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Terapia de Aceitação e
Compromisso (ACT):
mais uma possibilidade
 para a clínica comportamental
Boavista, Rodrigo Rodrigues Costa.
Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT): Mais uma
possibilidade para a clínica comportamental / Rodrigo Rodrigues Costa
Boavista. 1a ed. Santo André, SP: ESETec Editores Associados, 2012.
 64 p
21cm
1. Terapia de Aceitação e Compromisso.
2. Terapia Comportamental.
3. Análise Clínica do Comportamento.
Copyright © desta edição:
ESETec Editores Associados, Santo André, 2012.
Todos os direitos reservados
Solicitação de exemplares: comercial@esetec.com.br
Santo André – SP
CEP 09041-070
Tel. (11) 4990 56 83
www.esetec.com.br
CDD 155.2
CDU 159.9.019.4 ISBN 978 85 7918 036 1
Arte da capa: Regina Costa
Terapia de Aceitação e
Compromisso (ACT):
mais uma possibilidade
 para a clínica comportamental
Rodrigo Rodrigues Costa Boavista
2012
ESETec
I’ve lived a life that’s full
I’ve traveled each and every highway
[…] I faced it all and I stood tall
And did it my way
[…] I’ve loved, I’ve laughed and cried
I’ve had my fails, my share of losing
And now as tears subside
I find it all so amusing
To think I did all that
And may I say, not in a shy way
Oh, no, no not me
I did it my way
Sumário
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................ 9
2 O MOVIMENTO HISTÓRICO DA TERAPIA COMPORTAMENTAL .. 13
3 TERAPIA DE ACEITAÇÃO E COMPROMISSO ................................... 19
3.1 Base Filosófica .......................................................................................... 21
3.2 Raízes Teóricas ......................................................................................... 23
3.3 Modelo de Psicopatologia .......................................................................... 28
3.3.1 Fusão Cognitiva ............................................................................... 29
3.3.2 Esquiva experiencial ........................................................................ 30
3.3.3 Predominância do Passado Conceitual e Autoconhecimento Limitado 31
3.3.4 Falta de clareza de valores .............................................................. 32
3.3.5 Impulsividade, Inércia ou Persistência na Esquiva ........................... 32
3.3.6 Atrelamento ao “eu” conceitual ......................................................... 33
3.4 ACT e mindfulness ..................................................................................... 34
4 APLICAÇÕES ......................................................................................... 37
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................... 49
REFERÊNCIAS ......................................................................................... 53
APÊNDICE A
GLOSSÁRIO EXPLICATIVO DE CONCEITOS DA ACT ........................ 59
8
9
1
INTRODUÇÃO
Com o advento da globalização e a consequente modificação radical
de funcionamento dos meios de comunicação de massa, a população
acompanhou uma intensificação da troca de informações. A teia global
capta insumos e rapidamente os disponibiliza aos interessados espalhados
pelos quatro pontos cardeais em frações de segundo. Tal aceleração
favoreceu o compartilhamento de produções acadêmicas e constantes
revisões, esse processo se por um lado vai ao encontro dos pressupostos
empiristas de ciência, os quais, por definição, elogiam as replicações e
retestes de hipóteses (SKINNER, 2007), por outro é bastante desconfortável
para aqueles que se beneficiam de dogmas e verdades inquestionáveis.
A Terapia Comportamental, que desde suas primeiras investidas é
calcada num paradigma cartesiano, usufruiu – e continua usufruindo –
intensamente desse fluxo de trocas. Apesar da juventude do
estabelecimento da Análise do Comportamento (AC) no mundo da
psicoterapia, que se dá a partir dos trabalhos de Watson e Rayner datados
da década de 1920 (COSTA, 2002) – e ainda mais recentemente no
Brasil, que só ocorreu após a visita de Fred Keller à São Paulo em 1961 –
Micheletto et al. (2010) afirmam que é visível a evolução e o franco progresso
vivido no campo.
Hayes afirma que a Terapia Comportamental já viveu pelo menos
três momentos de reformulação paradigmática. As chamadas ondas, ou
gerações, da AC são uma forma didática de referir ao “conjunto de
formulações, assunções, métodos e metas dominantes, sendo que
algumas dessas são implícitas” (HAYES, 2004, p. 640) 1 características de
cada período. A primeira onda ficou marcada pelo rigor metodológico
como forma de rebelião contra as concepções clínicas prevalentes na
1Original em inglês, tradução nossa.
10
década de 50. A ausência de suporte empírico das intervenções utilizadas
até então motivou os terapeutas comportamentais a realizarem testes e
experimentos que comprovassem os princípios básicos do
comportamento. A obra de Pavlov na área do condicionamento respondente
foi fundamental para esse período histórico (VANDENBERGHE; SOUSA,
2006). A segunda geração da Terapia Comportamental nasce a partir das
limitações apresentadas pelos terapeutas de primeira onda no que tange
seus esforços para explicar e intervir sobre os eventos privados
(sentimentos, pensamentos, sensações etc.). Vermes, Zamignani e Mayer
(2010) apontam que a década de 1970 foi dominada pelo modelo cognitivo
racionalista, segundo o qual os processos psicológicos eram mediados
por sistemas subjacentes. Assim como a primeira onda da AC, a segunda
geração ficou marcada pelos seus êxitos no tratamento dos transtornos
de humor. Outra herança do modelo clássico da AC foi o foco na
eliminação de respostas problemáticas, disfuncionais ou mal adaptativas
enquanto meta clínica (HAYES; STROSAHL; WILSON, 1999).
Inúmeros autores intitulam os anos 80 e seus subsequentes de
Terceira Onda ou Terceira Geração da AC (FLETCHER; HAYES, no prelo2;
HAYES, 2004; PEREIRA; GUIMARÃES; GUEDES, no prelo3;
VANDENBERGHE, 2007; VERMES; ZAMIGNANI; MEYER, 2010).
Caracterizado fundamentalmente pela busca de epistemologias alheias
ao mecanicismo e ao racionalismo, e pela eclosão das releituras
contextualistas do Behaviorismo Radical, o movimento terceira-ondista
compreende quatro modelos de intervenção clínica em seu núcleo, são
eles: a Psicoterapia Analítico Funcional, a Terapia Comportamental
Integrativa de Casais, a Terapia Comportamental Dialética e a Terapia de
Aceitação e Compromisso (VANDENBERGHE, 2007).
Harris (2008) aponta que, no bojo da terceira onda da análise do
comportamento, existe um ímpeto revolucionário que a imiscui nesse
2Relational Frame Theory, Acceptance and Commitment Therapy, and a Functional Analytic
Definition of Mindfulness, de autoria de FLETCHER, L; HAYES, S. A ser publicado no Journal
of Rational Emotive and Cognitive Behavioral Therapy.
3PEREIRA, C; GUIMARÃES, T; GUEDES, M. Eventos em Análise do Comportamento:
contribuição ao estudo da institucionalização da AC no Brasil. Disponível em <http://
www.abpmc.org.br/relatorio.pdf.
11
contexto de amplas modificações estruturais dos paradigmas científicos.
Uma vez que abandona o modelo racionalista característico dos terapeutas
cognitivo-comportamentais e supera o sistema compreensivo mecanicista
das respostas disfuncionais do modelo pavloviano clássico, os terapeutas
de terceira geração da AC inauguram um período fértil em produções
teóricas e comprovações empíricas da efetividade de suas intervenções.
Ainda assim, Hayes, Strosahl e Wilson (1999) alertam que foram
necessários mais de 20 anos para que a Terapia de Aceitação e
Compromisso (ACT) se transformasse em um modelo de intervenção
teoricamente consistente e filosoficamente bem embasado. Tendo em
vista que em 1986 já existiam estudos metodologicamente criteriosos
que comprovavam a eficácia do tratamento de indivíduos depressivos
com a ACT, e que o primeiro livro-texto só foi publicado em 1999, é de se
esperar que muito tenha sido produzido nessa área. Tal hipótese é
verdadeira caso o olhar do leitorseja fixado no território estadunidense. A
despeito dos incontáveis resultados positivos no tratamento de grupos
acometidos pelas mais diversas psicopatologias, salta aos olhos a carência
de trabalhos científicos sobre o tema nos mais respeitados bancos de
tese e revistas científicas de maior circulação no meio acadêmico nacional.
Harris (2006, p.3)4 afirma que “atualmente existe um vasto corpo de
dados empíricos que embasam a efetividade da ACT”. São notáveis os
resultados apresentados pela Terapia de Aceitação e Compromisso nos
tratamentos do exibicionismo (FUKAHORI, SILVEIRA; COSTA, 2005), da
depressão (DOUGHER; HACKBERT, 2003; KANTER, BARUCH; GAYNOR,
2006), da dependência de substâncias psicoativas (TWOHIG;
SHOENBERGER; HAYES, 2007; STOOTS, MASUDA; WILSON, 2009), da
dor crônica (TORCH; FOLLETTE, 2006), das psicoses (BACH, 2004) e
dos transtornos de ansiedade (ORSILLO et al., 2004). Existem ainda
estudos que apontam que a ACT chega a atingir índices de 50% de
redução na incidência de re-hospitalização de pacientes esquizofrênicos
com apenas quatro horas de intervenção (BACH; HAYES, 2002).
Tendo em vista que a literatura internacional aponta a ACT como
uma ferramenta clínica de muito valor e utilidade, se faz necessário um
trabalho que introduza o referido modelo no repertório terapêutico dos
4Original em inglês, tradução nossa.
12
analistas do comportamento brasileiros. Pretendemos, neste livro,
apresentar a Terapia de Aceitação e Compromisso no que tange os seus
fundamentos filosóficos, pressupostos, e aplicações. Buscaremos, a partir
de uma criteriosa revisão da literatura, contextualizar a ACT no cenário da
terceira onda da análise do comportamento; elencar conceitos
fundamentais que embasam o modelo de intervenção; e identificar
possíveis cenários de aplicação da referida psicoterapia.
Esperamos que esta obra sirva de incentivo aos que difundem a
ciência do comportamento e auxilie na expansão do leque de tecnologias
comportamentais à disposição dos terapeutas brasileiros. As discussões
levantadas aqui não ambicionam esgotar o tema muito menos dar caráter
de verdade às conclusões extraídas dos dados encontrados. Afinal de
contas como ensinam Hayes, Strosahl e Wilson (1999, p.19) 5:
O critério de verdade do contextualismo é o sucesso. Análises são
verdadeiras apenas em termos do cumprimento de determinadas metas.
