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Setembro / 2020 Professor/autor: Dr. Rubens Muzio Projeto Gráfico e Capa: Mauro Rota - Departamento de Marketing e Comunicação Todos os direitos em língua portuguesa reservados por: Rua: Martinho Lutero, 277 - Gleba Palhano - Londrina - PR 86055-670 Tel.: (43) 3371.0200 3| Comunicação e Homilética | FTSA | SUMÁRIO Comuniucação e Homilética Unidade I - A comunicação e a mensagem teológica 1.1. Introdução às teorias da comunicação......................................................................04 1.2. Conceituando a comunicação efi caz...........................................................................12 1.3. A comunicação teológica...............................................................................................19 Unidade II - O comunicador efi caz 2.1. Por que as pessoas não se comunicam bem?.............................................................36 2.2. Obstáculos à comunicação efi caz................................................................................39 2.3. Como podemos nos comunicar melhor?......................................................................59 2.4. Qualidades de um comunicador efi caz.........................................................................65 Unidade III - O contexto e o público 4.1. A ideia central...............................................................................................................108 3.2. Realidade sociocultural brasileira..................................................................................78 3.3. Comunicação na era da mídia, informação e entretenimento.....................................89 3.4. Comunicação contextualizada.....................................................................................102 Unidade IV - As técnicas e avaliações Introdução....................................................................................................................105 4.1. Perspectivas da missiologia.......................................................................................105 4.2. A estrutura básica de uma mensagem........................................................................120 4.3. Avaliação de uma mensagem......................................................................................138 Resultado dos exercícios .........................................................................................143 | Comunicação e Homilética | FTSA4 Unidade I – A comunicação e a mensagem teológica 1.1. Introdução às teorias da comunicação Quando criança, era comum repetir as palavras do famoso apresentador de televisão Chacrinha: “quem não se comunica, se trumbica”. Essa frase, sem dúvida, é verdadeira e exemplifi ca a importância da comunicação para a sociedade brasileira. A comunicação não é um assunto meramente teórico, mas extremamente prático e deve ser aplicado à vida, de inúmeras maneiras. Não queremos formar especialistas em comunicação pura e simplesmente, mas especialistas na arte de comunicar bem e efi cazmente. Entretanto, quais são os critérios que explicam o que é comunicar bem e efi cazmente? Basicamente, esta é a função do estudo de teorias, ou seja, a construção de critérios de avaliação das práticas que realizamos. Existem diversos tipos de teoria de comunicação. Há aquelas teorias que tratam do fenômeno da comunicação enquanto tal e, comumente, o descrevem a partir de categorias como “emissor, receptor, mensagem, código, meio”. Há teorias que tratam da dimensão específi ca da informação na atualidade, e são comumente conhecidas como “teorias de informação”. Há teorias que tratam dos processos de signifi cação na comunicação, e costumam ser chamadas de teorias semióticas ou hermenêuticas da informação. Há teorias que tratam da dimensão tecnológica dos processos de comunicação, normalmente conhecidas como ‘estudos da mídia’ ou ‘estudos midiáticos’. Uma descrição do campo se encontra em SANTAELLA & NÖTH, 5| Comunicação e Homilética | FTSA | Tanto quanto podemos ver, não obstante a multiplicidade aparente de pontos de vista, são três as visões dominantes sobre o campo de estudos da comunicação, todas elas devidamente constituídas com conceitos próprios e literatura correspondente: (2.1.) a visão de que a investigação deve abranger todos os processos de comunicação, estejam eles onde estiverem; (2.2.) a visão que identifi ca comunicação com as teorias dos meios de comunicação e, mais recentemente, das mídias em geral; (2.3) a visão que considera a comunicação como parte da realidade sociohistórica humana, localizando seus estudos sob o guarda-chuva da sociologia da cultura, da sócio-política ou da teoria geral da sociedade (2004, p. 35-36). Nosso curso levará em consideração conceitos e categorias provindas de diversos tipos de teoria, na medida em que esses elementos sejam necessários para a compreensão do que estamos estudando. Trataremos, também, dos aspectos básicos de uma teoria teológica da comunicação, tendo em vista os objetivos e propósitos da FTSA e seu projeto pedagógico. Afi nal de contas, queremos treinar comunicadores cristãos na arte da comunicação cristã. O comunicador cristão não apenas deve se comunicar efi cazmente, mas também eticamente. Desejamos que, ao fi nal desse curso, você possa responder o que signifi ca se comunicar ética e efi cazmente. Além disso os objetivos específi cos são que você possa: 1. Compreender os principais aspectos de uma comunicação efi caz; 2. Refl etir sobre os aspectos teóricos e práticos da ciência da comunicação e da homilética; 3. Desenvolver a consciência critica quanto aos modelos de prédicas apresentados na igreja evangélica de hoje. | Comunicação e Homilética | FTSA6 EXERCÍCIO DE REFLEXÃO - 01 Defi na a comunicação a partir de sua própria experiência de vida. Inicialmente, é fundamental saber que a teoria básica da comunicação é descrita a partir dos elementos emissor, receptor, mensagem e canal. Observe logo abaixo o esquema clássico do processo de comunicação. Você pode perceber que defi nir comunicação não é uma tarefa fácil. Afi nal de contas, de que comunicação estamos falando? De qual mensagem e de qual meio de comunicação estamos falando? As novas tecnologias afi rmam que as oportunidades de interação e compartilhamento de ideias e emoções nunca estiveram melhores. Entretanto, será que as formas digitais de troca de informação e diálogos comprovam que a comunicação contemporânea é mais humana e eticamente efi caz do que no passado? Será que o processo de comunicação serve para fi ns de justiça social, redenção e libertação ou a fi ns de dominação, controle e poder? Em linguagem teológica: o processo de comunicação serve a fi ns éticos e edifi cantes ou aos fi ns pecaminosos? Inicialmente, é fundamental saber que a teoria básica da comunicação é descrita a partir dos elementos emissor, receptor, mensagem e canal. Observe logo abaixo o esquema clássico do processo de comunicação. 7| Comunicação e Homilética | FTSA | 1. Emissor é a pessoa ou um grupo que tem uma ideia. Esse estímulo provoca uma reação: compartilhar, transmitir ou enviar para outros. A comunicação exige a participação de duas pessoas, no mínimo (ninguém se comunica sozinho). A mensagem precisa ser signifi cativa tanto para o emissor quanto para o receptor. Ou seja, ela precisa ter a capacidade de estabelecer a comunhão entre pessoas ou grupos quo trocam signifi cados e compartilham coisas em comum. 2. Receptor é uma pessoa ou um grupo (conhecida ou não, identifi cada ou não) que recebe a mensagem, a interpreta interiormente e manifesta a sua interpretação exteriormente. Ao decifrar seus símbolos, sua reação é retornar ao emissor ou encaminhar a ideia para outros. 3. Mensagem é a ideia ou pensamento transmitido pelo emissor (com o uso de códigos, símbolos, sinais, signos orais ou escritos) e recebido pelo receptor. Há muitos tipos de ruídos ou interferências que impedema compreensão da mensagem—a cultura, o grau de escolaridade, a maturidade, o barulho, etc. A efetividade da comunicação acontece quando a mensagem é interpretada com igual signifi cado pelo emissor e pelo receptor. Se a interpretação não for a mesma na emissão e recepção, o signifi cado se perderá e não haverá comunicação efi caz. A comunicação depende do emissor e do receptor conseguirem compartilhar experiências e signifi cados. 4. Canal é o meio utilizado para transmitir a mensagem, como por exemplo, voz, gestos, livro, jornal, rádio, televisão, panfl eto, Instagram, WhatsApp, e assim por diante. O conteúdo da mensagem geralmente indicará o melhor canal. Se o canal selecionado para o compartilhamento da mensagem for equivocado, a comunicação será prejudicada e a mensagem poderá ser mal interpretada. | Comunicação e Homilética | FTSA8 SAIBA MAIS José R. Whitaker Penteado tenta reconstituir o processo da seguinte forma: 1. Um estímulo interno ou externo provoca uma reação: a de comunicar-me. 2. Traduzo em palavras a ideia e por associação a interpreto, organizando as palavras em uma frase-mensagem. 3. Seleciono o meio mais adequado a movimentação da minha mensagem rumo ao receptor. 4. Emito a mensagem através do meio selecionado. 5. A mensagem caminha e chega ao receptor. 6. O receptor recebe a mensagem, procurando interpretar lhe o signifi cado. 7. O receptor compreende a mensagem, decifrando os símbolos, em termos de sua própria interpretação. 8. A reação do receptor, após a sua interpretação, é transportada como nova mensagem, de volta a minha pessoa. 9. Interpreto a reação do receptor, e avalio se o signifi cado que recebi é o mesmo signifi cado que lhe enviei. 