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Incesto e Alienação Parental - 12

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2018 - 08 - 13 
Incesto e Alienação Parental - Edição 2017
12. 12 QUAL A POSIÇÃO DA CRIANÇA ENVOLVIDA EM SITUAÇÕES DE ABUSO
SEXUAL NAS SEPARAÇÕES E DIVÓRCIOS: INOCENTE, VÍTIMA OU SEDUTORA? A
PSICANÁLISE NO JUDICIÁRIO
Lenita Pacheco Lemos Duarte1
1. Introdução
Atualmente alguns pais separados e divorciados, na posição de não guardiões,
recorrem a atendimentos psicológicos, dentre eles a psicanálise, por se sentirem
ameaçados, temendo sofrer falsas denúncias de abuso emocional e/ou sexual aos seus
filhos por parte do (a) genitor (a) guardião, e outros genitores por sofrerem, de fato,
acusações dessa natureza. Estes últimos, em geral, ficam limitados pela justiça a manter
contato com seus filhos, precisando ser acompanhados por uma pessoa indicada pelo
guardião, de sua confiança, em suas visitas, ou em casos extremos, são mantidos afastados
e impedidos de qualquer forma de aproximação com as crianças/adolescentes.
O referido tema vem sendo objeto de pesquisas interdisciplinares nos meios jurídicos,
acadêmicos, entre outros, principalmente nas situações de alienação parental, gerando
debates na mídia com vistas a divulgar acontecimentos que ocorrem em muitas famílias
em litígio, trazendo muito sofrimento, angústia e sintomas para os sujeitos envolvidos nos
conflitos parentais. Nesse contexto, os sujeitos crianças/adolescentes, totalmente
vulneráveis e dependentes dos discursos e atos de seus guardiões, substitutos e
operadores do Direito, podem se posicionar e responder de diferentes formas frente às
diversas situações em que se encontram inseridos, independente de suas escolhas
Por exemplo, por um lado podem vivenciar abusos psicológicos decorrentes de atos de
alienação parental, sofrendo porque um dos pais, dito alienador, fala que o outro abusou
dele sexualmente, inventando mentiras e falsas memórias para que as crianças acreditem
que de fato isso aconteceu, causando-lhes sentimentos de traição, vergonha, nojo e ódio,
desejando afastar-se do genitor alienado por acreditar nas falas convincentes do guardião
alienador. São casos de violência intrafamiliar, deixando os filhos fragilizados, revoltados,
inseguros, querendo distância do genitor não guardião alienado. Por outro lado, as
crianças podem ser abusadas, permanecendo como vítimas de abuso sexual de fato, por
parte de pais, padrastos, madrastas, avós, dentre outros, merecendo pesquisas,
investigações e cuidados especiais.
A proposta do meu trabalho é abordar e tentar articular as situações de abusos
psíquicos e/ou sexuais que ocorrem no meio familiar, às vezes, associadas à suspeitas de
relações incestuosas, com o processo de alienação parental, temas de extrema
complexidade e gravidade, cada vez mais presentes nos casos de separação/divórcio
litigioso. Esses acontecimentos vêm suscitando muitas questões e dúvidas, por exemplo,
para os psicólogos, psicanalistas, assistentes socais e operadores do Direito. Nas Varas de
Família, cada vez mais são requeridas avaliações ao corpo técnico da área psicossocial
para balizarem reflexões, decisões e sentenças judiciais, de extrema responsabilidade.
Como os pais ou substitutos em situações de litígio podem produzir diversos impactos e
reações nas crianças/adolescentes, por exemplo, conflitos não verbalizados, violência
física e/ou verbal, hostilidade direta ou dissimulada, isolamento e abandono do lar de um
dos pais. Acredito que o conhecimento de alguns conceitos fundamentais da Psicanálise
pode oferecer contribuições para esclarecer algumas das questões e mal-entendidos que
se apresentam nas referidas situações. Nos litígios, se observam questões subjetivas que
escapam à razão, aos bons costumes, e ao ordenamento jurídico, que são pertinentes à
ordem do sujeito do inconsciente, do desejo, à pulsão e ao gozo. Dessa forma, legalidade e
subjetividade estão mutuamente entrelaçadas, principalmente nas questões pertinentes
ao Direito de Família.
Com as descobertas do psicanalista Sigmund Freud sobre o inconsciente, aparece uma
nova concepção de sujeito, de um sujeito dividido, portador de um desejo do qual ele não
sabe. A psicanálise subverte o cogito de Descartes, “penso, logo sou”, apontando para “sou
onde não penso, e penso aonde não sou”. E é desse lugar descentrado que o inconsciente
vai se manifestar, onde o “eu da consciência”, cartesiano, não se confunde com o sujeito
do desejo. O processo de divisão (spaltung) do sujeito apreendido por Freud vai ser
generalizado por Lacan2, que afirma que essa é a característica fundamental do sujeito do
inconsciente, onde qualquer ideal de harmonia e a noção de inteiro são incompatíveis
com o conceito de sujeito. Lacan também se baseia no conceito freudiano da repetição,
que não ocorre por prazer, mas que vai acontecer também ao nível do inconsciente, ou
seja, tem sempre as mesmas cenas ou palavras voltando ao sujeito, determinando a sua
vida. Essas retornam tanto nos pensamentos, nos atos, como nas falas, sinalizando que o
inconsciente está amarrado na repetição3, articulado numa pulsão de morte 4.