Desse modo, a verdade é sempre local e pragmática. A sua verdade
pode não ser a minha, porque podemos ter objetivos bastante diferentes.
5Original em inglês, tradução nossa.
13
2
O MOVIMENTO HISTÓRICO DA TERAPIA
COMPORTAMENTAL
A Terapia Comportamental, uma forma bastante específica de
psicoterapia, está ancorada cientificamente na Análise do Comportamento
que, por sua vez, possui raízes filosóficas no Behaviorismo Radical proposto
por B.F. Skinner (VERMES; ZAMIGNANI; MEYER, 2010). Tal afirmação dá
margem à construção da imagem de uma pirâmide epistemológica (Fig.1)
onde se pode observar a relação estabelecida entre estes três níveis de
análise. Na base da pirâmide situa-se o campo filosófico conhecido como
Behaviorismo Radical, conjunto de postulados e explicações que
ambicionam estabelecer um modelo de entendimento do ser humano.
No segundo nível, encontra-se a Análise do Comportamento, ciência que
utiliza a filosofia skinneriana para confeccionar um sistema de
interpretação dos fenômenos psicológicos. Tomando como base o
Figura 1 – Pirâmide da Hierarquia Epistemológica
Terapia
Comportamental
Análise do
Comportamento
Behaviorismo
Radical
• Campo de Saber Científico:
produções reflexivas, interpretativas,
empíricas (experimentais e não
experimentais) e aplicadas.
• Campo Filosófico:
Conjunto de
postulados. Descrição
de assunções e
padrões.
• Campo Prático: modalidade de
psicoterapia. Conjunto de tecnologias e
ferramentas interventivas.
14
comportamento, compreendido como uma interação entre indivíduo e
ambiente, realiza esforços para entender, sistematizar dados, explicar,
descrever, prever, controlar e intervir no comportamento humano. O terceiro
e último nível desta pirâmide é constituído pela Terapia Comportamental
que pode ser compreendida como a aplicação direta das contribuições
teóricas da Análise do Comportamento. É uma modalidade de práticas e
tecnologias que busca, utilizando o conhecimento disponível sobre o
comportamento humano, transformar a realidade (ULIAN, 2007).
Ao contrário do que se geralmente veicula na literatura psicológica,
a psicoterapia de base comportamental tem passado por diversos períodos
de reestruturação (VERMES; ZAMIGNANI; MEYER, 2010). Há muito foi
ultrapassada a psicologia estímulo-resposta e seus métodos laboratoriais,
e nas últimas décadas foi apresentada à comunidade científica e aos
clientes uma clínica comportamental bastante reformulada. A terceira onda,
ou terceira geração, da Terapia Comportamental reinventou o setting
terapêutico e trouxe o indivíduo – tanto aquele que procura ajuda porque
sofre quanto aquele que sofre porque tenta, juntamente com o primeiro,
superar o sofrimento – para o centro do palco terapêutico.
A chamada Primeira Onda, ou primeira geração, da Terapia
Comportamental surgiu em 1913 com a publicação de Watson A psicologia
vista por um behaviorista (VERMES; ZAMIGNANI; MEYER, 2010). Tida
por muitos como o marco inicial da Terapia Comportamental, esta
publicação ficou conhecida como o “Manifesto Behaviorista”. O
behaviorismo watsoniano, ou clássico, foi marcado pela forte influência
de Pavlov. Outra característica desse momento foi a crença de que um
programa de pesquisa bem estruturado seria capaz de identificar ao menos
um estímulo incondicionado ou condicionado que antecedesse toda e
qualquer resposta. Segundo Vermes, Zamignani e Meyer (2010) esta forma
de atuar ficou conhecida por “psicologia S-R” ou psicologia do estímulo-
resposta e manteve-se como protagonista do movimento behaviorista até
os anos 40, momento no qual Skinner elucidou os mistérios do
comportamento operante (VANDENBERGHE, 2007).
Os anos 50 figuraram como o ápice da primeira geração da Terapia
Comportamental, o movimento que surgiu como uma tentativa de substituir
a Psicoterapia Existencial, entendida, pela comunidade científica, como
ineficaz e pouco embasada nos princípios empiristas, trouxe em seu bojo
15
as formulações de Wolpe sobre o processo de Inibição Recíproca que
são o cerne da técnica, ainda atual, de dessensibilização sistemática.
Seu foco era principalmente a eliminação de respostas inadequadas,
entretanto o condicionamento de respostas funcionais já aparecia, mesmo
que superficialmente, como objetivo terapêutico. Os terapeutas da primeira
onda carregavam, com muito empenho e honra, a bandeira do rigor
metodológico e definiram o laboratório como “terra sagrada”. Apesar dos
progressos obtidos na área das teorias do aprendizado a partir da
conceituação do comportamento operante, sua transposição para o
campo clínico não foi muito exitosa na época. Os terapeutas foram bastante
superficiais quanto à sua operacionalização, razão pela qual as técnicas
utilizadas nunca surtiam o efeito esperado e pareciam até mesmo inocentes
(VANDENBERGHE, 2007). Como exemplo disto têm-se o reforçamento
de sorrisos e verbalizações otimistas em pacientes deprimidos (COONS1
apud VANDENBERGHE, 2007) e a instalação de um programa de
economia de fichas para solucionar problemas relacionais entre casais
(STUART2 apud VANDENBERGHE, 2007).
Com o advento dos modelos cognitivos nos anos 70, que chegaram
a tomar para si a predominância do campo do tratamento da ansiedade
há muito dominado pelo comportamentalismo (VERMES; ZAMIGNANI;
MEYER, 2010), surge a Segunda Onda da Terapia Comportamental. Ao
manter o ideal empirista de ciência e sustentar, o rigor metodológico da
geração anterior, os “modificadores de comportamento” deixaram de lado
o interesse pelo desenvolvimento terapêutico e suas energias se voltaram
para os controles experimentais rigorosos e para uma tentativa de
transposição dos progressos obtidos no laboratório para osetting clínico.
Diante das dificuldades de compreender e explicar, principalmente os
comportamentos encobertos (emoções, fantasias, sonhos etc.), surge o
princípio cognitivo que reza que sentimentos e comportamentos
interpessoais são mediados pela cognição, estabelecendo-se então um
novo paradigma que contrastava com o proposto por Skinner.
1COONS, W. Psychotherapy and verbal conditioning in behavior modification. Canadian
Psychologist , [S.l.], vol. 13, p. 3-29, 1972.
2STUART, R. Operant-interpersonal treatment for marital discord. Journal of Consulting and
Clinical Psychology , [S.l.], vol.36, p.675-682, 1969.
16
Vandenberghe (2007) comenta ainda que esta situação terminou por gerar
muitas críticas de ordem paradigmática e epistemológica.
Os anos 80 foram destacados, na história do behaviorismo, como
um período de grande avanço na teoria comportamental (VERMES;
ZAMIGNANI; MEYER, 2010). A terceira geração da AC surge trazendo o
retorno à psicoterapia vivencial superando a mera aplicação de técnicas
como método de tratamento. As epistemologias não-lineares e pouco
ortodoxas como o construtivismo social e as releituras contextualistas do
behaviorismo radical assumiram posição central na agora chamada
Análise Clínica do Comportamento, rótulo que, segundo Vandenberghe
(2007), compreende fundamentalmente quatro modelos clínicos:
Psicoterapia Analítico Funcional (FAP), Terapia de Aceitação e
Compromisso (ACT), Terapia Comportamental Dialética (DBT) e Terapia
Comportamental Integrativa de Casal (ICBT).
A adoção da filosofia analítico funcional marcou profundamente o
modo de fazer clínica dos terapeutas comportamentais dessa geração. A
ênfase na vivência genuína e a grande relevância assumida pela relação
terapêutica fizeram com que a meta da psicoterapia se expandisse e a
construção de um repertório amplo e flexível para uma interação saudável
com o mundo fosse adotada como foco das intervenções (VERMES;
ZAMIGNANI; MEYER, 2010). A terceira onda da Terapia Comportamental
reduziu a importância das psicopatologias e aumentou o nível de atenção
para as formas particulares com que cada indivíduo vivencia o cotidiano.
Temáticas-tabu, anteriormente desconfortáveis para os terapeutas
comportamentais como emoções, motivação, comportamento verbal
(pensamentos, sentimentos e demais cognições) e o complexo mundo
das relações simbólicas, passaram, a partir da década de 80, a ser centrais
nas intervenções clínicas. Essa ampliação do leque de atuação dos
psicoterapeutas se deu, também, por conta da expansão do nível de
compreensão do comportamento humano. O modelo causal da origem
dos comportamentos e os três níveis de seleção comportamental
apontados por Skinner (2007a) passaram a ser mais bem explorados
uma vez que o entrelaçamento da cultura, enquanto contexto verbal/social,
com a filogênese e a ontogênese ficou mais claros a partir das
contribuições na área das metacontingências (MOREIRA; MARTONE;
TODOROV, 2005) e dos quadros relacionais (HAYES, 2004).
17
Essa complexa teia de relações, que gera como produto final as
formas pelas quais interagimos com o mundo, é chamada de repertório
comportamental (JÚNIOR; SOUZA, 2006). Como nunca será possível dois
indivíduos possuírem as mesmas experiências filo e ontogenéticas e
culturais, nunca existirão repertórios de comportamento idênticos, daí
então, surge a perspectiva skinneriana do caso único que prega o estudo
e consequente intervenção particular e individual para cada cliente
(SKINNER, 2007a). Uma das inúmeras contribuições de Kohlenberg e
Tsai (2010) para o avanço das tecnologias comportamentais na clínica
diz respeito a esta perspectiva de estabelecer relacionamentos intensos e
curativos com os clientes. A relação terapêutica, segundo os autores
citados, estabelece-se como um encontro muito distinto entre dois seres
humanos. Afastando-se da assunção de que a relação terapêutica é um
mero cenário, assume-se que ela pode ser vista como instrumento de
mudança comportamental. Uma vez que esta relação é uma interação
social, que apesar de suas particularidades reflete as características dos
relacionamentos estabelecidos pelos clientes no mundo fora do setting
clínico, deve-se utilizá-la como anteparo para os processos de
aprendizagem comportamental.