10. Coincidindo os dois signifi cados—o meu e o do receptor— completa-se através da compreensão mútua o circuito da Comunicação. Enquanto escrevo estes parágrafos, naturalmente refl ito sobre as ideais que quero transmitir online a você, através desse canal da FTSA. Penteado verbaliza esse processo como se fosse uma obra de literatura brasileira: 9| Comunicação e Homilética | FTSA | 1. Acabo de ser apresentado a este cavalheiro. Parece-me simpático. Afi nal, devia dizer-lhe qualquer coisa. Ocorre-me a ideia de que o clima se presta a comentários triviais que, de alguma forma, podem ajudar-me a “quebrar o gelo”. Creio que devo referir-me ao calor embora não esteja tão quente; é um pretexto. 2. Vou exclamar: “Que calor!” Com uma expressão de simpatia procurando transmitir-lhe a minha intenção de “quebrar o gelo”. 3. O melhor meio seria falar: “Que calor! Talvez pudesse apenas sorri e tirar um lenço do bolso, abanando-o sobre o rosto. Mas, não! O melhor mesmo é falar de maneira simpática para que ele me ouça. 4. Exclamo: “Que calor!” 5. Os sons atravessam o espaço que medeia entre nós, e atingem o seu pavilhão auditivo. 6. O receptor interpreta as palavras de que me utilizei: Ele está se referindo ao ·calor, através de uma exclamação extemporânea... 7. E agora interpreta a seu modo, o signifi cado: ele quer “puxar conversa” comigo. Ora, já que vamos esperar, vou sorrir para ele, e murmurar qualquer coisa... 8. Meus olhos percebem o sorriso e chegam aos meus ouvidos os sons que emitiu: “É, está quente!” 9. Ora, graças! Vamos conversar! (1964, p. 9-10) | Comunicação e Homilética | FTSA10 EXERCÍCIO DE APLICAÇÃO - 02 Nessa teoria básica da comunicação, há 5 questões cruciais para uma comunicação efi caz: 1) quem, 2) diz o que, 3) a quem, 4) através de que meio, 5) com que fi nalidade? Correlacione as afi rmações abaixo com cada uma das cinco questões cruciais indicadas e assinale a opção que indique a ordem de correlação correta: 1. É fundamental que encontremos um propósito para a mensagem e comuniquemos claramente os objetivos e razões que nos levaram a transmiti- la. 2. Qual é o nosso papel e com que função nos comunicamos? Na comunicação, devemos defi nir primeiramente aquele que faz a comunicação. A resposta parece óbvia (você ou eu) mas não é tão simples assim. O ser humano tem vários papeis sociais: pai ou mãe, chefe ou funcionário, vizinho ou amigo, professor ou aluno, etc. 3. A escolha do canal adequado poderá trazer um resultado muito melhor. A comunicação está cada vez mais segmentada, dirigida a um público (tribo) específi co. Para alguns, jornais, televisão e rádios são os melhores canais. Para outros, as redes sociais serão mais efi cazes. O que mais importa é a comunhão de ideias, histórias e emoções. 4. Se soubermos exatamente o que estamos pensando, iremos nos comunicar com mais rapidez e efi cácia. Isso quer dizer organizar melhor as ideias e escolher bem as palavras, ou seja, se comunicar com clareza e qualidade. 5. A forma da comunicação depende mais do receptor do que do emissor. Emissor e receptor precisam falar a mesma linguagem, se colocar no mesmo plano de intepretação. Se o emissor não se adaptar ao receptor, a comunicação se perderá. Para ser melhor compreendido, o emissor deve usar o mesmo vocabulário e preferir as expressões que são mais familiares ao receptor. a) I-1, II-5, III-4, IV-2, V-3 b) I-4, II-5, III-3, IV-2, V-1 c) I-5, II-1, III-4, IV-2, V-3 d) I-1, II-5, III-2, IV-4, V-3 e) I-5, II-1, III-3, IV-4, V-2 11| Comunicação e Homilética | FTSA | Entretanto, teorias deste tipo, apesar de serem úteis, não chegam a problematizar criticamente a comunicação. Elas apenas indicam os elementos componentes do processo. Fala-se muito em comunicação, mas quero destacar abaixo duas citações que alertam para a difi culdade para defi ni-la: Comunicação virou termo da moda, clichê cultural que se aplica a todas as circunstâncias. E, por isso mesmo, um termo que já não diz quase nada. Palavra oca, esvaziada pelo excesso de uso, ninguém mais sabe muito bem o que é comunicar. O enigma da comunicação e a tentativa de recuperar a ideia que se associa de forma plena ao ato comunicador, desdobrando-o para além das dimensões conhecidas e viciadas, buscando as pistas de um objeto perdido ((MARCONDES FILHO, 2002, p. 13) Comunicar é um problema prático antes de ser objeto de uma interrogação fi losófi ca ou de uma elaboração científi ca. Eu sofro e eu vivo sob o olhar do outro, como o outro vive e sofre sob meu olhar; fechado na interioridade absoluta de minha consciência, como posso fazer sentir minha dor? Um olhar, um gesto podem mentir. E há mais, o outro e um homem, mas, no caso do mundo que nos rodeia, os animais, posso me comunicar com eles? Na Metamorfose, de Kafka, Gregório morre não porque ele é uma barata ferida, mas porque, metamorfoseado em barata, já não há comunicação possível entre sua família e ele. A comunicação, de início, compreendida como relação privilegiada de consciências humanas (AUROUX & WEIL, 1991, p.61-2). | Comunicação e Homilética | FTSA12 1.2. Conceituando a comunicação efi caz O que quer dizer se comunicar bem e efi cazmente? O que quer dizer se comunicar eticamente? Em nossa essência humana, somos seres comunicadores. Vivemos em relacionamentos e comunidades e nos relacionamos com palavras, ideias e emoções. No entanto, os desafi os contemporâneos para uma comunicação efi caz são cada vez maiores e precisamos compreender o que realmente está em jogo na comunicação. Tratemos do signifi cado etimológico da palavra comunicação. Comunicação se relaciona diretamente com comum e comunhão, ou seja, o que conta não é o controle, a quantidade, ou a qualidade da informação, mas sim o “tornar comum”, ou seja, o compartilhar de ideias, emoções, histórias, experiências e sonhos em comum com pessoas e grupos, por meio de gestos, atos, palavras, símbolos, e assim por diante. Este tipo de defi nição mais humano da comunicação demonstra que tão somente mandar uma mensagem para alguém por meio de um determinado canal tecnológico demonstra um sentido limitado, além de ser potencialmente frio e superfi cial. Além disso, o compartilhamento da vida na sociedadenão pode ser visto apenas como comunhão, mas também como discórdia e confronto. De fato, inúmeras lutas sociais pelo domínio dos bens simbólicos e materiais circulam no viver em comunidade bem como lutas sociais pela partilha desses mesmos bens de uma forma mais justa e equitativa. Neste curso, utilizaremos exemplos da organização TED.COM. Até 2005, o TED (sigla para Tecnologia, Entretenimento e Design) era apenas um evento anual que acontecia na California, originado no Vale do Silício. Atualmente, entretanto, diversas conferências internacionais e eventos licenciados TED acontecem em mais de 130 países, inclusive São Paulo e Rio de Janeiro. Em 2012, o site já passava de um bilhão de visualizações, em média vistas 1.5 milhões de vezes por dia, e 17 apresentações por segundo. Os vídeos são traduzidos para mais de 100 idiomas. Raramente as palestras TED passam de 18-20 minutos. Estudos apontam 13| Comunicação e Homilética | FTSA | que, em média, a atenção de um público é cativada por aproximadamente quinze minutos, depois dos quais muitas pessoas começam a divagar sobre sua vida, contas pra pagar, problemas a resolver, comida a fazer, viagem a planejar, e assim por diante. SAIBA MAIS TED (Conference) https://en.wikipedia.org/w/index.php?title=TED_ (conference)&oldid=949404400.) Observe o que Chris Anderson, coordenador do TED, fala sobre a linguagem: ... a linguagem só produz sua magia quando partilhada entre falante e ouvinte. E essa é a chave para que se realize o milagre de recriar sua ideia no cérebro de outras pessoas. Você pode usar as ferramentas a que sua plateia tem acesso. Se usar sua linguagem, seus conceitos, seus pressupostos e seus valores, não terá sucesso. Então, em vez disso, utilize os deles. Só a partir dessa base comum aos ouvintes podem começar a construir a sua ideia na mente deles (2016, p. 29-30) | Comunicação e Homilética | FTSA14 Anderson acrescenta, uma palestra de alto nível é como uma viagem que palestrante e plateia realizam juntos. Ele cita as palavras de Tierney Thys: Como todos os bons fi lmes e livros, uma palestra de alto nível é capaz de nos transportar. Todos adoramos participar de aventuras, viajar para algum lugar novo na companhia de um guia bem informado—se não imaginativo—e capaz de nos apresentar coisas que nem sabíamos existir, de nos induzir a abrir janelas para lugares desconhecidos, de nos munir de novas lentes para ver o ordinário de maneira extraordinária... de ao mesmo tempo nos extasiar e acionar diversas áreas do nosso cérebro. É por isso que muitas vezes tento moldar minha fala em torno do embarque para uma viagem (2016, p. 31-32). Você pode perceber a autenticidade de Simon Sinek e a simplicidade do auditório. Como vários de nós, ele experimenta problemas com o microfone e distrações visuais. Simon não utiliza powerpoints, apenas apresentando pequenos círculos num fl ipchart. Na verdade, algumas das palestras TED mais populares não tem visual (Anderson, 2016, p.111). Acima de tudo, Simon tem um conceito criativo, que inspira cooperação, confi ança e promove mudanças. Ideias, quando transmitidas com efi cácia, tem o poder de transformar o mundo. EXERCÍCIO DE APLICAÇÃO - 03 Conforme o texto acima nos mostra, uma boa palestra é aquela que tem o poder de nos transportar, palestrante e ouvinte, pelo tema que está sendo trabalhado. Todavia, em muitas de nossas igrejas, a palavra é fria, de difícil compreensão e extremamente longa. Aplicando os conceitos das palestras TED, assinale a alternativa que expressa uma comunicação efi caz em uma palestra: 15| Comunicação e Homilética | FTSA | a) Uma palestra de alto nível, efi caz para a igreja, é aquela que leva as pessoas junto com o pregador. Isso, hoje, invariavelmente, isso exige o uso de imagens (slides com fotos, vídeos, gráfi cos etc.). b) Uma palestra de alto nível, efi caz para a igreja, é aquele somente guiada pelo Espírito Santo, sem qualquer esforço