Cabe lembrar que o desejo encontra-se no centro da teoria psicanalítica, e que nada
tem a ver com a concepção naturalista ou biológica da necessidade. Esta implica uma
relação com um objeto real, que encontra satisfação através de uma ação específica,
visando a um objeto que permite a redução da tensão, ou seja, a necessidade implica
satisfação. O desejo, entretanto, não possui uma relação com um objeto real, mas com uma
fantasia. O desejo busca um objeto perdido, e jamais é satisfeito. Quanto à pulsão, Freud a
define como sendo uma impulsão do sujeito, ou seja, uma força interna e constante que
busca sempre um objeto, o mais variável possível, para se satisfazer. Nessa direção,
esclareço que os operadores do Direito lidam com os arranjos pulsionais dos diversos
sujeitos (criança, adolescente, adulto e idoso) envolvidos em conflitos parentais e
familiares. Em relação ao termo genuss (gozo), este foi retirado do campo jurídico, onde
significa distribuir e usufruir de um bem, por exemplo. Freud o utiliza para ressaltar o
caráter excessivo de um prazer, associando-o em certas situações com o júbilo mórbido ou
o horror. Embora Freud não tenha conceituado o gozo, definiu o seu campo, situando-o no
mais-além do princípio do prazer, regulando o funcionamento do aparelho psíquico, no
qual se manifestam como prazer na dor e em fenômenos repetitivos que podem ser
remetidos à pulsão de morte. Aqui se podem citar as brigas e as disputas intermináveis,
destrutivas e mortíferas entre sujeitos que querem se separar ou já estão divorciados, mas
que se agridem para vencer e ter a guarda dos filhos, ignorando os sentimentos e
sofrimentos dos filhos. Eles “gozam” brigando.
  Muitos sofrimentos dos filhos passam despercebidos pelos próprios familiares, uma
vez que, em certos casos, muitos pais de nada querem saber, obtendo daí um gozo. Dessa
forma, o discurso do psicanalista é indicado para mostrar o que está para além do que é
objetivo e racional, e falando em termos do inconsciente freudiano, fazer emergir o sujeito
do desejo, da “Outra cena” ou ainda, segundo Lacan, falar do “inconsciente estruturado
como linguagem”. Ao interpretar suas diversas manifestações – atos falhos,
esquecimentos, chistes, sonhos e sintomas-, o psicanalista aponta para as particularidades
de cada sujeito e, quando convocado, não deve recuar diante do desafio de contribuir
nessa interlocução com diferentes campos do saber.
2. Os processos de separação e divórcio litigiosos
Os divórcios, separações e dissoluções de união estável constituem desafios da
atualidade que trazem muitas questões para a clínica psicanalítica e o âmbito jurídico.
Embora sejam, em certa medida, traumáticos, a maneira como os interpreta e os aborda
ocasionará distintos efeitos na subjetividade dos ex-cônjuges e de seus filhos,
principalmente quando há disputas emocionais e judiciais em torno da escolha do
guardião, nos casos de guarda unilateral, na determinação de esquemas de convivência do
genitor “não guardião” com os filhos.Tais ocorrências podem trazer um resultado considerado paradoxal na estrutura e
dinâmica familiar, quando se podem observar tentativas por parte dos pais de inversão da
situação que garante à mãe, em sua maioria, uma preponderância de fato, se não de
direito, em detrimento do genitor, por exemplo, na questão da guarda dos filhos, nos casos
de separação/ divórcio. Acrescida a esses fatos, observa-se a valorização do cultuado
“instinto materno”, que fora tão difundido em nossa cultura, dando um super poder à
figura materna, naturalizando o direito da mãe como principal referência na vida do filho,
mito este que vem sendo desconstruído a partir de algumas teorias psicológicas e
psicanalíticas, que ressaltam a importância da função paterna na construção da
subjetividade do sujeito, e o pai como representante desta função no núcleo familiar.
Em vários casos, apresenta-se, uma dissonância entre o que racionalmente é
propagado como necessário e benéfico, ou seja, a importância da figura paterna na vida
do filho tal qual a da mãe e as dificuldades emocionais de algumas mulheres para
aceitarem tal condição de paridade, gerando reações negativas nessas últimas, o que pode
desencadear a prática da alienação parental, a qual será abordada mais adiante.
Na clínica analítica ouvem-se demandas de alguns pais no sentido de desejarem
salvaguardar seu lugar junto aos filhos, quando apresentam questões sobre o que é ser
pai, qual a sua função, ou então, o que é um pai, além de indagações sobre quais seriam as
suas atribuições numa família cujos laços foram desfeitos. Muitos pais, biológicos ou
socioafetivos, referem interesse em continuar convivendo com seus filhos após o divórcio,
separação ou dissolução da união estável.
