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3 Curso EAD Estomatologia Tratamento para o câncer bucal, suas sequelas e o suporte odontológico ao paciente oncológico O câncer bucal é tratado por meio de cirurgia, RxT ou QxT, de forma isolada ou em associações. A definição de qual ou quais modalidades terapêuticas serão utilizadas para cada caso se baseia no estadiamento clínico, no tipo do tumor e na saúde geral do paciente. O estadiamento clínico (TNM) é a principal forma de avaliação do grau de disseminação do tumor e leva em conta, entre outras características, o tamanho do tumor (T), presença de disseminação do mesmo para os linfonodos próximos (N) e a disseminação para órgãos distantes (metástases-M). O tratamento de escolha para o CEC de boca usualmente é a cirurgia, que varia de uma excisão local até a remoção mais ampla. Muitos pacientes podem ter metástases cervicais, caso em que deve ser realizado o tratamento cirúrgico do pescoço, o qual é chamado de esvaziamento cervical1. Nos casos em que houve comprometimento das margens cirúrgicas (presença de células tumorais na margem da peça cirúrgica removida) ou quando o tumor se apresenta em fase avançada no momento do diagnóstico, a RxT tem sido utilizada como uma tentativa de evitar recidiva. Além disso, a RxT também tem sido indicada para pacientes debilitados, que não apresentam condições clínicas para serem submetidos à cirurgia ou não aceitam as possíveis sequelas que esta pode deixar. A QxT tem sido utilizada associada aos demais tratamentos (cirurgia e/ou RxT) ou de forma paliativa para lesões primárias do câncer de boca, especialmente quando as lesões são muito grandes ou irressecáveis2. O medicamento mais utilizado é a cisplatina. A oncologia moderna deve ser realizada dentro de um enfoque multidisciplinar ou multiprofissional que se caracteriza pela interação entre médicos, enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, nutricionistas, farmacêuticos, físicos, cirurgiões-dentistas e fonoaudiólogos. A quimioterapia, a radioterapia em cabeça e pescoço e o tratamento cirúrgico de câncer em boca podem provocar alterações bucais que variam de desconforto suave até debilidade severa. Essas complicações podem ocorrer durante o tratamento, persistir por anos, ou até mesmo perdurarem para o resto da vida. Com essa perspectiva, os dentistas e demais profissionais da equipe multidisciplinar devem estar preparados para cuidar desses pacientes atuando de forma preventiva e curativa em diferentes momentos da terapia. Desta forma, a odontologia assume um papel importante no bem-estar físico, psíquico e social do paciente portador de câncer, promovendo e devolvendo saúde, contribuindo para diminuir a morbidade e para melhorar a qualidade de vida dos doentes. O suporte Odontológico deve ser instituído, sempre que possível, antes do tratamento oncológico, mantido durante o mesmo e seguido no período pós-tratamento. Suporte odontológico ao paciente com câncer bucal - Avaliação e manejo antes do tratamento oncológico (cirurgia, RT e/ou QT) Deve ser realizada avaliação antes da cirurgia para remover o tumor (avaliação pré- operatória) com o objetivo de detectar e eliminar quadros de infecção bucal, tais como cárie, raízes residuais, abscessos, lesões periapicais, doença periodontal e verificação das condições de higiene bucal. A presença de quadros infecciosos pode gerar complicações de ordem local ou sistêmica. No caso de pacientes que irão realizar a cirurgia, focos de infecção local podem comprometer a abordagem cirúrgica do tumor em boca. Os procedimentos odontológicos que devemos realizar nesta fase que antecede o tratamento oncológico estão descritos a seguir. 