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DIREITO DE FAMÍLIA II Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Autoria: Dóris Ghilardi CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol Ilana Gunilda Gerber Cavichioli Cristiane Lisandra Danna Norberto Siegel Camila Roczanski Julia dos Santos Ariana Monique Dalri Bárbara Pricila Franz Marcelo Bucci Revisão de Conteúdo: Priscilla Camargo Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2018 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. G424d Ghilardi, Dóris Direito de família II. / Dóris Ghilardi – Indaial: UNIASSELVI, 2018. 204 p.; il. ISBN 978-85-53158-39-3 1.Direito de família – Brasil. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 346.8106 Dóris Ghilardi Doutora em Ciência Jurídica pela Univali, com tese aprovada com distinção e louvor (2015); Mestre em Ciência Jurídica pela Univali - Itajaí (2006); Formação e aperfeiçoamento pela Escola da Magistratura - ESMESC - Florianópolis-SC (2002); Graduação em Direito na Univali, Itajaí (2000). Professora adjunta da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, na área de Direito Civil; professora convidada permanente da ESA- SC; ex-professora da Escola da Magistratura de Santa Catarina (ESMESC); ex-coordenadora do Curso de Pós- Graduação de Direito de Família e Sucessões do Cesusc; pesquisadora. Membro da Comissão de Direito de Família da OAB-SC. Coordenadora científi ca do IBDFAM-SC. Autora do livro Economia do Afeto: Análise Econômica do Direito de Família; coautora do livro de Prática Jurídica Processual Civil. Co-organizadora da coletânea de livros de Prática Jurídica, publicada pela Lumen Juris, e autora de diversos artigos científi cos. Membro do grupo de estudos de Direito Civil Contemporâneo. Sumário APRESENTAÇÃO ....................................................................07 CAPÍTULO 1 Parentesco .............................................................................09 CAPÍTULO 2 Filiação ...................................................................................23 CAPÍTULO 3 CAPÍTULO 4 CAPÍTULO 5 CAPÍTULO 6 CAPÍTULO 7 CAPÍTULO 8 CAPÍTULO 9 CAPÍTULO 10 Adoção ....................................................................................43 Do Poder Familiar .................................................................63 Regime de Bens ......................................................................81 Do Usufruto e da Administração dos Bens dos Filhos Menores....................................................................117 Dos Alimentos ......................................................................127 Bem de Família .......................................................................157 Tutela e Curatela ................................................................191 União Estável .......................................................................171 APRESENTAÇÃO O tema a ser abordado no presente livro envolve o Direito de Família, ramo em constantes transformações que requer especial atenção. O rompimento com institutos da tradição lapidados há séculos, agora desafiam novas soluções, ainda carentes de previsão legal. Neste cenário, o afeto foi reconhecido como importante valor e possibilitou um novo retrato, garantidor da pluralidade de entidades familiares, promovedor de abertura conceitual, além de repaginar outros importantes institutos familistas. A família patriarcal, exclusivamente casamentária, com parentesco definido e que preconizava a distinção entre os filhos, cede espaço para múltiplas formas de família, em que o parentesco é remodelado e o direito de filiação ampliado. A certeza de papéis definidos por cada um dos membros, bem como a estruturação sólida do passado, são substituídas por incertezas geradas por relações cada vez mais fluidas e efêmeras, que permitem a união entre pessoas do mesmo sexo, com mais de duas pessoas, além do convívio mais frequente de filhos de uniões anteriores com novos parceiros, fazendo exsurgir relações socioafetivas, possibilitadoras de reconhecimento de simultaneidade de vínculos paterno-filiais, que criam laços e obrigações jurídicas. Isto tudo em curto espaço de tempo. Em observância à multiplicidade de experiências que afasta o modelo único e reivindica novos espaços, conformações e estruturas, impõe-se refletir sobre a interlocução entre espaço público e privado e suas interferências na construção de projetos e sentidos de vida de cada um e de cada entidade familiar. Atentando às constantes mutações, a obra é redigida com base em várias teorias doutrinárias, entendimentos dos Tribunais, resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e enunciados do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e do Conselho de Justiça Federal (CJF). Com vistas ao atendimento desses critérios, este livro está dividido em 10 capítulos. O primeiro aborda o parentesco, o segundo a filiação e reconhecimento de filhos, ambos baseados no critério biológico, mas também nas mudanças ocorridas com a valorização da socioafetividade. O terceiro trata da adoção, o quarto do poder familiar e o quinto de regime de bens. O sexto capítulo traz a questão do usufruto e administração dos bens dos menores, o sétimo os alimentos e questões controvertidas, o oitavo o bem de família. Por fim, os dois últimos têm como temas a união estável, a tutela e a curatela e todas as suas recentes mudanças. CAPÍTULO 1 Parentesco A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Compreender o parentesco a partir da nova estrutura que engloba a parentalidade registral, biológica e socioafetiva e todas as implicações decorrentes dessa mudança. Revisar as estruturas de parentesco e a forma de contagem de graus de parentes. Atentar para as mudanças interpretativas que vem promovendo alterações de concepções e de moldes no parentesco. Refl etir sobre aspectos polêmicos. 10 DIREITO DE FAMÍLIA II 11 PARENTESCO Capítulo 1 ConteXtualiZação Este primeiro capítulo tratará sobre os elos estabelecidos entre determinadas pessoas em razão de seu pertencimento à mesma entidade familiar. Historicamente tratado como originado do casamento e de laços biológicos, o parentesco vem sofrendo signifi cativas alterações. O desenvolvimento biotecnológico e científi co, a globalização, as mudanças culturais, as relações mais efêmeras e multifacetadas, a valorização do amor e do afeto exigem uma releitura dos institutos. É fato que a estrutura familiar mudou e com ela o estudo do parentesco precisa se adaptar para uma compreensão mais abrangente, pluralista e inclusiva. A doutrina já vem abordando o tema e sistematizando o parentesco de maneira tríplice: a parentalidade biológica, a parentalidade registral e a parentalidade socioafetiva, conforme se verá a seguir. Este primeiro capítulo tratará sobre os elos estabelecidos entre determinadas pessoas em razão de seu pertencimento à mesma entidade familiar. Definição de Parentesco Parentesco é a caracterização de uma relação jurídica que vincula certas pessoas de uma mesma família em função dos elos havidos entre si. É o pertencimento decorrente de relações entre pessoas que integram um grupo familiar. Contudo não se pode confundir família com parentesco, conceitos que não se equivalem. Como advertem Farias e Rosenvald (2017, p. 540), “enquanto a família é um grupo formado por pessoas reunidas socialmente, o parentesco dizrespeito ao vínculo natural (o que não signifi ca dizer, necessariamente biológico, podendo ser afetivo) estabelecido entre determinadas pessoas que podem, ou não, compor um mesmo núcleo”. Por exemplo, marido e mulher não são considerados parentes entre si, assim como os companheiros também não. Eles inauguram uma entidade familiar conjugal ou de companheirismo, isto é, eles são família, mas não parentes. Outra situação a ser destacada é a relação entre um pai ou mãe e o fi lho havido fora do casamento. Eles são parentes, mas não necessariamente irão compor o mesmo núcleo familiar. 12 DIREITO DE FAMÍLIA II A família é representada pelo seu núcleo fundamental, hoje considerada aberta, plural, formada a partir de variados modelos. Já o parentesco, no passado, fundava-se pelos laços biológicos, de adoção e também os laços que uniam marido e mulher (ou companheiros) aos parentes do outro. A família é representada pelo seu núcleo fundamental, hoje considerada aberta, plural, formada a partir de variados modelos. Defi nição: Essa noção, contudo, passou a abranger as situações existenciais baseadas também na socioafetividade, razão pela qual o parentesco pode ser sustentado como “o vínculo, com diferentes origens, que atrela determinadas pessoas, implicando efeitos jurídicos diversos entre as partes envolvidas” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 541). Parentesco Natural ou Civil O artigo 1.593 do CC afi rma que “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou de outra origem”. Assim, a leitura que vem sendo feita é a de que o Código Civil permite o acolhimento de outros vínculos, além dos laços sanguíneos (que se originam por meio de relações sexuais ou técnicas de reprodução assistida) ou por adoção, caso da socioafetividade. O enunciado 103 do CJF, acolhendo essa tese, foi assim redigido: O Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies de parenstesco civil, além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribui com seu material fecundante, quer da paternidade socioafetiva, fundada na posse do estado de fi lho. Ainda o enunciado n. 256 do CJF: “A posse de estado de fi lho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil”. A leitura que vem sendo feita é a de que o Código Civil permite o acolhimento de outros vínculos, além dos laços sanguíneos (que se originam por meio de relações sexuais ou técnicas de reprodução assistida) ou por adoção, caso da socioafetividade. 