humano. c) Uma palestra de alto nível, efi caz para a igreja, é aquela que leva as pessoas junto com o pregador. Uma viagem por seu raciocínio e conceitos. d) Uma palestra de alto nível, efi caz para a igreja, é aquela que exige do público algo raciocínio e conhecimento para compreender as palavras do pregador (palestrante), afi nal, verdades profundas exigem palavras difíceis. e) Uma palestra de alto nível, efi caz para a igreja, é aquela que prega a palavra, mesmo que as palavras do pregador não prendam a atenção do público. SAIBA MAIS A Teoria da Ação Comunicativa, de Jürgen Habermas (2002) se ocupa da comunicação social, ou seja, ela trata dos processos comunicativos que nos ajudam a melhorar a vida em sociedade. Comunicar, para Habermas, é relacionar, estabelecer algo em comum e gerar societas em latim (de que deriva em português as palavras sócio e sociedade). Nós não vivemos sozinhos, relembra Habermas. Vivemos em grupos, começando com nossa família, se estendendo pelo nosso bairro, cidades, estado, país, continente e o mundo inteiro. | Comunicação e Homilética | FTSA16 Como expressão concreta desse viver em comum, as pessoas se agrupam e se constituem como sociedades, povos, culturas. As sociedades humanas são fruto da ação conjunta das pessoas e, ao mesmo tempo, funcionam como estruturadoras da ação humana. Através da ação, o ser humano produz simultaneamente objetos concretos e objetos simbólicos. Não só produzimos “coisas”, como também as explicamos e lhes damos sentido. Mediante o trabalho e a interação cotidianos, os grupos sociais vão produzindo ideias, valores, bens, instituições, etc. Em que condições a comunicação bem-sucedida se torna impossível? De acordo com Habermas, podemos explicar esse tipo de situação de duas maneiras: (1) A comunicação se torna inviável quando a tensão entre facticidade e validade é plenamente desconsiderada, ou seja, quando uma pessoa ou um grupo social (ou instituição) não consegue perceber que a sua própria defi nição da situação não é a única defi nição possível e, assim, tenta impor a sua visão aos demais participantes da comunicação. Ora, a partir do fato de que vivemos em sociedades plurais – em que coexistem diferentes explicações da vida humana, tanto éticas, como morais, econômicas, políticas, etc. – todos nós precisamos reconhecer a tensão entre facticidade e validade em nossos próprios discursos, em nossa própria maneira de entender, diagnosticar e defi nir uma situação qualquer. Em outras palavras, a comunicação se torna inviável quando os participantes de um diálogo atuam de modo fundamentalista. Assim, ao invés de construir consensos para coordenar as ações em comum na sociedade, cada parte defende seus próprios interesses e perspectivas. (2) A comunicação se torna inviável quando os meios de interação sistêmica passam a reger os processos comunicativos. 17| Comunicação e Homilética | FTSA | Quando isto acontece, ocorre o que Habermas chama de ação estratégica—o oposto da ação comunicativa—a ação voltada para o sucesso de si mesmo, independentemente do sucesso ou das necessidades do outro. No caso da economia, o meio principal de interação é a competição visando o lucro – a comunicação se torna inviável quando o diálogo é praticado com a fi nalidade de ganhar a discussão. No caso da política, o meio principal de interação sistêmica é a imposição (dominação), assim, o diálogo se torna inviável na medida em que não há disposição para ouvir e aprender com o outro, mas apenas em derrotar o outro. No caso da mídia, o meio principal de interação sistêmica é a doutrinação que visa convencer o outro da verdade da ‘minha’ doutrina, assim, o diálogo se torna impossível na medida em que a comunicação se dá apenas em uma direção, visando apenas vender ao outro um produto concreto ou simbólico. No caso da ciência, o principal meio de interação sistêmica é a objetivação que reduz as interações pessoais a objetos empiricamente observáveis, assim, o diálogose torna impossível na medida em que a explicação naturalista ou objetivista da situação impede a construção de consensos valorativos. a) Como podemos viabilizar a comunicação bem-sucedida? Segundo Habermas, devemos recusar os grandes obstáculos da comunicação: b) reconhecer a tensão facticidade-validade; c) não estabelecer a vitória como o alvo da comunicação; d) não tentar impor aos que pensam diferente a nossa própria visão de mundo; e) evitar a doutrinação, estando disposto a aprender com as crenças e valores dos outros; e f) não tratar outras pessoas como objetos ou meros ‘animais’, e sim, tratando-as como pessoas com a mesma dignidade e autonomia que creditamos a nós mesmos. | Comunicação e Homilética | FTSA18 Quero incentivar você a ler o texto do sociólogo francês Michel Maffesoli, “A comunicação sem fi m (teoria pós-moderna da comunicação)” como leitura complementar. Ele trata dos elementos essenciais da natureza da comunicação. Um dos pensamentos centrais de Maffesoli é o seguinte: Comunicação é um termo que raro emprego, embora reconheça cada vez mais a sua pertinência. Trata-se da maneira contemporânea, pós-moderna, de fazer referência ao simbolismo (não no sentido simples do termo, simbólico, mas na acepção freudiana e lacaniana de simbolismo). Não seria errado também falar em comunicação por referência aos novos pensamentos místicos, caso se tome por essencial a ideia de conjunção: a comunicação é que nos liga ao outro. Para usar o meu vocabulário habitual, a comunicação é o que faz reliance (religação). A comunicação é cimento social. Talvez eu fale tão pouco de comunicação porque para mim essa noção está implícita na socialidade. A comunicação é a cola do mundo pós-moderno. Dito de outra forma, a comunicação é uma forma de reencarnação desse velho simbolismo, simbolismo arcaico, pelo qual percebemos que não podemos nos compreender individualmente, mas que só podemos existir e compreendermo-nos na relação com o outro. Nesse sentido, a ideia de individualismo não faz muito sentido, pois cada um está ligado a outro pela mediação da comunicação. O importante é o primum relationis, ou seja, o princípio de relação que me une ao outro (2003, p.13). A comunicação (ou a informação), para Maffesoli, remete ao estar-junto, ao ligar, ao unir e ao estabelecer comunhão entre indivíduos e grupos. Como escreve Maffesoli, comunicação é o cimento social; é a cola que liga a sociedade. Por isso, as pessoas não querem apenas receber informações, 19| Comunicação e Homilética | FTSA | mas participar, fazer parte da história e partilhar suas emoções. Por essa razão, a interação predomina na internet. O autor também está preocupado com a segmentação da informação para um público-alvo. A informação está cada vez mais voltada à uma tribo específi ca. Concluindo, comunicação consiste em comunhão ou viver em comum. Não se trata, portanto, apenas de discutir apenas técnicas de “como fazer”, modos e canais de falar, transmitir, difundir ou propagar conteúdo. Trata-se, por outro lado, de refl etir sobre as melhores formas de viver em comunidade, construindo consenso na diversidade, construindo identidade na pluralidade e trazendo justiça social a um mundo injusto. 1.3. A comunicação teológica Vídeo sobre homilética e pregação (10-15 min) No Novo Testamento o termo grego que mais se aproxima do signifi cado da comunicação como está sendo apresentado nesta unidade é koinonia, que traduzimos por viver em comunhão ou viver em comum. A koinonia é a qualidade daquilo que é comum a pessoas diferentes, é aquilo que é partilhado por pessoas, aquilo de que todos participam. Assim, o sucesso da comunicação na comunidade cristã é determinado pelos alvos ou metas da vida em comum, bem como pelos princípios de convivência comunitária. | Comunicação e Homilética | FTSA20 O fracasso na comunicação na igreja local ocorre quando ela não constrói consenso e harmonia, mas provoca divisões e dissensões. Aproveitando a análise do mundo atual de Ricardo Barbosa: O individualismo, associado com os outros fenômenos do mundo moderno, traz um dos maiores desafi os à espiritualidade cristã que jamais temos visto. É o desafi o do encontro, da relação, da descoberta do outro não pelo que tem ou representa, mas por quem é. Penetrar neste mistério que envolve nossas relações pessoais irá exigir de nós uma postura crítica em relação ao que acontece ao nosso redor e em buscar os caminhos que nos integrem novamente numa relação que seja afetiva, íntima, pessoal (2002, p. 18). Os confl itos e desacordos numa igreja vão desde a cor azul ou verde das paredes da sala de aula das crianças até colossais confrontos entre os líderes evangélicos na mídia nacional. As épocas em que os confl itos acontecem na igreja loca são bem previsíveis: nas festividades de Páscoa, e Natal, durante as campanhas de ofertas, na ausência ou acréscimo de novos pastores, na mudança do estilo de liderança, com a entrada de muitos casais jovens, na construção de um novo prédio, em mudanças na família pastoral, quando acontece a perda signifi cativa de membros ou aumento signifi cativo de membros. Igrejas são capazes de se tornarem instituições opressoras e uma boa parte do seu tempo como líder será gasto na resolução de problemas internos e aconselhamento de pessoas. Espalhamos nossa fé em meio a divisões. Igrejas problemáticas tendem a fazer o pastor o foco de descontentamento, com ou sem causa provável. Por outro lado, os seus líderes podem também se tornarem manipulativos e mestres da conversação. Líderes poderosos se tornam uma potência para o bem e para o mal. Você se lembra da história de Jim Jones? Construiu uma igreja animada em São Francisco, repleta de gente bem 21| Comunicação e Homilética | FTSA | intencionada. Jones os levou para uma viagem missionária à Guiana, convencendo 900 deles a se suicidarem. Veja algumas características de igrejas abusivas: • Estilo de liderança