4 Curso EAD Estomatologia • Realizar o exame clínico (anamnese + exame físico extra + intra bucal) e exames de imagem (radiografia panorâmica e periapicais) para diagnosticar possíveis focos de infecção e de trauma; • Orientação dos pacientes, familiares e/ou cuidadores sobre os possíveis efeitos adversos do tratamento oncológico que será realizado na boca do paciente; • Orientação de higiene bucal (escova extra-macia, dentifrício sem laurilsulfato de sódio, enxaguatório oral não alcoólico e se possível contendo flúor), a qual deve ser realizada três vezes ao dia; • Profilaxia, raspagem supra e/ou subgengival; • Selamento de cavidades de cáries; • Extrações dentárias de dentes sem condições de reabilitação ou dentes com potencial de gerar processos inflamatórios ou infecciosos, como quadros de infecções nos tecidos moles adjacentes (pericoronarite); • Tratamento endodôntico de dentes sem vitalidade pulpar, quando houver tempo suficiente para realizá-lo; • Retirada de aparelhos ortodônticos; • Suspensão de próteses removíveis após o início da terapia; • Planejamento de próteses bucais e bucomaxilofaciais que visam reabilitar o defeito deixado pelo tratamento oncológico. - Suporte odontológico ao paciente oncológico durante a cirurgia oncológica No transoperatório, a participação do cirurgião-dentista pode envolver principalmente o planejamento da reabilitação protética imediata e futura das áreas anatômicas ressecadas. São realizados procedimentos de moldagens transcirúrgicas, próteses imediatas, amarrias dentais, fixações maxilares e extrações dentais próximas aos retalhos. - Suporte odontológico ao paciente oncológico durante a cirurgia oncológica de cabeça e pescoço No pós-operatório, a atuação ocorre na reabilitação funcional e estética através de próteses intrabucais, bucomaxilofaciais, implantes faciais e dentários. O dentista não deve estar atento somente às alterações bucais, mas também aos possíveis sinais de metástases ou recidivas. 5 Curso EAD Estomatologia Figura 1. Aspecto clínico da cavidade bucal após tratamento cirúrgico para ressecção3 de câncer. Foi realizada uma maxilectomia4 parcial. Logo após a cirurgia (período pós-operatório) foi instalada uma prótese obturadora palatina. 3Remoção cirúrgica 4Remoção cirúrgica da maxila Principais complicações bucais relacionadas ao tratamento radioterápico/ quimioterápico e a atuação do cirurgião-dentista A avaliação odontológica durante o tratamento oncológico é fundamental visto que os pacientes podem desenvolver várias complicações decorrentes da radioterapia em cabeça e pescoço e/ou quimioterapia. Recomenda-se o acompanhamento periódico (consultas diárias ou pelo menos 3 vezes por semana) tanto dos pacientes que recebem o tratamento e retornam para casa quanto nos pacientes internados em ambientes hospitalares. O atendimento dos pacientes que serão submetidos à radioterapia em cabeça e pescoço deve estar baseado nas informações sobre o tipo de radiação (teleterapia ou braquiterapia), dose total (Gy ou cGy) e campo a ser irradiado, visto que, a radiação pode afetar de forma distinta a mucosa bucal, as glândulas salivares e o tecido ósseo. A ocorrência de reações adversas agudas (mucosite e quadros infecciosos) na mucosa bucal é frequente, uma vez que, a radioterapia age principalmente nas células com alta atividade mitótica. Em função disso, a mucosa perde a capacidade de compensar o processo normal de esfoliação, favorecendo o estabelecimento de quadros inflamatórios e infecciosos. Os efeitos da radiação nas glândulas salivares e no tecido ósseo são crônicos e permanentes. No caso de tratamento quimioterápico, deve-se levar em consideração que o paciente pode desenvolver, dependendo do coquetel de medicamentos utilizado, estados de leucopenia, anemia e plaquetopenia. Por volta do 7o ao 14o dia após o início da quimioterapia (dependendo do protocolo utilizado) ocorre a maior queda no número de células sanguíneas, sendo este período denominado de NADIR. Após este período, esses componentes são recuperados gradualmente. A queda da contagem de células vermelhas (eritropenia) leva o paciente a um quadro de anemia 6 Curso EAD Estomatologia (redução da hemoglobina, comprometendo oxigenação dos órgãos e tecidos), que pode ser brando e passar despercebido na maioriadas vezes, ou se manifestar com sintomas de tontura, fraqueza, astenia, dor de