13 PARENTESCO Capítulo 1 Portanto, a visão reducionista cedeu espaço para uma compreensão mais inclusiva de parentesco, com a inserção dos laços socioafetivos. Contudo, o art. 1.593 do CC sofre críticas em sua redação ao distinguir entre o parentesco natural ou consanguíneo e o parentesco civil, por não ser mais justifi cável qualquer denominação discriminatória em com relação aos fi lhos. Sugere-se, portanto, que se utilize apenas a denominação parentes, sem qualquer adjetivo. A visão reducionista cedeu espaço para uma compreensão mais inclusiva de parentesco, com a inserção dos laços socioafetivos. Linhas e Graus O vínculo de parentesco é estabelecido em linhas e graus. As linhas são as ramifi cações, podendo ser reta ou colateral, também chamada de transversal. Os graus, por sua vez, equivalem à distância geracional. Essa organização importa para fi ns de análise dos efeitos produzidos pelo parentesco, que são de caráter obrigatório, não podendo ser desfeitos pelas partes. Somente o que extingue os vínculos de parentesco é a adoção. Em princípio, nem a extinção do poder familiar tem o condão de retirar os efeitos oriundos da relação entre pais e fi lhos, mantendo-se, portanto, a obrigação alimentar, o direito de herança, bem como os impedimentos ao casamento (LÔBO, 2012, p. 209). Os parentes em linha reta são aqueles que guardam entre si relação geracional linear; são aqueles que derivam uns dos outros, de acordo com o art. 1.591 do CC. A linha reta é ascendente ou descendente e contempla os avós, os pais, os fi lhos, os netos, os bisnetos e assim por diante. Pode bifurcar-se em linha reta materna e paterna, além de poder ser analisada pelo ângulo da ascendência (pai, avô, bisavô) ou da descendência (fi lho, neto, bisneto). Na linha colateral, encontram-se os parentes que não possuem vínculos de ascendência ou descendência, mas compartilham o mesmo ancestral, a teor do art. 1.592 do CC. Também chamada de transversal ou oblíqua. São os irmãos, os tios, os sobrinhos, os primos, o tio-avô e o sobrinho-neto. Na linha colateral, classifi cam-se os irmãos em bilaterais (fi lhos do mesmo pai e da mesma mãe) e unilaterais (fi lhos apenas do mesmo pai ou da mesma mãe). Essa distinção refl etirá no tocante aos efeitos sucessórios (arts. 1.841 a 1.843, ambos do CC). Essa organização importa para fi ns de análise dos efeitos produzidos pelo parentesco, que são de caráter obrigatório, não podendo ser desfeitos pelas partes. 14 DIREITO DE FAMÍLIA II Contagem de Graus Na linha reta, a contagem do parentesco inicia-se com o primeiro grau e continua ilimitadamente, isto é, admite graus ad infi nitum, tendo potencialidade de produção de variados efeitos previstos na lei. De acordo com o art. 1.594 do CC, “contam-se na linha reta os graus de parentesco pelo número de gerações (...)”. Assim, entre pais e fi lhos, há uma geração; entre avós e netos, duas gerações; entre bisavós e bisnetos, três gerações; entre trisavô e trineto, quatro gerações, e assim por diante. Pode-se dizer, ainda, que pais e fi lhos são parentes em primeiro grau; avós e netos são parentes em segundo grau etc. A dica é partir de você ou de alguém que queira descobrir o grau de parentesco e seguir até encontrar o outro que se deseja. Em que pese a potencialidade de efeitos entre os parentes na linha reta, quanto mais próximo o parentesco, maiores as chances de incidência desses efeitos. Para ilustrar, no direito sucessório, havendo parentes em graus mais próximos, os mais remotos serão excluídos. Havendo fi lhos, por exemplo, eles excluirão os netos do direito de herança. Assim também na obrigação alimentar, havendo pais, a estes incumbirão o dever de pagar alimentos aos fi lhos menores, transmitindo-se esta obrigação aos avós, apenas em caráter subsidiário, nunca diretamente. Por outro lado, a proibição de casamento prevista no art. 1.521 do CC estende-se a todo e qualquer parentesco em linha reta. A dica é partir de você ou de alguém que queira descobrir o grau de parentesco e seguir até encontrar o outro que se deseja. 15 PARENTESCO Capítulo 1 Figura 1 – Gráfi co de Parentesco em linha reta LINHA PATERNA LINHA MATERNA Bisavós Paternos Avós Paternos Bisavós Maternos Avós Maternos Pai Mãe Você Filhos Netos Bisnetos DESCENDENTES ASCENDENTES3º grau 2º grau 1º grau 1º grau 2º grau 3º grau OBS: A linha reta é ilimitada e o parentesco se conta a cada geração Fonte: Antonio Pedro Videira - JusBrasil Já no parentesco colateral, a contagem é um pouco mais complexa. O início da contagem se dá em segundo grau, encerrando-se no quarto grau, ou seja, os possíveis direitos somente serão reconhecidos até o quarto grau, no máximo. Contudo, o alcance dos efeitos na linha colateral oscila a depender dos direitos em pauta. Para exemplifi car as situações previstas no Código Civil, pode-se citar o art. 1.521, inciso IV, que ao tratar sobre os impedimentos do casamento, alcança os colaterais até o terceiro grau (tio e sobrinhos); o art. 1.697 do CC, por sua vez, que trata dos alimentos entre colaterais, prevê a possibilidade de cobrança de alimentos apenas entre irmãos (2º grau); por fi m, o art. 1.839 do CC que trata sobre direito sucessório, na linha colateral, contempla os parentes colateraisaté o quarto grau, na lógica de que o mais próximo exclui o mais remoto. Não há parente em primeiro grau na linha colateral, porque a contagem leva em consideração o parente comum. Nas palavras de Lôbo (2012, p. 211), a 16 DIREITO DE FAMÍLIA II contagem na linha colateral “inicia-se a partir de determinada pessoa, subindo-se até o ascendente comum da outra pessoa, daí descendo- se até esta, para se poder constatar ou não a relação de parentesco”. Assim, para saber o parentesco entre irmãos, deve-se primeiro achar o parente comum na linha reta, para depois chegar até ele. Exemplo: você, seu pai e seu irmão, o que caracteriza dois graus? Um entre você e seu pai e outro entre você e seu irmão. Irmãos são, portanto, parentes em segundo grau. São colaterais em terceiro grau tios e sobrinhos, lembrando que o parente comum neste caso é o avô. Em quarto grau aparecem os primos, os tios- avôs e os sobrinhos-netos, que têm como parente comum o bisavô. “Inicia-se a partir de determinada pessoa, subindo-se até o ascendente comum da outra pessoa, daí descendo-se até esta, para se poder constatar ou não a relação de parentesco”. Figura 2 – Gráfi co de parentesco na linha colateral Linha Reta Linha ColateralLinha Colateral Tio Avô Bisavô Avô Pai Irmãos Filho Sobrinhos Neto Filho do Sobrinho Neto do Sobrinho Filho do Primo Primos Tios Bisneto ... Filho do Tio Avô ... 3º 2º 1º 4º 4º 4º 1º 2º 2º 3º 3º 3º Eu Fonte: Antonio Pedro Videira - JusBrasil 17 PARENTESCO Capítulo 1 Afinidade O vínculo conjugal ou de companheirismo reúne os cônjuges ou companheiros entre si, ao passo que a afi nidade liga cada um desses individualmente, aos parentes do outro. O art. 1.595 do CC está assim construído: “Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo de afi nidade”. Também se dá pela linha reta e colateral. Na linha reta não há limitação de grau, embora na prática apenas se encontrem nomenclaturas específi cas para os parentes por afi nidade na linha reta em primeiro grau (sogro(a), genro, nora, enteados(as), padrasto e madrasta). Segundo a construção do Código Civil, que privilegiava os laços biológicos, os vínculos por afi nidade foram construídos muito mais com intuito de estabelecimento de limites de impedimentos de casamento, do que propriamente criação de direito e deveres. No passado, não se cogitava efeitos decorrentes da relação entre padrasto e enteada, como obrigação alimentar e/ou direito de herança. Ocorre que, com as novas construções de laços afetivos, pode sim a afi nidade gerar direitos e obrigações, basta ser baseada em laços de afeto. O tema ainda é recente e desafi a o Judiciário, mas pouco a pouco começam a surgir decisões estabelecendo deveres a partir do reconhecimento de vínculos socioafetivos entre parentes por afi nidade, caso do padrasto obrigado a prestar alimentos à fi lha de sua companheira, conforme se extrai de decisão em primeiro grau, da Comarca de São José-SC, confi rmada pelo Tribunal de Justiça, com trecho assim ementado: “Alimentos à enteada. Possibilidade. Vínculo socioafetivo demonstrado. Parentesco por afi nidade. Forte dependência fi nanceira observada” (TJ/SC, AI n. 2012.073740-3, 2ª Câmara de Direito Civil, Comarca de São José, j. 04.02.2013). Ainda não de forma geral, porém em casos concretos, o parentesco por afetividade começa a também surtir efeitos jurídicos. Prosseguindo, a contagem de graus na afi nidade se dá da mesma forma que entre os parentes. Recomenda-se agora utilizar a regra do espelho, isto é, para saber qual o parentesco do seu marido/companheiro com seus pais, basta saber qual o seu parentesco com os seus pais. Como já foi visto, é de primeiro grau, portanto, o parentesco do marido/companheiro com os pais da mulher, por O vínculo conjugal ou de companheirismo reúne os cônjuges ou companheiros entre si, ao passo que a afi nidade liga cada um desses individualmente, aos parentes do outro. Segundo a construção do Código Civil, que privilegiava os laços biológicos, os vínculos por afi nidade foram construídos muito mais com intuito de estabelecimento de limites de impedimentos de casamento, do que propriamente criação de direito e deveres. 