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CAPÍTULO 11 Transporte de membrana de pequenas moléculas e propriedades elétricas das membranas Devido ao seu interior hidrofóbico, a bicamada lipídica das membranas celulares serve como uma barreira à passagem da maioria das moléculas polares. Essa função de barreira permite que a célula mantenha concentrações de solutos no citosol que são diferentes daquelas no líquido extracelular e em cada um dos compartimentos intracelulares delimitados por membranas. No entanto, para fazer uso dessa barreira, as células tiveram que desenvolver meios para transferir moléculas hidrossolúveis específicas e íons através das suas membranas para ingerir nutrientes essenciais, excretar produtos metabólicos tóxicos e regular concentrações intracelulares de íons. As células utilizam proteínas de transporte de membrana especializadas para desempenhar tais funções. A importância do transporte de pequenas moléculas é evidenciada pelo grande número de genes existente em todos os organismos que codificam as proteínas envolvidas no transporte através da membrana, correspondendo a 15 a 30% das proteínas de membrana em todas as células. Algumas células de mamíferos, como neurônios e células renais, empregam até dois terços de seu consumo de energia metabólica nesses processos de transporte. PRINCÍPIOS DO TRANSPORTE DE MEMBRANA As bicamadas lipídicas livres de proteínas são impermeáveis a íons Se fornecido tempo suficiente, praticamente qualquer molécula se difundirá através de uma bicamada lipídica livre de proteínas a favor de seu gradiente de concentração. A taxa em que acontece essa difusão, todavia, varia muito, dependendo em parte do tamanho da molécula, mas, sobretudo, da sua hidrofobicidade relativa (solubilidade em lipídeos). Em geral, quanto menores e mais hidrofóbicas, ou apolares, mais facilmente as moléculas se difundirão através da bicamada lipídica.As pequenas moléculas polares sem carga, como água ou ureia, também se difundem através da bicamada, embora muito mais lentamente (Figura 11-1 ). 1 Existem duas classes principais de proteínas de transporte de membrana: transportadoras e de canal As proteínas transportadoras e as proteínas de canal são as duas principais classes de proteínas de transporte de membrana (Figura 11-3). As proteínas transportadoras (também chamadas de carreadoras, ou permeases) ligam-se ao soluto específico a ser transportado e sofrem uma série de alterações de conformação que levam à exposição alternada dos sítios de ligação ao soluto em um dos lados da membrana e, a seguir, no outro lado, para transferir o soluto através desta. As proteínas de canal, em contraste, interagem muito mais fracamente com o soluto a ser transportado. Elas formam poros contínuos e que atravessam a bicamada lipídica. Quando abertos, esses poros permitem a passagem de solutos específicos (como íons inorgânicos de tamanho e carga adequados e, em alguns casos, de pequenas moléculas como água, glicerol e amônia) através da membrana. Não é surpreendente que o transporte por meio de proteínas de canal ocorra a uma velocidade muito mais rápida do que o transporte mediado por proteínas transportadoras. 2 Apesar de a água ser capaz de difundir-se lentamente a través de bicamadas lipídicas sintéticas, as células usam proteínas de canais específicas (denominadas canais de água, ou aquaporinas)que aumentam enormemente a permeabilidade de suas membranas à água, como será discutido adiante. O transporte ativo é mediado por proteínas transportadoras acopladas a uma fonte de energia Todas as proteínas de canal e muitas proteínas transportadoras somente permitem a passagem passiva dos solutos pela membrana (“morro abaixo”), um processo denominado transporte passivo.Seu gradiente de concentração – que conduz o transporte passivo e determina sua direção (Figura 11-4A).Se, no entanto, o soluto porta uma carga líquida, tanto seu gradiente de concentração como a diferença de potencial elétrico através da membrana, o potencial de membrana, influenciarão seu transporte. O gradiente de concentração e o gradiente elétrico podem ser combinados para formar uma força motriz líquida, o gradiente eletroquímico, para cada soluto carregado (Figura 11-4B). Como ilustrado na (Figura 11-4A ), além do transporte passivo, as células precisam ser capazes de bombear ativamente determinados solutos através da membrana “morro 3 acima”, em sentido contrário a seus gradientes eletroquímicos. Este transporte ativo é mediado por transportadoras cuja capacidade de bombeamento é direcional por serem fortemente acopladas a uma fonte de energia metabólica, como um gradiente iônico ou a hidrólise de ATP, conforme será discutido mais adiante. O movimento de pequenas moléculas através de membranas