Nos casos de separações litigiosas, um dos argumentos mais utilizados e eficazes para
afastar o não guardião dos filhos, geralmente o pai, bloqueando o contato entre eles, é
acusá-lo de abuso sexual. Com essa acusação, muitas vezes, caracterizada como “falsa
denúncia”, realizada por muitos guardiões, na sua maioria mulheres5, estas conseguem
alcançar seus objetivos junto à Justiça, ou seja, suspender e bloquear a convivência do
genitor não guardião com o(a) filho(a). Por outro lado, também se encontram pais
separados e divorciados, que por falta de convivência com os filhos, não sabem como lidar
com eles, por ocasião do contato parental. Mostram-se temerosos por seu desempenho e
consequências de suas falas, principalmente nos dias de hoje, em que vêem perdendo seu
lugar de autoridade e legitimidade junto aos filhos, tendo sua palavra desvalorizada,
distorcida, e não reconhecida no discurso materno.
Na conexão entre Direito e Psicanálise é necessário articular os diversos personagens
nomeados como pai (s), nas famílias reconstituídas6, onde se acham presentes múltiplos
pais exercendo diversas formas de paternidade – genitor (biológico), provedor, legal
(transmissor do nome, dos bens e da herança), e social ou educador, com a função
simbólica do pai, que articula a questão da Lei com o desejo, de acordo com as referências
psicanalíticas e de alguns juristas. Nesse sentido, com a sucessão de diversas uniões de
seus pais, uma criança pode adotar o padrasto como seu pai, submetendo-se à sua lei e
ignorar os ditos do pai biológico, o qual deseja ser reconhecido como autoridade para ela.
A noção de pai para a teoria psicanalítica, não pode se limitar ao “papel” – termo usado
por professores, psicólogos, pedagogos e outros profissionais. Tal noção apresenta-se como
um campo conceitual complexo, não podendo ser reduzida às imagens, à fenomenologia
ou às condutas familiares e sociais. Com os ensinamentos de Freud e Lacan, a paternidade,
como dado familiar ligado à pessoa, ao papel e ao status do pai, diferenciou-se de uma
função simbólica, de operador lógico na função do Nome-do-Pai, em que esses pais são os
representantes ou suportes. Quanto à distinção entre o papel social do pai e o conceito
lacaniano de “metáfora paterna” ou “Nome-do-Pai”, o primeiro diz respeito ao que a
sociedade espera da conduta de um determinado homem em relação àquele(s) que gerou,
e o segundo depende da importância que a mãe dá à palavra do pai e da relação do pai
com a lei.
Vistas sob esse ângulo, as mudanças sociais e jurídicas ocorridas no âmbito da família
geram efeitos na vida cotidiana, apontando para o declínio dos pais que têm sido
evocados. Entre pai e genitor, é notória a confusão que parece retomar a primazia entre a
função paterna e o personagem que exerce essa função, entre o registro do real para a
biologia – a genética – e o registro do simbólico – a filiação jurídica. Essa evolução não
poderia também ser pensada sem os progressos da ciência, na medida em que, muitas
vezes, o que se invoca é a verdade científica certa do genitor, convocada a substituir a
verdade psíquica incerta da paternidade.
Hurstel, psicanalista (1999), sustenta que o termo “papel” vem sendo usado
indiscriminadamente para caracterizar aspectos de paternidade como psicológicos,
sociológicos, como modos de ser dos pais, sem que fique jamais definido o que está em
questão precisamente. Ao “papel” do pai estão atribuídas múltiplas consequências, como
“carência do pai” e causalidade dos sintomas dos filhos, e estas vem sendo interpretadas
de acordo com o campo de referência do qual se analisa, que pode ser, por exemplo, sob a
vertente de uma norma social. Nessa direção, o “bom” pai do século passado pode não ser
o bom pai de hoje.
3. Alienação parental na guarda unilateral e a função paterna
É possível constatar por meio da clínica, que nos litígios familiares, a instituição da
guarda unilateral traz sofrimento, angústia e prejuízos emocionais para as
crianças/adolescentes, quando um dos pais, geralmente o “guardião”, dificulta ou proíbe
os filhos de conviverem com o genitor “visitante”, impedindo e bloqueando, de diversas
formas, o acesso entre esse e os filhos. A esse processo o psiquiatra americano Richard
Gardner (1985), denominou de “Síndrome de alienação parental” (SAP), que pode ser
entendida como um conjunto de sintomas apresentados pelos filhos como sendo
resultantes da influência de um dos genitores, que se utiliza de diversas estratégias
tentando manipulá-los com o objetivo de bloquear, impedir e até destruir seus vínculos
afetivos com o outro genitor. O tema da alienação parental vem sendo pesquisada no
Brasil por diversas profissionais, como psicólogos, psiquiatras, psicanalistas, assistentes
sociais, operadores do Direito, associações de pais e mães separados, como a APASE, Pais
para sempre, Criança Feliz, dentre muitas outras, constituindo-se como objeto de estudos,
debates e produções bibliográficas em diversos meios acadêmicos e profissionais. Esse
assunto resultou na proposta do PL 4.053/2008, idealizada por um pai, o juiz de Trabalho
Elízio Luiz Perez, que percebeu a necessidade do Estado adotar medidas protetivas às
crianças e aos adolescentes, tendo “forte caráter preventivo, no sentido de fortalecer a
atuação do Estado contra essa modalidade de exercício abusivo da autoridade parental.7”
De acordo com as referências de cada área do saber, o termo “alienação”8 pode ter
significados diferentes. Da forma que vem sendo apresentado atualmente na mídia, no
âmbito familiar, social, jurídico, acadêmico, a alienação parental se caracteriza por uma
ligação de acentuada dependência e submissão do sujeito criança/adolescente ao genitor
que detém sua guarda, o qual dificulta e impede seu contato com o genitor “visitante”,
causando, consequentemente, o afastamento e o desapego afetivo entre eles. Em geral, o
guardião, pai ou mãe, apresenta falas depreciativas e humilhantes em relação ao outro
genitor, foco e objeto de sentimentos de ódio, ressentimentos e necessidade de vingança, o
que contribui para diminuir a auto-estima dos filhos, provocando-lhes medo, insegurança,
inibições e até horror em aproximar-se do não guardião, além de outras reações
sintomáticas. Embora nem sempre necessariamente consciente, o processo de “alienaçãoparental” por parte do guardião pode facilitar o uso perverso das crianças em diversos
processos litigiosos, afastando-as do(a) outro(a) genitor(a).