cabeça e desânimo. A queda da contagem das células brancas (leucopenia) torna o indivíduo mais suscetível a quadros infecciosos causados por vírus, bactérias e fungos. A queda das plaquetas (plaquetopenia) torna o indivíduo mais propenso a sangramentos e formação de petéquias hemorrágicas. Os quimioterápicos podem também ocasionar alterações temporárias do paladar (disgeusia) e na função das glândulas salivares (xerostomia/hiposalivação). Durante a radioterapia e a quimioterapia, dependendo das complicações bucais presentes, o paciente pode referir dor intensa, dificuldade para se alimentar e realizar higiene bucal. Algumas vezes, a ocorrência destes sintomas pode justificar a interrupção do tratamento até a recuperação do quadro bucal, levando ao aumento do tempo de internação e do uso de narcóticos. A imunossupressão e alteração tecidual associados aos tratamentos oncológicos (especialmente quimio e radioterapia) predispõe o paciente a ocorrência de doenças como a mucosite, osteonecrose, herpes simples e candidíase (Figura 2). Figura 2. Aspecto clínico de algumas das principais complicações observadas em pacientes submetidos a tratamento oncológico. 7 Curso EAD Estomatologia Durante o tratamento oncológico está indicada a realização dos seguintes procedimentos: • Exame clínico (anamnese + exame físico extra + intrabucal). Durante a anamnese deve-se pesquisar qual o protocolo terapêutico que está sendo utilizado. No caso de quimioterapia é fundamental saber qual a combinação de medicamentos e quantos ciclos que serão realizados (protocolo de tratamento). No caso da radioterapia é importante coletar informações sobre o tipo de radioterapia, o campo irradiado e dose total de radiação; • Exames de imagem: serão indicados apenas quando houver queixa clínica e seja necessário identificar focos infecciosos ou de trauma; • Suspensão do uso de próteses removíveis, visando evitar trauma; • Orientação de higiene bucal (escova extra-macia, dentifrício sem laurilsulfato de sódio, uso cuidadoso do fio dental, enxaguatório oral não alcoólico , flúor tópico); • Selamento de cavidades de cárie sem realizar procedimentos traumáticos; • Prevenção de infecção oportunista por Cândida (Candidíase); • Avaliação do grau de xerostomia/hiposalivação e fazer as orientações para minimizar seus efeitos; • Diagnóstico e tratamento das complicações bucais decorrentes do tratamento oncológico; • Não devem ser realizados procedimentos cruentos5 nos pacientes em quimioterapia (tratamento periodontal, exodontias) devido a leucopenia e plaquetopenia. Quando necessária alguma intervenção cirúrgica, o cirurgião-dentista deve planejar conjuntamente com a equipe médica, sendo necessário, muitas vezes, a prorrogação do procedimento ou tranfusões sanguíneas prévias a intervenção; • Os pacientes que estiverem sendo submetidos à quimioterapia e apresentarem plaquetopenia e imunossupressão e que demonstram quadros infecciosos agudos em boca (abscessos) devem ser tratados com medicamentos sistêmicos e cuidados locais que não gerem sangramento; • Se for necessário realizar exodontias durante o tratamento radioterápico, deve-se prescrever antibiótico profilático e realizar o procedimento com o menor trauma local possível. 5Procedimentos cirúrgicos ou que envolvam sangramento. 8 Curso EAD Estomatologia Tabela 1. Principais complicações bucais decorrentes do tratamento oncológico. COMPLICAÇÃO BUCAL Quimioterapia Radioterapia Aguda Crônica Aguda Crônica Cárie x x Disgeusia x x Hemorragias x Hipoalimentação x x Infecções (candidíase, herpes) x x Mucosite x x Osteonecrose associada aos bisfosfonatos x Osteorradionecrose x Trismo x Xerostomia x x x Abaixo descreveremos suscintamente as principais complicações bucais que podem aparecer decorrentes da RT e/ou QT. Mucosite A mucosite bucal consiste em uma reação inflamatória tóxica à terapia antineoplásica. Manifesta-se, caracteristicamente, como eritema ou ulcerações em vários graus de intensidade, que podem ser exacerbadas por fatores locais, podendo ou não ser