Vermes, Zamignani e Meyer (2010) apontam que todo
comportamento existe por um bom motivo, o que significa dizer que todo
comportamento traz algum benefício para o indivíduo. A terceira onda da
Terapia Comportamental instaurou como primeiro passo do terapeuta no
caminho para a mudança a descoberta de quais variáveis ambientais
foram responsáveis por instalar e quais são responsáveis por manter o
comportamento de interesse do cliente. Esse processo vem sendo
chamado com certa frequência de “análise funcional do comportamento”.
A despeito de tal informação, existem autores que discordam de tal
nomenclatura, e sugerem o termo “análise de contingências” como mais
adequado para intitular tal intervenção (ULIAN, 2007).
A terceira geração da Terapia Comportamental foi de encontro à
concepção absolutamente equivocada de que o behaviorismo e as
psicoterapias apoiadas nesse sustentáculo filosófico ignoram ou dão
pouco valor aos eventos internos do organismo, por exemplo, sentimentos
e sonhos – crença essa que tem origem numa compreensão parcial da
história dos movimentos da Terapia Comportamental (VERMES;
18
ZAMIGNANI; MEYER, 2010). Skinner (2007a) desde que iniciou suas
análises comportamentais percebeu que o mundo interno é tão importante
quanto o mundo diretamente observável, a única diferença entre eles está
situada na capacidade de acessar os eventos de interesse. Tanto os
encobertos ou internos quanto os comportamentos públicos ou observáveis
são produzidos pela interação do indivíduo com o ambiente, desse modo
a importância deles se equivale e o terapeuta deve dedicar esforços
similares para compreendê-los (BLACKLEDGE; HAYES, 2001).
Como exposto, as terapia comportamentais vêm sofrendo mudanças
significativas nas últimas décadas. A passagem das três gerações não foi
estanque ou eminentemente abrupta. Como todo processo histórico muitas
idas e vindas ocorreram e até hoje é possível encontrar terapeutas
comportamentais fazendo uso, muitas vezes com êxito, de técnicas
surgidas nos tempos de Watson (VERMES; ZAMIGNANI; MEYER, 2010).
É nesse contexto de mudança e renovação que nasce da pena de Steven
Hayes, a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT). Em consonância
com seus contemporâneos Kohlenberg, Tsai, Jacobson, Christensen e
Linehan, Hayes, psicólogo estadunidense ligado a Universidade de Reno
(Nevada), está revolucionando a Terapia Comportamental desde os anos
80. A seguir será desenvolvida uma exposição dos fundamentos filosóficos,
dos pressupostos teóricos, do modelo de psicopatologia e de algumas
técnicas clínicas da ACT com o intuito de difundir os conhecimentos
sobre o tema em território brasileiro, expandir o repertório clínico dos
terapeutas comportamentais do país e motivar novos estudos que
complementem a literatura.
19
3
 TERAPIA DE ACEITAÇÃO E COMPROMISSO
Nos idos de 1980, Steven Hayes, psicólogo estadunidense, começou
a confeccionar, juntamente com seus colaboradores da Universidade
Reno, Nevada, um modelo clínico de intervenção que estava de acordo
com os postulados da terceira geração de analistas do comportamento.
Entretanto, por acreditar que suas formulações ainda eram pouco
desenvolvidas, aguardou quase vinte anos até publicar o primeiro livro
sobre tal modelo (HARRIS, 2009). Nascia, então, a Terapia de Aceitação
e Compromisso, única psicoterapia desenvolvida conjuntamente com seu
próprio programa de pesquisa básica – Teoria dos Quadros Relacionais
(RFT) – que tem como campo de investigação a área de cognição e
linguagem humana.
A ACT – lida como a palavra act, ação em inglês – vem sendo
criticada pela dificuldade em ser classificada. Harris (2008) aponta que
sua melhor localização epistemológica situa-se no grupo das “terapias
existenciais humanísticas cognitivo-comportamentais”.Fundada no fértil
terreno da análise do comportamento em pleno movimento terceiro ondista
a ACT agrega aos princípios comportamentais básicos o mindfulness1 e a
aceitação como formas de intervir nos mais diversos grupos de pessoas
acometidas por psicopatologias. Segundo Fukahori, Silveira e Costa
(2005), a ACT é uma alternativa psicoterápica não aversiva que apresenta
boa interação com o tratamento medicamentoso, uma vez que este último
facilita a aceitação dos sentimentos e pensamentos desagradáveis. Quanto
ao seu objetivo, Hayes, Strosahl e Wilson (1999) esclarecem que é ajudar
o cliente a criar uma vida rica, completa e com sentido enquanto se aceita
1Mindfulness, segundo Vandenberghe e Sousa (2006), é uma forma específica de atenção plena.
É a atitude intencional e não valorativa de concentrar-se no momento atual. Harris (2009) vai além
e afirma que mindfulness é prestar atenção com flexibilidade, abertura e curiosidade.
20
a dor que essa vida, inevitavelmente, trará. Um dos focos do terapeuta da
ACT está na definição e esclarecimento de valores que possam dirigir o
cliente neste modo único de viver. Utilizando os princípios da aceitação e
do contato por inteiro com o momento presente busca-se reduzir o impacto
dos pensamentos intrusivos e sentimentos aversivos no comportamento
do indivíduo que procura tratamento.
Harris (2009, p. 33)2 aponta que a ACT é o “mais alto dos três andares
de uma fabulosa mansão”. Neste edifício metaforizado pelo autor, o segundo
andar seria povoado pela Teoria dos Quadros Relacionais, o primeiro
pela Análise Aplicada do Comportamento (ABA) e o terreno sobre o qual foi
erguido este “empreendimento imobiliário” seria composto pelo
Contextualismo Funcional (FC) (Fig. 2). Apesar de a imagem idealizada
pelo autor estar visivelmente enviesada, levando-se em consideração a
grandiosidade da adjetivação, a sua forma torna clara a robustez estrutural
construída pelos criadores da ACT. Como já exposto em seções anteriores
Hayes precisou de quase 20 anos para satisfazer-se com sua obra, esta
situação deu margem ao desenvolvimento de pesquisas de base e
construções teóricas que embasaram a prática clínica. Harris (2008)
aponta que a Terapia de Aceitação e Compromisso é passível de ser
2Original em inglês, tradução nossa.
Fonte: Adaptado de HEASTON, 2010.
RFT
Figura 2 – Metáfora do Empreendimento Psicoterápico
FC
ACT
ABA
21
aplicada apenas à nível técnico com grandes possibilidades de êxito
terapêutico, contudo Hayes, Strosahl e Wilson (1999) vão ao encontro do
primeiro autor quando concordam que a compreensão filosófica e teórica
das raízes da ACT abrem espaço para a inovação e variabilidade
interventiva.
3.1 Base Filosófica
Um observador que dispenda alguns instantes admirando os andares
mais altos da mansão da ACT (Fig. 2) será capaz de perceber através da
decoração das paredes e da mobília, ou melhor, das práticas interventivas
e assunções clínicas, que existe um conjunto de formulações, métodos e
metas bem determinadas. Hayes, Strosahl e Wilson (1999) afirmam que
uma filosofia é a descrição de assunções e padrões de maneira não-
avaliativa, consequentemente, filosofar seria então a atitude de assumir
postulados. O terreno sobre o qual foram erguidos os alicerces do referido
empreendimento psicoterápico, ou seja, a base estrutural desse sistema
de compreensão é conhecida como Contextualismo Funcional (FC)
(HARRIS, 2008, 2009; HAYES, 2004; HAYES; STROSAHL; WILSON, 1999).
O FC é uma variedade do pragmatismo e apenas uma das tradições
filosóficas abarcadas pelo Behaviorismo Radical (SKINNER, 2007a). Sua
unidade analítica nuclear é a ação em curso num determinado contexto,
e os componentes principais de uma análise contextualista funcional são:
a) o foco no evento como um todo; b) a sensibilidade para o papel do
contexto na compreensão da natureza e da função do evento em análise;
c) a ênfase no critério pragmático de verdade; e por último d) metas
científicas específicas para a aplicação de tal critério. Quando se busca a
abertura prática que ACT herda do FC é possível encontrar diversos
aspectos, desde a formatação das entrevistas iniciais às técnicas de
estabelecimento e esclarecimento de valores. O contextualismo funcional,
através do seu ramo clínico, a saber, a ACT, interessa-se pelo papel que
exercem os eventos psicológicos, definidos por Hayes (2004, p. 646) 3
como “o conjunto de interações em curso entre organismos como um
todo e contextos definidos histórica e situacionalmente”, em determinados
3Original em inglês, tradução nossa.
22
contextos. Dois questionamentos auxiliam nas análises embasadas no
FC: 1) Em que circunstâncias/contextos ocorre tal evento? e 2) O que se
consegue a partir desse evento? (HARRIS, 2006).
Dentro da concepção dessa base filosófica não há espaço para
nenhum tipo de reducionismo uma vez que a consideração holística do
contexto deve abranger todos os tipos de variáveis (biológicas, psicológicas
e culturais). Em decorrência de tal assunção o sentido de uma análise
que privilegie algum desses aspectos se perde. Outro postulado de raiz
filosófica que se faz muito presente nas intervenções dos terapeutas da
ACT diz respeito ao critério de verdade. O contextualismo funcional adota
como verdadeiro tudo aquilo que funciona para o cumprimento de uma
meta específica, postulado este que embasa o conceito workability4,
livremente traduzido por nós para a língua portuguesa como utilidade. É
comum que em sessões clínicas os clientes da ACT sejam confrontados
com perguntas do tipo: “A que propósito serve essa atitude?”, ou ainda,
“Essa estratégia comportamental é realmente útil?” e frente às respostas
obtidas se assume o compromisso com a mudança e o desenvolvimento
de repertórios comportamentais mais ricos e flexíveis (HARRIS, 2006).