18 DIREITO DE FAMÍLIA II afi nidade. Assim também para saber qual o seu parentesco com o irmão do seu marido/companheiro, basta saber qual o parentesco do marido/companheiro com o irmão. Viu-se que o parentesco entre irmãos é de segundo grau, razão pela qual a afi nidade entre cunhados também será de segundo grau. São parentes por afi nidade, na linha reta, em primeiro grau: sogro(a), genro, nora, enteados(as), padrasto e madrasta. São parentes por afi nidade, na linha colateral, em segundo grau, os cunhados(as). A afi nidade na linha colateral se restringe ao segundo grau, não sendo considerado como afi m os concunhados ou os fi lhos do cunhado. O parentesco por afi nidade em linha reta não se extingue, conforme redação do parágrafo 2º do art. 1.595 do CC, estando impedidos de casar para sempre ex- nora e sogro, por exemplo. Figura 3 – Gráfi co de afi nidade Casamento Sogro SogroSogra Sogra Cunhado (a) Cunhado (a) (sou Genro/Nora) EU Enteado (a) Enteado (a) Afi nidade 1º grau linha reta ascendente Afi nidade 1º grau linha reta ascendente Afi nidade 1º grau linha reta descendente Afi nidade 1º grau linha reta descendente Afi nidade 2º grau linha colateral Afi nidade 2º grauAfi nidade 2º grau linha colateral Afi nidade 2º grau (é Genro/Nora) CÔNJUGE é Padrasto/ Madrasta Afi nidade 2º grau linha colateral Afi nidade 2º grauAfi nidade 2º grau linha colateral Afi nidade 2º grauAfi nidade 2º grau Sou Padrasto/ Madrasta Fonte: A autora. 19 PARENTESCO Capítulo 1 Efeitos Decorrentes do Parentesco O parentesco produz efeitos para além do Direito de Família, podendo-se encontrar refl exos no direito sucessório, como já visto, mas também em outras áreas, como no direito eleitoral, no direito administrativo, no direito processual e no âmbito penal. No Direito de Família, cria obrigação alimentar (art. 1.694 do CC - os parentes são obrigados a prestar alimentos entre si); impõe impedimentos ao casamento (art. 1.591 do CC); instaura o poder familiar e refl ete no direito de guarda (art. 1.589 do CC). Já no Direito Processual Civil, o parentesco é considerado para fi ns de estabelecimento de impedimentos e suspeição das partes ou advogados com relação ao juiz da causa (também aplicável ao Promotor de Justiça e demais serventuários), conforme determina o art. 144 do CPC. Também não podem os parentes servirem como testemunhas das partes, nem a favor, nem contrariamente (art. 447 do CPC). No Direito Eleitoral, o parentesco pode gerar inelegibilidade (art. 14, parágrafo 17 da CRFB/88) e, no Direito Administrativo, as restrições aparecem com relação à vedação do nepotismo. Nesse sentido, é o teor da Súmula Vinculante n. 13 do STF: A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afi nidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefi a ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou confi ança, ou ainda, de função gratifi cada na administração pública, compreendidos o ajuste mediante designações específi cas, viola a Constituição Federal. No Direito Penal, o parentesco aparece no art. 181 do CP, não sendo considerado crime contra o patrimônio o praticado por ascendente ou descendente, seja o parentesco natural ou civil. Ainda o art. 61, II, do CP considera o parentesco uma circunstância agravante de pena. O Código Penal regula ainda vários crimes contra a família, como bigamia (art. 236, CP), entre outros, além de um rol de crimes contra o estado de fi liação. 20 DIREITO DE FAMÍLIA II Atividade deEstudos: 1) Ana, fi lha de Joaquim, casou-se com Ricardo, que é fi lho de Augusto, sendo este irmão de Joaquim. Pergunta-se: a) Existe parentesco ou afi nidade entre Ana e Ricardo? b) Entre Ana e Augusto? c) É válido tal casamento segundo o Código Civil? d) Existe afi nidade entre Joaquim e Augusto? e) O irmão de Ricardo é o que de Ana? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 21 PARENTESCO Capítulo 1 Algumas ConsideraçÕes Como se pode perceber, a noção de parentesco é relevante não só para o Direito Privado, mas também para o Direito Público, produzindo efeitos tanto de ordem pessoal, quanto de ordem patrimonial. A importância de seu estudo está diretamente atrelada às mudanças de conceito e abrangência das entidades familiares, suas novas formações e vínculos. O reconhecimento do vínculo socioafetivo como nova forma de constituição de relações de parentesco causa uma série de dúvidas relacionadas à extensão de efeitos, e vai sendo pouco a pouco delineado por meio das decisões dos Tribunais. ReferÊncia FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Famílias. Salvador: Jus Po- diwm, 2017. LÔBO, Paulo. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2013. MADALENO, Rolf. Direito de família. Rio de Janeiro: Gen Editora, 2016. 22 DIREITO DE FAMÍLIA II CAPÍTULO 2 Filiação A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Revisar o tema da fi liação. Contextualizar a fi liação dentro das novas abordagens da socioafetividade e da multiparentalidade. Compreender as alterações e suas implicações de modo a aplicar o conteúdo considerando a nova estruturação e suas consequências. Apontar aspectos polêmicos e instigar refl exões; 24 DIREITO DE FAMÍLIA II 25 FILIAÇÃO Capítulo 2 ConteXtualiZação Aplica-se ao direito de fi liação o princípio da igualdade entre os fi lhos e o princípio da vedação de tratamento discriminatório. A Constituição Federal, em seu artigo 227, parágrafo 6º, terminou com a construção anterior do Código Civil, que autorizava a distinção entre fi lhos, privilegiando os oriundos do casamento e discriminando aqueles concebidos fora da relação conjugal. Atualmente, portanto, “fi lhos são fi lhos, independente da origem”. Tanto que o Código Civil de 2002 já foi reescrito com base nos novos valores, prevendo em seu art. 1.596 a igualdade de direitos e qualifi cações para todos os fi lhos, havidos ou não da relação de casamento. Apesar disso, o Código Civil trata em capítulos separados os fi lhos oriundos do casamento e os fi lhos de outras origens. No capítulo intitulado “Da fi liação” (arts. 1596 a 1606 do CC), trata dos fi lhos oriundos na constância do casamento; e no capítulo “Do reconhecimento dos fi lhos” (arts.1607 a 1617 do CC), trata dos demais, balizando diferentes realidades fáticas, já que os oriundos do casamento são privilegiados com a presunção de paternidade. Entretanto, como adverte Madaleno (2016 p. 486), “a subsistência desse viés diferenciando os fi lhos do casamento em contraste com a prole extramatrimonial, em nada se equipara ao estigmatizante contexto das fi liações legítimas e ilegítimas vigentes até a edição da Constituição Federal de 1988”. Filiação: Igualdade de Direito e OBrigaçÕes O conceito de fi liação não é tarefa simples, basta ser vivenciada a experiência da fi liação para que ela possa ser constituída, não sendo mais necessária a geração biológica ou por adoção regular. Sob um ponto de vista mais técnico, pode-se dizer que fi liação é a relação de vínculo de parentalidade estabelecida entre fi lhos e pais, que não mais pode ser buscada apenas no campo genético, mas também em outras origens, como no simples registro, na adoção ou na socioafetividade. A concepção de fi lhos genéticos não se restringe apenas aos oriundos de métodos tradicionais, mas também aos fi lhos de laboratório, por concepção homóloga (material genético oriundo dos próprios pais) ou heteróloga (material de doador ou doadores anônimos), “barriga de Sob um ponto de vista mais técnico, pode-se dizer que fi liação é a relação de vínculo de parentalidade estabelecida entre fi lhos e pais, que não mais pode ser buscada apenas no campo genético, mas também em outras origens, como no simples registro, na adoção ou na socioafetividade. 