Pode-se observar que as questões relacionadas à convivência com entre pais e filhos,
são muito complexas e dolorosas para as crianças, pois ao perderem, mesmo
temporariamente, o contato e a possibilidade de serem assistidas por ambos os pais,
outras perdas advêm engendrando sequelas, às vezes, irreversíveis em seu psiquismo.
Enquanto aguardam a decisão de processos judiciais, que duram meses e, às vezes, até
anos, para obterem maiores chances de convivência com o pai ou com a mãe, com mais
assiduidade do que aquela geralmente concedida judicialmente, – visitas quinzenais,
estabelecidas por um critério sem embasamento teórico e legal que atenda às reais
necessidades afetivas da criança e do adolescente –, o que se constata no cotidiano é o
incremento do estado de angústia tanto nelas como no genitor não guardião que luta na
justiça para conviver com seu (s) filho (s).
Nota-se que nem sempre as normas e sentenças são seguidas na prática, no cotidiano
das famílias, pois alguns guardiões tendem a acreditar que têm um poder acima dos
preceitos legais, determinando o que deve ser feito ao filho e ao ex-parceiro, ignorando
assim o que foi determinado judicialmente, o que acaba por desencadear conflitos,
sofrimento e temores nos sujeitos submetidos e dependentes do genitor “guardião” que
tende a se posicionar como poderoso, vitorioso e onipotente.
Quando se iniciam disputas emocionais e judiciais em torno da guarda, muitas vezes
associada à ideia de posse dos filhos, acirram-se os ânimos entre os ex-cônjuges. Estes
tendem a se utilizar de diversos tipos de estratégias para provarem sua superioridade e
poder, como ameaças e mecanismos de força para coagir um ao outro e, dessa forma,
oprimirem e agredirem os que estão ao seu redor, sem medir os efeitos de suas
verbalizações e ações, principalmente sobre os filhos. É como se fosse um campo de
batalhas em que cada um dos ex-cônjuges tenta suplantar o outro colocado na posição de
inimigo a ser vencido e, desse modo, declarar-se vitorioso, enquanto o outro vira um
perdedor humilhado e subjugado aos caprichos e desejos mais vingativos e cruéis do
“guardião alienador”. Soma-se ainda a essas situações a entrada de padrasto(s) ou
madrasta(s), a partir da formação de novas alianças afetivo-sexuais, que pode influenciar
o guardião, ou mesmo ajudá-lo a humilhar o não guardião, tomado como “adversário”.
Com tais atitudes e a invenção de discursos maldosos, mentirosos e extremamente
ameaçadores, deixam a criança/adolescente cada vez mais assustada e temerosa de falar,
ver ou aproximar-se do genitor “alienado”. Além disso, acrescentam-se as opiniões de
alguns avôs e avós, dentre outros familiares, por parte do “guardião “alienador” e de
seu(s) novo(s) parceiro(s) para acirrarem os ânimos entre pais e filhos, no doloroso
processo de eliminar o pai ou a mãe “alienada” da vida dos filhos, cada vez mais
impotente, e à mercê de guardiões “poderosos e manipuladores”.
Várias dificuldades presentes nas separações litigiosas são decorrentes, algumas vezes,
de causas de cunho inconsciente dos ex-cônjuges que não resolveram, por exemplo, suas
questões narcísicas, edípicas, problemas de separação de seus próprios pais, ou também
porque não aceitam perder. Em geral, estes apresentam necessidades de disputa e
vingança, trazendo prejuízos emocionais para os filhos que amam e precisam conviver os
ambos os pais.
Nas situações litígiosas é possível encontrar certa confusão nos vínculos de parentesco
e conjugalidade. A união conjugal pode ser desfeita, mas não se desfaz o vínculo filial.