acompanhadas, de desconforto bucal. A mucosa labial, bucal, da língua, do soalho de boca e do palato mole são mais afetadas pela quimioterapia do que os tecidos queratinizados, como o palato duro . O sistema de graduação mais utilizado para avaliação clínica da mucosite é o da Organização Mundial de Saúde (OMS), o qual considera critérios objetivos e subjetivos, envolvendo o estado físico e nutricional do paciente, assim como o aspecto clínico da mucosa bucal. De acordo com esta classificação a mucosite varia do grau 0 ao grau 4 conforme descrito a seguir: 0 – ausência de alterações na mucosa; 1 – inflamação e eritema; 2 – eritema e ulceração (o paciente consegue engolir sólidos); 3 – ulceração (o paciente pode apenas ingerir líquidos); 4 – impossibilidade de se alimentar pela boca. A mucosite (Figura 3) tem sido associada a modificações negativas da qualidade de vida do paciente durante o tratamento, visto que pode comprometer a deglutição, a ingestão de alimentos, a higiene bucal e a capacidade de comunicação do paciente . A prevenção da mucosite bucal envolve o uso de crioterapia6 durante a infusão do quimioterápico e terapia com laser em baixa intensidade (fotobiomodulação). Nos pacientes que desenvolvem a mucosite, a terapia ideal é o uso do laser em baixa intensidade e/ou camomila (bochecho com chá concentrado ou gel). 6Utilização de pedras de gelo na boca, o que leva a vasoconstrição e, consequentemente, menor chegada do quimioterápico na boca. Dessa forma, os efeitos adversos são minimizados. 9 Curso EAD Estomatologia Figura 3. Aspectos clínicos dos diferentes graus de mucosite de acordo com a Organização Mundial de Saúde. Xerostomia (sensação de boca seca) Também chamada de “boca seca”, é motivo de grande desconforto para o paciente devido à diminuição ou parada do fluxo salivar. Quando as glândulas salivares maiores são irradiadas, pode haver destruição de parte do seu parênquima. Esse efeito adverso é proporcional à dose de radiação recebida, causando um dano permanente. Como consequência, quantidade e qualidade da saliva produzida são alteradas. Vários quimioterápicos também estão associados a quadros de xerostomia. A saliva produzida pelo paciente que foi submetido aos tratamentos oncológicos é bastante mucosa, viscosa e possui menor quantidade de proteínas, prejudicando a sua capacidade-tampão. Como consequência, o paciente fica mais suscetível a infecções bucais e úlceras inespecíficas. Doença periodontal e cárie dentária podem ser exacerbadas. Infecções oportunistas 1. Candidíase A candidíase ou candidose é uma infecção oportunista fúngica superficial, muito freqüente em boca, causada por espécies Cândida (C. albicans, C. glabrata, C. tropicalis). Esta doença pode se apresentar de várias formas clínicas, como pseudomembranosa, eritematosa , atrófica crônica e queilite angular. A forma pseudomembranosa é a mais comum nos pacientes em tratamento oncológico. Caracteriza-se por uma infecção aguda superficial. Clinicamente, se apresenta como múltiplas placas brancas destacáveis pela raspagem, deixando um leito avermelhado. Normalmente, as lesões são assintomáticas, entretanto, após a remoção da superfície esbranquiçada o paciente pode referir desconforto e ardência no local. O diagnóstico é clínico e o tratamento consiste no uso de antifúngico tópico (Nistatina suspensão oral – 100.000UI/ml ou Miconazol 2% gel oral, Daktarin gel®, 4 vezes ao dia). Em muitos casos, devido à imunossupressão, se faz necessário o uso de antifúngicos sistêmicos tais como Fluconazol (Zoltec®) e Cetoconazol (Nizoral®) com posologia determinada individualmente para cada caso. 2. Herpes Simples Como discutido nos módulos anteriores, o herpes labial pode abranger qualquer parte da boca ou dos lábios, porém, sua localizaçãopreferencial é a região de transição entre pele e lábio. Antes da manifestação clínica os pacientes podem referir sinais/sintomas que antecedem o 10 Curso EAD Estomatologia aparecimento das lesões (sinais prodrômicos), tais como: prurido, ardência, dor e