Uma análise contextualista funcional deve possuir: 1) precisão (deve
ser específica para um determinado fenômeno); 2) alcance (deve
descrever a extensão de uma gama de fenômenos); e 3) profundidade
(deve apresentar coerência entre os três níveis de seleção
comportamental) (HAYES, 2004). O objetivo de uma análise como a
descrita é, simultaneamente, prever e influenciar realidades. Uma vez que
o contexto é a única possibilidade de manipulação que se oferece ao
terapeuta, vale frisar o valor inestimável de uma acurada análise das
variáveis ambientais. A ACT herda do FC a especificidade interventiva ao
passo que, enquanto configura-se como aplicação clínica de uma filosofia
realista, rejeita terminantemente a ontologia. Sendo assim não é
considerada a essência dos eventos, a verdade não é julgada por sua
natureza e sim por sua utilidade (ou função) num determinado contexto.
Por conta de todas essas características citadas a ACT floresce num
4A tradução literal do termo é trabalhabilidade, entretanto a tradução da sentença “it´s true if it
works.” (HAYES; STROSAHL; WILSON, 1999, p. 20) - é verdade se funciona – indica que é
mais adequado adotar o significante utilidade como correlato em língua portuguesa para o conceito.
23
terreno onde metas, que mais tarde ficam caracterizados como valores,
são indispensáveis (HAYES; STROSAHL; WILSON, 1999). A metáfora da
cadeira de três pernas é capaz de sintetizar adequadamente o desenho
filosófico do FC:
Imagine que alguma coisa aconteceu a esta cadeira, e então uma de
suas pernas saiu do local em que estava originalmente instalada. Você
descreveria esta cadeira como “quebrada”, ou “faltosa”, ou
“danificada”? Você a chamaria de “cadeira disfuncional”, ou então
“cadeira mal adaptativa”? Eu tenho feito essas perguntas a centenas
de terapeutas e eles sempre dizem “sim” à pelo menos uma delas. O
problema é que essa resposta instintiva – “Sim, existe algo errado,
faltoso, ou prejudicado nessa cadeira” – esquece de levar em
consideração todo o contexto da situação. Pensemos em pelo menos
três ou quatro contextos em que nós poderíamos dizer que essa cadeira
funciona efetivamente aos nossos propósitos: pregar uma peça em
alguém; criar uma exibição de arte com mobíliasquebradas; demonstrar
problemas de design numa aula de construção de mobília [...] Em
todos esses contextos essa cadeira funciona muito efetivamente. Este
exemplo ilustra como o contextualismo funcional ganha o seu nome:
ele olha como as coisas funcionam em determinados contextos.
(HARRIS, 2009, p. 34-35) 5
3.2 Raízes Teóricas
A ACT, numa metáfora bastante usual, é apenas a ponta de um
iceberg (HARRIS, 2006). Já foi relatado que na sua base estrutural está a
filosofia contextualista funcional, mas é de um campo intermediário que
surgem suas alternativas práticas e a força motriz que impulsiona a
pesquisa básica na área. A Terapia de Aceitação e Compromisso nasce
conjuntamente com o desenvolvimento da Teoria dos Quadros Relacionais
(RFT) (HAYES; BARNES-HOLMES; ROCHE, 2001). Na pena de Harris
(2006) a RFT é um programa de pesquisa básica em linguagem e
cognição humana que inova o campo e supera a aproximação Skinneriana
desses fenômenos.
5Original em inglês, tradução nossa.
24
Segundo Hayes, Barnes-Holmes e Roche (2001) o núcleo da
linguagem e da cognição humana reside na habilidade de aprender a
derivar eventos sob controle contextual arbitrário. Dito de outra maneira,
os autores se referem à capacidade, exclusivamente humana, apresentada
após 14-16 meses de vida, de relacionar eventos e prescindir de instrução
direta para estabelecer novos aprendizados (HARRIS, 2009). A sentença
“relacionar eventos” se refere ao comportamento de organizar diferentes
experiências (tanto privadas, como sentimentos, sensações, memórias,
pensamentos, entre outras cognições, quanto públicas) que compartilham
algum tipo de função em conjuntos chamados quadros relacionais. Por
exemplo, a palavra “FOGO”, o som da palavra “FOGO”, a imagem de
chamas e a sensação aversiva causada pelo contato da pele com as
chamas podem ser eventos pertencentes a um mesmo quadro relacional
de um determinado indivíduo.
 À capacidade de ampliar as redes relacionais através do
estabelecimento de novas relações dá-se o nome de derivação relacional.
Outra característica constituinte da cognição humana é a capacidade de
derivar relações a partir de propriedades não formais dos eventos (HAYES;
BARNES-HOLMES; ROCHE, 2001). O exemplo clássico para essa
propriedade é o controle arbitrário ao qual estão submetidas as moedas
de 5 e 10 centavos. Uma criança que está dando os primeiros passos no
aprendizado das relações financeiras deve afastar-se da lógica que aponta
o tamanho físico dos objetos como indicativo do seu valor. A criança deve
então aprender que a moeda de 10 centavos apesar de menor em tamanho
vale mais que a de 5 centavos. O valor aplicado ao evento não diz respeito
à propriedade física do objeto, mas sim ao que foi estabelecido pela
comunidade verbal como mais e menos valioso.
A RFT tem sido uma das áreas mais ativas em pesquisa básica da
última década e tem apresentado forte suporte empírico para seus
postulados (HAYES; BARNES-HOLMES; ROCHE, 2001). Nessas pesquisas
foram descobertas três propriedades fundamentais dos quadros relacionais
que serão detalhadas a seguir:
a) Bidirecionalidade: também denominada de implicação mútua,
esta propriedade acena para a possibilidade de que após uma instrução
direta do tipo A = B, um humano seja capaz de derivar a relação B = A.
Suponhamos que um indivíduo, com domínio exclusivo da língua
25
portuguesa, está pela primeira vez assistindo a uma aula de finlandês. A
primeira instrução que o professor lhe dá é que o conjunto de letras, ou
seja, a palavra sitruuna é equivalente em finlandês à palavra limão em
português. Mesmo sem ter sido ensinada a relação inversa (palavra limão
é equivalente a palavra sitruuna), o indivíduo frente ao questionamento
“Qual a palavra em finlandês para limão?” é capaz de responder com
convicção: sitruuna;
Figura 3 – Propriedade de Bidirecionalidade ou Implicação Mútua
 b) Implicações Combinatórias: esta propriedade diz respeito à
capacidade de a partir de instruções diretas do tipo A = B e B = C, derivar
relações inéditas entre os diferentes eventos do tipo A = C, C = A, B = A e C
= B. Esta derivação ocorre na proporção de x², em que o x equivale ao
número de relações diretamente aprendidas. Esta propriedade justifica o
rápido desenvolvimento da cognição humana a partir dos 16 meses de
vida, uma vez que no princípio da vida são infinitas as instruções recebidas
a potenciação quadrática desse número dá o resultado final do número
de relações derivadas que passam a povoar a rede relacional do indivíduo.
Continuando o exemplo anterior, o mesmo indivíduo que aprendeu
anteriormente que o conjunto de letras sitruuna equivale à palavra limão
recebeu agora, numa aula de francês, a instrução de que a palavra francesa
citron equivale à palavra portuguesa limão. Daí, então, o indivíduo é capaz
de derivar as seguintes relações: limão = citron, limão = sitruuna, citron =
sitruuna e sitruuna = citron. Tendo sido ensinado apenas que a palavra
sitruuna significa limão em finlandês, e que citron significa limão em
francês, o indivíduo do exemplo aprendeu, por si só, a palavra francesa
para sitruuna, a palavra finlandesa para citron, a palavra portuguesa para
sitruuna e a palavra portuguesa para citron;
Sitrunna = Limão
Instrução Direta Derivação
Limão = Sitrunna
Quadro Relacional
Limão = Sitrunna
Sitrunna = Limão
26
Figura 4 – Propriedade de Implicações Combinatórias
c) Transformação da função do estímulo: muitas vezes confundida
com a propriedade de equivalência de estímulo, diz respeito à capacidade
de um evento relacional derivado adquirir as propriedades funcionais de
um outro evento, mesmo que não existam semelhanças morfológicas
entre eles. Se o mesmo indivíduo do exemplo anterior gostasse muito de
suco de limão, e durante uma viagem à França alguém lhe oferecesse
um suco de citron, a probabilidade de esse indivíduo aceitar a oferta seria
alta. Mesmo nunca tendo vivido experiência diretas com um suco de
citron, a partir da equivalência dos estímulos citron e limão, o indivíduo
aprende que o suco de citron é tão saboroso quanto o suco de limão. E a
mesma situação se aplicaria ao suco de sitruuna.
A linguagem cotidiana à qual estamos expostos dá a esta capacidade
de enquadramento relacional (derivar relações, incluir essas relações
numa rede e transferir funções entre estímulos) o nome de “pensamento”.
Outros vão além e chamam esse comportamento de “mente” ou ainda,
cognição (HARRIS, 2006). Hayes, Barnes-Holmes e Roche (2001) chamam
a atenção para a diversidade das relações que podem ser aprendidas.
Nos exemplos acima apenas a relação de equivalência (igualdade) foi
citada, entretanto, como aponta Saban (2011) relações de diferenciação
(diferente de), comparação (melhor/pior do que), entre outras, são
igualmente importantes na expansão cognitiva em seres humanos.
A importância clínica da Teoria dos Quadros Relacionais para a
ACT se dá na medida em que fica perceptível a rapidez com que os
quadros relacionais se expandem e que as funções dadas à um evento
tendem a alterar a função de outro membro de uma mesma classe
Sitrunna = Limão
Sitrunna = Citron
Instrução Direta Derivação
Limão = Sitrunna
Citron = Sitrunna
Limão = Citron
Citron = Limão
Sitrunna = Limão
Sitrunna = Citron
Limão = Sitrunna
Citron = Sitrunna
Limão = Citron
Citron = Limão
Quadro Relacional
27
relacional conforme compartilham algum tipo de propriedade. Desse
modo, é plausível especular o perigo do aprendizado e inclusão do evento
psicológico “Eu” numa cadeia de significantes como, por exemplo,
“depressão”, “doença” e “suicídio”. A RFT tem sido utilizada pelos
comportamentalistas para explicar uma série de eventos clínicos como,
por exemplo, a depressão, o preconceito, o auto-conceito, o misticismo,
entre outros (HAYES; BARNES-HOLMES; ROCHE, 2001). Na tentativa de
esclarecer a aplicabilidade da Teoria dos Quadros Relacionais no contexto
clínico, Harris (2006 , p.3) 6 propõe a análise do estabelecimento de um
quadro de ansiedade:
Para efeitos ilustrativos, imagine uma criança pequenaque ouve que
ela está passeando num “BARCO”, e logo em seguida ela experiencia
um grande enjoo por conta do balanço das ondas (por condicionamento
respondente a palavra “BARCO” se torna um aversivo). Em uma aula
na escola, essa mesma criança aprende que um “Ferryboat” é uma
espécie de barco. Mais tarde então a criança ouve que irá viajar pela
primeira vez num “ferryboat”, ela então passa a demonstrar sinais de
ansiedade apesar de nunca ter experenciando uma viagem de
ferryboat. Esse efeito se baseia na aquisição de funções respondentes
de “barco” e na derivação relacional entre “barco” e “ferryboat”. Em
efeito a criança não precisa experimentar as possíveis consequências
aversivas de viajar num ferryboat em águas agitadas para mostrar
sinais de ansiedade.