orientada para o controle [poder, modelo monárquico] • Elitismo espiritual [senso superioridade] • Manipulação de membros [culpa, pressões ministérios] • Perceptíveis níveis de perseguição [psicológica] • Rigidez no estilo de vida [moralismos, legalismos] • Ênfase na experiência [forte emocionalismo, sensações e visões] • Oposição é rechaçada, suprimida [visto como inimigo, como coisa do inferno] • Disciplina rígida [rigorosos membros] • Denuncia outras igrejas [apologéticos, criticam online, bate- papo com amigos, convidam membros de outras igrejas] • Processo de saída doloroso [famílias que saem podem reclamar com razão] (ENROTH, 1992) Voltemos nossa atenção a um dos trechos fi nais da carta aos Colossenses (3:5-4:6), em que Paulo exorta as comunidades de Colossos a praticar uma vida comunitária cristã, ou seja, fi el ao estilo de vida e propósitos de Jesus Cristo. Você notará que em a partir de 3.18, Paulo dirige sua atenção à vida cotidiana dos membros das comunidades cristãs, o que nos mostra que o projeto comunicativo para a igreja não pode se restringir aos momentos propriamente eclesiais, mas se estende a todos os tipos de relacionamento que praticamos na sociedade em geral. Como nos tempos paulinos, em nosso próprio tempo essa proposta é | Comunicação e Homilética | FTSA22 absolutamente radical. Não só ela vai contra as desigualdades político- econômicas e sociais criadas pela civilização moderna, como ela também vai contra aos modos cada vez mais individualistas de valorizar a vida e os relacionamentos. Em suma: uma comunidade cristã é madura se nela as pessoas puderem enxergar a igualdade radical da vida em Jesus Cristo. Os versos 12-13 parecem apontar para outra direção: após afi rmar a sublimidade da nova humanidade no Messias, Paulo usa a linguagem do suportar e perdoar uns aos outros. Por quê? Porque mudar de forma de vida é um processo lento e deve ser constante. Até a comunidade chegar à maturidade ainda enfrentará inúmerassituações nas quais os padrões estratégicos de comunicação estarão ainda em vigor. Por isso, é preciso suportar, apoiar e perdoar irmãs e irmãos em seus erros. O senhor de escravos, na comunidade eclesial, terá de aprender a tratar seus escravos e escravas como irmãs e irmãos. Na visão de William Guthrie, A autêntica renovação espiritual tem início somente na luta constante da igreja para tornar-se uma comunidade de homens e mulheres liberais, conservadores e evangelicais, com diferentes identidades de raça, de classe e de cultura, os quais são libertados, reconciliados e transformados para estabelecerem uma verdadeira ‘comunhão do Espírito Santo’ – aquele que existe não somente em seu próprio benefício, mas também com a fi nalidade de participar na obra libertadora, reconciliadora e transformadora do Deus triúno, que eles confessam no mundo e para o mundo (2000, p. 174). Portanto, o critério para os relacionamentos em comunidade cristã é tríplice: amor, paz e gratidão: “acima de tudo isto, porém, esteja o amor, que é o vínculo da completude. Seja a paz de Cristo o árbitro em vosso coração, à qual, também, fostes chamados em um só corpo; e sede agradecidos” (versos 14-15). O amor é o caminho e o propósito da vida 23| Comunicação e Homilética | FTSA | no Reino. Quando o amor falta, qual é o critério para sua retomada? A paz (a pax Christi e não a pax romana). Fomos vocacionados para praticar a paz, não dominar, subjugar e conquistar. Somos um só corpo, não mais um império! Finalmente, podemos viver em amor e paz quando somos agradecidos – ou seja, quando abandonamos a lógica do dever, que classifi ca legalmente as pessoas, e nos entregamos à lógica da dádiva, que classifi ca fraternalmente todas as pessoas. Resumindo, uma teoria teológica da comunicação consiste na refl exão sobre se comunicar de maneira justa, equitativa e libertadora. Além disso, ela deve refl etir como viver ética e cristocentricamente em um mundo iníquo e infi el ao seu Criador. EXERCÍCIO DE FIXAÇÃO - 04 Conforme se viu acima, uma teoria teológica da comunicação consiste na refl exão sobre se comunicar de maneira justa, equitativa e libertadora. Isso está diretamente relacionado ao conceito bíblico de koinonia, que signifi ca viver em comunhão. Seu sentido, então, é: a) A koinonia tem a ver com viver em comunhão, mas comunhão só é possível entre iguais. b) A koinonia é a qualidade daquilo que é comum a pessoas diferentes, ou seja, mesmo diferentes, as pessoas partilham algo comum a todos, no caso, o evangelho. c) A koinonia com o diferente é tolerância, não vida em comum. Portanto, a igreja é o lugar de iguais. d) A koinonia é o viver comunitariamente na igreja. No que tange a comunicação, estar em koinonia não infl uencia em nada. e) A koinonia na igreja é uma utopia que deveria ser superada, principalmente no que tange a pregação da palavra, pois são coisas não relacionáveis. | Comunicação e Homilética | FTSA24 Os desafi os atuais para uma comunicação teológica bem-sucedida são inúmeros. Vou apenas destacar alguns: 1. Declínio da racionalidade. Todo ser humano tem uma cosmovisão ou um conjunto de valores acerca do mundo, da sociedade, da religião e de si mesmo. Essas ideais foram estruturadas na era da razão, com um foco meramente cognitivo e coerente. Na pós-modernidade, com frequência nos utilizamos de conceitos que são contrários à lógica e à racionalidade. Isso é perceptível na dialética da espiritualidade, na psicologia popular, na gestão e administração de organizações, bem como na forma com que as ciências sociais articulam os reality shows e propaganda nas redes sociais. 2. Relativização da verdade. A verdade foi desprezada. Terraplanismo e grupos anti-vacina são apenas dois exemplos da subjetividade do pensamento e da pressão do achismo (e com frequência, triunfo) sobre os dados científicos. 3. Erosão da autoridade. Nenhuma virtude é respeitada simplesmente por ser virtude. Ninguém merece respeito simplesmente pelo cargo que ocupa. A autoridade é dinâmica, meritocrática e trabalhada a partir dos temas do cotidiano. 4. Seletividade intelectual. Walter Lippman escreveu o seguinte: “Sob 25| Comunicação e Homilética | FTSA | certas condições, os homens reagem tão poderosamente a fi cções, quanto o fazem a realidades, e em muitos casos, eles mesmo ajudam a criar as próprias fi cções às quais reagem.” A recente politização da pandemia de Covid-19 comprova que é comum escolher e comprar os conceitos e valores de maneira subjetiva, interesseira, hedonista e individualista. 5. Aprendizado visual. As pessoas não estão mais atraídas pelas letras pequenas das Bíblias impressas, ou de outro meio. É mais fácil aprender da cultura e da mídia do que das Escrituras. Como a comunicação cristã (e especifi camente a pregação), pode ser relevante e signifi cativa, nesse contexto que desvaloriza verdade, autoridade, racionalidade e eloquência em detrimento de símbolos, sentimentos e experiências? Na sua exposição do Evangelho de Marcos, capítulo 9, o famoso pregador inglês Martin Lloyd-Jones descreve Jesus descendo o Monte da transfi guração, encontrando seus discípulos rodeados por uma multidão, discutindo e argumentando acerca do apuro dos discípulos para tentar libertar um menino endemoninhado. A maioria de nós conhece esse texto. A criança possuída por um espírito imundo desde a infância era jogada no fogo e na água para sofrer. Diante de Jesus, o espírito se manifesta no menino com convulsões, caindo por terra e espumando. Jesus expulsa o demônio, além de curar e restaurar a saúde do garoto. Mas o que acontece logo depois é importantíssimo: os discípulos perguntam em particular para Jesus por que não conseguiram expulsar tal demônio. Jesus lhes responde: “este tipo de casta somente sai com jejum e oração”. O “doutor” (como era conhecido Lloyd-Jones) um dos expositores bíblicos mais argutos de todos os tempos, ao aplicar esse texto para a igreja Inglesa utiliza uma fi gura de linguagem que nós não gostamos: alegoria (neste caso, parece que ele estava correto). Os discípulos simbolizam a | Comunicação e Homilética | FTSA26 igreja e o menino representa o mundo moderno. Para o pregador inglês, Jesus dava uma perfeita representação de nossa condição atual: a Igreja está falhando porque a “casta” demoníaca é mais complexa. Para Jones, a igreja cristã precisava aprender a expulsar esse tipo de casta do mundo contemporâneo. Sua descrição do mundo 50 anos atrás parece ser ainda muito atual: Nós não somos somente confrontados pelo materialismo, mundanismo, indiferença, endurecimento e frieza – mas estamos ouvindo mais e mais [...] sobre certas manifestações dos poderes do mal e da realidade dos espíritos malignos. Não é meramente pecado que constitui o problema de nosso país hoje. Existe um recrudescimento da magia negra e da adoração demoníaca e os poderes das trevas [...] e das muitas coisas que isso infl uencia. É por isso que eu creio que estamos numa urgente necessidade da manifestação da demonstração do poder do Espírito Santo”.1 Lloyd-Jones não achava que os cristãos estavam conscientes da profundidade do problema espiritual enfrentado. Ele estava realmente preocupado com a igreja! A não ser que, individualmente tenhamos uma séria preocupação com a igreja, seremos cristãos muito medíocres, dizia ele. Ele via uma grande diferença entre a igreja no século 20 e a igreja que precedeu os períodos de avivamento, de 200-300 anos antes. SAIBA MAIS Martin Lloyd-Jones, Revival, Crossway Books, 1987, 1o. capítulo. Ele foi chamado do último pregador Calvinista Metodista, pois combinava o amor de Calvino pela verdade e doutrina reformada ao fogo e paixão do avivamento metodista do século 18. Lloyd-Jones ocupou o púlpito da Westminster Chapel em Londres por 30 anos. 1 The Sovereign Spirit containing twenty-four sermons preached between November 15, 1964 and June 6, 1965, page 25 ). 