para atividade sexual. Diversas opções são disponíveis, como dilatações do canal, neovaginoplastia com uso de enxertos de pele, vaginoplastia com uso de tecido vesical, sendo que cada técnica apresenta vantagens e desvantagens especí� cas e sem consenso sobre qual a melhor delas. 14 Distúrbios do desenvolvimento sexual Protocolos Febrasgo | Nº19 | 2018 Por experiência, considera-se a técnica modi� cada de McIndoe,(26) com enxertia de pele para a manutenção do canal vaginal criado, a mais utilizada para neovaginoplastia. Na dissecção do canal vaginal, deve-se dar prioridade à criação de um pequeno retalho de pele jun- to ao introito vaginal para permitir uma sutura em linha quebrada ao término da cirurgia, conforme descrito posteriormente. Após a dissecção de um canal entre a uretra/bexiga e o reto, obtém-se en- xerto de pele de espessura total retirado da região suprapúbica. O uso do enxerto de pele na espessura total permite reduzir os riscos de contratura tecidual e consequente estreitamento tardio do canal vaginal que, frequentemente, ocorre quando se utiliza enxerto de pele parcial. Como área doadora do enxerto, prefere-se a região su- prapubiana de onde se retira pele total na forma de um fuso trans- verso. Folículos pilosos podem ser encontrados, principalmente, na região central e inferior do enxerto e são removidos. O fechamento da área doadora é realizado em dois planos, resultando em uma cica- triz suprapúbica transversa, variando de 20a 25 cm de extensão. O enxerto é sobreposto a um molde cilíndrico e com o epitélio voltado para a parte interna, em forma de espiral, para que possa formar um tubo cilíndrico. São realizadas suturas para que essa forma seja mantida. São aplicados pontos entre o fundo do canal vaginal e o enxerto tubulizado para servir de guia de posicionamento do enxer- to e para contribuir com a manutenção desse posicionamento no período cicatricial. Após o posicionamento do enxerto no canal, são realizadas suturas entre o enxerto e o introito vaginal, interpondo aquele retalho inicialmente descrito de maneira a criar uma quebra na linha circunferencial do introito vaginal. Isso permite reduzir a contração cicatricial, diminuindo as chances de estenose do introito vaginal que ocorre devido à forma circunferencial dessa estrutura. 15 Almeida JA, Bagnoli VR, Fonseca AM, Rocha RI Protocolos Febrasgo | Nº19 | 2018 Por � m, a colocação de um molde esponjoso por dentro do enxerto já posicionado permite criar um mecanismo de pressão suave sobre o tecido enxertado, reduzindo sua mobilidade e a possibilidade de formação de coleções líquidas entre o enxerto e o leito receptor. Isso diminui as chances de perdas parciais ou totais do enxerto, ao pas- so que reduz esses dois fatores importantes envolvidos na falha da enxertia, ou seja, a movimentação do enxerto e a coleção líquida no leito receptor. Essa esponja é mantida dentro da neovagina com a colocação de pontos de contenção nos grandes lábios, fechando o in- troito vaginal. A retirada da esponja é feita após cinco a sete dias. A partir de então são utilizados moldes para manutenção e posterior dilatação do canal vaginal. Essa dilatação é mantida de dois a seis meses. Somente a partir do sexto mês, o canal vaginal é considerado estável para o intercurso sexual. Masculinização cirúrgica As reconstruções masculinas podem incluir orquidopexia, corre- ção de hipospádias e remoção de estruturas müllerianas retidas. Esses procedimentos habitualmente � cam sob a responsabilidade do urologista e do cirurgião plástico. Com relação à faloplastia, atualmente, não há tecido adequado para aumento do tamanho de um pênis hipodesenvolvido. Em pacientes com DDS associados a hipospádias e que necessitam de neofaloplastia, a complexidade do procedimento deve ser discutida durante o aconselhamento inicial. O reparo inicial inclui a correção do Chordee, reconstrução uretral e suplementação hormonal criteriosa.(27) Anomalias Müllerianas Nesse serviço, adota-se a classi� cação Malformações Obstrutivas e Não Obstrutivas para as anomalias Müllerianas. Essa classi� cação 16 Distúrbios do desenvolvimento sexual Protocolos Febrasgo | Nº19 | 2018 parece mais didática e prática, favorecendo a abordagem para o tra- tamento individualizado das diversas malformações. Malformações não obstrutivas São as malformações que não apresentam obstáculo à exterioriza- ção do sangue menstrual. As várias formas dessas serão abordadas a seguir: Síndrome de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser A importância dessa síndrome pelo impacto que o diagnóstico causa à paciente e aos seus familiares, ocorre porque ambos os ductos müllerianos não se desenvolvem, traduzindo-se em útero rudimentar sólido e aplasia total ou parcial da vagina, em pacien- tes XX com tubas uterinas e ovários normais.