Outra base teórica na qual se sustenta a ACT denomina-se Análise
Aplicada do Comportamento (ABA). A ABA pode ser compreendida como a
extensão interventiva da AC. Enquanto na Análise Experimental do
Comportamento os interesses do profissional estão dirigidos pelos seus
próprios valores, na análise aplicada do comportamento, segundo Ferster
(1979), ele é obrigado a se engajar em qualquer problema que o cliente
trouxer. Esta poderosa tecnologia intenciona a previsão e a influência
comportamental. Baseada na teoria de aprendizagem e nos princípios
comportamentais básicos exporta para a ACT, entre outras práticas, a
análise da tríplice contingência (HARRIS, 2009). Nesse sentido,
estabelece-se como ponto de partida para a mudança comportamental a
chamada análise ABC, na qual A refere-se aos antecedentes – o que inclui
6Original em inglês, tradução nossa.
28
eventos privados, estados físicos e fatores ambientais -, o B à resposta em
estudo, e o C às consequências da ação.
Por estar no campo prático, ou seja, em contato direto com os
eventos de interesse dos analistas do comportamento, a ABA exerce uma
função primordial para o desenvolvimento da Ciência do Comportamento:
abastecer os pesquisadores e teóricos das áreas de experimentação e
filosofia com os problemas e desafios impostos pela realidade (HAYES;
STROSAHL; WILSON, 1999). E é nesse sentido que os terapeutas da ACT
têm trabalhado, há mais de 20 anos. O fomento às pesquisas de base, o
incentivo à criatividade nas tecnologias clínicas e a constante difusão do
conhecimento são as formas mais eficientes de se manter uma íntima
relação entre filosofia, teoria e prática.
3.3 Modelo de Psicopatologia
Segundo Kessler et al.(19947 apud HAYES; STROSAHL; WILSON,
1999), em qualquer ano, a prevalência de índices de desordens mentais
chega a 30% da população. O fato mais marcante da humanidade seria,
então, a dificuldade de ser feliz. Diferentemente dos outros animais, abrigo,
comida, bebida, calor, estimulação, diversão e saúde física não são
suficientes para trazer felicidade aos humanos. Sob influência direta das
formulações da RFT um dos pressupostos da ACT reza sobre a
capacidade destrutiva da linguagem, e por um infortúnio contingencial, a
espécie humana foi agraciada com essa ferramenta. Hayes, Strosahl e
Wilson (1999) afirmam que “o sofrimento é característica básica da vida
humana” (p.1, tradução nossa), e sendo assim a não aceitação dessa
condição é o principal fator a ser combatido durante um processo
psicoterápico. O modelo de psicopatologia da ACT pode ser representado
por um hexágono (Fig. 3) no qual cada um dos vértices representa um dos
processos que, segundo os autores, contribuem para o sofrimento humano
e que, quando interagem entre si, dão origem à inflexibilidade psicológica,
ou rigidez comportamental.
7KESSLER, R; McGONAGLE, K; ZHAO,S; NELSON, C; HUGHES, M; ESHLEMAN, S;
WITTCHEN, H; KENDLER, K. Life time and 12-month prevalence of DSM-III-R psychiatric
disorders in the United States: Results from the National Comorbity Study. Archives of General
Psychiatry, [S.l], vol. 51, p.8-19.
29
Mesmo conhecendo a indicação de Hayes, Strosahl e Wilson (1999)
de que os processos nunca ocorrem individualmente e que a riqueza da
psicopatologia está nas relações entre os vértices (representadas pelas
linhas do hexágono), a seguir abordaremos, por razões didáticas,
separadamente, cada um dos núcleos patológicos que compõem o
modelo de psicopatologia8 da Terapia de Aceitação e Compromisso, e
ilustraremos a explanação com algumas técnicas utilizadas na reversão
de tais processos.
3.3.1 Fusão Cognitiva
Também conhecida como contexto de literalidade, é definida como
o processo psicológico no qual o indivíduo tende a dar caráter literal aos
Esquiva de
experiência
Falta de clareza de
valores;
predominância da
influenciabilidade e
da esquiva de
situações
Fusão Cognitiva Inércia, impulsividade e
persistência na esquiva
Fonte: HAYES, S; PISTORELLO, J; BIGLAN, A. p.81-104, 2008
Figura 5 – Modelo de Psicopatologia da ACT
8 Vale ressaltar que, segundo Saban (2011), a ACT entende psicopatologia como comportamentos
que possuem componentes aversivos, o que exclui patologias de origem orgânica.
Predominância do passado conceitual e de
um futuro temido; baixo autoconhecimento
Inflexibilidade
psicológica
Atrelamento ao eu-conceitual
30
eventos privados. Pensamentos, sentimentos, memórias e sensações
fundem-se à identidade do indivíduo que, desse modo, passa a operar a
partir da realidade criada pela sua cognição, o que acarreta o afastamento
das respostas comportamentais dos antecedentes disponíveis no
ambiente na forma como se apresentam. Saban (2011, p.23) ensina que
“quando se identificam com seus eventos privados [...] as pessoas os levam
muito a sério e, consequentemente, sofrem além do necessário”. O
funcionamento comum da comunidade verbal ensina aos indivíduos a
buscar sentidos para o mundo debaixo da pele e criar coerência entre
eles, o problema apontado por Hayes, Strosahl e Wilson (1999) reside na
arbitrariedade com que isso é feito. Como resultado desse modo de
funcionar, surgem as relações em que sentimentos aparecem como
causas de comportamentos e consequentemente devem ser evitados, o
que obriga o indivíduo a lutar contra uma parte significativa de si mesmo.
As técnicas de desfusão cognitiva ou desliteralização visam corroer a
estreita relação verbal que, por aprendizado relacional, estabelece funções
para estímulos privados (HAYES et al., 2004). Através dos paradoxos,
metáforas, exercícios como os de mindfulness e a Repetição de Titchner
o indivíduo aprende a interagir de modo mais saudável com seus eventos
internos. O cliente aprende, então, que cognições são apenas
comportamentos que ocorrem no “aqui” e “agora”, e logo em seguida
serão precedidos dos por outros. Em prol de alcançar êxito, os terapeutas
da ACT devem ensinar seus clientes a perceberem as armadilhas da
linguagem e prepará-los para abandonar a luta contra seus eventos
privados (HARRIS, 2008).
3.3.2 Esquiva experiencial
Saban (2011) defende que a habilidade de evitar eventos privados
aversivos é adquirida filogeneticamente. Acrescido a isto existe a regra
social estabelecida e mantida pela cultura ocidental da busca incessante
pela felicidade plena e supressão dos sinais de tristeza. Por sua capacidade
de evitar perigos, a espécie humana sobreviveu às mais difíceis situações,
entretanto, quando se dá a tentativa de importar as técnicas de evitação
do mundo observável para o universo debaixo da pele o resultado é
catastrófico. A atitude de afastar-se de potenciais eventos aversivos (muitas
31
vezes apenas em nível cognitivo) prejudica a conquista de reforçadores e
limita o campo operacional dos indivíduos. As técnicas de combate à
esquiva experiencial são englobadas por Hayes et al. (2004) no núcleo
Aceitação. Etimologicamente, o termo significa “aceitar o que é oferecido”,
a ACT promove tal atitude colocando o cliente em contato com os custos
do controle, fracassado, dos eventos privados. A persuasão verbal e os
insights intelectuais são evitados em favor de intervenções evocativas e
experienciais; nesse sentido o cliente aprende, a partir do contato direto
com as contingências ambientais naturais, queé possível, por mais
intensos que possam parecer, experienciar sentimentos, perceber
sensações corporais, identificar pensamentos e relembrar memórias sem
perigo. Hayes, Strosahl e Wilson (1999) apontam que comportamentos
que geralmente seriam evitados, por conta dos respondentes evocados
concomitantemente, numa terapia embasada na ACT, são perseguidos
no contexto da aceitação da ocorrência de tais respostas.
3.3.3 Predominância do Passado Conceitual e Autoconhecimento
Limitado
Segundo Luoma, Hayes e Walser (2007), a ausência de contato
direto com o momento presente faz com que o comportamento do indivíduo
tenda a seguir programações históricas, o que resulta em baixa
variabilidade e exclui novas topografias de respostas. Indivíduos que estão
fortemente atrelados ao passado conceitual apresentam pouca
consciência do fluxo contínuo dos seus eventos privados, e desse modo,
por condicionamento aversivo, tornam-se propensos a responder
indiscriminadamente às situações. Por este motivo, além de outros citados
por Hayes (2004), existe íntima correlação entre a esquiva experiencial,
autoconhecimento limitado e alexitimia. Hayes, Pistorello e Biglan (2008)
batizaram o conjunto das técnicas de intervenção voltadas para a
modificação deste núcleo patológico de Estar Presente. Tais práticas
promovem o contato constante e não-valorativo com os eventos
psicológicos e do ambiente na medida em que ocorrem. Segundo estes
autores, experienciar as contingências naturais diretamente aumenta a
flexibilidade comportamental e reduz a elaboração de auto-regras
deficientes. Hayes (2004) chama a atenção dos terapeutas para que
32
respeitem o timing dos seus clientes e apenas sugiram alternativas, nunca
imponham seus valores e crenças em forma de novas regras.