eritema na região. Inicialmente, apresenta-se clinicamente como múltiplas vesículas, de curta duração, que se rompem no intervalo de 24 a 48 horas formando úlceras que ressecam e tornam-se crostas. Em indivíduos imunossuprimidos a área afetada pode ser mais extensa, apresentar maior sintomatologia e as ulcerações podem ser mais agressivas e duradouras. Em alguns casos, estes pacientes podem apresentar manifestação intrabucal, representada por lesões únicas ou múltiplas, ulceradas, sintomáticas, preferencialmente em mucosas queratinizadas como as do palato duro e da gengiva. Em relação à prevenção da reativação do herpes, tem sido recomendado o uso de aciclovir (800mg/dia) e de valaciclovir (500mg/dia). Este protocolo é utilizado em pacientes que serão submetidos a transplante de células tronco hematopoiéticas (transplante de medula óssea) e que são soropositivos para o herpes simples. Não existem protocolos estabelecidos na literatura para tratamento do herpes simples no paciente oncológico. Todavia, tem sido sugerido o uso de antivirais tópicos ou sistêmicos, dependendo da severidade do quadro clínico. O aciclovir e o valaciclovir são as medicações mais conhecidas. Nas infecções leves e em pacientes que não estejam imunocomprometidos, o uso tópico pode ser efetivo. Em pacientes que estejam em tratamento oncológico e que estejam com imunossupressão ou em casos severos da infecção, a administração sistêmica se faz necessária e a dose depende do quadro clínico e idade/peso do paciente. Cárie dentária Os indivíduos que foram submetidos à radioterapia em cabeça e pescoço, assim como quimioterapia, apresentam mais cárie no pós-operatório do que indivíduos saudáveis. Nos pacientes submetidos à radioterapia na região de cabeça e pescoço, costuma-se utilizar o temo cárie de radiação, que caracteriza-se por uma lesão cariosa que se instala na porção cervical dos dentes e evolui rapidamente. A etiopatogenia envolve um efeito direto da radiação ionizante sobre os prismas de esmalte da região cervical, causando microfraturas na região, o que favorece a progressão rápida da doença. Além disso, redução da saliva, alteração no seu pH, e modificações na microbiota da boca contribuem ainda mais para alta ocorrência de cárie neste grupo de pacientes. Figura 4. Quadro clínico de paciente em quimioterapia exibindo associação de xerostomia, candidíase e mucosite. 11 Curso EAD Estomatologia Figura 5. Aspecto clínico de cárie de radiação. Lesões cervicais se estendendo ao longo da junção amelodentinária (A). Em B, um outro padrão de lesões, mostrando desmineralização da superfície oclusal. Outras vezes, observa-se alteração de cor marrom escuro ou preta (C). Fonte: Aguiar et al., 2009. Osteorradionecrose A osteorradionecrose (ORN) se caracteriza por uma área de osso exposta por, pelo menos, 6 meses em pacientes que receberam radioterapia para câncer. É uma complicação tardia (crônica) do tratamento radioterápico em cabeça e pescoço que gera dor e morbidade. O risco de desenvolvimento de osteorradionecrose aumenta a medida em que aumenta a dose de radiação administrada (cerca de 60 Gy), em casos com história de ressecção prévia do tumor, em pacientes com higiene bucal pobre e com mal estado de conservação dos dentes. A radiação cumulativa gera efeitos permanentes no tecido ósseo quando este está incluído no campo irradiado, deixando-o hipocelularizado, hipovascularizado e menos oxigenado. Desta forma, sua capacidade de reparo fica comprometida. Portanto, frente a situações de trauma (extração dentária, colocação de implantes, procedimentos cirúrgicos, etc) pode-se deflagar o desenvolvimento da osteorradionecrose. Contudo, em alguns casos, a doença surge de forma espontânea. Dentre modalidades terapêuticas das ORN pode-se destacar o tratamento conservador, antibioticoterapia prolongada, tratamento cirúrgico, oxigenação hiperbárica, plasma rico em plaquetas, laserterapia e, muitas vezes, a associação entre estas. Contudo, o tratamento preventivo parece ser a opção menos lesiva de manejo