Certamente, as crianças/adolescentes sofrem os efeitos das situações decorrentes não
apenas das decisões e dos atos de seus pais, mas também de certos atos jurídicos advindos
da instituição de um genitor “guardião” e outro “não guardião”. Em muitos casos, temos
um sujeito criança/adolescente numa situação complicada, ficando como “joguete,
marionete” ou mesmo um “troféu” nas relações conturbadas entre os genitores. Ele pode
se sentir responsável pela separação ou divórcio dos pais ou então atribuir a culpa a um
deles, não querendo mais vê-lo. Poderá ainda se sentir promovido a guardião dos pais ou,
até mesmo, protetor e fiscal do pai ou da mãe, além de apresentar conflitos de lealdade,
culpa, angústia, sofrimento e várias reações sintomáticas, decorrentes da prática da
alienação parental.
Em geral, o desejo dos filhos é juntar os pais separados, e os sentimentos deles com
relação aos genitores são os mais diversos possíveis. Quando o genitor “alienador” passa a
destruir a imagem do outro perante aos filhos, seja com comentários sutis, desagradáveis
ou abertamente hostis, reforçado pelo apoio de familiares, novo cônjuge, advogados,
amigos, entre outros, ele acaba por provocar insegurança, dúvidas e incertezas para os
filhos, que precisam, muitas vezes, se calar, sufocando suas emoções e sentimentos com
relação ao outro genitor, ainda amado, para não desagradar ou mesmo ferir o genitor com
o qual residem e que os mantém sob seu controle. Também podem passar a odiá-los e
rejeitá-los, apresentando e repetindo as mesmas falas e sentimentos do guardião
“alienador”.
Muitas vezes, nos defrontamos com pais controladores, agressivos que apresentam
traços paranóicos, instabilidade emocional, insegurança ou mesmo denotando uma
estrutura perversa, nem sempre evidente. O genitor que detém a guarda dos filhos, que
apresenta traços de egocentrismo faz com que não só os filhos e o ex-cônjuge girem ao seu
redor, determinando o que pode e deve ser feito, assim como procura driblar a lei, não se
sujeitando às decisões jurídicas e, desse modo, acaba por inventar vários tipos de
subterfúgios e desculpas para justificar condutas, às vezes, ambíguas e incoerentes. Aí são
incluídas as tentativas de provar que só ele é capaz de cuidar das crianças/adolescentes,
reforçando que estes não sobrevivem sem seus cuidados, excluindo desta forma o genitor
“não guardião”.
Essa é uma das características do “alienador”, que ao fazer de tudo para subtrair o “não
guardião” da vida dos filhos, favorece a ocorrência de situações em que este último lute
sem parar pela convivência parental, ou acabe por se sentir humilhado e impotente,
achando que não tem mesmo condições de criar e educar satisfatoriamente os filhos e,
com muito sofrimento, muitas vezes, desaparece como uma forma de evitar a angústia
que tal contato lhe provoca. Consequentemente, procura adotar e/ou ter filhos com
outro(a) parceiro(a), dedicar-se aos filhos oriundos da outra união do(a) novo(a)
companheiro(a), ou ocupar-se de outras crianças da família.
É importante lembrar que por um lado, o genitor “alienador” ao abusar do poder
parental, busca persuadir, de todas as formas, seus filhos a acreditarem em suas crenças,
conseguindo impressioná-los e levá-los a se sentirem amedrontados e ameaçados na
presença do “não-guardião”, levando-os a apresentar “falsas memórias”, ou seja, eles
passam a acreditar nas falas mentirosas dos alienadores que têm o poder e representam a
autoridade para aqueles que aceitam suas informações como verdades absolutas, o que
deixará marcas em suas subjetividade. Por outro lado, ao não verem mais o outro genitor,
e sem compreenderem as razões do seu afastamento, os filhos sentem-se abandonados,
traídos e rejeitados, não querendo mais vê-los, e o pior, sentem-se também desamparados.
Cabe assinalar que a noção de tempo é diferente do adulto para a criança, uma vez que
dentro da perspectiva da criança, quinze dias de afastamento podem lhe trazer a
experiência de abandono, o sentimento de não ocupar um lugar importante no desejo do
outro genitor a quem ela dirigia seu amor e de quem se sentia protegida. Ao interpretar o
afastamento como traição, rejeição e abandono, o sujeito criança/adolescente acaba por
também rejeitar a presença do genitor(a) “alienado” (a), recusando, em muitas situações,
retomarqualquer forma de contato com ele(a), oque pode persistir mesmo quando se
tornarem adultos. Pais com dificuldades de estabelecer laços sociais, em geral necessitam
da presença constante dos filhos, não querendo “dividi-los” com ninguém. Nesse contexto,
os filhos se tornam objetos de controle e de posse, e, muitos desses passam a perceber e a
falar dos acontecimentos do mesmo modo que o genitor “alienante” impõe e interpreta,
levando-os a acreditar em suas versões mentirosas, muitas vezes deturpadas ou
inventadas, com um único propósito: deixar a criança “cega, surda e muda” ao que se
passa ao seu redor, alienada aos seus desejos, discursos, convicções e objetivos de punir e
vingar-se do ex-parceiro.