27| Comunicação e Homilética| FTSA | Naquele tempo, apesar da igreja se encontrar num estado de apatia, a civilização ocidental aceitava Deus como realidade absoluta e a Bíblia com o livro sagrado. A igreja precisava apenas colocar fogo neles com o entusiasmo da pregação e da intensa oração. Campanhas evangelísticas e programas especiais eram sufi cientes para despertar a Igreja. Mas a casta de demônios de 300 anos atrás deles não seria diferente do espírito nos tempos presentes? Certamente que sim. Lloyd-Jones era alguém à frente de seu tempo, na vanguarda teológica. Ele já estava percebendo mudanças drásticas na Europa pós-guerra e fez análises preliminares e aprofundadas daquilo que iríamos presenciar nas últimas décadas: a noção de Deus se diluindo, se esvaindo, o certo e errado desaparecendo, a verdade se fl exibilizando, a Bíblia não sendo mais vista plenamente como Palavra de Deus, a justifi cação pela morte de Cristo sendo negligenciada, sua deidade negada e assim por diante. Seu desapontamento com a qualidade e capacidade da igreja ser relevante cresceu mais e mais. Sua ênfase na necessidade de um avivamento bíblico e vigoroso era grande. Para ele, avivamento era um milagre, algo que somente pode ser explicado como uma intervenção de Deus. Homens podem produzir campanhas evangelísticas, mas nunca produzirão avivamentos. Avivamento, para Lloyd-Jones, era um tipo de demonstração de poder que autenticaria a verdade do evangelho num mundo desesperadamente endurecido. | Comunicação e Homilética | FTSA28 SAIBA MAIS No seu livro Pregação e Pregadores de Martin Lloyd-Jones (2012), Lloyd-Jones questiona como a pregação da Palavra pode ser signifi cativa para o mundo moderno que tanto desconfi a da comunicação e dos comunicadores. Ela é importante porque apresenta os melhores temas para a humanidade e traz respostas aos problemas e necessidades de todas as pessoas. Além disso, a pregação é prioridade na Bíblia. Há muitas receitas, estratégias e conferências, mas somente a Palavra pode avivar e revitalizar a igreja. As reformas e os avivamentos estão fundamentados na excelência da pregação. Grandes homens pregaram grandes sermões. O primeiro alvo da igreja cristã é pregar a Palavra de Deus e todo sermão deveria estar baseado nas Escrituras. Pregar, conclui Lloyd-Jones é excitante, maravilhoso, o maior e o melhor chamado. Na visão de Lloyd-Jones a pregação no século 20 estava defeituosa. Ele criticava o excesso de preocupação com o preparo e a estruturação profi ssional do sermão e menor dedicação ao conteúdo. Ele usa a palavra “prostituição” para descrever isso. Ele criticou a psicologia popular utilizada na época. Para ele, também, pregação não é entretenimento. Nós devemos priorizar as condições visíveis resultantes da queda e do pecado, que são as mesmas em todas as nações, através dos séculos. Há temor e tremor na pregação, de acordo com Lloyd-Jones. Os pregadores estão lidando com as questões mais importantes da vida e morte, eternidade e salvação. Estão ajudando e lidando com pessoas, visando a transformação do ser humano integral: mente, emoções e 29| Comunicação e Homilética | FTSA | atitudes. Por isso, os pregadores devem estar integralmente engajados: corpo e alma. Para Lloyd-Jones, o pregador comunica através daquilo que é como pessoa. Por isso ele precisa conhecer muito bem suas fraquezas, reações emocionais e limites, fazendo uma boa gestão da sua disciplina pessoal, agenda e compromissos semanais. No seu caso, ele separava todas as manhãs para estudo (mesmo negociando isso com a família, durante suas férias em troca do resto do dia para fazer o que quisessem). Três sugestões fi nais do doutor: tome cuidado com o orgulho, esqueça de si mesmo e focalize a glória de Deus. Toda mensagem cristã está endereçada a duas audiências diferentes. John Stott, no seu livro Between two Worlds (Entre dois mundos), descreve como Deus continua falando através daquilo que falou. A Bíblia é a palavra viva a um povo vivo e a pregação é a uma mensagem contemporânea a um mundo contemporâneo. A mensagem não é meramente uma exposição histórica, contextual e exegética. Na visão de Stott, Deus está falando ao mesmo tempo com duas audiências, duas culturas e com dois ouvintes. A Bíblia utiliza a linguagem dos ouvintes originais que viveram a milhares de anos. Agora, entretanto, ela fala para a plateia com palavras e expressões que estão sendo empregadas nos dias de hoje. Precisamos de modelos relevantes que usem a Palavra fazendo uma hermenêutica cuidadosa do texto. A palavra de Deus não pode ser usada fora de contexto, como uma desculpa para outros temas que deveriam ser analisados psicologicamente, nem para moralismos, nem para provar com apologias determinada doutrina, nem pode ser usada abusivamente para ganhos pessoais. Ao comunicar a Palavra quer por meios orais ou escritos, lembre-se que Deus enviou você para ser o seu mensageiro e anunciar a sua vontade. Ele lhe dará poder e efi cácia na comunicação. Acima de tudo, estejamos comprometidos com a Palavra de Deus. | Comunicação e Homilética | FTSA30 Uma grande causa para o desprezo desdenhoso de muitas mensagens bíblicas é sua falta de conexão com a vida real das pessoas. Por isso, muitas vozes se levantaram dizendo que a Bíblia é irrelevante e obsoleta. Isso não nos surpreende, pois a Bíblia representa tanto autoridade objetiva e externa quanto uma voz do passado que devemos ouvir e obedecer. Todos os grandes movimentos fi losófi cos e culturais dos últimos trezentos anos se opuseram à autoridade objetiva e externa da Bíblia. No século 20, a espiritualidade visivelmente separou a teoria da devoção e da prática; o Deus que fala do Deus que age. Além disso, a modernidade, ao separar a fala da revelação divina, atenuou também a importância da pregação do púlpito. As palavras se tornaram fracas demais para comunicar efi cazmente a mensagem divina. Entretanto, esse é um grave risco para a comunicação teológica, pois não há como separar a palavra de Deus da autorrevelação da própria pessoa de Deus! O mesmo Deus que se comunicou verbalmente em sua transcendência, fala poderosamente à situação humana como um Deus presente que ouve, cura e intervém. Para compreender a revelação divina, portanto, é crucial que você compreenda que Deus não está distante das suas palavras, mas presente nelas e encarnado nos textos sagrados. Ele é a própria encarnação do Deus vivo entre nós. Por isso, Jesus Cristo é defi nido como o logos, o verbo de Deus. Aceitar o evangelho não é aceitar uma ideologia ou meras ideias, mas aceitar a própria pessoa de Cristo. Quando pensamos em comunicação cristã, seu processo comunicacional deve se pautar na encarnação do Filho de Deus, na missão do Reino e salvação do outro, na edifi cação do corpo e na criação de espaços e ministérios de ação em que possam ser reconhecidos como semelhantes a Jesus Cristo. Para Peter Adam, em seu livro Speaking God’s Words, o método de Deus sempre foi centrado na pregação. 31| Comunicação e Homilética | FTSA | Um diferencial no livro de Adam, bispo anglicano na Austrália, é sua análise teológica da homilética. A maioria dos livros na área avaliam a pregação a partir das estratégias da comunicação, como fazer e técnicas da oratória. Tecnicamente falando, não há nada muito diferente no preparo e confecção de uma palestra ou um sermão. Ambos precisam de relevância, objetividade e praticidade. Entretanto, a pregação inclui a revelação histórica e teológica (o que signifi cou?) bem como a aplicação contemporânea (o que signifi ca agora?). Pregação é a explanação e aplicação da Palavra de Deus para uma audiência congregada em Cristo. Ou seja, a pregação sempre foca numa mensagem que fará diferença na vida das pessoas. Ao mesmo tempo, ela questiona à tendência humanista e existencialista de apenas refl etir questões individualistas voltadas ao crescimento pessoal e à autoajuda. Para Adam ostrês grandes fundamentos teológicos da pregação são os seguintes: Deus Fala, Está Escrito e Pregue a Palavra. 1) Deus fala. Ele revelou seus pensamentos historicamente através de expressões e palavras poderosas, por meio de vários gêneros literários (histórias, símbolos, poesias, leis, alianças, parábolas, profecias, etc) que continuam comunicáveis e signifi cativos para os dias atuais. Em toda a história, da criação ao Sinai, dos profetas do AT a Jesus Cristo, Deus falou da sua presença através de sinais e se revelou por meio de visões. Por outro lado, o mundo pós moderno afastou o sentido ou signifi cado das palavras das palavras em si mesmas. Com isso não apenas cria um mundo sem Deus, mas um mundo sem signifi cado. | Comunicação e Homilética | FTSA32 2) Está Escrito. Isso signifi ca que tudo o que Deus falou vale também para a geração atual (2 Tim 3.15-16). Deus mesmo preserva as palavras para as futuras gerações. Isso é evidente, por exemplo, ao ler os livros proféticos. Os profetas pregaram para as pessoas e depois escreveram manuscritos para serem divulgados, preservados e aplicados nas futuras gerações. Isso, por exemplo, confi rma o que J. I. Packer chama de “revelação acumulada”. Com o passar das gerações, a revelação original passa a ter um signifi cado mais amplo ainda. Deus não apenas comunica e preserva sua Palavra, mas também acrescenta novos signifi cados a ela, Um exemplo disso é visto em como Jesus e os apóstolos não apenas preservaram os acrescentaram novas camadas de signifi cados para as palavras do Velho Testamento. A palavra escrita é Deus falando, como J.I. Packer dizia. 