26 DIREITO DE FAMÍLIA II aluguel”, ou as mais recentes parcerias de paternidade (pais que se encontram em ambientes virtuais com a única intenção de gerar fi lhos). Essa relação atribui reciprocamente direitos e deveres, consoante previsões legais. Segundo Farias e Rosenvald (2017, p. 566), para a compreensão do fenômeno fi liatório no mundo contemporâneo, deve-se respirar os ares da constitucionalidade, sendo possível construir um pensamento de fi liação nos seguintes termos: A fi liação está: (i) vocacionada a não discriminação de todo e qualquer tipo de fi lho (esteja contemplado, ou não, em norma infraconstitucional) e a sua proteção integral, independentemente de sua origem; (ii) despatrimonializada, tendendo à afi rmação de valores existenciais, muito mais do que, simplesmente, voltada para a transmissão de herança. Filiação é um vínculo de parentesco com importância ímpar, responsável por dar continuidade às famílias e construir os laços mais genuínos de amor, afeto e cuidado. Também envolve, no mínimo, três relações distintas a depender do ângulo: fi liação pelo ponto de vista do fi lho; paternidade, do ponto de vista do pai e maternidade do ponto de vista da mãe. Esse tríplice laço pode ser denominado de parentalidade, como vem sendo apelidado pela doutrina. O vínculo de parentalidade (laços entre pais e fi lhos) pode ser constituído por meio do registro e ter coincidência com o vínculo consanguíneo e afetivo. Em outros casos, entretanto, esses laços não serão exercidos por meio da mesma fi gura paterna ou materna, podendo haver pluralidade de vínculos. Portanto, atualmente, há vários critérios de determinação do vínculo parental: a) Critério biológico: consistente no estabelecimento de vínculos sanguíneos, isto é, com identidade de material genético. Esse critério ganhou importância com o exame de DNA, permitindo a determinação biológica com grau de certeza de até 99,999% de chances de acerto. Inclusive, foi editada Súmula pelo STJ, de n. 301, que salienta que “em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”. Atualmente, contudo, o biológico é apenas mais um critério de defi nição de fi liação, tem sido recentemente considerado em pé de igualdade com o critério socioafetivo, sem qualquer preponderância de um sobre o outro. Importa acrescentar, apenas, queo critério biológico pode ser oriundo de método de concepção tradicional de fi lhos, como também oriundo de reprodução assistida homóloga e também de barriga solidária. 27 FILIAÇÃO Capítulo 2 A reprodução assistida abrange as técnicas de reprodução humana. Chama-se homóloga quando decorre de manipulação de gametas masculinos e femininos do próprio casal; chama-se heteróloga quando se utiliza o esperma ou óvulo de doador(a) fértil; inseminação, quando se implanta o material genético do homem diretamente no útero da mulher; fertilização “in vitro”, quando é colhido o material tanto do homem quanto da mulher e a concepção é realizada “in vitro” e depois inserido o embrião na mulher. A gestação por substituição é a famosa “barriga de aluguel”, quando o material genético dos pais é implantado em outra mulher, “barriga solidária” que gestará a criança. Por fi m, fala-se ainda das parcerias de paternidade, também chamadas de coparentalidade, são aquelas parcerias feitas por pais que se encontram em um ambiente virtual, criado especifi camente com a fi nalidade de proporcionar encontros a pessoas que desejam ter fi lhos. b) Critério socioafetivo: é a fi liação resultante de vínculos de afeto. Não está lastreada em vínculos biológicos, mas cimentada no tratamento recíproco dispendido no cotidiano. Ela é construída aos poucos. João Batista Villela, em famoso artigo sobre a desbiologização da fi liação, já chamava a atenção de que a fi liação não é um fato biológico, mas cultural, reconhecendo a insufi ciência do critério consanguíneo para reconhecer os vínculos de parentalidade. Essa nova construção permite a separação entre os conceitos de pai e genitor. Farias e Rosenvald (2017, p. 614) elaboraram um rol ilustrativo de situações em que fi ca evidente a presença do vínculo de afetividade a determinar o estado de fi liação: (i) na adoção obtida judicialmente; (ii) no fenômeno de acolhimento de um “fi lho de criação”, quando demonstrada a presença da posse de estado de fi lho; (iii) na chamada adoção à brasileira (reconhecer voluntariamente como seu um fi lho que sabe não ser) (iv) no reconhecimento voluntário ou judicial da fi liação de um fi lho de outra pessoa (quando um homem, enganado pela mãe ou por ter sido vencido em processo judicial, é reconhecido como pai e, a partir daí, cuida desse fi lho, dedicando amor e atenção). A posse de estado de fi lho mencionada requer a aparência de estado de fi liação, estabelecida num ato de vontade, que se sedimenta no terreno da afetividade e exige três critérios para o reconhecimento: a) tratamento de fi lho; b) reputação/fama: perante a sociedade, ou seja, as pessoas próximas reconhecem 28 DIREITO DE FAMÍLIA II o vínculo como sendo de parentalidade; e c) nome: usar o nome da família. Este último critério exigido pela doutrina tradicional já é refutado atualmente, não sendo mais exigido na prática, em razão de não ter sentido acolher a socioafetividade apenas entre membros de uma mesma entidade familiar. O critério socioafetivo poderá ser utilizado como argumento em todas as ações que versem sobre fi liação, desde a investigação de paternidade até a negatória de paternidade. Uma vez constituído o vínculo pelo critério da socioafetividade, decorrerão todos os efeitos da fi liação, sejam existenciais ou patrimoniais. Portanto, caberá o registro duplo na certidão de nascimento, bem como o direito de alimentos e de herança. Em princípio, reconhecido o vínculo socioafetivo, estariam desconstituídos os vínculos biológicos. Ocorre que a teoria da multiparentalidade, que já vinha sendo propalada pela doutrina, inclusive por mim já defendida, em artigo publicado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família, foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, que passou a admitir a concomitância dos laços genéticos e afetivos. A tese fi xada pelo STF foi: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de fi liação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios” (STF, Ac Tribunal Pleno, RE 898.060/SC, Repercussão Geral 622, rel. Min. Luiz Fux, j. 22.9.16). O reconhecimento da multiparentalidade, bem como as consequências advindas a partir de seu acolhimento, ainda precisam ser melhor refl etidos, pairando inúmeras dúvidas sobre o tema, questões como se os alimentos deverão ser prestados por ambos os pais ou se caberá duplicidade de direito de herança ainda são incógnitas, gerando controvérsias entre os autores. Por enquanto, as questões estão sendo analisadas de acordo com a casuística. Mesmo nos casos em que se reconhece apenas o vínculo socioafetivo com o rompimento dos laços biológicos, há pensamentos controvertidos, caso dos alimentos. Farias e Rosenvald (2017, p. 615) sustentam que, estabelecido o vínculo socioafetivo, não mais se pode exigir do pai biológico alimentos, herança, nem pode exercer o poder familiar. Já Madaleno (2016) defende a tese da paternidade alimentar, entendendo cabível a obrigação ao genitor, quando o pai socioafetivo não tiver condições de prestá-los. O critério socioafetivo poderá ser utilizado como argumento em todas as ações que versem sobre fi liação, desde a investigação de paternidade até a negatória de paternidade. “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de fi liação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios” 29 FILIAÇÃO Capítulo 2 Todavia, entende-se possível ao fi lho afetivo o pleito de reconhecimento de origem genética, sem qualquer outro efeito, ou seja, o direito ao reconhecimento da ancestralidade é tutelado, enquanto a extensão dos direitos patrimoniais, em regra, é repelida. Sobre socioafetividade e multiparentalidade, leia: CALDERÓN, Ricardo. Princípio da afetividade no Direito de Família. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. c) Presunção de paternidade: é também um critério jurídico de fi liação. O Código Civil em seu art. 1.597 estabelece as presunções resultantes do casamento, apesar dos avanços na área genética, que permitem comprovar a paternidade biológica através do exame de DNA. A presunção tem fundamento numa época em que apenas a maternidade era certa, estabelecendo-se a paternidade por meio das presunções, cabendo apenas ao marido o direito de impugnação de tal paternidade (art. 1.601 do CC). O artigo está assim redigido: Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os fi lhos: I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; III - havidos por fecundação artifi cial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artifi cial homóloga; V - havidos por inseminação artifi cial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. O inciso I trata do casamento em que a criança nasce até seis meses depois da união conjugal. O inciso II leva em consideração um período mais ou menos correspondente ao tempo máximo gestacional, atribuindo ao ex-marido a paternidade da criança. Já os incisos III, IV e V contemplam três hipóteses de gestação provenientes de concepção artifi cial. As presunções se estabelecem na fecundação homóloga, que é aquela em que a mulher engravida com esperma do marido, embora este faleça posteriormente; também no caso de gravidez com embriões originados com material genético do marido e, por fi m, na inseminação com material de terceiro quando haja autorização prévia do marido. 