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PRÁTICA FORENSE VIII – Professora: Geisla Prado Lima ORIGEM DO TRIBUNAL DO JÚRI A origem do júri se perde na noite dos tempos. Mas é na grécia Antiga, desde o século IV a.C., que encontramos os primeiros vestígios de sua existência. O Tribunal dos Heliastas, que se reunia em praça pública e era composto por cidadãos, traduzia o princípio da justiça popular e serviu de inspiração para o Tribunal do Júri inglês, introduzido na Common Law a partir de 1066, pelo Rei Guilherme, o conquistador normando. Em Roma, durante a República, segundo Guilherme Nucci (1999), havia a instituição do júri, conhecida por quaestiones, inicialmente, em caráter temporário, mas depois transformada em definitivo. Era composta de um pretor, que tomava o nome de quaestor, e dos jurados, judices juratis. Estes eram escolhidos entre os senadores, cavaleiros e tribunos do tesouro. A Lei Pompéia exigiu que os jurados tivessem condições de renda, aptidão legal e mais de trinta anos de idade. O Tribunal funcionava publicamente no Fórum, onde, no dia do julgamento, os jurados eram sorteados, sendo facultado ao acusador e ao acusado o direito de recusá-los sem qualquer motivação, até esgotar-se a lista. O jurista Rogério Lauria Tucci (1999, p. 31), em substancioso artigo, explicita a sua configuração: Todavia, a noção de tribunal popular, isto é, de determinação do julgamento do ser humano, integrante da comunidade, por seus pares, reclama, no mínimo, uma certa estruturação, por mais rudimentar que seja; e, também, correlatamente, a observância de regras [...] previamente estabelecidas. E ela, assim concebida, só teve lugar, induvidosamente, em Roma, com a quaestio, órgão colegiado constituído por cidadãos, representantes do populus romano, presidido pelo pretor, e cuja constituição e atribuições - assim como os crimes determinantes da sua competência e respectivas penas – eram definidos em leges, prévia e regularmente editadas. Como se infere, essa concepção, sem dúvidas, é a que mais se aproxima da instituição do Tribunal do júri como a oncebemos, porquanto havia regras preestabelecidas; o Tribunal era conduzido por um pretor – juiz -, e o Conselho de Cidadãos detinha a competência para julgar e estabelecer a pena para os crimes de sua competência. Nesse sistema, caso não houvesse quórum para a formação do Conselho, procedia-se a um outro sorteio. O império acabou, aos poucos, com a figura do júri em Roma. Vê-se, entretanto, que foi na Inglaterra, com o advento da Magna Carta, em 1215, que nasceu, verdadeiramente, a instituição do júri nos moldes conhecidos pelos países ocidentais, na feição atualmente conhecida no Brasil. O item 48 da Magna Charta Libertatum estabelecia o seguinte, in verbis: “Ninguém poderá ser detido, preso ou despojado de seus bens, costumes e liberdades, se- não em virtude de julgamento de seus pares, segundo as leis do país“. Esta foi a forma que os ingleses encontraram para proteger os direitos fundamentais do cidadão diante dos abusos perpetrados pelo governo autoritário e “permitindo ao cidadão que julgasse seus semelhantes, segundo os critérios do bom senso e dos costumes que imperam na sociedade” (NUCCI, 1999, p. 33). Na verdade, os magistrados do ancién régime eram subservientes aos interesses da monarquia e das dinastias, não havendo justiça em suas decisões, já que, para garantir seus postos, decidiam para agradar aos interesses do soberano, utilizando-se dos abomináveis julgamentos secretos e das torturas como método eficiente para encontrar a temível “verdade real”. O Tribunal do júri se expandiu por todos os países europeus, com exceção da Holanda. Segundo Guilherme Nucci (1999), com o tempo, em decorrência da aquisição de independência do Poder judiciário frente ao Poder Executivo, os juízes togados passaram a gozar de maiores garantias, e o júri começou a perder a sua força, tanto que foi abolido na Alemanha em 1924 e substituído pelo sistema de assessorado e escabinado – Conselho de Sentença composto por juízes togados e jurados -, sendo que, na Itália e na França, o júri foi abolido em 1935, e na Argentina, apesar de constar na Constituição, nunca foi instituído. É bem de ver, conforme as informações de Lênio Streck (2001), que na Inglaterra, até o ano de 1933, existia o grand jury, que era composto por entre doze e vinte e quatro jurados e o veredicto era por maioria. Atualmente só existe o petit jury, com- posto por doze jurados que apresentam o veredicto de guilty or not guiltye julgam os crimes de homicídio, estupro e outros crimes graves, cabendo ao juiz togado apreciar a admissibilidade da acusação, no sentido de encaminhar, ou não, o réu para o tribunal popular. Os Estados Unidos importaram o sistema do júri inglês desde 1629, quando já figurava como uma das leis fundamentais, e, já no século XVII, antes de constituir-se nação independente, generalizou o júri, abrangendo o julgamento geral de todas as causas. Estima-se que, atualmente, nos Estados Unidos, são realizadas cerca de cento e vinte mil sessões de julgamento pelo Tribunal do júri para a resolução de questões cíveis e criminais, podendo-se dizer que o júri faz parte da educação do povo. O júri estadunidense compreende o grande júri (grand jury) e o pequeno júri (petit jury). O grande júri tem a função de investigação e de admitir a acusação, apontando os autores que supostamente cometeram crimes previstos na legislação. Sua composição varia de Estado para Estado, oscilando entre dezesseis e vinte e três membros da comunidade, que são sorteados. Já o pequeno júri que, na maioria dos Estados, é composto por doze jurados, tem a competência de julgar o réu. O juiz-presidente é eleito pela comunidade, tendo a função de instalar a sessão e conduzir o julgamento, disciplinando a produção de provas e resolvendo os incidentes processuais. O juiz, nesse sistema, é um mero expectador do processo, não dispondo de poderes instrutórios, não podendo, portanto, produzir provas, as quais ficam à mercê das partes. O promotor, na maioria dos Estados, é também eleito e tem disponibilidade sobre a ação penal, podendo negociá-la ou até arquivá-la em alguns casos, por força dos institutos da plea bargaining e a guilty plea, havendo ainda a possibilidade de, em alguns casos, o acusado renunciar ao julgamento pelo Tribunal do júri. A sessão pode durar meses e vigora o princípio da comunicabilidade entre os jurados, ou seja, o líder dos jurados – foreperson- conduz a votação na sala secreta para que a decisão seja unânime. Se não ocorrer unanimidade, o juiz-presidente dissolve o Conselho de Sentença e designa nova sessão de julgamento. Em alguns estados, esse impasse determina a absolvição do réu. Extraído da obra Tribunal do Júri, de acordo com a Lei 11.689/09, do autor Marcos Bandeira.