Paradoxalmente, ao impedir o convívio do genitor “não guardião” com os filhos, o
guardião “alienador” pode acusá-lo de negligência, projetando nos filhos todas as suas
revoltas e dessa maneira deixando-os cada vez mais afastados. Pode-se indagar se o
“alienador”, ao atacar o (a) cônjuge com verbalizações negativas e destrutivas não estaria
projetando no outro seu próprio egoísmo e megalomania. Nesse sentido, a clínica
psicanalítica nos apresenta vários casos em que a criança é ignorada na sua subjetividade,
não sendo ouvida enquanto sujeito de desejo e direito. A realização de seus desejos está na
dependência dos desejos do genitor “dominador e alienador”, o qual só permitirá que os
filhos façam o que ele determina. Assim, muitas crianças sem entender o que acontece,
indagam ao guardião “alienador”: “Por que papai (mamãe) me abandonou, e me rejeitou?
Por que papai (mamãe) me traiu? Por que deixou de me amar? Por que combinou de vir
me ver, passear comigo e não apareceu?” Algumas meninas, identificadas com sua mãe,
por exemplo, repetem as falas maternas agressivas dirigidas ao ex-parceiro, como:
“Homem não presta!” Alienadas ao que escutam, afirmam: “Quando eu crescer não quero
casar” Desse modo, evitam contato com o genitor alienado, contaminadas pelas
verbalizações de descrédito, humilhantes e acusadoras dirigidas ao pai, que contribuem
para que construam imagens ruins e deformadas do genitor, e dessa maneira passam a
enquadrar os homens e futuros parceiros nessa categoria deprimente e desvalorizada
transmitidas sob o olhar e o discurso materno. Quanto aos meninos, estes podem se tornar
violentos, exploradores ou indiferentes às mulheres, quando se identificam com pais
“abusadores, ausentes, traidores, que os abandonaram”, assim descritos pelas mães
alienadoras.
Em situações críticas e extremas, o guardião alienador pode acusar o “não guardião” de
abusar sexualmente do (a) filho (a), sem um dado real, ocasionando o afastamento total
deste com a criança/adolescente, que acaba por acreditar numa mentira forjada que pode
desembocar numa “falsa denúncia”. Em vários casos, tal acontecimento ao chegar ao
Poder Judiciário, este tomará como medida a suspensão das visitas do suspeito da
acusação. Numa tentativa de esclarecer a situação, “o juiz determinará a realização de
estudos sociais e psicológicos para aferir a veracidade do que lhe foi noticiado... [...] e
durante todo esse período cessa a convivência do pai com o filho”, como ressalta a ex-
desembargadora, advogada e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Família (IBDFAM),
Maria Berenice Dias9. Tal conduta pode desencadear diversas sequelas, assim como
situações de constrangimento dadas “as inúmeras entrevistas e testes a que é submetida a
vítima na busca da identificação da verdade10” Dessa forma, o detentor da guarda realiza
uma campanha para desmoralizar o genitor não guardião, destruindo o vínculo afetivo
entre eles, assumindo assim o controle total da situação. O genitor não guardião passa a
ser visto como um “intruso, invasor e inimigo” que precisa ser afastado de qualquer
maneira. Essas manobras possibilitam a destruição do antigo parceiro, principalmente
quando o alienador procura indicar episódios e indícios de aproximação incestuosa com o
(a) filho (a), que pode acabar acreditando nas palavras repetidas pelo guardião alienador,
causando-lhe danos psíquicos, como também alcançando seus objetivos de se sair
vitorioso e se vingar do (a) ex-parceiro (a). Muitos conflitos decorrentes do que as crianças
e os adolescentes ouvem e sentem permanecem recalcados, mas atuantes em suas
subjetividades, verificando-se nesses casos o aparecimento de diversos sintomas a curto,
médio e longo prazo. Quando se tornam adultos, e conseguem avaliar com mais clareza os
acontecimentos passados, os filhos podem apresentar conflitos de lealdade, estes, aliás,
presentes desde cedo, e intensos sentimentos de culpa e depressão pelas injustiças
causadas ao genitor não guardião que, em vários casos, enfrentou muitas dificuldades
para manter a convivência com eles, ao perceberem que foram usados como objetos de
disputa, como um “prêmio” a ser alcançado, a qualquer custo.
4. A busca da verdade nos casos de abuso psicológico e sexual
Nos casos de denúncia de abuso sexual, em que se suspeita de incesto praticado entre
pais e filhos, com acusações por parte do guardião da criança, entram em cena muitas
dúvidas, questões, e a busca incessante de indícios e provas que comprovem a ocorrência
desse ato, que tem motivado diversos estudos, pesquisas e debates polêmicos entre
profissionais de diversas áreas do saber acerca das formas mais adequadas para se
investigar tal acontecimento, com vistas a esclarecer a denúncia e chegar à verdade dos
fatos com menos danos ao psiquismo infantil. Trata-se de uma questão complexa que
envolve muitas variáveis, nas quais se incluem aspectos objetivos e subjetivos na procura
da verdade, principalmente quando as acusações estão no âmbito da família, em que há
suspeitas de relações incestuosas entre pai, padrasto e filho (a) com poucos anos de vida,
principalmente quando estão vivenciando a fase do complexo de Édipo, em torno dos três
aos seis anos. Quando os abusos sexuais deixam marcas visíveis no corpo da
criança/adolescente é possível haver provas mais concretas do acontecido, do trauma
físico, o que não é possível afirmar quando as seduções e manipulações corporais não
deixam sinais observáveis, embora sempre deixem significativas marcas e sofrimentos
psíquicos. Nesses casos, podem ser ouvidas diferentes versões, baseadas nos dados
colhidos de vários depoimentos com o (a) suposto (a) agressor (a), abusador (a), seja um
membro da família ou não.