3) Pregue a Palavra. A efi cácia da comunicação da palavra não apenas depende da fonte bíblica, mas também do comissionamento para pregar, ensinar e explicar bem como encorajá-los e desafi á-los a respostas. Moisés é um grande exemplo (Ex 4:10-16). Ele transmite a mensagem como um intermediário entre Deus e o povo. Ele escreve as palavras de Deus (Ex 24:4) depositando uma cópia dos dez mandamentos e das palavras da aliança na arca. Moisés também lê as palavras de Deus (Ex 24:7 e Dt 31:30, 32:34) e se torna um pregador. Temos três sermões de Moisés no livro de Deuteronômio (1-4, 5-28 e 29 em diante) com exposição, aplicação e exortação. Certos elementos são comuns em toda a Escritura: aceitação da palavra — falada e escrita — como vinda de Deus, a leitura pública e explanação, a motivação para uma resposta correta e o efeito dela no ministério das pessoas. Para Adam (2004, p. 55-56) as implicações desses 3 pontos são imensas: 1) a palavra de Deus é efi caz, pois tem o poder de Deus sobre as palavras do transmissor. Nosso objetivo não é tornar as palavras de Deus poderosas através da nossa comunicação, mas ajudar as pessoas a reconhecer o poder e signifi cado dessas palavras. 2) As palavras fazem parte da autorrevelação de Deus. Ele está presente nas suas palavras. Não estamos convidando as pessoas a refl etirem sobre signifi cados 33| Comunicação e Homilética | FTSA | distantes de Deus, mas convidando-as a se encontrarem nas palavras com o próprio Deus. 3) Deus designou o ministério da Palavra (falada e escrita). Pregadores não são intrusos. Eles são o método de Deus para levar suas palavras aos cristãos e não cristãos. 4) Deus preservou suas palavras para nós. Ele escreveu a Bíblia pensando em nós. É um livro antigo? Sim, mas relevante. Ele contém a mensagem de Deus para hoje. 5) A revelação de Deus é ambas: histórica e contemporânea. Por isso, nossa pregação não pode ser meramente histórica (sem aplicações), nem meramente contemporânea (sem o respeito pelo signifi cado e contexto histórico). Ela deve refl etir ambas as audiências. EXERCÍCIO DE FIXAÇÃO - 05 Identifi que se as afi rmações abaixo são verdadeiras ou falsas considerando aquilo que estudamos no sentido de como a mensagem bíblica pode ser fi el ao texto histórico antigo e, ao mesmo tempo, efi caz e relevante para o mundo contemporâneo. A Palavra de Deus foi endereçada exclusivamente para aqueles que viveram dois a três mil anos atrás A Palavra de Deus foi comunicada na própria linguagem das pessoas, nas formas de pensamento que eles poderiam entender com mais facilidade Os livros canônicos foram somente a revelação das palavras de Deus em tempos antigos Para que as pessoas compreendessem os textos como se Deus estivesse falando com elas, todos os escritores da Bíblia utilizaram do mesmo gênero literário em Deuteronômio, Êxodo, Provérbios, Jeremias, Marcos, Efésios e Apocalipse A Palavra objetiva falar com leitores de todas as épocas, inclusive no século 21 | Comunicação e Homilética | FTSA34 Qual das opções abaixo está correta? I-falso, II-verdadeiro, III-verdadeiro, IV-falso, V-verdadeiro; I-falso, II-verdadeiro, III-falso, IV-falso, V-verdadeiro; I-falso, II-verdadeiro, III-falso, IV-verdadeiro, V-verdadeiro Todas são verdadeiras; Todas são falsas. Referê ncias bibliográfi cas ADAM, Peter. Speaking God’s words: A practical theology of preaching. Vancouver: Regent College Pub, 2004. ANDERSON, Chris. TED Talks: o guia ofi cial do TED para falar em público. Rio de Janeiro: Editora Intrinseca, 2016. AUROUX, Sylvain, e Yvonne Weil. Dicionário de Filosofi a. Porto: Edições ASA, 1991. ENROTH, Ronald M. Churches that abuse. Grand Rapids: Zondervan, 1992. GUTHRIE, Donald. Teologia Do Novo Testamento. São Paulo: Cultura Cristã, 2011. LLOYD-JONES, D Martyn. Pregação e Pregadores. São José dos Campos: Fiel, 2001. ______. The Sovereign Spirit: Discerning His Gifts. H. Shaw, 1985. MARCONDES FILHO, Ciro. O espelho e a máscara: o enigma da comunicação no caminho do meio. São Paulo: Discurso Editorial e Editora UNIJUÍ, 2002. MAFFESOLI, Michel. “A comunicação sem fi m (teoria pós-moderna da comunicação)”. Revista Famecos 10, no 20 (2003): 13–20. 35| Comunicação e Homilética | FTSA | PENTEADO, José Roberto Whitaker. A técnica da comunicação humana. Sao Paulo: BPAN, 1964. SANTAELLA, Lucia e Winfried Nöth. Comunicação e semiótica. Hacker Editores, 2004. SOUSA, Ricardo Barbosa de. Janelas para a vida: espiritualidade do cotidiano. Curitiba: Encontro, 2002. STOTT, John. Between Two Worlds: The Art of Preaching in the Twentieth Century. Eerdmans, 1988. | Comunicação e Homilética | FTSA36 Unidade II – O comunicador efi caz 2.1. Por que as pessoas não se comunicam bem? A maior difi culdade que temos para o estabelecimento de princípios gerais para o comunicador é que a comunicação é evidentemente humana e, portanto, falível e repleta de ruídos. Todas as pessoas apresentam personalidades e temperamentos diferentes; motivações e necessidades variadas. Algumas são mais relacionais, emocionais e extrovertidas. Outras são mais introvertidas, racionais e focadas em tarefas e projetos. Como aceitar e conviver com a diversidade? Como respeitar as diferentes esperanças, medos e sentimentos que as pessoas expressam, bem como seus vários valores, opiniões políticas, perspectivas fi losófi cas e opiniões teológicas? Além disso, todos os seres humanos são pecaminosos e iníquos em sua essência. Inevitavelmente, toda teoria da comunicação teológica deve aprofundar a compreensão da natureza humana, bem como dos comportamentos e expectativas naturais das pessoas. O livro “A Cultura Do Ouvir” de Norval Baitello Jr. trata das difi culdades para uma boa comunicação. Segundo o autor, o mundo contemporâneo é o mundo da visibilidade, do predomínio do visual sobre o auditivo. Para o autor, a civilização da visualidade não quer dizer somente “ver imagens” opticamente, mas também ver imagens onde elas não estão, projetar imagens onde elas não estão visualmente presentes, atribuir valores imagéticos e sobretudo conferir ao imaginário o status de realidade primordial e preponderante (1997, p. 7). Na sociedade visual, infelizmente, as outras formas de comunicação podem se tornar dispensáveis e desprezáveis. Baitello pergunta: Não estamos nos tornando surdosnesta civilização da visualidade? Em suas palavras: A cultura e a sociedade contemporâneas tratam o som como forma menos nobre, um tipo de primo pobre, no espectro dos códigos da comunicação humana. Por isso a minha pergunta se não estamos nos tornando surdos por desvalorização de um de nossos sentidos. 37| Comunicação e Homilética | FTSA | Não estaríamos nos tornando surdos intencionais? Surdos que ouvem. Surdos que têm a capacidade de ouvir mas que não querem ouvir, não têm tempo ou então não dão atenção ao que ouvem? Literalmente não dão ouvidos ao que de fato ouvem? .... se nós não estamos nos coagindo ou se estamos sendo coagidos a esquecer que ouvimos em função de que somos obrigados a ver, a enxergar o tempo todo (1997, p. 5-6). Um dos resultados da visibilidade do excesso da imagem, na visão de Baitello, é a perecibilidade: a onipresença e a onipotência da imagem nos compelem a um universo descartável. Daqui a um ano, ninguém mais vai se lembrar do cartaz deste evento, de sua visibilidade. Mas seguramente, todos nós vamos nos lembrar do que conversamos, do que falamos, do que experimentarmos durante o evento.” (p. 8). ... quanto mais nos tornarmos visíveis, mais invisíveis estaremos nos tornando. Quanto mais infl armos a imagem, mais estaremos contribuindo para que o outro não nos veja mais, para que ele se torne cego ou insensível (1997, p. 19). Baitello está preocupado com o crescimento do analfabetismo nos países desenvolvidos. Ele chama essa tendência de neoanalfabetismo ou “padecimento dos olhos”. Um exemplo disso são os jornais e revistas sensacionalistas, cujos textos raramente ultrapassam 10 linhas ligados a imagens fotográfi cas de escândalos, catástrofes, mortes e celebridades do esporte, cinema e televisão. Isso é visível no uso descartável das imagens que substituíram o tempo dedicado à escrita e à leitura. Em suas palavras, Será que, neste mundo de infl ação da visualidade, nós ainda estamos vendo ou apenas imaginamos estar vendo? Tendo a considerar, de maneira pessimista que | Comunicação e Homilética | FTSA38 já não estamos enxergando nada. Somente vemos ícones, no sentido mais tradicional da palavra, de imagens sacras, somente vemos logotipos e marcas, imagens desconectadas do seu sistema e do seu entorno. Já não vemos mais nexos, relações, sentidos (1997, p. 20). Baitello não está aqui fazendo uma crítica à tecnologia por si mesma. Com ela, podemos atingir novos graus de conservação e alcance da informação. Mas a tecnologia, sem o desenvolvimento da capacidade de ouvir e ler, irá nos levar à cegueira. Para Baitello, há necessidade de uma nova “cultura do ouvir”, de um “novo desenvolvimento da percepção humana para as relações profundas ...para os sentidos e para o sentir” (1997, p. 22). Em suma, precisamos reaprender a arte de ler e ouvir. Vídeo: O poder dos introvertidos https://www.ted.com/talks/susan_cain_the_power_of_introverts Lembre-se, mesmo que você se sinta limitado, vulnerável ou até amedrontado diante das suas habilidades como comunicador, todas as pessoas vieram ao mundo com talentos dados por Deus e tem muito a aprender e a ensinar. Numa cultura onde a sociabilidade é premiada acima de tudo, é difícil ser tímido e introvertido. Cain deixa claro que a correlação entre ser o melhor orador e ter as melhores ideias é nula. Com isso, ela questiona a percepção de que as pessoas extrovertidas e sociáveis tenham realmente o monopólio das ideias. Alguns dos líderes mais revolucionários da história foram introvertidos. 