(28) Caracteriza-se por amenorreia primária, em paciente que desenvolve normalmente sua puberdade, ou seja, assim,exibindo um tipo feminino puro, mas sem menstruação.(28) Frequentemente, encontra-se nessas pacientes o esboço de vagina no segmento distal, o que norteia a indicação de tratamento. O cariótipo é 46XX, e os exames de ima- gem da pelve con� rmam a presença dos ovários normais e útero rudimentar. A ultrassonogra� a (USG), mesmo por via abdominal, pode ser su� ciente em muitos casos. Se houver dúvida, a ressonân- cia magnética deve ser realizada. Tratamento O método de Frank e a neovaginoplastia cirúrgica são as opções mais frequentemente citadas na literatura para o tratamento da Síndrome de Rokitansky. Recomenda-se como primeira escolha de tratamento dessa síndrome o método de Frank, que é incruento e consiste em dilatação progressiva do canal vaginal com molde 17 Almeida JA, Bagnoli VR, Fonseca AM, RochaRI Protocolos Febrasgo | Nº19 | 2018 rígido de acrílico fabricado pelo próprio hospital(Figuras 19-15). Quando a paciente adere bem ao método, pode ter uma vagina ca- paz para o coito em 6meses a 12 meses, em média. Em substituição a esse molde de acrílico, pode ser usado o dilatador vela de Hegar número 25, encontrado em casas de material médico. Útero unicorno Resulta da falha no desenvolvimento de um dos ductos de Müller. Frequentemente são assintomáticos, mas, se houver alteração do ciclo menstrual,recorre-se ao tratamento hormonal de acordo com cada caso. Duplicidade do útero Devido à não fusão dos ductos de Müller corretamente tem-se úte- ro bicorno ou o útero didelfo. O bicorno é associado ao abortamen- to de repetição e eventualmente com di� culdades de fertilidade. O útero didelfo sem outra anomalia, geralmente, é assintomáti- co, podendo passar despercebido. Em ambas as situações, não há necessidade de cirurgia, a não ser pela di� culdade na fertilidade, quando então deve ter avaliação da equipe de reprodução humana. Útero septado A imperfeita absorção do septo de fusão dos ductos de Müller pode originar septo parcial ou total. O total divide o útero longitudi- nalmente em duas cavidades. Costumeiramente, não apresenta sintomas especí� cos, principalmente se o septo é parcial. Alguns defendem que a cirurgia seja reservada apenas para casos de insu- cesso na gestação. Porém, Homer,(29) em artigo de revisão, conclui que ressecção histeroscópica deve ser indicada quando se faz esse diagnóstico, principalmente, por ser um procedimento minima- 18 Distúrbios do desenvolvimento sexual Protocolos Febrasgo | Nº19 | 2018 mente invasivo que melhora muito o prognóstico reprodutivo das pacientes. Útero arqueado Caracteriza-se por discreta modi� cação da cavidade uterina, por uma curvatura levemente côncava da parte fúndica. É considerada como uma variante anatômica do útero normal, sem necessidade de intervenção. Septo vaginal O longitudinal pode coexistir com o septo uterino completo. A pa- ciente pode ser assintomática, inclusive, sem nem mesmo relatar di� culdade para atividade sexual, o que justi� ca a conduta não in- tervencionista. Já o septo vaginal transverso perfurado, que é as- sintomático até a iniciação sexual, quando surge dispareunia e, en- tão, diagnosticado pelo exame vaginal e con� rmado por imagem, deve ser ressecado em sala cirúrgica. Malformações obstrutivas Um conjunto de anomalias müllerianas impede a esteriorização da menstruação, caracterizando a criptomenorreia. Em casuística de Kapczuk K et al.(30) 2017, constituída por 22 pacientes, 18delas (81%) tinham obstrução de hemivagina e agenesia renal ipsilate- ral; três (13,6%) tinham corno uterino rudimentar não comunican- te e uma (4,5%) atresia cervical em útero didelfo. Quadro clínico e diagnóstico A dor cíclica no abdome inferior e de intensidade progressiva é co- mum a todas as pacientes com malformações müllerianas obstruti- vas. Em paciente com caracteres sexuais secundários desenvolvidos 19 Almeida JA, Bagnoli VR, Fonseca AM, Rocha RI Protocolos Febrasgo | Nº19 | 2018 e que não teve a menarca, é preciso rastrear algum fator que está obstruindo o � uxo menstrual. Mais comumente se encontra hímen imperfurado, septo vaginal, agenesia da vagina, atresia ou agenesia do colo uterino.