Familiares, professores, médicos, dentre outros profissionais das áreas da Psicologia,
da Psicanálise, da Psiquiatria, do Serviço Social, do Direito, por meio de procedimentos
especiais, procuram a verdade dos fatos, obtendo inúmeras informações que, dependendo
das características do caso, requerem tempo para serem avaliadas e analisadas, e, às vezes
nem sempre se consegue chegar a um resultado conclusivo satisfatório. Aqui se
apresentam pontos difíceis a esclarecer, uma vez que cada sujeito apresenta a sua verdade
particular, singular, baseada em sua realidade psíquica11, o que acaba gerando muitas
versões de um mesmo fato e acontecimento. O abusador precisa ser punido, embora nem
sempre existam provas concretas e objetivas de seus atos comprovando o fato ocorrido.
Nas relações parentais e familiares doentias, onde estão em jogo sentimentos e desejos
incestuosos, observa-se que as crianças mais novas, são as mais vulneráveis, estando
expostas a investidas de cunho sexual por parte de parentes consanguíneos, socioafetivos,
ou por afinidade, que negam as leis simbólicas de parentesco, denotando atos de
perversão. Por ainda não terem interiorizado o que é certo ou errado e por não
compreenderem determinadas manobras sutis de sedução, ou mesmo as mais agressivas
por parte de quem depende do carinho para viver, as crianças podem acabar na posição
passiva de vítimas de atitudes perversas por parte daqueles que elas amam.
Nos casos de litígios em que há denúncias de abuso sexual, em situação de alienação
parental, quando uma criança é encaminhada para ser avaliada por técnicos da área
psicossocial,dependendo de sua idade e compreensão da realidade, e quando tais
acusações são falsas, ela pode demonstrar sinais visíveis de que sofreu pressões por parte
do guardião “alienador” para expressar o que lhe foi orientado a contar. Muitas vezes,
apresenta evidências claras das falas mentirosas forjadas pelo “guardião alienador” para
incriminar o outro genitor. Somam-se aos seus ditos, a apresentação por parte dos
alienadores, de gravações e vídeos, com montagens grosseiras para impressionar quem os
ouve e os assiste, testemunhando situações bizarras que, repetidamente faladas para os
filhos, funcionam como “lavagens cerebrais”. Os alienadores desejam impressioná-los,
levando-os a acreditar, obviamente, em seus discursos, pois, afinal, são esses as suas
referências afetivas que os protegem das “maldades” do mundo.
As mentiras inventadas e forjadas pelo “guardião alienador” têm como alvo principal
denegrir e destruir o não guardião, acusando-o de que só deseja ver os filhos para
machucá-los, feri-los em sua integridade física, psicológica e moral. Dessa forma, se
implantam as “falsas memórias” que ficam registradas no inconsciente da criança,
deixando marcas indeléveis em sua subjetividade, que no futuro acabam por influenciar
suas escolhas amorosas. Os registros dos discursos e das cenas recalcadas, e não
elaboradas pelo simbólico, fazem com que a criança “alienada” repita as falas e história do
alienador, com o qual se identifica. E, como consequência, ela acaba fugindo e se fechando
a quaisquer possibilidades de manter vínculo afetivo saudável com o outro genitor e
outros familiares. Ou seja, fica muito difícil para a criança na posição de “alienada” ao
discurso e desejo de quem a mantém sob seu controle, criar laços amorosos, inclusive no
futuro, nos quais está presente a libido, a pulsão de vida, no sentido oposto de suas
vivências destrutivas junto ao guardião alienador. Neste predominam sentimentos
negativos, como o ódio, rancor, ressentimento, a tentativa de destruir o ex-
convivente/cônjuge a qualquer custo, quando aparece a pulsão de morte, os atos
destrutivos, a possibilidade de vingança, quando a criança é usada como objeto de gozo
para o guardião alienador alcançar tais objetivos.
Os estragos psicológicos ao ser massacrado por falas contraditórias, incoerentes e
ambíguas deixam os sujeitos crianças/adolescentes inseguros, desconfiados, medrosos
diante do mundo ao seu redor, instáveis e adoecidos emocionalmente e fisicamente. Os
referidos sintomas mostram os tipos de violência psicológica que são dirigidas aos filhos
pelo “alienador”. Essas situações de abusos psíquicos, característicos do processo de
“alienação parental” são ilustradas de forma clara em um documentário, “A morte
inventada”, roteiro e direção de Alan Minas, Caraminhola Produções, por meio de
depoimentos sofridos por parte dos pais e dos filhos que passaram por este penoso
processo, que os deixaram profundamente traumatizados emocionalmente, com intensos
sentimentos de revolta, tristeza, abandono, culpa, rejeição, traição e descrença perante a
vida afetiva familiar. Algumas vítimas dessas violências psicológicas ainda tentam rever e
elaborar as situações deprimentes vividas durante a infância, quando ainda não tinham
discernimento para entenderem o que estava acontecendo entre eles e seus pais, e
perceber as consequências destrutivas dos discursos e atitudes dos alienadores sobre seus
psiquismos, constituindo sinais significativos de abuso e emocional.