mediado por transportadoras pode ser tanto ativo quanto passivo, ao passo que o movimento mediado por canais será sempre passivo (ver Figura 11-4A). PROTEÍNAS TRANSPORTADORAS E O TRANSPORTE ATIVO DE MEMBRANA Cada tipo de proteína transportadora tem um ou mais sítios de ligação específicos para seu soluto (substrato). Elas transportam o soluto através da bicamada lipídica via uma série de alterações reversíveis de conformação que, alternadamente, expõem o sítio de ligação ao soluto em um lado e em outro da membrana – mas nunca em ambos os lados ao mesmo tempo.A transição ocorre via um estado intermediário, no qual o soluto encontra-se inacessível, ou ocluído, em relação a ambos os lados da membrana (Figura11-5). Quando o transportador está saturado (ou seja, quando todos os sítios de ligação ao soluto estão ocupados), a velocidade (ou taxa) de transporte é máxima. A Vmáx indica a taxa na qual um carreador pode alternar entre seus estados conformacionais. Além disso, cada proteína transportadora tem uma afinidade característica por seu soluto, refletida no Km da reação, que é igual à concentração do soluto quando a taxa de transporte é metade do seu valor máximo. Como ocorre com as enzimas, a ligação do soluto pode ser bloqueada por inibidores competitivos (que competem pelo mesmo sítio de ligação, podendo ou não ser transportados) ou por inibidores não competitivos (que se ligam em qualquer outra parte do transportador e alteram sua estrutura). 4 Para ligar uma proteína transportadora a uma fonte de energia visando bombear um soluto “morro acima”, contra seu gradiente eletroquímico. As células realizam tal transporte ativo de três principais formas (Figura 11-7): 1. Os transportadores acoplados vinculam a energia estocada em gradientes de con- centração para acoplar o transporte através da membrana de um soluto na direção de seu gradiente ao transporte de outro soluto no sentido contrário ao seu. 2. As bombas dirigidas por ATP acoplam o transporte contra o gradiente à hidrólise de ATP. 3. As bombas dirigidas por luz ou reações redox, encontradas em bactérias, arqueas, mitocôndrias e cloroplastos, acoplam o transporte no sentido do gradiente à ener- gia obtida da luz, como no caso da bacteriorrodopsina,ou obtida de uma reaçãoredox, como no caso da citocromo c oxidase. O transporte ativo pode ser dirigido por gradientes de concentração de íons Algumas proteínas transportadoras simples e passivamente transportam um único soluto de um lado a outro da membrana sob uma taxa determinada por seus Vmáx e Km; elas são denominadas uniportes. Outras atuam como transportadores acoplados, nos quais a transferência de um soluto é estritamente dependente do transporte de um segundo. O transporte acoplado envolve a transferência simultânea de um segundo soluto na mesma direção, realizado pelos simportes (também chamados de cotransportadores), ou a 5 transferência de um segundo soluto na direção oposta, realizado por antiportes (também chamados de permutadores) (Figura 11-8). Assim como as enzimas, os transportadores podem atuar no sentido reverso se os gradientes de íons e solutos forem ajustados experimentalmente de forma adequada. Essa simetria química está espelhada em sua estrutura física.Em bactérias, leveduras e plantas, assim como em diversas organelas envoltas por membranas de células animais, a maioria dos sistemas de transporte acionados por íons depende de gradientes de H+, e não de gradientes de Na+, refletindo a predominância de bombas de H+ nessas membranas. Um gradiente eletroquímico de H+ através da membrana plasmática bacteriana, por exemplo, dirige o transporte ativo de diversos açúcares e aminoácidos para o interior da membrana. As proteínas transportadoras na membrana plasmática regulam o pH citosólico A maioria das proteínas opera de forma excelente em um pH específico. As enzimas lisossômicas, por exemplo, funcionam melhor no pH baixo (cerca de 5) encontrado nos lisossomos, enquanto as enzimas citosólicas atuam melhor no pH próximo ao neutro (em torno de 7,2) encontrado no citosol. É, portanto, fundamental que as células sejam capazes de controlar o pH de seus compartimentos intracelulares.O pH do interior da célula regula ambos os permutadores; quando o pH citosólico diminui, ambos os permutadores aumentam suas atividades. O pH intracelular não é inteiramente regulado por transportadores na membrana plasmática: bombas de H+ dirigidas por ATP são usadas para controlar o pH de diversos compartimentos intracelulares. Como discutido no Capítulo 13, bombas de H+ mantêm o pH 6 baixo nos lisossomos, bem como nos endossomos e nas vesículas secretoras. Essas bombas de H+ utilizam a energia de hidrólise de ATP para bombear H+do citosol para o interior dessas organelas. Uma distribuição assimétrica