3.3.4 Falta de clareza de valores
Luoma, Hayes e Walser (2007) afirmam que pessoas criadas em
famílias caóticas nas quais a vida era imprevisível, e geralmente frustrante,
podem evitar construir seu futuro embasado em valores numa tentativa de
evitar mais perdas e dor. No sistema da ACT, os valores não devem ser
avaliados per si, entretanto servem como balança para que se avalie o
caminho que se está seguindo. Valores são definidos como características
escolhidas para a vida, que são representadas por padrões contínuos de
comportamento. Os autores concebem valores como um modo
conscientemente escolhido de viver uma vida que faça sentido. A ausência,
e/ou falta de clareza desses valores torna a tarefa de selecionar
comportamentos adequados impossível. As técnicas da ACT vislumbram
fomentar a criação de uma “bússola comportamental”, em que o indivíduo
perceba claramente o caminho que deseja conscientemente seguir e a
partir de então estabelecer passos/comportamentos que o direcionem
para tal. Segundo Hayes et al. (2004), valores são ações escolhidas que
nunca podem ser obtidas como objetos, mas apenas ser instanciadas
momento a momento. Os clientes são, então, desafiados a considerar o
que eles querem para suas vidas em diferentes domínios, como, por
exemplo, carreira, família, relacionamentos interpessoais, espiritualidade,
saúde, amizades, crescimento pessoal etc. O objetivo da ACT, enquanto
Terapia Comportamental, é colocar o cliente em movimento para que ele
seja capaz de viver propositada e vitalmente tomando seus valores como
norte (HAYES; STROSAHL; WILSON, 1999).
3.3.5 Impulsividade, Inércia ou Persistência na Esquiva
Este núcleo patológico diz respeito à inabilidade de comportar-se
efetivamente de acordo com os valores eleitos pelo próprio cliente. Metas
de curto prazo (por exemplo, sentir-se bem momentaneamente, estar certo
numa determinada situação, manter o self conceitual) funcionam como
alívio psicológico, geralmente, quando o indivíduo está diante de situações
33
de mudança, como é o caso da experiência de psicoterapia. A partir de tal
constatação, Luoma, Hayes e Walser (2007) apontam que uma pessoa
pode ser consumida, metaforicamente por tais processos e nunca
aventurar-se a novos caminhos (valores) que garantam uma vida mais
profunda, com significado e vitalidade. Os autores afirmam que é como
se o indivíduo “sempre afiasse o machado, nunca conseguindo a chance
de colocá-lo em uso” (p.17, tradução nossa). A ACT concentra no núcleo
Ação Comprometida as estratégias de mudança elaboradas para combater
a inflexibilidade comportamental, tais como definir metas em áreas
específicas, adotar condutas, antecipar barreiras psicológicas, fazer e
manter compromissos (muitas vezes publicamente) de ação. Hayes et al.
(2004) listam a psicoeducação, resolução de problemas, tarefas
comportamentais, treinamento de habilidades e técnicas de exposição
como táticas de intervenção úteis para a reversão dos processos desse
núcleo patológico.
3.3.6 Atrelamento ao “eu” conceitual
O self conceitual define-se por uma coleção de relações verbais
autorreferentes que geralmente são descritivas e avaliativas. Hayes et al.
(2004) dissertam que os indivíduos constroem ao longo das vidas suas
“histórias”, nesse relato estão contidos detalhes históricos, relações de
causa-efeito e explicações para comportamentos atuais que sustentam a
condição do indivíduo. A ACT não busca discutir a validade/veracidade
dos fatos descritos, mas analisar a funcionalidade das relações
estabelecidas. Hayes, Strosahl e Wilson (1999) apontam que não há nada
a ser feito com o eu-estórico, uma vez que ele se tornou tão restrito e
engessado que padrões comportamentais inflexíveis são o resultado
inevitável do mesmo. Estratégias de transformação do sentido de self
começam pelo descolamento do indivíduo da sua estória. Os terapeutas
da ACT têm como objetivo ensinar aos seus clientes a experimentar o self
como um contexto em que eventos privados ocorrem. Exercícios de
tomada de perspectiva (perspective taking) tendem a colocar os indivíduos
em contato direto, efetivo e indefeso com situações antes evitadas. A grande
vantagem apontada por Luoma, Hayes e Walser (2007) do sentido
transcendente de self é a perda de valor aversivo dos conteúdos da
34
consciência, o que permite transformações de função de estímulo e
garante variabilidade comportamental.
3.4 ACT e mindfulness
Enquanto abordagem de terceira geração da AC, a Terapia de
Aceitação e Compromisso, faz uso das técnicas de mindfulness e de
aceitação como meios para atingir o sucesso terapêutico9. Apesar da
aplicação explícita do mindfulness nas psicoterapias comportamentais
datarem dos anos 90, as primeiras ondas da AC já apresentavam
intervenções com elementos característicos dos exercícios de atenção
plena (VANDENBERGHE; SOUSA, 2006). Classens (2010) aponta que a
inserção das práticas de mindfulness na medicina comportamental deu-
se por contribuição do programa de redução do estresse de Kabat-Zinn
nos anos 80. No que tange os resultados empíricos da aplicação dos
treinos de mindfulness, vale frisar, como expuseram Vandenberghe e Sousa
(2006), que este se mostrou eficaz na diminuição de problemas
psicossomáticos, dor crônica, fibromialgia, transtornos de ansiedade,
psoríase e outros.
Kabat-Zinn (198210 apud. VANDENBERGHE; SOUSA, 2006) define
mindfulness como uma forma específica de atenção plena. É a habilidade
de manter a concentração no momento atual de maneira intencional e
sem julgamentos. A prática do mindfulness envolve estar em contato direto
com as contingências atuais e não vagar pelas memórias e pensamentos.
O praticante é convidado a perceber tudo aquilo que lhe ocorre no exato
momento em que se concentra, o indivíduo é então, nas palavras de Kabat-
Zinn, ensinado a abandonar o modo automático de funcionar em prol do
contato pleno com o que o ambiente lhe oferece.
9Sucesso terapêutico deve ser compreendido como a habilidade de entrar em contato
conscientemente com o momento presente de modo a não julgar as experiências internas e
ssumir comportamentos pautados em valores que possam guiar o indivíduo para uma vida
intensa e com sentido (HAYES, 2004).
10 KABAT-ZINN, J. An outpatient program in behavioral medicine for chronicpain patients based
on practice of mindfulness meditation: Theoretical considerations and preliminary results. General
Hospital Psychiatry, [S.l.], vol. 4, 1982, p. 33-47.
35
Os exercícios de mindfulness utilizados pelos terapeutas da ACT
têm origem em práticas orientais de meditação e yoga. Os clientes são
convidados a executar tarefas formais simples como realizar desde uma
varredura completa do próprio corpo, identificando pontos de tensão e
diferenças de temperatura, até monitorar o fluxo de ar decorrente da sua
respiração durante suas atividades diárias. Enquanto a sociedade moderna
prega o “sentir-se bem” enfatizando o vocábulo “bem”, o mindfulness busca
enfatizar o “sentir-se” (VANDENBERGHE; SOUSA, 2006).
Em muitos aspectos, a própria definição de mindfulness chega a
confundir-se com a ACT. A valorização do contato direto com as
contingências, a redução do controle verbal, a promoção de um sentido
transcendente de self (eu-observador), o enfraquecimento da esquiva
experiencial, além da redução da reatividade cognitiva diante de mudanças
emocionais demonstram a congruência entre ambas. Apesar do
detalhamento epistemológico e do caráter eminentemente científico da
abordagem elaborada por Hayes, Strosahl e Wilson (1999), é possível
perceber claramente o encaixe exato entre a Terapia de Aceitação e
Compromisso e o mindfulness (CLASSENS, 2010). Numa seara mais
pragmática, Vandenberghe e Sousa (2006) propõem que os exercícios
de atenção plena, no contexto de uma psicoterapia embasada na ACT,
sejam responsáveis por: 1) reduzir a esquiva experiencial, principal fonte
de sofrimento humano; 2) eliminar o contexto de literalidade no qual
emoções e pensamentos controlam o comportamento, uma vez que são
tidos como objetos e reflexos do real; 3) destruir o contexto de avaliação
que diz respeito à tendência de categorizar experiências em boas/más,
gerando, como consequência direta, a evitação ou aproximação das
contingências que as produziram; 4) diminuírem o contexto de controle,
ou seja, a propensão à lutar contra eventos privados e forçar a regulação
emocional; 5) corroer o contexto de dar razões, que são tentativas de
buscar coerências e explicações para os problemas do cliente (“história”);
6) fomentar a elaboração de um nível transcendente de vivência do “eu”,
no qual o self é percebido como um contexto no qual ocorrem fenômenos
(pensamentos, sentimentos, sensações) passíveis de observação.
 Os componentes do mindfulness – observar, descrever e participar
plenamente – são também citados por Saban (2011) como objetivos a
serem alcançados durante a psicoterapia pautada na ACT. A habilidade
36
de observar, segundo Vandenberghe e Sousa (2006), diz respeito a estar
atento a eventos, emoções e diversos aspectos do próprio comportamento,
a capacidade de descrever é entendida como a possibilidade de elaborar
um relato verbal eminentemente descritivo – não avaliativo ou explicativo
– do que foi anteriormente observado. E, por último, a capacidade de
participar plenamente refere-se à posição de agir de forma efetiva de
acordo com valores, deixando de lado julgamentos, avaliações e
categorizações contraproducentes.
Como visto, a prática do mindfulness em intervenções apoiadas no
modelo da Terapia de Aceitação e Compromisso se justifica a partir tanto
de questões conceituais quanto de objetivos terapêuticos. Apesar do
preconceito que vêm sofrendo, ACT e Mindfulness têm encontrado
sustentação empírica nas mais diversas áreas de aplicação (FLETCHER;
HAYES, no prelo). Além dos casos citados por Vandenberghe e Sousa
(2006) acrescenta-se ao debate o êxito terapêutico alcançado a partir da
aplicação de exercícios de mindfulness durante sessões de psicoterapia
em casos de transtorno de ansiedade generalizada, transtorno obsessivo-
compulsivo (BAER, 2003) e redução de incidência de re-hospitalização
em pacientes psicóticos (BACH; HAYES, 2002). Tomando como ponto de
partida o debate acerca da eficácia deste que é um dos elos fundamentais
da ACT serão discutidos em seguida os diferentes contextos em que foram
encontrados dados empíricos que dão sustentação ao modelo.