30 DIREITO DE FAMÍLIA II Essa presunção não foi estendida à união estável, sendo o artigo taxativo aocasamento. Na prática, isso signifi ca que a mãe de uma criança, nos casos elencados no artigo 1.597 do CC, pode ir diretamente ao Cartório Civil e registrar a criança em nome do marido. Quando a mulher não for casada, somente conseguirá registrar o nome do pai, se deste estiver acompanhada. Prova da fi liação: para encerrar o item sobre fi liação, importa anotar que o registro civil é o meio hábil ordinário para estabelecer a parentalidade, devendo todos os nascimentos serem registrados (Lei 6.015/73, arts. 50 a 66). Com o registro, a certidão de nascimento passa a comprovar a fi liação (art. 1.603, do CC), gozando de presunção quase que absoluta do vínculo ali estabelecido, o qual somente poderá ser desconstituído em caso de erro ou falsidade (art. 1.604, CC). O legislador deixou claro que, além da certidão de nascimento, a fi liação pode ser comprovada por qualquer outro modo admissível em direito, a teor do disposto no art. 1.605 do CC, sendo o principal deles a prova pericial de DNA. Contudo, não se pode olvidar de que a comprovação de origem genética estabelece a parentalidade biológica, que hoje pode ser afastada se já existente e comprovada a parentalidade socioafetiva. “Sem dúvida, a notoriedade e a exteriorização de uma relação paterno-fi lial (isto é, posse de estado de fi lho) decorre de veementes presunções de fatos já certos” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 569). A existência e a comprovação dessa relação socioafetiva poderá então ser regularizada com o registro civil, podendo, a partir disso, garantir todos os direitos e deveres advindos do reconhecimento de parentalidade. Essa presunção não foi estendida à união estável, sendo o artigo taxativo ao casamento. A existência e a comprovação dessa relação socioafetiva poderá então ser regularizada com o registro civil, podendo, a partir disso, garantir todos os direitos e deveres advindos do reconhecimento de parentalidade. Do Reconhecimento dos Filhos O art. 1.607 do Código Civil preconiza que “o fi lho havido fora do casamento pode ser reconhecido pelos pais, conjunta ou separadamente”. O fi lho que não tenha sido regularmente registrado por declaração dos pais ou legitimado (art. 52 da Lei n. 6.015/73), pode ser reconhecido posteriormente, a qualquer tempo (antes do nascimento, em vida ou após a sua morte). “O fi lho havido fora do casamento pode ser reconhecido pelos pais, conjunta ou separadamente”. 31 FILIAÇÃO Capítulo 2 Em que pese a igualdade trazida pela Constituição Federal de 1988, que veda qualquer referência à natureza da fi liação, o Código Civil continuou a tratar a fi liação separadamente a depender se o vínculo é oriundo do casamento ou de relações extraconjugais. O capítulo sobre reconhecimento dos fi lhos trata desta segunda situação, que pode decorrer de casais que vivam em união estável, que tenham um simples namoro ou que não tenham qualquer vínculo. Como já visto, aos fi lhos oriundos do casamento prevalece a presunção de certeza da maternidade da mulher, e a presunção da paternidade, com relação ao marido, não tendo sentido se falar em reconhecimento. Em síntese: “enquanto a fi liação matrimonial decorre de uma presunção jurídica, a fi liação extramatrimonial é materializada por meio do reconhecimento de fi lhos, por ato voluntário ou por decisão judicial” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 622). O reconhecimento dos fi lhos é um direito personalíssimo e irrevogável. Todavia, se o fi lho já estiver reconhecido por outra pessoa, será necessário o ajuizamento de ação judicial para discutir o estado de fi liação, já que o registro estabelece presunção de paternidade ou maternidade ali referidos. Caso acolhido o pedido, ocorrerá uma retifi cação de registro civil. Essa presunção somente poderá ser elidida em caso de erro ou falsidade, segundo termos do art. 1.604 do CC. O reconhecimento dos fi lhos pode decorrer de ato voluntário ou de intervenção judicial. Reconhecimento voluntário: é o que ocorre sem qualquer constrangimento. Feito de forma espontânea pelo pai ou pela mãe, ou também por procurador, com poderes especiais (art. 59, da Lei 6.015/73, Lei de Registros Públicos). Pode ser feito conjuntamente pelos pais ou em atos separados (art. 1.607 do CC e art. 26 da Lei 8.069/90 - ECA). Estabelece o art. 1.609 do CC que, além do registro de nascimento, o reconhecimento de parentalidade dos fi lhos havidos fora do casamento também pode se dar por escritura pública ou instrumento particular, a ser arquivado em cartório; por testamento ou por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém. 32 DIREITO DE FAMÍLIA II Percebe-se a esse respeito que o legislador previu várias formas possíveis para o reconhecimento, no intuito de facilitar o estabelecimento do vínculo de parentalidade também fora do casamento. Todos esses modos independem de homologação judicial, produzindo todos os efeitos jurídicos por si só. Além do mais, o reconhecimento é ato declaratório que pode ser feito a qualquer tempo, inclusive antes do nascimento. A doutrina se posiciona no sentido de ser possível o reconhecimento de nascituro, diante da justifi cativa de receio por parte do pai, de que algo possa lhe acontecer antes do fi lho nascer, bem como do receio da mãe, de não sobreviver ao parto, garantindo, em ambos os casos, os direitos do fi lho. Também no caso de o fi lho já ter falecido é admitido o reconhecimento, porém, apenas se o fi lho deixou descendentes. Isso para evitar que o reconhecimento se dê com intenção de fraudar a partilha, isto é, com interesse exclusivo de adquirir herança (art. 1.609, parágrafo único, do CC). Nas palavras de Madaleno (2013, p. 578), “mostra-se imoral um pai pretender reconhecer o seu fi lho que deixou de perfi lhar em vida, apenas apressando- se em reconhecê-lo depois de morto para lhe recolher a herança, por vocação hereditária”. Farias e Rosenvald (2017, p. 623), por sua vez, trazem interessante ponto de vista sobre o reconhecimento feito por incapazes. Os autores defendem que em razão de se tratar de ato jurídico em sentido estrito e não de negócio jurídico, pode o reconhecimento de fi liação ser feito sem assistência do pai ou mãe do relativamente incapaz. Apenas se o reconhecimento for feito por escritura pública é que deverá estar assistido, “por conta da solenidade essencial do ato público, mas não pelo reconhecimento em si”. Esse posicionamento faz todo o sentido, apesar de vários posicionamentos contrários. Com relação ao absolutamente incapaz, o reconhecimento somente será válido se este estiver devidamente representado ou por meio de decisão judicial, não sendo aceitável que faça sozinho. Outra questão relevante trata de reconhecimento de fi lho maior de idade, caso em que será necessário o seu consentimento (art. 1.614, CC e art. 4 da Lei 8.560/92 - Lei de Investigação de Paternidade) e, se menor, este pode impugná- lo nos quatro anos que se seguirem à maioridade ou emancipação, “desde que fundada em falsa fi liação ou existente fi liação socioafetiva” (CARVALHO, 2015, p. 601). Além do mais, o reconhecimento é ato declaratório que pode ser feito a qualquer tempo, inclusive antes do nascimento. 33 FILIAÇÃO Capítulo 2 Em caso de recusa do fi lho maior, Carvalho (2015, p. 602) entende que se esta for injustifi cada, caberá ação reivindicatória de paternidade ou maternidade para o possível reconhecimento. Já Farias e Rosenvald (2017) posicionam-se no sentido de descaber suprimento judicial, pouco importando se a recusa é justifi cada ou não. Em se tratando de fi lho menor, não exige a lei qualquer tipo de consentimento. Contudo, o Conselho Nacional de Justiça baixou o provimento n. 7, dirigido aos Cartórios de Registro Civil, exigindo a concordância da mãe nesses casos. O artigo 1.614 do Código Civil, porsua vez, estabelece o prazo decadencial de quatro anos para o fi lho menor, que foi reconhecido sem a sua concordância, impugnar a paternidade, a contar da aquisição da maioridade. Essa ação impugnatória não precisa ser motivada, basta a alegação da discordância do reconhecimento. Outra situação prevista no art. 27 do ECA, que estabelece a imprescritibilidade do direito ao reconhecimento forçado de paternidade, tutela a qualquer pessoa o direito de buscar o reconhecimento de seus vínculos de parentalidade a qualquer momento, ou seja, não há prazo para o ajuizamento de ação investigatória de paternidade. Por este artigo também se entende ser imprescritível a negação da paternidade, ou seja, motivadamente pode o fi lho pretender desfazer o vínculo de fi liação constituído no passado, a qualquer tempo, principalmente na era da socioafetividade, em que a realidade fática pode confrontar a fi liação biológica e a socioafetiva. O que defendem Farias e Rosenvald (2017, p. 627) é de que não há incompatibilidade entre as regras do art. 1.614 do Código Civil e o art. 27 do ECA. O primeiro é aplicável à impugnação de paternidade, sem necessidade de motivação. Já o segundo permite a constituição ou a negativa de paternidade, neste último caso, de forma motivada. Antes de tratar sobre o reconhecimento de fi lhos de modo judicial, importa destacar o procedimento de averiguação ofi ciosa. Outra situação prevista no art. 27 do ECA, que estabelece a imprescritibilidade do direito ao reconhecimento forçado de paternidade, tutela a qualquer pessoa o direito de buscar o reconhecimento de seus vínculos de parentalidade a qualquer momento. 