de proteínas transportadoras nas células epiteliais está por trás do transporte transcelular de solutos Em células epiteliais, como aquelas envolvidas na absorção de nutrientes no intestino, as proteínas transportadoras estão distribuídas de maneira não uniforme na membrana plasmática e, portanto, contribuem para o transporte transcelular dos solutos absorvidos. Por meio das ações das proteínas transportadoras nessas células, os solutos são transportados pela camada de células epiteliais para o líquido extracelular, a partir de onde passarão à corrente sanguínea. Em muitas dessas células epiteliais, a área de membrana plasmática é extremamente aumentada pela formação de milhares de microvilosidades, que se estendem como finas projeções em forma de dedo a partir da superfície apical de cada célula. Tais microvilosidades podem aumentar a área total de absorção de uma célula em mais de 25 vezes, aumentando, portanto, sua capacidade de transporte.Os gradientes de íons desempenham um papel fundamental conduzindo vários processos essenciais de transporte nas células. As bombas de íons que utilizam a energia de hidrólise de ATP estabelecem e mantêm esses gradientes. Existem três classes de bombas dirigidas por ATP As bombas dirigidas por ATP frequentemente são denominadas ATPases transportadoras, pois hidrolisam ATP em ADP e fosfato e usam a energia liberada para bombear íons ou outros solutos através de uma membrana. Existem três principais classes de bombas dirigidas por ATP (Figura 11-12), e representantes de cada uma dessas classes são encontrados em todas as células de eucariotos e procariotos. 7 1. Bombas tipo P são estrutural e funcionalmente relacionadas a proteínas transmembrana de passagem múltipla. Elas são denominadas “tipo P” pois se autofosforilam (do inglês, phosphorylate) durante o ciclo de bombeamento. Essa classe inclui diversas bombas de íons que são responsáveis pelo estabelecimento e pela manutenção de gradientes de Na+, K+, H+ e Ca2+ através das membranas celulares. 2. Transportadores ABC (ATP-binding cassette transporters) distinguem-se estruturalmente das ATPases do tipo P e bombeiam principalmente moléculas pequenas através das membranas celulares. 3. Bombas tipo V são máquinas proteicas semelhantes a turbinas, construídas a partir de múltiplas subunidades diferentes. A bomba de próton tipo V transfere H+ para o interior de organelas como os lisossomos, vesículas sinápticas e vacúolos de plantas ou leveduras (V = vacuolar), para acidificar o interior dessas organelas. Uma bomba ATPase tipo P bombeia Ca2+ para o interior do retículo sarcoplasmático em células musculares As células eucarióticas mantêm concentrações muito baixas de Ca2+ livre no seu citosol (cerca de 10-7 M) em comparação com as concentrações extracelulares de Ca2+, muito mais altas (em torno de 10-3 M).A bomba de Ca2+, ou Ca2+ATPase, na membrana do retículo sarcoplasmático (RS) de células da musculatura esquelética, é uma ATPase de transporte tipo T bastante conhecida. A hidrólise de uma ligação fraca aspartato-fosforil faz a bomba retornar à sua conformação inicial, e o ciclo pode ser reiniciado. A autofosforilação transitória da bomba durante seu ciclo é uma característica essencial de todas as bombas do tipo P. 8 A bomba de Na+-K+ da membrana plasmática estabelece gradientes de Na+ e K+ através da membrana plasmática A concentração de K+ costuma ser 10 a 30 vezes maior no interior celular do que no exterior, enquanto o contrário é verdadeiro para o Na+. Uma bomba de Na+-K+, ou ATPase Na+-K+,encontrada na membrana plasmática de praticamente todas as células animais mantém essas diferenças de concentração. Assim como a bomba de Ca2+, a bomba de Na+-K+ pertence à família das ATPases do tipo P e opera como um antiporte dirigida por ATP, bombeando ativamente Na+ para fora da célula, em sentido contrário a seu gradiente eletroquímico, e bombeando o K+ para o interior da célula (Figura 11-15). Os transportadores ABC constituem a maior família de proteínas de transporte de membrana Os transportadores ABC, assim denominada pelo fato de cada um de seus membros conter dois domínios ATPase altamente conservados, ou “cassetes”de ligação ao ATP (ATP-binding cassettes), na face citosólica da membrana. A ligação de ATP aproxima os dois domínios ATPase, e a hidrólise de ATP leva à sua dissociação (Figura 11-16). 