(30) Ao examinar o abdome, não é incomum que se palpe o útero aumentado em decorrência do hematometra. A inspe- ção dos genitais externos evidencia eventual hímen imperfurado ou mesmo ausência da vagina. Se o hímen é normal e o canal vaginal é identi� cado, com um cotonete ou com a escovinha de coleta para colpocitologia, pode-se identi� car a barreira por um septo vaginal transverso ou ausência dos terços superiores da vagina. Os exames de imagem são obrigatórios, identi� cação do segmento comprome- tido. A ultrassonogra� a (USG), mesmo por via abdominal suprapú- bica, principalmente em 3D, pode ser su� ciente em caso de útero unicorno com um corno rudimentar funcionante e não comunican- te. Mas, para analisar o colo e a vagina, a imagem por ressonância magnética é o padrão ouro e deve fazer parte do planejamento cirúr- gico. As principais consequências relacionadas com essas anomalias obstrutivas são endometriose, aderências pélvicas e infertilidade. A resolução cirúrgica deve ser em primeiro tempo, não sendo aconse- lhado que se faça drenagem, principalmente fora do centro cirúrgico, sem as condições assépticas ideais pelo risco de infecção.(31) Corno uterino não comunicante O diagnóstico de um corno rudimentar não comunicante com o corno normal, geralmente, é tardio porque a paciente menstrua regularmente. Como o quadro evolui com dismenorreia intensa e progressiva, o exame de imagem é realizado e então detecta-se a causa. O tratamento consiste na extirpação do corno rudimentar por videolaparoscopia. 20 Distúrbios do desenvolvimento sexual Protocolos Febrasgo | Nº19 | 2018 Agenesia ou atresiado colo uterino São as mais raras entre as anomalias müllerianas e podem estar associadas com outras malformações, como agenesia da vagina e o útero didelfo. Entre todas as causas de obstrução no trato cana- licular feminino é a mais frustrante para quem lida com o tema, pois ainda não há resultados convincentes pelas técnicas cirúrgicas propostas. Em artigo publicado na FertilSteril, em 2008, Fedele et al.(32) relataram 12 casos de anastomose de útero e vagina, em que abrem o útero e � xam-no na vagina, sem prótese. Os resultados não foram muito animadores. Mais recentemente, Rezaei et al.(33) publicaram sua experiência em anastomose útero-vaginal usando um stent de polytetra� uoroethylene. Sua casuística foi de oito pa- cientes, com seguimento de 3anos, o que não é su� ciente ainda para análise dos resultados. A experiência ainda é pequena com essa cirurgia, com apenas três casos. Entende-se, por isso, que só deve ser tentada a cirurgia de anastomose cervicovaginal por equipe com larga experiência nesses casos. Como as pacientes são jovens, a histerectomia pode ser protelada, fazendo-se o bloqueio hormonal da menstruação. Septo vaginal imperfurado Pode ser transverso ou oblíquo e ambos provocam os sintomas da criptomenorreia. O septo oblíquo é achado comum em útero didel- fo inicia entre os dois colos e insere-se na parede lateral da vagina, bloqueando o corno desse lado. O diferencial entre os dois tipos de septos é que o transverso simula a amenorreia primária, en- quanto que, no caso do oblíquo, a paciente menstrua regularmente pelo útero não bloqueado, o que retarda o diagnóstico. Em 74% desses casos, ocorre também agenesia renal ipslateral e constitui 21 Almeida JA, Bagnoli VR, Fonseca AM, Rocha RI Protocolos Febrasgo | Nº19 | 2018 a Síndrome de Herlyn-Werner-Wunderlich.(34) O exame indicado é a ressonância magnética, que elucidará o diagnóstico. Hímen imperfurado Não fazendo parte da classi� cação da Sociedade Americana de Fertilidade é a mais prevalente causa de criptomenorreia. Pode ocorrer o mucocolpo até mesmo em recém-nascida, daí a necessi- dade de exame da recém-nascida.(35) A cirurgia deve ser de� nitiva, incisando a membrana em cruz ou em x. Agenesia vaginal Agenesia do terço inferior da vagina provoca o de que quadro clí- nico e os recursos para o diagnóstico são iguais. O que difere da agenesia total da vagina é seu tratamento, que consiste em des- colamento do tubo vaginal por 3 a 4 cm, tracionando-se esse tubo vaginal e � xando-o no vestíbulo. Na ausência total da vagin a com útero funcionante, a opção é pela neovaginoplastia, cujas técnicas cirúrgicas foram abordadas neste capítulo. Referências 1. Hughes IA, Houk C, Ahmed SF, Lee PA; LWPES Consensus Group; ESPE Consensus Group. Consensus statement on management of intersex disorders. Arch Dis Child. 2006;91(7):554–63. 2. Hughes IA. Disorders of sex development: a new de� nition and classi� cation. Best Pract Res Clin Endocrinol Metab. 2008;22(1):119–34.3. 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