34 DIREITO DE FAMÍLIA II Averiguação ofi ciosa: a averiguação ofi ciosa é um procedimento administrativo, inspirado no direito português. No Brasil, a Lei de Investigação de Paternidade (Lei n. 8.560/92) previu referido procedimento em seu art. 2º. A averiguação ocorre toda vez que a mãe sozinha registrar o fi lho. Caso ela indique o nome do suposto pai, o ofi cial do cartório remete ao juiz (da Vara de Registros Públicos) o procedimento para as devidas providências. O CNJ editou o provimento n. 016/12, buscando dar maior efetividade ao procedimento da averiguação ofi ciosa, com objetivo de atender ao Programa Pai Presente, nos seguintes termos: Art. 1º. Em caso de menor que tenha sido registrado apenas com a maternidade estabelecida, sem obtenção, à época, do reconhecimento de paternidade pelo procedimento descrito no art. 2º, caput, da Lei nº 8.560/92, este deverá ser observado, a qualquer tempo, sempre que, durante a menoridade do fi lho, a mãe comparecer pessoalmente perante Ofi cial de Registro de Pessoas Naturais e apontar o suposto pai. Art. 2º. Poderá se valer de igual faculdade o fi lho maior, comparecendo pessoalmente perante Ofi cial de Registro de Pessoas Naturais. Art. 3º. O Ofi cial providenciará o preenchimento de termo, conforme modelo anexo a este Provimento, do qual constarão os dados fornecidos pela mãe (art. 1º) ou pelo fi lho maior (art. 2º), e colherá sua assinatura, fi rmando-o também e zelando pela obtenção do maior número possível de elementos para identifi cação do genitor, especialmente nome, profi ssão (se conhecida) e endereço. § 1º. Para indicar o suposto pai, com preenchimento e assinatura do termo, a pessoa interessada poderá, facultativamente, comparecer a Ofício de Registro de Pessoas Naturais diverso daquele em que realizado o registro de nascimento. § 2º. No caso do parágrafo anterior, deverá ser apresentada obrigatoriamente ao Ofi cial, que conferirá sua autenticidade, a certidão de nascimento do fi lho a ser reconhecido, anexando- se cópia ao termo. § 3º. Se o registro de nascimento houver sido realizado na própria serventia, o registrador expedirá nova certidão e a anexará ao termo. Art. 4º. O Ofi cial perante o qual houver comparecido a pessoa interessada remeterá ao seu Juiz Corregedor Permanente, ou ao magistrado da respectiva comarca defi nido como competente pelas normas locais de organização judiciária ou pelo Tribunal de Justiça do Estado, o termo mencionado no artigo anterior, acompanhado da certidão de nascimento, em original ou cópia (art. 3º, §§ 2º e 3º). § 1°. O Juiz, sempre que possível, ouvirá a mãe sobre a paternidade alegada e mandará, em qualquer caso, notifi car o suposto pai, independentemente de seu estado civil, para que se manifeste sobre a paternidade que lhe é atribuída. 35 FILIAÇÃO Capítulo 2 § 2°. O Juiz, quando entender necessário, determinará que a diligência seja realizada em segredo de justiça e, se considerar conveniente, requisitará do Ofi cial perante o qual realizado o registro de nascimento certidão integral. § 3°. No caso do suposto pai confi rmar expressamente a paternidade, será lavrado termo de reconhecimento e remetida certidão ao Ofi cial da serventia em que originalmente feito o registro de nascimento, para a devida averbação. § 4°. Se o suposto pai não atender, no prazo de trinta dias, a notifi cação judicial, ou negar a alegada paternidade, o Juiz remeterá os autos ao representante do Ministério Público ou da Defensoria Pública para que intente, havendo elementos sufi cientes, a ação de investigação de paternidade. § 5°. Nas hipóteses previstas no § 4o deste artigo, é dispensável o ajuizamento de ação de investigação de paternidade pelo Ministério Público se, após o não comparecimento ou a recusa do suposto pai em assumir a paternidade a ele atribuída, a criança for encaminhada para adoção. § 6°. A iniciativa conferida ao Ministério Público ou Defensoria Pública não impede a quem tenha legítimo interesse de intentar investigação, visando a obter o pretendido reconhecimento da paternidade. Resumindo, o ofi cial remeterá o procedimento ao Juiz, que ouvirá a mãe e, posteriormente, mandará notifi car o suposto pai. Se este reconhecer voluntariamente o fi lho, será lavrado termo de reconhecimento. Se o suposto pai não se manifestar em 30 dias ou se negar a paternidade, o juiz encaminhará os autos ao Ministério Público, que poderá ajuizar ação de investigação de paternidade, se tiver elementos sufi cientes para tanto. Reconhecimento judicial: caso não tenha ocorrido o reconhecimento espontâneo de parentalidade, pode o fi lho socorrer-se do reconhecimento forçado, por meio de ação judicial. A medida judicial cabível será a Ação de Investigação de Paternidade ou Maternidade. A doutrina já questiona a terminologia utilizada como sendo de investigação de paternidade, o que, nas palavras de Dias (2013, p. 345), caracteriza um “ranço cultural”, já que não é mais condizente com a identifi cação plural de vínculos possíveis. a) Ação de Investigação de Parentalidade: ação cabível para investigar os vínculos de parentalidade. O procedimento é regulado nos artigos 1.606, 1.615 e 1.616 do Código Civil. Para Madaleno (2013, p. 589), “o fato gerador da demanda judicial de reconhecimento coativo da fi liação é a eventual negativa do pai ou da mãe em reconhecer o próprio fi lho”. 36 DIREITO DE FAMÍLIA II Já para Farias e Rosenvald (2017, p. 634), na investigação almeja-se o reconhecimento do estado paterno-fi lial, não havendo prevalência necessária do laço biológico ou socioafetivo, podendo ser estabelecido qualquer dos laços, a depender do caso concreto. Essa pequena diferença ao expor o fato gerador de referida ação interfere na maneira de visualizar a legitimidade ativa. Grande parte dos doutrinadores, incluindo Rolf Madaleno (2016) e Flávio Tartuce (2017), entende ser legitimado ativo apenas o fi lho, devidamente representado ou assistido pela mãe ou responsável, por ser este um direito personalíssimo. Além do Ministério Público, conforme já visto. Contudo, há entendimentos no sentido de ampliação dessa legitimidade exclusiva do fi lho, conforme se verá a seguir. Teria legitimidade o nascituro para propor ação de investigaçãode paternidade? Grande parte da doutrina sequer toca no assunto. Tartuce (2017, p. 471) entende que sim, seguindo a teoria concepcionista. A jurisprudência é bastante dividida acerca dessa possibilidade, alguns julgados entendem que o nascituro tem sim legitimidade para estar no polo ativo, e outros no sentido de que apenas a mãe, nesse caso, é parte legítima. Tartuce (2017, p. 471) defende, ainda, a possibilidade de legitimidade ativa à Defensoria Pública, tema ainda recente e em debate. Farias e Rosenvald (2017, p. 636-638), seguidos por entendimentos jurisprudenciais, entendem também ter legitimidade ativa o pai para investigar a parentalidade com relação ao fi lho. Referidos autores não discordam se tratar de um direito personalíssimo do fi lho, contudo, entendem também ser possível ao pai ou a mãe discutirem o estado de fi liação. Nesse caso, alegam que a pretensão deveria ser reconhecida como ação vindicatória. Na jurisprudência, encontra-se ainda a legitimidade do neto em propor ação em face dos avós (ação avoenga), ou do sobrinho em relação aos tios, para investigar o vínculo familiar. Extrai-se do STJ: “Ação dos netos para identifi car a relação avoenga. Precedente da Terceira Turma reconheceu a possibilidade da ação declaratória para 37 FILIAÇÃO Capítulo 2 que diga o Judiciário existir ou não a relação material de parentesco com o suposto avô” (Resp 269/RS, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 07/05/90 e Resp 603.885/RS 3 Turma, Re. Min. Carlos Alberto Menezes de Direito, j. 03.03.2005) A legitimidade passiva, por sua vez, em regra será titularizada pelo pai ou pela mãe, diante do caráter personalíssimo. Entretanto, com base na ampliação da legitimação ativa, podem também estar no polo passivo o fi lho ou os avós, a depender de quem fi gura no polo ativo. Deve ser destacado que a investigatória de parentalidade também cabe no caso de já existir um pai registral e se estar buscando o reconhecimento de outro vínculo. Nesse caso, o pai registral deverá constar também no polo passivo, já que poderá ser atingido pela decisão. Se o juiz entender pela aceitação do pedido e determinar a retifi cação do registro civil, com a exclusão do pai registral, esse deverá ter o direito ao contraditório. Poderá a decisão, ainda, reconhecer a coexistência de vínculos e determinar a inclusão de mais um pai ou de mais uma mãe, caso da multiparentalidade. Sobre essa possibilidade, antes mesmo do STF reconhecê-la já a defendia, deixando como dica de leitura para quem quiser, em uma análise de um julgado aqui do TJSC. GHILARDI, Dóris. A possibilidade de reconhecimento da multiparentalidade: vínculo biológico X vínculo socioafetivo, uma análise a partir do julgado da AC n. 2011.027498-4 do TJSC. Revista Brasileira de Direito da Família. n. 36, Porto Alegre: Magister/ IBDFAM, out.nov. 2013. Embora no início da análise se tenha mencionado que a ação investigatória possa ser utilizada tanto para o reconhecimento de vínculo biológico, quanto afetivo, merece ser destacado um trecho de um acórdão do TJRS, pioneiro no reconhecimento da ação declaratória de paternidade socioafetiva: 38 DIREITO DE FAMÍLIA II Ação declaratória. Adoção informal. Pretensão ao reconhecimento. Paternidade afetiva. (...) A paternidade sociológica é um ato de opção, fundando-se na liberdade de escolha de quem ama e tem afeto, o que não acontece, às vezes, com quem é fonte geratriz. Embora o ideal seja apenas a concentração entre as paternidades jurídicas, biológica e socioafetiva, o reconhecimento da última não signifi