9 Esses movimentos dos domínios citosólicos são transmitidospara os segmentos transmembrana, dando origem a ciclos de alterações na conformação que expõem alternadamente os sítios de ligação a soluto em uma face da membrana e, a seguir, na face oposta, da mesma forma que vimos para as outras transportadoras. Assim, os transportadores ABC recolhem a energia liberada pela ligação e hidrólise de ATP para coordenar o transporte de solutos através da bicamada. O transporte é direcionado, rumo ao interior ou ao exterior, dependendo da ocorrência de uma alteração de conformação específica no sítio de ligação ao soluto, que está associada à hidrólise de ATP A superfamília de transportadores ABC é a maior família de proteínas de trans- porte de membrana e apresenta grande importância clínica. Nessa família estão incluídas as proteínas responsáveis pela fibrose cística, pela resistência a fármacos em células cancerosas e em parasitas que causam a malária, e pelo bombeamento de peptídeos derivados de patógenos no RE para que os linfócitos citotóxicos reconheçam a superfície de células infectadas. 10 PROTEÍNAS DE CANAL E AS PROPRIEDADES ELÉTRICAS DAS MEMBRANAS Diferentemente das proteínas transportadoras, os canais formam poros que atravessam a membrana. Uma classe de proteínas de canal encontrada em quase todos os animais forma junções do tipo fenda (gap junctions) entre células adjacentes; cada membrana plasmática contribui igualmente para a formação do canal, que conecta o citoplasma das duas células. Os canais não podem ser acoplados a uma fonte de energia para realizar transporte ativo, logo o transporte que é mediado por eles é sempre passivo (“morro abaixo”). Assim, a função dos canais iônicos é permitir a difusão rápida de íons inorgânicos específicos – sobretudo Na+, K+, Ca2+ ou C – a favor dos seus gradientes eletroquímicos através da bicamada lipídica. As aquaporinas são permeáveis à água, mas impermeáveis a íons Além da difusão direta da água através da bicamada lipídica, algumas células procarióticas e eucarióticas possuem canais de água, ou aquaporinas, inseridos em suas membranas plasmáticas para permitir um movimento mais rápido da água. As aquaporinas são particularmente abundantes em células de animais que devem transportar água em taxas elevadas, como células epiteliais do rim ou células exócrinas que devem transportar ou secretar, respectivamente, grandes volumes de fluidos.As aquaporinas devem resolver um problema que é o oposto daquele enfrentado Pelos canais iônicos. Para evitar a disrupção de gradientes iônicos através das membranas, elas devem permitir a rápida passagem de moléculas de água ao mesmo tempo em que devem impedir completamente a passagem de íons. A estrutura tridimensional da aquaporina revela como ela atinge essa incrível seletividade. Os canais possuem um poro estreito que permite que as moléculas de água atravessem em fila única, seguindo o caminho de oxigênios carbonila que revestem um dos lados do poro. Os canais iônicos são íon-seletivos e alternam entre os estados aberto e fechado 11 Os canais iônicos distingue,-se de simples poros aquosos basicamente por duas propriedades importantes.O primeiro eles mostram seletividade a íons,permitindo a passagem de alguns íons inorgânicos, mas outros não.Os poros são de tal forma que somente íons de tamanho e carga apropriados podem passar.Os íons ao passar pelo canal perdem todas ou a maioria das moléculas de água associadas a eles( figura 11-21). A segunda distinção entre os canais iônicos e poros aquosos simples é que os canais nao estao abertos continualmente.Na maioria dos casos,o canal se abre em resposta a um estímulo específico que pode ser uma variação na voltagem da membrana,estresse mecânico ou ligação de um ligante (figura 11-22). 12 O potencial de membrana em células animais depende principalmente dos canais de escape de K+ e do gradiente de K+ através da membrana plasmática Um potencial de membrana origina-se quando existe uma diferença na carga elétrica entre os dois lados de uma membrana, devido a um leve excesso de íons positivos sobre os negativos em um lado e a um leve déficit no outro. Tais diferenças de carga podem resultar tanto de bombeamento eletrogênico ativo, quanto de difusão passiva de íons. A manutenção do equilíbrio é realizada predominantemente pelo K+, que é bombeado ativamente para dentro da célula pela bomba de Na+ -K+ e que pode, também, mover-se livremente para o interior ou para o exterior pelos canais de escape de K+ na membrana plasmática. Por causa da presença desses canais, o K+ quase alcança o equilíbrio, onde uma força elétrica exercida por um excesso de cargas negativas que atraem K+ para a célula contrabalança a tendência de escape do K+ para fora a favor do seu gradiente de concentração. O potencial de membrana (da membrana plasmática) é a manifestação dessa força elétrica, e seu valor de equilíbrio pode ser calculado a partir da magnitude do gradiente de concentração de K+. O potencial de repouso decai lentamente quando a bomba de Na+ -K+ é interrompida O movimento de apenas um número muito pequeno de íons através da membrana plasmática por canais iônicos é suficiente para estabelecer o potencial de membrana. Assim, pode-se pensar no potencial de membrana como formado de movimentos de carga que praticamente não afetam as concentrações de íons e que resulta em uma pequena diferença no número de íons positivos e negativos nos dois lados da membrana (Figura 11-23). Além disso, esses movimentos de carga em geral são rápidos, ocorrendo em poucos milissegundos ou menos. 