dos pacientes. Em função disso, todos os pacientes que forem realizar tratamento radioterápico em região de cabeça e pescoço devem ter uma avaliação clínica e radiográfica prévia ao início do tratamento. Desta forma, pode-se fazer uma previsão dos riscos durante a fase da terapia e orientar os pacientes quanto aos possíveis efeitos em boca e planejar ações preventivas para estas complicações. Trismo O trismo é definido como uma contração tônica dos músculos da mastigação que resulta na limitação da abertura de boca. Essa complicação é decorrente da radioterapia em altas doses na região bucal e facial. O trismo tem sido associado com significativa morbidade devido ao fato 12 Curso EAD Estomatologia de ocasionar dificuldade de mastigação, fala, e comprometimento da higiene bucal. A limitação da abertura mandibular tem sido reportada em 6 a 86% dos pacientes que recebem radioterapia na articulação temporomandibular e/ou músculos masseter e pterigoideos. A perda de função parece estar relacionada ao dano e fibrose dos músculos da mastigação. A prevalência do trismo aumenta de acordo com a dose de radiação e está associada a níveis em torno de 60Gy, ou a pacientes que estão recebendo radiação num local previamente irradiado devido a recorrência do tumor. Isto reforça que a radiação tem efeito cumulativo nos tecidos bucais. A fisioterapia com calor, exercícios físicos locais, utilização de goma de mascar, relaxantes musculares e toxina botulínica podem auxiliar em parte a recuperação da abertura de boca. Todavia estudos clínicos randomizados controlados são necessários para corroborar a eficiência destes protocolos. Disgeusia A disgeusia é descrita como uma sensação anormal ou prejudicada do gosto, uma sensação de gosto ruim ou uma distorção no paladar. Os pacientes referem gosto amargo, salgado ou metálico desagradável. Muitos pacientes referem a disgeusia associada à mudanças no olfato, tanto no tratamento radioterápico quanto no quimioterápico. Essas alterações afetam diariamente a qualidade de vida dos pacientes e podem levar à deficiência nutricional, perda de peso e, em casos severos, a significante morbidade. A disgeusia é observada em cerca de 56,3% dos pacientes submetidos a quimioterapia, 66,5% dos pacientes submetidos à radioterapia isolada, e em torno de 76% dos pacientes submetidos a ambas terapias de forma combinada. Não há tratamento especifico para disgeusia que apresente eficácia comprovada cientificamente. A maior parte dos pacientes recupera a sensação gustativa gradualmente após o término do tratamento. Por outro lado, aproximadamente 15% dos pacientes tratados com radioterapia mantém a disgeusia mesmo após o término do tratamento. Osteonecrose associada ao uso de Bisfosfonatos ou medicamentos (ONMAB) Os bisfosfonatos (BFs) são medicamentos capazes de se depositar no osso e inibir a função osteoblástica e osteoclástica, ou seja, o processo de remodelação óssea. Tendo em vista sua ação inibidora da reabsorção óssea, os BFs têm sido utilizados para tratamento de pacientes com lesões metastáticas, mieloma múltiplo e tumores sólidos, incluindo os de mama, próstata e pulmão. A osteonecrose associada ao uso de bisfosfonatos é uma complicação debilitante, quase que exclusiva dos ossos maxilares, definida como a presença de exposição óssea (necrose óssea), existente há pelo menos oito semanas em paciente tratado com bisfosfonatos e que não tenha sido submetido à radioterapia na região. Porém, alguns pacientes mesmo sem exposição óssea, mas com sintomas clínicos e sinais radiográficos podem ser diagnosticados com osteonecrose. A osteonecrose associada ao uso debisfosfonatos pode apresentar alguns sinais e sintomas, dentre os quais: dor, mobilidade dental, aumento de volume da mucosa, eritema, ulceração, drenagem de secreção na boca, exposição óssea, osteomielite e fratura patológica. Apesar da maioria dos casos de ONMAB estar associada a um fator desencadeante, em especial exodontia/ cirurgias em boca, alguns casos de surgimento espontâneo foram relatados