ca o desapreço à biologização, mas atenção aos novos paradigmas oriundos da instituição das entidades familiares. (TJRS, AC 70008795775, 7 Câmara de Direito Privado. Rel. José Carlos Teixeira Gioris, 23.06.2004) Não há mais, na contemporaneidade, desprezo ao aceite das demandas socioafetivas, pelo contrário, foram recepcionadas de tal forma que estão a causar uma verdadeira repaginação do Direito de Família. Outrossim, o foro competente para tais demandas será, em regra, o de domicílio do réu (art. 46 do CPC), porém, como geralmente vem cumulada com pedido de alimentos, entende-se no sentido de que será competente o foro de domicílio do autor, isto é, do investigando (art. 53, II do CPC). Nesse sentido, inclusive, foi editada a Súmula 1 do STJ. Outra questão que importa destaque refere-se à relativização da coisa julgada, no que tange às ações de investigação de paternidade. Nas ações em que houve o reconhecimento da paternidade, sem a realização do exame de DNA, permitir a relativização da coisa julgada causa enorme polêmica entre os doutrinadores. Contudo, o STJ entende pela possibilidade da relativização em tais circunstâncias, desde o ano de 2001, ressaltando sempre que se o reconhecimento se deu sem a produção sufi ciente de provas, mormente em épocas em que o DNA não era possível ou pouco conhecido, é permitido rediscutir a questão. Em tempos de DNA, realizar essa prova pericial é obrigatório? Se houver negativa, se estabelece a presunção de parentalidade? Após muitas controvérsias, foi editada a Súmula 301 do STJ, que prescreve: “Em ação de investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”. Reafi rmando a Súmula, em 2009 foi editada a Lei 12.004, que introduziu na Lei 8.560/92 artigo expresso acerca da presunção, nos seguintes termos: Art. 2. Na ação de investigação de paternidade, todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, serão hábeis para provar a verdade dos fatos. Parágrafo único. A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético - DNA - gerará a presunção de paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório. 39 FILIAÇÃO Capítulo 2 Portanto, em resposta às perguntas, percebe-se não ser obrigatória a realização do exame, porém, a recusa gera presunção relativa, que pode ser contrariada por outras provas. Negatória de Paternidade: duas hipóteses de negatória são admitidas pelo Código Civil, a primeira está localizada no art. 1.601, que confere a legitimidade exclusiva ao marido de contestar a paternidade dos fi lhos de sua esposa, em razão da presunção estabelecida. Todavia, em complemento, o art. 1.604 do CC salienta que uma vez realizado o registro civil, só poderá ser impugnado em caso de erro ou falsidade. Portanto, apenas com base nessas duas situações seria admissível o reconhecimento da impugnação. Com relação a esse aspecto, no passado, a ação negatória de paternidade servia para comprovar a inexistência de vínculo biológico, cujo assento havia ocorrido mediante vício. Todavia, com o reconhecimento do critério da socioafetividade, não basta para desconstituir os laços apenas a prova negativa dos vínculos biológicos, porquanto, uma vez comprovada a existência do liame afetivo, a negatória não desconstituirá os vínculos de fi liação. A segunda hipótese está prevista no art. 1.614 do CC, conferindo legitimidade ao fi lho menor de impugnar a paternidade nos quatro anos que se seguirem a sua maioridade. Já se frisou anteriormente que este prazo é imprescritível, por se tratar de uma ação de estado, envolvendo direito personalíssimo. Contudo, atualmente, também a possibilidade de impugnação de paternidade por parte do fi lho não é questão pacífi ca, provocando intensos debates, tendo em vista o reconhecimento da parentalidade socioafetiva, que não autoriza, de pronto, a desconstituição dos vínculos formados e mantidos ao longo do tempo. Para que uma ação dessa natureza tenha seu pedido acolhido, precisa fi car demonstrada a inexistência de qualquer laço entre fi lho e pai registral. Denota-se ser o direito de fi liação um campo bastante arenoso, mormente em tempos de realidades plurais, que admitem múltiplos vínculos, devendo os operadores do Direito de Família estarem atentos e sensíveis a todas essas novidades, até paraque se separe pedidos baseados no afeto, de pedidos com interesses meramente patrimoniais. 40 DIREITO DE FAMÍLIA II Atividade de Estudos: 1) Analise a seguinte situação hipotética: Ana possui um pai registral, que é também o seu pai afetivo. Contudo, ao completar 18 anos, sua mãe lhe conta que Carlos não é seu pai biológico. Ana descobre, então, que João é seu pai biológico e resolve ir atrás dele, curiosa para conhecê-lo. Diante do caso concreto, responda: a) Há alguma medida judicial para que Ana possa estabelecer o vínculo de parentalidade biológica com seu pai genético? Qual seria a medida mais adequada? b) Quem são as partes legítimas para fi gurar nos polos da ação? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 41 FILIAÇÃO Capítulo 2 Algumas ConsideraçÕes O direito de fi liação sofreu e continua sofrendo mutações signifi cativas. O reconhecimento da fi liação socioafetiva trouxe mais humanismo, ao acolher vínculos não apenas baseados em origem genética. É fato que os padrões estabelecidos no passado não comportam mais as estruturas que lhe foram forjadas e desafi am todo tipo de mudanças. Questões complicadas passaram a fazer parte do dia a dia do Judiciário brasileiro, debruçando-se vários estudiosos na busca de alternativas e soluções para intrincadas questões. Nesse sentido, o reconhecimento da multiparentalidade apresenta-se como um importante passo ao reconhecimento de situações coexistenciais múltiplas, sem a necessidade de exclusão de qualquer delas. Há também que se ter atenção e aplicar referido instituto apenas quando a realidade fática a comporta e se apresenta como a melhor solução. A análise de cada caso concreto revelará se é ou não caso de aplicar a multiparentalidade. Com efeito, em resumo ao capítulo da fi liação, tentou-se trazer ao aluno a temática específi ca, abordando de forma pontual todos os seus aspectos, apresentando os pontos controvertidos, além das novas teorias e visões defendidas pelos especialistas. Deixaremos como dica de fi nalização ao capítulo a sugestão para que o aluno faça uma pesquisa jurisprudencial, no STJ e STF, sobre esse tema em especial, como forma de aprofundamento. Não deixe de ler o voto sobre a multiparentalidade (STF, Ac Tribunal Pleno, RE 898.060/SC, Repercussão Geral 622, rel. Min. Luiz Fux, j. 22.9.16). ReferÊncia CALDERON, Ricardo. Princípio da Afetividade. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. CARVALHO, Dimas Messias de. Família. São Paulo: Saraiva, 2015. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Saraiva, 2013. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Famílias. Salvador: Jus Po- diwm, 2017. LÔBO, Paulo. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2013. MADALENO, Rolf. Direito de Família. Rio de Janeiro: Gen Editora, 2013. MADALENO, Rolf. Direito de Família. Rio de Janeiro: Gen Editora, 2016. TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Família. Rio de Janeiro, Forense Editora, 2017. 42 DIREITO DE FAMÍLIA II CAPÍTULO 3 Adoção A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Revisar o instituto da adoção e suas recentes alterações legais. Compreender o instituto e suas nuanças jurídicas e sociais Analisar a adoção, seus mecanismos legais e alternativas de reformas. Apontar os aspectos polêmicos e instigar refl exões. 44 DIREITO DE FAMÍLIA II 45 ADOÇÃO Capítulo 3 ConteXtualiZação Este capítulo abordará a adoção, seus contornos atuais, requisitos para adotar e ser adotado, além dos efeitos tanto da adoção nacional quanto internacional. Se no passado a adoção era tratada como um tipo de fi liação de segunda classe, ou uma forma de se solucionar a esterilidade, após a Constituição Federal de 1988 ocorreu uma releitura e valorização da adoção. Atualmente, a ideia de adoção passa pela oportunização de uma criança, adolescente ou adulto ser inserido em um núcleo familiar. É uma importante forma de criação de vínculo de parentalidade, assentada em laços de afeto e tem como escopo o Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente. Sua regulamentação sofre alterações constantes, estando prevista tanto no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei 8.069/90) quanto no Código Civil. Em 2009, foi promulgada a Lei 12.010, cunhada como Nova Lei de Adoção, que revogou vários dispositivos do Código Civil (1.620 a 1.629), alterando, também, os artigos 1.618 e 1.619. Basicamente, hoje, a matéria está legislada pelo ECA, que também teve vários dispositivos modifi cados. Conceito e NatureZa Jurídica A adoção, para Maria Helena Diniz (2005, p. 484), é: Ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afi m, um vínculo fi ctício de fi liação, trazendo para sua família, na condição de fi lho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha. Nas palavras de Madaleno (2016, p. 639), “A adoção é sem qualquer dúvida o exemplo mais pungente da fi liação socioafetiva, psicológica e espiritual, porque sustentada, eminentemente, nos vínculos estreitos e únicos de um profundo sentimento de afeição”. “Por certo, a adoção se apresenta como muito mais do que, simplesmente, suprir uma lacuna deixada pela Biologia. É a materialização de uma relação fi liatória estabelecida pela convivência, pelo carinho, pelos conselhos, pela presença afetiva, pelos ensinamentos e pelo amor” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 966). 