13 A estrutura tridimensional de um canal de K+ bacteriano mostra como um canal iônico pode funcionar A incrível habilidade dos canais iônicos de combinar seletividade iônica fina e uma alta condutância tem intrigado os cientistas. Os canais de escape de K+, por exemplo, conduzem K+ 10 mil vezes mais rápido do que Na+, embora os dois íons sejam esferas sem características distintivas, com diâmetros similares (0,133 nm e 0,095 nm,respectivamente). Uma substituição de um único aminoácido no poro de um canal de K+ de uma célula animal pode resultar em uma perda de seletividade iônica e morte celular. A seletividade normal pelo K+ não pode ser explicada pelo tamanho do poro, pois o Na+ é menor do que o K+. Além disso, a alta velocidade de condutância é incompatível com a possibilidade de o canal ter sítios seletivos de ligação a K+, com alta afinidade, uma vez que a ligação de íons K+ em tais sítios tornaria muito lenta sua passagem. A estrutura de um canal de K+ bacteriano foi determinada por cristalografia de raios X. O canal é constituído por quatro subunidades transmembrana idênticas, que, em conjunto, compõem um poro central através da membrana. Cada subunidade contribui com duas a-hélices transmembrana que são inclinadas para o exterior na membrana e, juntas, formam um cone, cuja extremidade mais larga está voltada para o exteriorda célula, onde íons K+ deixam o canal (Figura 11-24). 14 A cadeia polipeptídica que conecta as duas hélices transmembrana forma uma curta a-hélice (hélice do poro) e uma alça essencial que forma uma projeção na seção larga do cone para formar o filtro de seletividade. As alças de seletividade das quatro subunidades formam um poro curto, estreito e rígido, revestido pelos átomos de oxigênio carbonila da sua cadeia principal de polipeptídeos. Visto que as alças de seletividade de todos os canais de K+ conhecidos apresentam sequências semelhantes de aminoácidos, é provável que elas formem estruturas bastante similares. Canais mecanossensíveis protegem as células de bactérias contra pressões osmóticas extremas Todos os organismos, de bactérias unicelulares a animais e plantas multicelulares, devem ser capazes de perceber e responder a forças mecânicas provenientes do ambiente externo (como som, toque, pressão, forças de estiramento e gravidade) e a forças provenientes de seu ambiente interno (como pressão osmótica e dobramento da membrana). Sabe-se que diversas proteínas são capazes de responder a tais forças mecânicas, e um amplo subconjunto dessas proteínas foi identificado como possíveis canais mecanossensíveis, apesar de poucas delas terem sido de fato associadas diretamente a canais de íons mecanicamente ativados. 15 A função de uma célula nervosa depende de sua estrutura alongada Um neurônio, ou célula nervosa, é receber, conduzir e transmitir sinais. Para desempenhar essas funções, os neurônios costumam ser extremamente longos. Em humanos, por exemplo, um único neurônio, estendendo-se desde a medula espinal até um músculo no pé, pode alcançar até 1 metro de comprimento. Cada neurônio consiste em um corpo celular (contendo o núcleo) e uma série de pequenos processos, protuberâncias finas, irradiando-se a partir do corpo. Em geral, um longo axônio conduz sinais do corpo celular para alvos distantes, e vários dendritos curtos e ramificados estendem-se do corpo celular como antenas, fornecendo uma grande área de superfície para a recepção de sinais dos axônios de outros neurônios apesar de o próprio corpo celular também receber tais sinais. Os canais de cátion controlados por voltagem geram potenciais de ação em células eletricamente excitáveis A membrana plasmática de todas as células eletricamente excitáveis – não apenas dos neurônios, mas também das células musculares, endócrinas e dos óvulos – contêm canais de cátion controlados por voltagem, responsáveis pela geração de potenciais de ação. Um potencial de ação é desencadeado por uma despolarização da membrana plasmática – ou seja, por uma alteração no potencial de membrana para um valor menos negativo em seu interior. O uso de canal-rodopsinas revolucionou o estudo dos circuitos neurais As canal-rodopsinas são canais de íon fotossensíveis que se abrem em resposta à luz. Eles evoluíram como receptores sensoriais em algas verdes fotossintéticas para permitir que as algas migrarem em direção à luz. A estrutura da canal-rodopsina