na literatura. O tratamento da ONMAB é bastante complexo, e diversos protocolos terapêuticos vêm sendo descritos na literatura com índices variados de sucesso. Devido à dificuldade de tratamento dessa exposição óssea, o foco deve ser a prevenção, sendo o ideal a eliminação de focos infecciosos antes da terapia com os bisfosfonatos ter sido iniciada. Além disso, se faz necessário um controle clínico e exames de imagem periódicos rigorosos. Abaixo, apresentamos um resumo a respeito das características e manejo das complicações relacionadas ao tratamento oncológico: 13 Curso EAD Estomatologia Tabela 2. Condutas odontológicas para minimizar as complicações e sequelas do tratamento do câncer oral. SEQUELA CARACTERÍSTICA CONDUTA Mucosite Queixa de ardência bucal, eritemas a ulcerações com dor intensa e sangramento espontâneo. - Higiene com solução aquosa de clorexidina 0,12%; - Laserterapia. Xerostomia Hipossalivação, diminuição na lubrificação do alimento, dificuldade de fala e disfagia; perda das funções bactericida e auto- limpante da saliva (aumento de cárie e doença periodontal) - Saliva artificial; - Caso haja função da glândula salivar, esta pode ser estimulada com cítricos, gomas de mascar sem açúcar, pilocarpina Disgeusia Alteração de paladar pela atrofia gradativa das papilas, devido à radioterapia, ao aumento da viscosidade da saliva e ao uso de substâncias químicas como a clorexidina. Não existem formas terapêuticas eficazes para o controle deste quadro, que pode se restabelecer gradualmente após a cessação do tratamento ou permanecer indefinidamente. Disfagia Dificuldade de engolir, geralmente como consequência da menor lubrificação bucal, dor e ulceração na mucosa bucal. - Semelhante à da xerostomia. - Casos severos necessitam o uso de sondas nasogástrica. Candidíase bucal Podem ser observadas qualquer uma das formas clínicas, dependendo do estado imunológico do paciente, do ambiente bucal e a resistência do microrganismo: pseudomembranosa, eritematosa, atrófica, hiperplásica. - Orientação de higiene com água com bicarbonato de sódio; - Nistatina, suspensão oral, 100.000 UI/ml, Fazer bochecho 4 vezes ao dia por alguns minutos e depois deglutir. Doença periodon- tal Há aumento da doença e alteração no reparo e remodelação óssea. - Tratamento prévio. - Controle de placa químico e mecânico. Cárie de radiação Lesão cariosa que se instala na porção cervical dos dentes, também é um efeito secundário da xerostomia. - Orientação de higiene e dieta. - Aplicação de fluoreto de sódio 1% diariamente em forma de gel ou bochecho. Osteorradione- crose Dor intensa, formação de fístula, sequestros ósseos, ulceração da pele com exposição da cortical e fraturas patológicas devido à hipóxia, hipocelularização e hipovascularização do osso. Os fatores de risco são: dentes em más condições; trauma ósseo; doença periodontal; quimioterapia combinada (imunossupressão sistêmica); exodontias. - Exodontias e tratamento odontológico prévio ao início da radioterapia. - Antibioticoterapia prolongada, tratamento cirúrgico, oxigenação hiperbárica, plasma rico em plaquetas, laserterapia. Trismo A limitação de abertura de boca está diretamente relacionada ao impacto na qualidade de vida do paciente: alimentação, deglutição e fonação são atingidas diretamente. Acompanhamento fisioterápico e exercícios. 14 Curso EAD Estomatologia Suporte odontológico ao paciente oncológico após RT em cabeça e pescoço e/ou quimioterapia Esta é a fase em que o cirurgião-dentista mais recebe os pacientes, e muitas vezes, sem que tenham recebido acompanhamento por um dentista na fase inicial ou durante o tratamento oncológico. Neste momento, o foco continua sendo a manutenção da saúde bucal, porém pode-se pensar em reabilitação oral e dental do paciente. Todavia, o cirurgião-dentista deve estar ciente dos efeitos crônicos que o tratamento oncológico pode ocasionar nos tecidos bucais para prevenir complicações tardias, tais como, osteorradionecrose e osteonecrose associada aos bisfosfonatos. Os procedimentos