46 DIREITO DE FAMÍLIA II Quanto a sua natureza jurídica, para Madaleno (2016, p. 640), a natureza jurídica da adoção não mais é contrato, mas, sim, instituição, já que suas regras são todas ditadas pelo poder público. Já Tartuce (2017) traz a discussão sobre ser negócio jurídico ou ato jurídico stricto sensu e conclui defendendo ser majoritário o entendimento de que a adoção é um ato jurídico stricto sensu, que parece, de fato, prevalecer entre os doutrinadores. Segundo preconiza a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 227, § 6º, “os fi lhos havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualifi cações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à fi liação”. Portanto, como já se viu em matéria de fi liação, não mais é autorizado qualquer tratamento distintivo entre os fi lhos, independentemente de sua origem. Quem Pode ser Adotado e Quem Pode Adotar Podem ser adotadas crianças e adolescentes órfãos, abandonadas ou cujos pais foram destituídos do poder familiar, sendo regida a adoção nestes casos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Podem, ainda, ser adotados os maiores de 18 anos, segundo previsão do art. 1.619 do Código Civil, que determina aplicaçãono que couber do ECA. Ambas as adoções atualmente dependerão de decisão judicial, proferida em procedimentos que tramitarão na Vara da Infância e Juventude, no caso de crianças e adolescentes, ou na Vara da Família, nos demais casos. Até a entrada em vigor do Código Civil atual, a adoção de maiores de 18 anos dava-se por mera escritura pública, registrada em cartório. Portanto, atualmente, é imprescindível o controle jurisdicional em qualquer tipo de adoção. Pode-se adotar qualquer pessoa capaz, independentemente do seu estado civil, desde que tenha idade mínima de 18 anos. Portanto, a adoção pode ser requerida por pessoa solteira, viúva, casada ou mesmo em união estável. A adoção por apenas uma pessoa é chamada de unilateral e a adoção bilateral passou a ser tratada como adoção conjunta. Esta última é tratada pelo art. 42, parágrafo 2º do ECA, e exige que os adotantes sejam civilmente casados ou mantenham união estável, com comprovada estabilidade familiar, sendo necessário o consentimento de ambos. O parágrafo 4º, do art. 42 do ECA traz uma importante questão sobre a possibilidade de adoção conjunta no caso de divórcio do casal: Portanto, atualmente, é imprescindível o controle jurisdicional em qualquer tipo de adoção. 47 ADOÇÃO Capítulo 3 § 4o Os divorciados, os judicialmente separados e os ex- companheiros podem adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância do período de convivência e que seja comprovada a existência de vínculos de afi nidade e afetividade com aquele não detentor da guarda, que justifi quem a excepcionalidade da concessão. Com relação à adoção por homossexuais, não há qualquer barreira legal impeditiva. Aliás, a tendência atual é pela aceitação da adoção por casais homossexuais, apesar do tema ainda suscitar algumas polêmicas. Com o reconhecimento das uniões homossexuais pelo Supremo Tribunal Federal, em 2011, como entidades familiares igualáveis às uniões estáveis, difícil sustentar posicionamento contrário. Deve ser lembrado, ainda, que logo após a decisão do STF, o Conselho Nacional de Justiça aprovou a Resolução 175, que impede os cartórios brasileiros de se recusarem a converter uniões estáveis homoafetivas em casamento civil. Outrossim, o próprio STF, em 2015, teve oportunidade de analisar e manter decisão autorizando casal homoafetivo a adotar criança. A matéria surgiu por meio de Recurso Extraordinário n. 846.102 (j. 05.03.2015), após o Ministério Público do Paraná questionar decisão favorável. Portanto, sendo possível tanto a união estável, quanto o casamento entre pessoas do mesmo sexo, já tendo o STJ (Resp 1.540.814/PR) e o STF se posicionado favoravelmente à adoção nesses casos, o único argumento que sobra acerca da não possibilidade de adoção por casais homossexuais, refere-se a argumentos de caráter discriminatório. Com relação à adoção unilateral do fi lho do cônjuge ou companheiro: Quando alguém quiser adotar fi lho de seu cônjuge (enteado) ou de seu companheiro e que também não seja fi lho seu, fará sozinho a adoção, como adotante único, com o assentimento, exigido no artigo 45 da Lei 8.069/90 - ECA, do pai ou mãe do adotando. Este (ou esta) permanecerá com seu vínculo parental consanguíneo inalterado e comparecerá à adoção apenas como anuente, sem poder adotar, é claro, fi lho que já é seu e fi ca sendo. O que muda é a relação do parentesco do outro lado, ou seja, da linha do adotante (TAVARES, 2010, p. 42). Outro requisito indispensável por quem deseja adotar é a diferença mínima de idade exigida pela lei entre adotante e adotado, a qual não poderá ser inferior a 16 anos, conforme está previsto no artigo 42 § 3º do ECA. 48 DIREITO DE FAMÍLIA II No entanto, em virtude do melhor interesse à criança e do adolescente, a doutrina vem sustentando a fl exibilidade da aplicabilidade dessa norma. A adoção pode ainda ser realizada pelo tutor ou curador, desde que preste contas de suas administrações e salde eventuais débitos (art. 44, do ECA). Por sua vez, o art. 45 do ECA exige o consentimento dos pais biológicos, ou na falta desses, do representante legal do menor, no processo de adoção. O artigo está assim redigido: Art. 45, do ECA: A adoção depende do consentimento dos pais ou do representante legal do adotando. § 1º. O consentimento será dispensado em relação à criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder familiar. § 2º. Em se tratando de adotando maior de doze anos de idade, será também necessário o seu consentimento. Segundo Tartuce (2017 p. 496), há dúvidas sobre a necessidade de consentimento dos pais no caso de adoção de maiores. Dias (2013) conclui ser dispensável, devendo, contudo, os pais biológicos serem citados. Outra vedação legal diz respeito à adoção pelos ascendentes ou irmãos do adotado (art. 42, par. 1, do ECA). Esse requisito, aparentemente contrário e prejudicial ao menor, é defendido por alguns em virtude das alterações que seriam provocadas nos graus de parentesco, causando uma verdadeira desordem nas relações familiares. Nesse caso, havendo interesse por parte dos ascendentes ou irmãos do menor em mantê-lo sob seus cuidados e proteção, a lei confere a eles o instituto da tutela ou da guarda, de acordo com cada caso. Todavia, o STJ já decidiu favoravelmente a adoção de descendente por ascendente, diante das peculiaridades do caso concreto, na Resp n. 1.448.969/ SC, julgado em 2014. Vale a citação da ementa: DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HIPÓTESE DE ADOÇÃO DE DESCENDENTE POR ASCENDENTES. Admitiu-se, excepcionalmente, a adoção de neto por avós, tendo em vista as seguintes particularidades do caso analisado: os avós haviam adotado a mãe biológica de seu neto aos oito anos de idade, a qual já estava grávida do adotado em razão de abuso sexual; os avós já exerciam, com exclusividade, as funções de pai e mãe do neto desde o seu nascimento; havia fi liação socioafetiva entre neto e avós; o adotado, mesmo sabendo de sua origem biológica, reconhece os adotantes como pais e trata a sua mãe biológica como 49 ADOÇÃO Capítulo 3 irmã mais velha; tanto adotado quanto sua mãe biológica concordaram expressamente com a adoção; não há perigo de confusão mental e emocional a ser gerada no adotando; e não havia predominância de interesse econômico na pretensão de adoção. De fato, a adoção de descendentes por ascendentes passou a ser censurada sob o fundamento de que, nessa modalidade, havia a predominância do interesse econômico, pois as referidas adoções visavam, principalmente, à possibilidade de se deixar uma pensão em caso de falecimento, até como ato de gratidão, quando se adotava quem havia prestado ajuda durante períodos difíceis. Ademais, fundamentou-se a inconveniência dessa modalidade de adoção no argumento de que haveria quebra da harmonia familiar e confusão entre os graus de parentesco, inobservando-se a ordem natural existente entre parentes. Atento a essas críticas, o legislador editou o § 1º do art. 42 do ECA, segundo o qual “Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando”, visando evitar que o instituto fosse indevidamente utilizado com intuitos meramente patrimoniais ou assistenciais, bem como buscando proteger o adotando em relação a eventual confusão mental e patrimonial decorrente da transformação dos avós em pais e, ainda, com a justifi cativa de proteger, essencialmente, o interesse da criança e do adolescente, de modo que não fossem verifi cados apenas os fatores econômicos, mas principalmente o lado psicológico que tal modalidade geraria no adotado. No caso em análise, todavia, é inquestionável a possibilidade da mitigação do § 1º do art. 42 do ECA, haja vista que esse dispositivo visa atingir situação distinta da aqui analisada. Diante da leitura do art. 1º do ECA (“Esta
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