é bastante semelhante à da bacteriorrodopsina. Ela contém um grupo retinal ligado covalentemente que absorve luz e sofre uma reação de isomerização, que induz uma alteração na conformação da proteína, abrindo um canal iônico na membrana plasmática. Em contraste com a bacteriorrodopsina, 16 que é uma bomba de prótons dirigida por luz, a canal-rodopsina é um canal catiônico dirigido por luz. A mielinização aumenta a velocidade e a eficácia da propagação do potencial de ação em células nervosas Os axônios de muitos neurônios de vertebrados são envolvidos por uma bainha de mielina, que aumenta muito a velocidade na qual um axônio pode conduzir um potencial de ação. A importância da mielinização é demonstrada dramaticamente pela doença desmielinizante esclerose múltipla, na qual o sistema imunológico destrói as bainhas de mielina em algumas regiões do sistema nervoso central; nas regiões afetadas, a propagação do impulso nervoso consideravelmente retarda, falha ou é ausente, muitas vezes com consequências neurológicas devastadoras.A mielina é formada por células de suporte especializadas não neuronais, chamadas de células da glia. As células de Schwann são as células da glia que mielinizam axônios em nervos periféricos, e os oligodendrócitos mielinizam axônios no sistema nervoso central. O registro de patch-clamp indica que os canais iônicos individuais abrem de maneira “tudo ou nada” Os registros de patch-clamp indicaram que os canais iônicos individuais abrem de modo “tudo ou nada”. Por exemplo, um canal de Na+ controlado por voltagem abre e fecha aleatoriamente, mas, quando aberto, o canal tem sempre a mesma condutância grande, permitindo a passagem de mais de mil íons por milissegundo.Portanto, o agregado de correntes que passa pela membrana de uma célula não indica o grau de abertura de um canal individual típico, mas sim o número total de canais na membrana que estão abertos em um dado momento. Os canais de cátion controlados por voltagem são evolutiva e estruturalmente relacionados A membrana plasmática de todas as células eletricamente excitáveis – não apenas dos neurônios, mas também das células musculares, endócrinas e dos óvulos – contêm canais de 17 cátion controlados por voltagem, responsáveis pela geração de potenciais de ação. Um potencial de ação é desencadeado por uma despolarização da membrana plasmática – ou seja, por uma alteração no potencial de membrana para um valor menos negativo em seu interior. Os canais de cátion controlados por voltagem são evolutiva e estruturalmente relacionados Os canais de Na+ não são o único tipo de canal catiônico controlado por voltagem que pode gerar um potencial de ação. Os potenciais de ação em algumas células musculares, óvulos e células endócrinas, por exemplo, dependem de canais de Ca2+ controlados por voltagem em vez de canais de Na+. Diferentes tipos de neurônios apresentam propriedades de disparo características e estáveis Os neurônios podem ser classificados funcionalmente em diferentes tipos, em parte com base na sua propensão em disparar potenciais de ação e em seu padrão de pulso. Por exemplo, alguns neurônios disparam potenciais de ação frequentemente, enquanto outros pulsam raramente. As propriedades de pulso de cada tipo de neurônio são determinadas em grande parte pelos canais de íon que a célula expressa. O número de canais iônicos na membrana de um neurônio não é fixo: conforme as condições mudam, um neurônio pode modificar o número de canais despolarizantes (Na+ e Ca2+) e hiperpolarizantes (K+) e manter suas proporções ajustadas a fim de manter seu comportamento de pulso característico em um exemplo impressionante de controle homeostático. Os mecanismos moleculares envolvidos nesse controle permanecem um grande mistério. Os canais iônicos controlados por transmissor convertem sinais químicos em sinaiselétricos nas sinapses químicas 18 Os sinais neuronais são transmitidos de uma célula a outra em sítios especializados de contato conhecidos como sinapses. O mecanismo normal de transmissão é indireto. As células são isoladas eletricamente uma da outra, sendo a célula pré-sináptica separada da célula pós-sináptica por uma estreita fenda sináptica. Os canais de íon controlados por transmissores, também denominados receptores ionotrópicos, são construídos de forma a rapidamente converter sinais químicos extracelulares em sinais elétricos nas sinapses químicas. As sinapses químicas podem ser excitatórias ou inibitórias Os canais iônicos controlados por transmissor diferem entre si de várias formas importantes. Primeiro, como receptores, eles apresentam sítios de ligação altamente seletivos para o neurotransmissor liberado a partir do terminal nervoso pré-sináptico. Segundo, como canais, eles são seletivos ao tipo de íon