odontológicos que podem ser executados são os mais diversos e estão descritos no quadro abaixo. • Exame clínico (anamnese + exame físico extra + intra bucal). Durante anamnese deve-se pesquisar qual o protocolo terapêutico que foi utilizado. No caso de quimioterapia é fundamental saber qual foi o protocolo utilizado. No caso da radioterapia é importante coletar informações sobre o tipo, o campo e dose total de irradiação; • Exames de imagem (radiografia panorâmica e periapicais) para diagnosticar possíveis focos de infecção e de trauma; • Orientação dos pacientes, familiares e/ou cuidadores sobre os possíveis efeitos bucais tardios do tratamento oncológico (cárie, osteorradionecrose/osteonecrose associada ao uso dos bisfofosnatos); • Orientação de higiene bucal (escova extra-macia, dentifrício sem laurilsulfato de sódio, uso cuidadoso do fio dental, enxaguatório oral não alcoólico, flúor tópico); • Realização de procedimentos restauradores definitivos; • As exodontias devem ser evitadas nos pacientes irradiados, porém, quando forem indispensáveis, deve-se prescrever antibiótico profilático e terapeuticamente, bem como realizar o procedimento com o menor trauma local possível. Cabe ressaltar, que a manuteção do uso de colutórios bucais, para minimizar os riscos de infecção, associado a uma sutura compressiva, de maneira que a mucosa recubra todo tecido ósseo alveolar, não deixando tecido ósseo exposto, são fundamentais para o reparo tecidual; • Avaliação do grau de xerostomia/hiposalivação, e fazer as orientações para minimizar seus efeitos; • Aos pacientes irradiados e que apresentem trismo, deve-se indicar a fisioterapia bucal para reestabelecer abertura e fechamento da boca; • A reabilitação com aparelhos protéticos definitivos fixos, removíveis e implantes osseointegráveis; • Crianças poderão, após avaliação, realizar tratamento ortopédico funcional e/ou ortodôntico. 15 Curso EAD Estomatologia Referências Aguiar GP, Jham BC, Magalhães CS, Sensi LG, Freire AR. A review of the biological and clinical. aspects of radiation caries. J Contemp Dent Pract. 2009 Jul;(10)4:083-089. Antunes HS, Azevedo AM, Silva Bouzas LF, Adao CA, Pinheiro CT, Mayhe R et al. 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Support Care Cancer. 2010 Aug;18(8):1061-79 16 Curso EAD Estomatologia TelessaúdeRS-UFRGS Coordenação Geral Roberto Nunes Umpierre Marcelo Rodrigues Gonçalves Gerência de Projetos Ana Célia da Silva Siqueira Coordenação Executiva Rodolfo Souza da Silva Coordenação do curso Vinicius Coelho Carrard Coordenação da Teleducação Ana Paula Borngräber Corrêa Conteudistas do Curso Manoela Domingues Martins Marco Antonio Trevizani Martins Vinicius Coelho Carrard Vivian Petersen Wagner Conteudistas do Objeto Virtual de Aprendizagem Renata de Almeida Zieger Fernando Neves Hugo Stefanie Thieme Perotto Karla Frichembruder Vinicius Coelho Carrard Manoela Domingues Martins Marco Antônio Trevizani Martins Revisores Bianca Dutra Guzenski Michelle Roxo Gonçalves Otávio Pereira D’Avila Thiago Tomazetti Casotti A Equipe de coordenação, suporte e acompanhamento do Curso é formada por integrantes do Núcleo de TelessaúdeRS do Rio Grande do Sul (TelessaúdeRS/UFRGS) e do Programa Nacional de Telessaúde Brasil Redes. Diagramação e Ilustração Carolyne Vasquez Cabral Angélica Dias Pinheiro Iasmine Paim Nique da Silva Lorenzo Costa Kupstaitis Projeto Gráfico Iasmine Paim Nique da Silva Lorenzo Costa Kupstaitis Luiz Felipe Telles Design do Objeto Virtual de Aprendizagem Lorenzo Costa Kupstaitis Matheus Lima dos Santos Garay Edição/Filmagem/Animação Diego Santos Madia Rafael Martins Alves Bruno Tavares Rocha Luís Gustavo Ruwer da Silva Divulgação Camila Hofstetter Camini Jovana Dullius Design Instrucional Ana Paula Borngräber Corrêa Equipe de Teleducação Angélica Dias Pinheiro Ylana Elias Rodrigues Equipe Responsável: Dúvidas e informações sobre o curso Site: www.telessauders.ufrgs.br E-mail: ead@telessauders.ufrgs.br Telefone: 51 33082098
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