39| Comunicação e Homilética | FTSA | 2.2. Obstáculos à comunicação efi caz Uma palestra ou pregação depende fundamentalmente das palavras empregadas. Palavras narram histórias, organizam ideias, constroem argumentos e fazem apelos. Por isso é importante compreender quais são os principais bloqueios para uma comunicação bem-sucedida. Há vários obstáculos que nos impedem de comunicar com mais efi cácia. Esses estão geralmente ligados a dois elementos: sua personalidade e a sua linguagem. Os principais obstáculos ligados à personalidade nascem dos preconceitos, educação, hereditariedade, meio, experiências individuais, estado emocional, etc. José Roberto Whitaker Penteado trabalha mais a fundo este tema (1964, p. 67-154), mas destacaremos aqui os seguintes obstáculos: a) A autossufi ciência b) As avaliações congeladas c) A cultura do hiperconsumo d) Os fatos e boatos e) As tendências à complicação. Além da personalidade, a linguagem antepõe inúmeras difi culdades à efetividade da comunicação. As principais são: a) A confusão entre fatos, opiniões, inferências e observações b) O descuido com as palavras abstratas c) Os desencontros d) A discriminação e) A polarização f) A polissemia g) As barreiras verbais | Comunicação e Homilética | FTSA40 2.2.1. Obstáculos ligados à personalidade a) Ensimesmamento As pessoas acham que são autossufi cientes e sabem o bastante sobre vários assuntos. Pelo menos pensam que sabem o sufi ciente para criar fórmulas perfeitas para resolver grandes problemas sociais, expor opiniões sobre a crise econômica, atacar tal partido político e governo, opinar fortemente sobre as celebridades da TV e curtir nas redes sociais, com comentários íntimos. Satisfeitas com a própria sabedoria, elas fi cam desejosas para expor um certo conhecimento que, no fi nal do dia, demonstra ser extremamente superfi cial, errôneo e, até mesmo, inapropriado. A psicologia demonstrou que o ensimesmamento — e seus fi lhotes autossufi ciência, autopromoção, exibicionismo e assim por diante — se associam diretamente ao conceito Freudiano do narcisismo. A palavra foi primeiramente cunhada por Sigmund Freud no artigo “Sobre a Introdução do Conceito de Narcisismo”, publicado em 1914. Na mitologia grega, Narciso era um belo rapaz que rejeitou a ninfa Eco, que desesperadamente o desejava. Como punição, foi amaldiçoado pela ninfa e apaixonou-se incontrolavelmente por sua própria imagem refl etida na água. Incapaz de levar a termo sua paixão por si mesmo, Narciso suicidou-se por afogamento. O narcisista vive um tipo de ensimesmamento que distorce a realidade, altera as evidências e modifi ca os fatos, em prol dos seus próprios interesses. Ele curte nas redes sociais aquelas posições que refl etem os seus próprios pensamentos e lê apenas os jornais que concordem com ele. Ele prefere os programas que reforcem suas ideias e frequentará somente os grupos de afi nidade onde se encontrem pessoas iguais. Os preconceitos do narcisista dirigem os fatos e as pessoas com as quais se comunica. Pessoas iguais, contudo, acham que sempre tem razão. Resultado: discriminação e intolerância distorcem suas opiniões e hábitos. 41| Comunicação e Homilética | FTSA | Por isso, pessoas discriminatórias mostram uma precária capacidade para perceber intimamente o mundo dos outros seres humanos. Falta-lhes empatia. Muitas vezes, elas agem de forma exploradora, à custa dos outros. Em contraste com o uso do poder socializado e participativo para promover o bem-estar social, os narcisistas tentam manipular e dominar outros seres humanos, usando o poder e a força para controlar sua agenda pessoal. Raramente compreendem que a única maneira de preservar a integridade da personalidade é relacionar-se com outros homens e mulheres, com genuíno amor, compaixão, maturidade, solidariedade e humildade. Na verdade, o melhor remédio para vencer o narcisismo e, consequentemente superar a discriminação na comunicação é a humildade. C. S Lewis descreve a humildade como um “abençoado autoesquecimento”: não é pensar menos de si mesmo, mas pensar menos em si mesmo. O foco da pessoa humilde não está em si mesma — seu desenvolvimento, condição e progresso — mas em outros lugares, em outras pessoas. Acima de tudo, a comunicação efi caz parte do reconhecimento das limitações e defi ciências de cada um de nós. Aprendamos a sublinhar a diversidade e celebrar as diferençascom a pessoa mais inteligente que já existiu, Jesus Cristo, que era “manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para as suas almas” (Mt 11:29). b) Avaliações congeladas Considerando a velocidade das transformações tecnológicas e socioculturais, o problema das avaliações congeladas é um dos mais graves na comunicação. As pessoas, coisas e acontecimentos mudam rapidamente. Por outro lado, a busca de algo permanente tem sido um dos instintos mais profundos do ser humano, tanto na teologia, quanto na fi losofi a. Buscamos refúgio em coisas permanentes, nos agarramos às tradições, nossas reações refl etem a eternidade e a imortalidade que está na alma. Nossos preconceitos refl etem a difi culdade que temos para mudar, inovar e reinventar. Portanto, as expressões de linguagem precisam ser atualizadas frequentemente. A linguagem está em permanente transformação. Estejamos abertos a novas ideias, novos conceitos, a constante atualização. | Comunicação e Homilética | FTSA42 c) A cultura do hiperconsumo A assimilação das leis do mercado e a mentalidade hiperconsumista impactou profundamente a sociedade moderna. Semelhantemente, as igrejas e ONG religiosas tornaram-se economias, verdadeiros mercados, repletos de “crentes clientes”, produtoras dos bens religiosos que competem entre si para atrair consumidores em potencial. Muitas delas passaram a disputar a fi delidade de seus membros, desenvolvendo estratégias de propaganda e marketing para garantir sua permanência. Sua propaganda foi direcionada ao consumidor religioso insatisfeito (e “desigrejado”): ouvintes e telespectadores católicos e evangélicos, kardecistas e umbandistas, sem-religião e sem-confi ssão. Muitos desses religiosos pertencem àquela população fl utuante que transita entre as várias expressões da espiritualidade moderna; consumidores que estão à procura de resultados imediatos. A adesão deles às suas respectivas religiões é repetidamente nominalista, imediatista e consumista. Eles se encontram institucionalmente desligados e emocionalmente frustrados com a falta de resultados práticos de sua religião de origem. (amanhã ou depois eles poderão não estar mais satisfeitos com você também). Na visão de Eugene Peterson: Os pastores da América se transformaram em um grupo de lojistas e as lojas de comércio que possuem são suas igrejas. Eles estão preocupados com as preocupações dos lojistas: como manter seus clientes felizes, como atrair mais clientes para longe dos competidores do outro lado da rua e como empacotar seus produtos de forma que os consumidores paguem mais dinheiro. Alguns deles são muito bons lojistas. Eles atraem uma multidão de consumidores, angariam grandes somas de dinheiro, adquirem esplendida reputação. Mesmo assim isso é apenas comércio. É verdade que sejam bons donos de lojas, mas não deixam de ser apenas 43| Comunicação e Homilética | FTSA | lojistas. As estratégias do marketing, do “franchising”, do “fast-food” ocupam as mentes despertas destes empreendedores. Sonham acordados com aquele tipo de sucesso que atrairá a atenção dos jornalistas (1989, p. 2). Muitas comunidades se tornaram fi rmas, meras lojas que fabricam e vendem produtos religiosos, em busca de clientes e aumento de sua fatia no competitivo mercado. Mesmo sem toda a sofi sticação das grandes empresas, elas têm aprendido a utilizar as estratégias de marketing de maneira efi caz, procurando conhecer as demandas do público, oferecendo-lhe produtos diferenciados das outras igrejas e específi cos às necessidades físicas, emocionais, profi ssionais e espirituais dos membros, para que possam satisfazer os seus desejos. Diante de tantos produtos religiosos e opções eclesiásticas, lamentavelmente as pessoas se veem com total liberdade para utilizar critérios consumistas na escolha da melhor igreja. Os critérios são semelhantes àqueles utilizados na escolha de um restaurante ou pizzaria: prazer, sabor, gosto, qualidade do produto e atendimento, promoções, boa propaganda, etc. O engajamento em geral se torna opcional e exercitado pelo indivíduo, com sua própria decisão pessoal. Essas igrejas tendem a ser dominadas por uma prática de vida autocentrada e egoísta; mais preocupadas com a edifi cação de seus impérios pessoais do que com a expansão do Reino de Deus. A comunidade cristã, neste contexto, deixa de ser o povo escolhido de Deus e sua comunicação assume dimensões marketeiras, materialistas e consumistas. d) Os fatos e fakes A abrangência das fake-news na comunicação demonstra a difi culdade com que os indivíduos têm para separar e julgar boatos, sentimentos, imaginações, pressentimentos e hipóteses dos | Comunicação e Homilética | FTSA44 fatos reais, acontecimentos concretos, dados estatísticos e teorias da conspiração. O que é real? O que é imaginário? As pessoas precisam ter condições de avaliar se uma informação está correta e contextualizada com a realidade dos fatos. O site cristão https://coletivobereia.com.br/, é um bom exemplo de checagem dos fatos publicados em mídias religiosas e em mídias sociais brasileiras, que abordem conteúdos sobre religiões e suas lideranças no Brasil e no exterior. Para isso, o site adotou um protocolo com cinco passos de checagem: a) Identifi cação de matérias e pronunciamentos ou declarações veiculados em mídias e expostos no Parlamento que, pelas características do título e da chamada, demandam verifi cação (afi rmações absolutas, ufanismo, casos inusitados) por representarem relevância (interesse público, ou que afetem o maior número de pessoas possível) relacionada à presença de grupos religiosos no espaço público e/ou tenham tido destaque nas mídias noticiosas. b) Pesquisa sobre a fonte original (quando existir). c) Pesquisa sobre o que foi publicado sobre o assunto/tema. d) Pesquisa em fontes ofi ciais e alternativas (incluindo pessoas, grupos, instituições/organizações/associações/movimentos sociais citados) para confi rmação, identifi cação de lacunas e de distorções ou para refutação do conteúdo. Tudo será relatado no texto a ser produzido pela equipe do Bereia com a devida indicação do acesso dos leitores/as a estas fontes. e) Contextualização do conteúdo checado, com busca de referencial bibliográfi co e contato com especialistas, quando for o caso. f) Classifi cação do conteúdo como verdadeiro (correto e coerente com os fatos apurados), imprecisos dados verdadeiros, mas não substanciais ou comprováveis), enganoso (desenvolvido para confundir), inconclusivo (não apresenta dados sufi cientes) ou falso (incorreta ou não tem substância factual). 