que cruzará a membrana plasmática; isso determina a natureza da resposta pós-sináptica. Os neurotransmissores excitatórios abrem canais de cátion provocando um influxo de Na+ e, em muitos casos de Ca2+, que despolariza a membrana pós-sináptica em direção ao potencial limiar para disparar um potencial de ação. Os neurotransmissores inibitórios, ao contrário, abrem canais de Cl– ou canais de K+, e isso suprime o pulso, pois dificulta que os neurotransmissores excitatórios despolarizarem a membrana pós-sináptica. Muitos transmissores podem ser excitatórios ou inibitórios, dependendo de onde são liberados, com quais receptores eles se ligam e das condições iônicas que encontram. A acetilcolina, por exemplo, pode excitar ou inibir, dependendo do tipo de receptores de acetilcolina aos quais se liga. Geralmente, entretanto, a acetilcolina, o glutamato e a serotonina são usados como transmissores excitatórios, e o ácido-aminobutírico (GABA) e a glicina são usados como transmissores inibitórios. O glutamato, por exemplo, medeia a maior parte da sinalização excitatória no cérebro dos vertebrados. No entanto, nem toda sinalização química no sistema nervoso opera por meio desses canais iônicos controlados por ligantes ionotrópicos. Na verdade, a maioria das moléculas de neurotransmissores secretadas por terminais nervosos, incluindo uma grande variedade de neuropeptídeos, liga-se a receptores metabotrópicos, que regulam canais iônicos apenas indiretamente pela ação de pequenas moléculas de sinal intracelulares . Todos os receptores de neurotransmissores caem em uma ou outra dessas duas classes principais – ionotrópicos ou metabotrópicos – dependendo dos seus mecanismos de sinalização: 19 1. Receptores ionotrópicos são canais iônicos e atuam em sinapses químicas rápidas. Tanto a acetilcolina quanto a glicina, o glutamato e o GABA atuam em canais de íons controlados por transmissores, mediando sinalização excitatória ou inibitória que costuma ser imediata, simples e breve. 2. Receptores metabotrópicos são receptores acoplados à proteína G (discutidos no que se ligam a todos os outros neurotransmissores (e, confusamente, também à acetilcolina, ao glutamato e ao GABA). A sinalização mediada por ligação de ligantes a receptores metabotrópicos tende a ser muito mais lenta e mais complexa do que a mediada pelos receptores ionotrópicos e mais duradoura em suas consequências. Os receptores de acetilcolina na junção neuromuscular são canais de cátion controlados por transmissores excitatórios Um exemplo bem estudado de um canal iônico controlado por transmissor é o receptor de acetilcolina das células musculoesqueléticas. Esse canal é transitoriamente aberto pela liberação de acetilcolina pelo terminal nervoso na junção neuromuscular – a sinapse química especializada entre um neurônio motor e uma célula musculoesquelética. Essa sinapse foi bastante investigada por ser facilmente acessível a estudos eletrofisiológicos, ao contrário da maioria das sinapses do sistema nervoso central, ou seja, do cérebro e da medula espinal em vertebrados. Além disso, em uma junção neuromuscular os receptores de acetilcolina estão densamente empacotados na membrana plasmática de células musculares (cerca de 20 mil desses receptores por m2), com relativamente poucos receptores em outro lugar na mesma membrana. Os neurônios contêm muitos tipos de canais controlados por transmissores Para cada classe de canal iônico controlado por transmissor, existem formas alternativas de cada tipo de subunidade, que podem ser codificadas por genes distintos ou então geradas por splicing alternativo do RNA de um único produto gênico. Essas subunidades reúnem-se em combinações variadas para formar um conjunto extremamente diverso de subtipos distintos de canais, com diferentes afinidades a ligantes, diferentes 20 condutâncias de canal, diferentes taxas de abertura e fechamento e diferentes sensibilidades a fármacos e toxinas. A transmissão neuromuscular envolve a ativação sequencial de cinco conjuntos diferentes de canais iônicos O impulso nervoso estimula a contração de uma célula muscular, ilustra a importância dos canais iônicos para células eletricamente excitáveis. Essa resposta aparentemente simples requer a ativação sequencial de, pelo menos, cinco conjuntos diferentes de canais iônicos em um intervalo de poucos milissegundos (Figura 11-39). 1. O processo é iniciado quando um impulso nervoso atinge o terminal nervoso e despolariza a membrana plasmática do terminal. A despolarização abre tempora riamente canais de Ca2+ controlados por voltagem nessa membrana pré-sináptica. Como a concentração de Ca2+ no exterior celular é mais de mil vezes maior do que a concentração de Ca2+ livre no interior da célula, o Ca2+ flui para o terminal nervoso. O aumento na concentração de Ca2+ no citosol do terminal nervoso desencadeia a liberação local de acetilcolina por exocitose na fenda sináptica. 