37
4
 APLICAÇÕES
Harris (2008) aponta que a ACT é sustentada por um rico corpo de
dados empíricos que demonstram sua efetividade e justificam sua
aplicação no tratamento de variadas psicopatologias. Fukahori, Silveira e
Costa (2005) indicam que a ACT tem sido frequentemente usada em
intervenções nas áreas dos transtornos de ansiedade, transtornos
alimentares, no tratamento da tricotilomania, no tratamento do abuso de
substâncias e nos casos em que as tentativas de controle do ambiente
são fadadas ao fracasso, como por exemplo, situações de luto, dor crônica
e no sofrimento causado pelo câncer. Harris (2009) acrescenta as
investidas da ACT no terreno da depressão, da esquizofrenia, do controle
de peso, da autogestão da diabetes, do stress no trabalho e no tratamento
do transtorno de personalidade borderline. As intervenções da ACT
caracterizam-se pelo empoderamento e pela validação das experiências
dos clientes. Diante disto, o reforçamento das práticas culturais
patologizantes, como, por exemplo, a rotulação diagnóstica, afasta-se
dos princípios dessa e das demais abordagens de terceira onda (HAYES,
2004).
Hayes, Strosahl e Wilson (1999) afirmam que, apesar dos mais de
20 anos de ACT, a literatura na área ainda não amadureceu o suficiente
para que o modelo se firmasse no cenário dos tratamentos das doenças
listadas na edição mais atual do Manual Diagnóstico e Estatístico dos
Transtornos Mentais (DSM-IV). Contudo já existe uma quantidade
considerável de experimentos metodologicamente criteriosos provando
sua equivalência, e até mesmo superioridade, no que tange a efetividade
das intervenções baseadas na aceitação e compromisso quando
comparadas aos procedimentos clássicos da terapia cognitivo-
comportamental (CBT) (HARRIS, 2008). A seguir serão expostos alguns
exemplos encontrados na literatura de diferentes contextos em que a ACT
38
foi aplicada de modo efetivo. Vale elucidar que, por tratar-se de um dos
objetivos do presente trabalho, dar-se-á maior ênfase aos resultados
encontrados pelos autores, em detrimento da discussão dos aspectos
metodológicos das pesquisas.
O primeiro contexto de aplicação da ACT a ser discutido é também a
única pesquisa empírica sobre o tema encontrada na literatura nacional.
Os autores do referido texto tiveram como sujeito um indivíduo do sexo
masculino de 24 anos que frequentou 16 sessões clínicas em que a ACT foi
utilizada como modelo de tratamento psicológico para a queixa de
exibicionismo. No tratamento da parafilia através da aceitação de estados
do organismo e de emoções indesejáveis, Fukahori, Silveira e Costa (2005)
obtiveram, entre o primeiro dia de autoregistro e o sexagésimo quarto, uma
redução de 100% na taxa de respostas de exposição imprópria dos genitais
e masturbação (Graf. 1). Além deste efeito percebido nos comportamentos
públicos, no que tange os eventos privados, a frequência de pensamentos
relacionados ao exibicionismo reduziu consideravelmente, apesar de não
ter sido extinta da amostra comportamental. Os autores relatam ainda que
em contatos telefônicos realizados 4 e 12 meses após a última sessão de
tratamento foi relatado pelo cliente que as modificações comportamentais
Fonte: FUKAHORI; SILVEIRA; COSTA, 2005, p.74.
Gráfico 1 – Autoregistro das frequências do pensamento intrusivo, da exibição e da
masturbação com estímulos parafílicos em registros semanais realizados
(aleatoriamente) ao longo do tratamento.
Pensamento Exibição Masturbação
6
5
4
3
2
1
0
1º 10º 19º 28º 37º 46º 55º 64º
Fr
eq
uê
nc
ia
Ordenação dos dias de registro
39
se mantiveram e o repertório comportamental adquirido nas sessões o
haviam direcionado para a conquista de uma relação amorosa estável e um
emprego satisfatório.
Numa pesquisa conduzida por Twohig, Shoenberger e Hayes (2007)
foi investigada a eficiência de uma versão abreviada da Terapia de
Aceitação e Compromissono tratamento do abuso de maconha. Três
adultos que atendiam aos critérios de dependência da droga frequentaram
oito sessões semanais de 90 minutos cada e, com o utilização de
autoregistro e testes químicos randomizados, foi percebido que o consumo
de maconha atingiu o índice 0 em todos os participantes do estudo após
o período de tratamento (Graf. 2)1. Os autores indicam que o tratamento
do abuso de substâncias químicas com a ACT proporciona um ambiente
em que a sensação de necessidade incontrolável de consumir e
pensamentos acerca do uso podem ser experimentados sem que sejam
transformados em ação. Twohig, Shoenberger e Hayes apontam ainda
que a abordagem da ACT se diferencia da dos demais tratamentos por
1 Título original em inglês, tradução nossa.
Gráfico 2 – Auto registro de frequência diária de consumo de maconha por 3 participantes
durante linha de base, tratamento e follow-up.
Fonte: TWOHIG, SHOENBERGER; HAYES, 2007, p.627.
Dias
 I
na
la
çõ
es
 p
or
 D
ia
40
não focar intervenções no controle ou extermínio dos eventos privados
que hipoteticamente controlariam as recaídas. Uma vez que a esquiva
experiencial e a fusão cognitiva são substituídas por comportamentos
dirigidos pelas contingências momentâneas o indivíduo aprende que ele
pode sentir intensamente o desejo pela maconha (aceitação); pensar
que não conseguirá viver sem a droga; e ainda assim continuar abstinente.
No follow-up da pesquisa após três meses, um indivíduo permanecia
abstinente e os outros dois haviam retomado o consumo, mas em
quantidades muito menores quando comparadas à linha de base do início
do tratamento.
Numa segunda pesquisa em que a ACT foi aplicada no contexto da
dependência de substâncias químicas, os autores concluíram que o
modelo de tratamento proposto não somente influenciou na redução da
frequência do consumo, alcançando a manutenção da abstinência no
follow-up de 1 ano, como também foi responsável pela queda do índice
relativo à inflexibilidade psicológica (STOTTS, MASUDA, WILSON, 2009).
Neste relato de programa de desintoxicação de Metadona, substância
substitutiva para o tratamento de dependência de heroína e outros
opiáceos, a ACT foi aplicada em 24 sessões semanais de 50 minutos em
um voluntário de 57 anos que se candidatou ao tratamento. O programa,
que foi dividido em duas fases que consistiam de um mês de estabilização
do consumo e cinco meses de redução gradual do uso de Metadona,
apresentou resultados bastante convincentes quanto à eficiência da terapia
na redução do nível de medo da desintoxicação e do consumo
propriamente dito (Graf. 3)2.
Stotts, Masuda e Wilson (2009) indicam que, atualmente, o programa
de Manutenção com Metadona (MM) é, apesar das críticas acerca das
questões éticas envolvidas na substituição das dependências, o tratamento
por excelência para a adicção em opiáceos. Apesar da sua reconhecida
eficiência, os autores listam os intensos sintomas relacionados às tentativas
de desintoxicação da Metadona durante o programa de MM, que vão
desde náusea, diarreia, e dor nos ossos à ansiedade, insônia e sofrimento
psicológico. Estratégias comportamentais como a dessensibilização
sistemática e o manejo de contingências têm apresentado resultados
2 Título original em inglês, tradução nossa.
41
 Fonte: STOTTS, MASUDA ; WILSON, 2009, p.12.
Gráfico 3 - Posologia da Metadona, experiências subjetivas na retirada dos opiáceos, o medo
da desintoxicação e inflexibilidade psicológica no decorrer do programa ACT na desintoxicação
de Metadona.
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Dias do Programa
42
significativos para o processo de abandono da substância substitutiva,
entretanto, a ACT surge como alternativa promissora uma vez que ensina
os indivíduos a lidar de um modo diferenciado com o estresse decorrente
da redução do consumo (HAYES et al., 20043, apud STOTTS, MAUDA,
WILSON, 2010). A pesquisa aponta, ainda, que os intensos exercícios de
mindfulness, as estratégias de definição de valores e a mudança de
perspectiva proporcionada pela psicoterapia tiveram sua eficiência
comprovada por medições acuradas como o Inventário de Depressão de
Beck-II, testes laboratoriais de amostras de urina, além de outras medidas
psicométricas que pretendiam avaliar e confirmar os sintomas que
acompanharam o progresso do indivíduo até o alcance da abstinência
total.
Strosahl (2004) afirma que o modelo da ACT é útil também no
tratamento de indivíduos diagnosticados com transtorno de personalidade
borderline. A partir da estimativa de que entre 1 e 1,5% da população
apresentam transtornos de personalidade (LIVESLEY, 20014 apud
STROSAHL, 2004) e que esta estreita faixa nosográfica consome cerca
de 40% de todos os recursos disponíveis para a saúde mental (STROSAHL,
19915 apud STROSAHL, 2004) surge a necessidade de tecnologias
comportamentais capazes de unirem-se aos tratamentos tradicionais, com
especial ênfase a Terapia Comportamental Dialética (DBT), e minimizar
os efeitos do referido eixo de psicopatologias. No estudo apresentado por
Strosahl (2004), a eficácia da ACT foi testada a partir do resultado de um
programa de 12 sessões em grupo com um total de 60 pacientes. Naqueles
indivíduos que completaram a agenda estipulada pelos pesquisadores,
foi identificada uma queda acentuada nos índices de depressão além de
progressos significativos no que tange à conquista de objetivos de vida e
consecução de metas. O autor atesta, ainda, que o grande trunfo da ACT,
3 HAYES et al. Measuring experiential avoidance: A preliminary test of a working model. The
Psychological Record, [S.l.], vol.54, p.553-578, 2004.
4 LIVESLEY, W. Handbook of personality disorders: Theory, research and treatment. New York:
Guilford Press, 2001
5 STROSAHL, K. Treatment of the personality disordered patient. In: AUSTAD, C; BERMAN, W.
Psychotherapy in managed health care: The optimal use of time and resources. Washington DC:
American Psychological Association. 1991, p.185-201.
43
enquanto base terapêutica para indivíduos multiproblemáticos, rótulo,
segundo Strosahl (2004), mais adequado para pacientes bordelíneos, é a
atitude não avaliativa oriunda do pragmatismo que apoia tal modelo de
intervenção. Uma vez que as análises comportamentais são efetuadas a
partir da função das respostas, e não através da sua estética, o terapeuta
pode, doravante, modelar comportamentos que estejam de acordo com
as consequências e valores estipulados pelo indivíduo.