45| Comunicação e Homilética | FTSA | A comunicação efi caz precisa ter uma atitude equilibrada diante das coisas, acontecimentos e pessoas. Ela deve verifi car com a mais exatidão possível a autenticidade e honestidade dos fatos relatados. e) As tendências à complicação A incapacidade para simplifi car consiste num dos principais obstáculos à comunicação. Vivemos num mundo cada vez mais complexo e invariavelmente a tendência será a de procurar respostas complexas. Os textos técnicos e acadêmicos dos pensadores, pesquisadores, mestrandos e doutorandos facilmente comprovam a tese: complicamos tudo, da religião aos relacionamentos, da política ao futebol. Consequentemente, a linguagem teológica deve ser também reavaliada. Utilizamos terminologias antigas nos púlpitos e ensinamos conceitos teológicos por vezes alheios à cultura e linguagem das pessoas. Devemos evitar complicar o simples e obscurecer o claro (parafraseando Montaigne, nos seus Ensaios). Devemos refl etir sobre o signifi cado das palavras. Em parte, a tendência à complicação pode ser uma forma de ignorância: não entendemos plenamente, por isso temos difi culdade para explicar melhor. O que signifi ca o evangelho? Será que as pessoas compreendem o sentido da fé, da mensagem da cruz, justifi cação e propiciação, predestinação? Um dos maiores desafi os da comunicaçãoteológica é da ressignifi cação das palavras. Busque ser compreendido. Seja simples! Acesse o AVA para ouvir! | Comunicação e Homilética | FTSA46 EXERCÍCIO DE APLICAÇÃO - 06 Pensando nos obstáculos à comunicação ligados à personalidade, em quais deles você encaixaria, respectivamente, as situações de comunicadores que (1) afi rmam que o uso de bíblias nos celulares provoca desapego à Palavra de Deus e (2) exemplifi ca o conteúdo da mensagem utilizando suas histórias e sucessos pessoais? a) (1) Fake-news e (2) tendências à complicação b) (1) Fake-news e (2) ensimesmamento c) (1) Avaliações congeladas e (2) Fake-news d) (1) Avaliações congeladas e (2) ensimesmamento e) (1) Tendências à complicação e (2) avaliações congeladas. 2.2.2. Obstáculos ligados à linguagem a) A confusão entre fatos e opiniões Um fato consiste num acontecimento ou numa ação realizada. Opinião é conjetura ou suposição. Por exemplo: “O carro bateu no poste.” Isso é um fato. As opiniões poderão ser as mais variadas: “bateu porque o motorista estava usando o celular,” “bateu pois olhava distraidamente para um outdoor”, “bateu porque sofreu um ataque de coração”, “bateu, pois estava discutindo com os fi lhos do banco de trás”. Podemos ter várias interpretações, mas o fato permanece o mesmo: o carro bateu no poste. Diante da complexidade do mundo moderno, é necessário sabedoria e cautela. Existe algo de muito arriscado e perigoso na comunicação: podemos nos convencer que nossas opiniões aconteceram na realidade e que acontecimentos reais não passam de suposições, frutos da nossa imaginação. Segundo Penteado, “[u]m fato pode ser considerado uma opinião. Uma opinião pode se transformar num fato ... Fatos não se discutem. Opiniões são tópicos de controvérsia” (1964, p. 94-97). 47| Comunicação e Homilética | FTSA | Devemos ser sábios, procurando analisar todos os dados, por todos os ângulos, observar atentamente as evidências e perceber as possíveis falhas nas nossas deduções e julgamentos. b) Confusão entre deduções e observações Se por um lado, a dedução é a inferência lógica feita com o raciocínio, por outro lado a observação é o olhar atento ao objeto estudado. A confusão entre deduções e observações é um dos obstáculos mais comuns da comunicação e difíceis de serem distinguidas, pois a estrutura da linguagem não oferece indicações de diferenças. Os meios de comunicação estão repletos de deduções e não necessariamente tratam de fatos e dados. Por exemplo: antes de atravessar a rua, olhamos para a esquerda e para a direita pra saber se podemos ou não atravessar a rua. Se não estiver vindo um carro, inferimos então que podemos fazer o cruzamento. Doutra forma, inferimos que é melhor esperar. É fácil fazer uma dedução errônea: • se há um carro parado em frente da casa, achamos que alguém está nos visitando • se um casal de meia idade está de mãos dadas, inferimos que sejam marido e mulher • se o indivíduo entrar num supermercado, achamos que está fazendo compras • se um carro está parado num beco, no escuro, pensamos logo num mal elemento • se alguém tossir ao meu lado, pensamos numa doença contagiosa e até mesmo mudamos a forma de respirar. Uma vasta quantidade de comunicação inadequada nas redes sociais começa quando inferências incertas são tratadas como se fossem observações verdadeiras. Obviamente, devemos fazer observações somente depois de observadas, dentro dos limites do “objeto” observado. As inferências, contudo, podem ser feitas a qualquer momento desde que | Comunicação e Homilética | FTSA48 feitas em afi rmações de probabilidade e reconhecidas as incertezas. Não confundamos umas com as outras. Algumas perguntas podem ajudar a distinguir observações das inferências: • Eu mesmo observei o que estou falando? • Minhas observações não estão indo além do que eu mesmo pude observar? • Quando uso inferências, faço uma escala de probabilidades? • Quando me comunico com as pessoas, aviso as inferências como tais e peço para que me comuniquem o mesmo? c) Descuido com as palavras abstratas Outro erro muito comum é o emprego das palavras abstratas. A maioria dos confl itos humanos é resultado da imperfeição da linguagem que impede as pessoas de se entenderem. Eu pessoalmente reconheço que a maioria dos meus problemas familiares foi causado pela difi culdade na comunicação clara dos meus pensamentos e sentimentos. Por trás de uma palavra, nem sempre está um sentido claro. É crucial que a relação entre a palavra e a coisa a que se refere seja clara e evidente. As palavras não são meros rótulos nem meros sons mecânicos. Palavras não são as coisas, mas sim representações de coisas quase sempre específicas, e que precisam ser comunicadas com fidelidade e clareza. No caso específico da comunicação religiosa, as palavras expressam conceitos espirituais complexos e pensamentos históricos e teológicos. Palavras como missão, evangelismo, avivamento, salvação, fé, vida eterna, e assim por diante, estão carregadas de símbolos e precisam ser compartilhadas, compreendidas e interpretadas corretamente. Metade da palavra está com o transmissor e a outra metade, com o receptor. Portanto, precisamos investir tempo definindo as palavras sempre que estivermos usando-as, para facilitar uma comunicação mais eficaz. 49| Comunicação e Homilética | FTSA | d) Desencontros Desencontros acontecem quando as mesmas palavras signifi cam coisas diferentes para pessoas diferentes (por exemplo: “futebol” no Brasil e “football” nos EUA) ou palavras diferentes querem dizer a mesma coisa (por exemplo: “democracia” para um capitalista e um comunista). Em ambos os casos, o signifi cado das palavras não é compartilhado e a comunicação não será efi caz. Nada chegará ao intelecto, sem primeiro passar pelos sentidos. As palavras que usamos estão repletas de subjetividade e na raiz do desentendimento está frequentemente uma emoção, uma atitude ou um desejo—consciente ou inconsciente—que causa desconforto para o transmissor ou para o receptor. Há sempre algo pessoal e psicológico na mais racional das ideias (Penteado, 1964, p. 107) que facilita ou bloqueia a informação. Isso é óbvio ao ler um artigo no jornal ou um livro. Quanto mais sentimos as palavras tocarem nossas emoções, mais estamos interessados pelo assunto. A comunicação não transmite fatos imparciais, pois são percebidas e transmitidas pelo emissor em termos de necessidades, emoções, personalidade e padrões de cognição. Da mesma forma, o receptor interpreta a mensagem em termos de sua experiência e convicções pessoais, agrupando as ideias na sua mente para que façam sentido para si mesmo. e) Discriminação A discriminação é o abuso dos pré-conceitos. Ela acontece quando falhamos em reconhecer as variações, nuanças e diferenças entre pessoas, grupos étnicos e símbolos. De fato, a discriminação pode se manifestar instantaneamente numa mera reação mental ou emocional, quando pensamos em: homem feio, mulher loira, travesti, político, corintiano, carioca, motoqueiro, milionário, pastor, | Comunicação e Homilética | FTSA50 coronel, católico, evangélico, e assim por diante. Simples palavras podem despertar retratos gravados na memória e causar reações diversas, dependendo da experiência e de acordo com os pré-conceitos. Mais do que isso, discriminação acontece quando desvalorizamos as diferenças e supervalorizamos as semelhanças. Morei alguns anos no Canadá e fi cou muito claro para mim as difi culdades para eu me comunicar numa segunda língua com imigrantes de vários países, que falavam outras línguas. Da mesma forma, numa sociedade multicultural, intergeracional e globalizada como a nossa, precisamos reconhecer claramente as diferenças para evitar a discriminação. Quando exageramos as semelhanças, sem considerar as diferenças, criamos vários obstáculos à comunicação ética da verdade. Há vários remédios para ajudar a corrigir e superar a discriminação na comunicação da mensagem.
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