2. A acetilcolina liberada liga-se a receptores de acetilcolina na membrana plasmática da célula muscular, abrindo temporariamente os canais catiônicos a eles associados. O influxo de Na+ resultante induz uma despolarização local da membrana. 21 3. A despolarização local abre canais de Na+ controlados por voltagem nessa membrana, permitindo a entrada de mais Na+, que despolariza ainda mais a membrana. Como consequência, os canais de Na+ controlados por voltagem adjacentes abrem-se, e é provocada uma despolarização autopropagada (um potencial de ação) que se espalha, envolvendo a membrana plasmática inteira. 4. A despolarização generalizada da membrana plasmática da célula muscular ativa canais de Ca2+ controlados por voltagem nos túbulos transversais,dessa membrana. 5. Isso, por sua vez, faz os canais de liberação de Ca2+ em uma região adjacente à membrana do retículo sarcoplasmático (RS) abrirem transitoriamente e liberarem o Ca2+ estocado no RS para o interior do citosol. O túbulo T e as membranas do RS estão proximamente associados com os dois tipos de canais unidos em uma estrutura especializada, na qual a ativação docanal de Ca2+ controlado por voltagem na membrana plasmática do túbulo T provoca uma mudança conformacional do canal que é transmitida mecanicamente para o canal de liberação de Ca2+ na membrana do RS, abrindo-o e permitindo que o Ca2+ flua do lúmen do RS para o citoplasma. Esse aumento repentino na concentração de Ca2+ citosólico provoca a contração das miofibrilas na célula muscular. Neurônios individuais são dispositivos computacionais complexos No sistema nervoso central, um único neurônio pode receber informação de milhares de outros neurônios e pode, por sua vez, formar sinapses com milhares de outras células. Vários milhares de terminais nervosos, por exemplo, fazem sinapses em um neurônio motor médio na medula espinal, cobrindo quase completamente seu corpo celular e dendritos. Algumas dessas sinapses transmitem sinais do cérebro ou da medula espinal; outras trazem informações sensoriais dos músculos ou da pele. O neurônio motor deve combinar a informação recebida de todas essas fontes e reagir disparando potenciais de ação ao longo do seu axônio ou permanecendo em repouso. A computação neuronal requer uma combinação de pelo menos três tipos de canais de K+ A intensidade da estimulação que um neurônio recebe é codificada pelo neurônio em uma frequência do potencial de ação para transmissão de longa distância. A codificação 22 ocorre em uma região especializada da membrana axonal conhecida como o segmento inicial, ou cone axônico, na junção do axônio e do corpo da célula.Essa membrana é rica em canais de Na+ controlados por voltagem; mas ela também contém pelo menos quatro outras classes de canais iônicos – três seletivos para K+ e um seletivo para Ca2+ – que contribuem para a função de codificação do cone axônico. As três variedades de canais de K+ apresentam propriedades diferentes; vamos nos referir a esses canais como canais de K+ tardios, precoces (ou de rápida inativação) e ativados por Ca2+. A potencialização de longo prazo (LTP) no hipocampo de mamíferos depende da entrada de Ca2+ pelos canais receptores NMDA Isso significa que os receptores NMDA normalmente são ativados apenas quando os receptores AMPA também são ativados e despolarizam a membrana. Os receptores NMDA são essenciais para a LTP. Quando eles são seletivamente bloqueados com um inibidor específico ou inativados geneticamente, a LTP não ocorre, embora a transmissão sináptica comum continue, indicando a importância dos receptores NMDA para indução de LTP. Esses animais apresentam déficits específicos nas suas capacidades de aprendizado, mas comportam-se quase normalmente quanto a outros aspectos. Como os receptores NMDA medeiam a LTP? A resposta é que esses canais, quando abertos, são fortemente permeáveis ao Ca2+, que atua como um sinal intracelular na célula pós-sináptica, acionando uma cascata de mudanças que são responsáveis pela LTP. Assim, a LTP é evitada quando os níveis de Ca2+ são mantidos artificialmente baixos na célula pós-sináptica, pela injeção do quelante de Ca2+ EGTA nessa célula, e pode ser induzida aumentando-se artificialmente os níveis de Ca2+ intracelular. Entre as mudanças de longo prazo que aumentam a sensibilidade da célula pós-sináptica ao glutamato, está a inserção de novos receptores AMPA na membrana plasmática.Em algumas formas de LTP, ocorrem alterações também na célula pré-sináptica, para que ela libere mais glutamato do que o normal, quando ela é ativada posteriormente. 23
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