Foi encontrado, na literatura, um relato da aplicação da ACT em
contexto hospitalar. Robinson et al. (2004) atestam que o Modelo de Atenção
à Saúde da ACT (ACT-HC Model) tem se mostrado responsivo nos mais
diversos grupos de pacientes atendidos por profissionais dos serviços de
cuidado primário. Entre os maiores beneficiados de tratamentos que
englobam intervenções embasadas na ACT-HC Model estão os indivíduos
que apresentam como sintomas desordens somáticas, síndrome da fadiga
crônica, crianças com transtorno do déficit de atenção e hiperatividade
(TDAH), além dos acometido por doenças crônicas como o diabetes e a
epilepsia. Robinson e colaboradores (2004, p. 295) 6 afirmam que
o objetivo da ACT no contexto hospitalar é ajudar os pacientes a
implementar com sucesso comportamentos consistentes com seus
valores na presença de eventos privados aversivos disparados por
desconforto médico, condições crônicas e/ou elevado risco de morte.
Os autores apontam ainda que mais de 14% das queixas nos
atendimentos de cuidado básico envolvem desordens somatoformes que
se relacionam intimamente com tentativas de controle de sensações
corporais, emoções e pensamentos. Um dos casos que ilustra o relato é
de um garoto de 7 anos que apresentou quadro de insônia e dor abdominal
dissociado de base orgânica. Após uma série de intervenções, que incluíam
exercícios de mindfulness, o garoto foi ensinadoa lidar de uma nova
maneira (aceitação) com suas sensações internas e inevitavelmente suas
queixas cessaram completamente. Outro exemplo dado por Robinson et
al. (2004) de aplicação da ACT em moldes hospitalares enfatiza o papel
do terapeuta na tarefa de reestruturar as concepções dos pacientes acerca
das crises de epilepsia e das variáveis que as desencadeiam. Segundo os
autores estratégias de intervenção consistentes com o modelo da ACT
6 Original em inglês, tradução nossa.
44
são capazes de aumentar a flexibilidade comportamental e reduzir a
probabilidade de ocorrência de crises.
No contexto do tratamento dos transtornos de ansiedade, a ACT
encontra fortes aliados. Gould, Otto e Pollack (19957 apud ORSILLO et al,
2004) identificaram que a CBT alcançou resultados positivos em 68-88%
dos casos de transtorno do pânico, e nos casos de transtorno ansiedade
social (fobia social) alcançou 89% de efetividade (HEIMBERG et al, 19988
apud ORSILLO et al., 2004). Ao lado dos tratamentos de exposição e dos
modelos de prevenção de resposta, a CBT é o estado-da-arte para controle
do transtorno de ansiedade generalizada (TAG), transtorno obsessivo
compulsivo (TOC), e juntos têm apresentado efeitos significativos que se
mantêm ou até progridem em follow-ups de 6-12 meses (BORKOVEC;
RUSCIO, 20019 apud ORSILLO et al., 2004). Orsillo e colaboradores (2004)
defendem que a ACT aparece como uma promessa significante nesse
contexto já que, como proposta integrativa, é em muitos momentos
consistente com a terapia de exposição. Os autores apontam que as
estratégias de intervenção da ACT objetivam o desmembramento de
núcleos patológicos coincidentes com as variáveis psicopatogênicas de
diversos transtornos de ansiedade, dentre eles o transtorno do pânico, o
TOC, o TAG, as fobias específicas e a fobia social. Casos citados por
Orsillo et al. (2004) – por exemplo Block e Wulfert (2002)10; Luciano e
7 GOULD, R; OTTO, M; POLLACK, M. A meta-analysis of treatment outcome for panic disorder.
Clinical Psychology Review, [S.l.], vol.15, p.819-844.
8 HEIMBERG, R; LIEBOWITZ, M; HOPE, D; SCHNEIER, F; HOLT, C; WELKOWITZ, L;
JUSTER, H; CAMPEAS, R; BRUCH, M; CLOITRE, M; FALLON, B; KLEIN, D. Cognitive
behavioral group therapy vs. phenelzine therapy for social phobia: 12-week outcome. Archives of
General Psychiatry, [S.l.], vol.55, p.1133-1141.
9 BORKOVEC, T; RUSCIO, A. Psychotherapy for generalized anxiety disorder. Journal of
Clinical Psychiatry, [S.l.], vol.62, 2001, p. 37-45.
10 BLOCK, J; WULFERT, E. Acceptance or change of private experiences: A comparative
analysis in college students with a fear of public speaking. In: ZETTLE, R. Recent outcome
research on Acceptance and Commitment Therapy (ACT) with anxiety disorders. Symposium
conducted at the 28th Annual Meeting of the Association for Behavior Analysis,Toronto, Ontario.
2002.
45
Gutierrez (2001)11; e Zettle (2003)12 – demonstram a efetividade das
técnicas da ACT no tratamento da ansiedade através de abordagens
direcionadas para a redução do controle emocional, da esquiva
experiencial e da fusão cognitiva, bem como para o aumento do contato
com o momento presente, do descolamento do passado conceitual e da
percepção do self como um contexto.
No que tange o uso da ACT como medida terapêutica em casos de
depressão é notória a contribuição de Dougher e Hackbert (2003). Em
seu estudo os autores deram maior ênfase no quesito etiológico do
transtorno que acomete cerca de 2,2% da população masculina dos
Estados Unidos da América. Kanter, Baruch e Gaynor (2006) afirmam que,
por ter se tornado um diagnóstico tão comum, a depressão passou a ser
conhecida como a “gripe da doença mental”. Apesar de sua prevalência,
dos prejuízos sociais e econômicos desencadeados pela sua eclosão a
referida psicopatologia foi relativamente negligenciada pelos analistas do
comportamento por muitos anos. Como já foi dito anteriormente, Fukahori,
Silveira e Costa (2005) acenam para a boa relação entre farmacoterapia
e a ACT, Dougher e Hackbert (2003) vão ao encontro desta posição quando
confirmam os amplos efeitos benéficos da combinação entre as
modalidades terapêuticas nos casos de depressão. A eficácia de uma
versão seminal da ACT, chamada de distanciamento compreensivo, foi
testada primeiramente em uma amostra de 18 mulheres portadoras do
diagnóstico de transtorno depressivo maior. Zettle e Hayes (198613 apud
KANTER; BARUCH; GAYNOR, 2006) dividiram a amostra
randomicamente em três grupos que foram tratados pelo mesmo terapeuta,
entretanto através de técnicas diferentes: um grupo foi tratado a partir do
distanciamento compreensivo, outro a partir de terapia cognitiva sem
técnicas de distanciamento e o último foi tratado com terapia cognitiva
completa. Os autores compararam os resultados obtidos e concluíram
11 LUCIANO, C; GUTIERREZ, O. Anxiety and Acceptance and Commitment Therapy (ACT).
Análisis y Modificación de Conducta, [S.l.], vol. 27, 2001, p. 373-398.
12 ZETTLE, R. Acceptance and commitment therapy (ACT) versus systematic desensitization in
treatment of mathematics anxiety. Psychological Record, [S.l.], vol. 53, 2003, p. 197-215.
13 ZETTLE, R; HAYES, S. Dysfunctional control by client verbal behavior: The context of reason-
giving. The Analysis of Verbal Behavior. [S.l.], vol. 4, 1986, p. 30-38.
46
que as clientes que passaram pelo modelo seminal da ACT apresentaram
menor crença nos pensamentos depressivos e menos sintomas
depressivos no follow-up de dois meses. No caso clínico relatado por
Dougher e Hackbert (2003) uma cliente de 23 anos que buscou terapia
para depressão foi tratada a partir de uma combinação entre elementos
da Psicoterapia Analítico Funcional (FAP) e da ACT. Os autores
confirmaram a aplicabilidade dos pressupostos da aceitação e do
compromisso no tratamento dos transtornos de humor tomando como
ponto de partida a remissão completa dos sintomas em não mais de 18
sessões de terapia individual, mesmo não tendo estabelecido este fim
como objetivo terapêutico.
Bach (2004) afirma que as psicoses de modo geral, em especial a
esquizofrenia, têm sido consideradas psicopatologias relativamente
difíceis de tratar. Apesar da grande variedade e da comprovada eficácia
dos psicofármacos disponíveis no mercado, muitos pacientes seguem
não-responsivos à este tipo de tratamento. Os dados de Breier et al. (199114
apud BACH, 2004) confirmam que cerca de 75% dos indivíduos que fazem
uso contínuo de anti-psicóticos permanecem experenciando alucinações
e delírios. Além de intervenções químicas medidas psicossociais tem sido
adotadas na tentativa de solucionar os problemas familiares, financeiros
e sociais decorrentes da prevalência das psicoses. Estratégias com ênfase
no treino de habilidades, solução de problemas, economia de fichas,
administração de medicação e reabilitação vocacional são amplamente
utilizadas nessas manobras terapêuticas. Bach (2004, p.208) 15 conclui
que:
Intervenções psicossociais com psicóticos são, apesar do seu valor,
lamentavelmente subdesenvolvidas. Medicamentos são úteis para
esses pacientes, entretanto, frequentemente eles não são o bastante. A
ACT provê um novo e poderoso modelo para este tipo de trabalho
que envolve radicalmente a aceitação, a validação, é não-hierárquico
e focado no comportamento. O modelo da ACT merece ser explorado
e avaliado por mais estudiosos que trabalhem com esses clientes.
14 BREIER, A; SCHREIBER, J; DYER, J; PICKAR, D. National Institute of Mental Health
longitudinal study of chronic schizophrenia: Prognosis and predictors of outcome. Archives of
General Psychiatry. [S.l.], vol. 48, 1991, p. 239-246.
15Original em inglês, tradução nossa.
47
Tendo em vista que a maioria das pessoas que refere alucinações não
tem nenhum problema de saúde mental (TIEN, 199116 apud BACH, 2004),
pela perspectiva da ACT, a mera presença de sintomas psicóticos não se
constitui necessariamente no núcleo do problema clínico (BACH; HAYES,
2002). A atuação dos terapeutas da ACT neste tipo de psicopatologia se desloca
da análise dos conteúdos dos

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