Quanto à questão do abuso sexual, o agente dessa violência pode ter um objetivo
intencional de usar o outro, no caso a criança/adolescente, como objeto de gozo, não se
importando com os danos psíquicos causados à vítima, pelo contrário incluindo até um
prazer por vê-la dividida, sofrendo, o que indica uma estrutura clínica perversa do
agressor. O perverso goza infringindo dores nos outros e vendo-os sofrer, não se incomoda
com as consequências de seus atos, enquanto busca driblar, desafiar e infringir as leis. A
sexualidade nos neuróticos, por sua vez, está marcada por desejos e fantasias recalcadas,
mantidas sob controle, tendo em vista que nesta estrutura clínica existe a interiorização
da Lei simbólica, do Nome-do-Pai, segundo Lacan, em que há o reconhecimento da
necessidade de submeter-se às normas instituídas da sociedade onde está inserido, tema a
ser abordado no decorrer desse artigo.
Em relação, sobretudo ao princípio de proteger a criança, é importante questionar se
os adultos – por um lado, os pais envolvidos; por outro, os profissionais do campo jurídico
–, que atuam no delicado processo de desfazer o vínculo conjugal nos casos de separação
ou divórcio, têm consciência da importância de tal missão. A procura da solução mais
adequada para as disputas e para os novos arranjos de guarda necessita do atendimento
de uma equipe técnica multidisciplinar, na qual é preciso estar incluído um psicólogo, de
preferência com conhecimentos em psicanálise.
Em alguns casos, o processo litigioso é considerado um mal necessário na medida em
que determinados sujeitos necessitam da discussão e da “briga” para abrir um caminho
para dar novos rumos às suas vidas. Nessa perspectiva, o processo judicial associado ao
tratamento psicológico pode servir para que os sujeitos dissolvam o vínculo amoroso e
consigam elaborar a dor da separação. Observa-se que toda separação revela o real do
desamparo, que, trazido para a experiência do tratamento psicológico pode, em parte, ser
elaborado por intermédio das palavras, do simbólico.
O recurso ao ordenamento jurídico pressupõe que existe um imperativo, uma norma
fundamental superior na hierarquia da qual deriva toda ordenação jurídica. Dessa forma,
pressupõe-se submeter-se à lei. Na prática, observa-se que essa instituição é necessária
porque nem sempre a Lei paterna que barra o desejo da mãe funciona, sendo necessário
buscar reforço no campo jurídico. Os tribunais existem porque a Lei simbólica, a Lei do
pai, não dá conta de regular o relacionamento entre diferentes sujeitos. Quando a Lei do
pai vacila, recorre-se ao jurídico para que este faça suplência àquela.
Como instrumentos para lidar e enfrentar as situações de alienação parental, muitos
“não guardiões”, pai ou mãe, impedidos de conviverem com seus filhos, como mostram as
diversas associações criadas por pais e mães na condição de separados, vinham
demandando a aplicação da Lei 11.698/2008, da guarda compartilhada, mesmo “nos casos
em que não há consenso entre o casal”, visando à possibilidade de participação conjunta e
igualdade parental nas responsabilidades e direitos junto aos filhos. Em vários casos os
pais possuem o recurso da Lei 12.318/2010, que trata da alienação parental, abrindo a
possibilidade de aplicação de penalidades que barrem as condutas alienantes praticadas
contra os filhos, entre as quais, a utilização de multas, inversão da guarda e perda do
poder parental. As decisões também se baseiam no art. 227 do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) e da Lei 13.058/2014 da guarda compartilhada, que foi adotada como
regra e não mais como alternativa. Nessa modalidade de guarda, somente em situações
excepcionais será aplicada a guarda unilateral, quando se apresentarem justificativas
relevantes, por exemplo, quando um dos pais não se encontra apto ao exercício do poder
parental ou não houver interesse expresso em compartilhar a guarda do filho.
Dependendo do caso, também são indicados tratamentos diversos, como psicológico,
psicoterapêutico individual e/ou familiar e, às vezes, médico psiquiátrico, em face da
gravidade da situação.
Além disso, considera-se necessária a orientação dos responsáveis, pai e mãe ou
substitutos, objetivando melhor conscientização e reflexão de seus atos e falas, às vezes de
caráter inconsciente.
Minha proposta neste artigo não é aprofundar a questão do abuso sexual, o que
exigiria tempo e espaço para fundamentá-la com o resultado de muitas pesquisas sobre
este tema. Interessa-me trazer alguns ensinamentos de Freud sobre o tabu do incesto,e os
de Lacan, acerca da inscrição da função paterna e a sua importância para o sujeito viver
em sociedade, submetendo-se às suas leis.
A princípio abordarei algumas das características da sexualidade da criança,
conhecimento que considero indispensável frente às manifestações que ela apresenta,
visando conhecer suas reações, muitas vezes, super inflada de atos de sedução,
provocando os que estão ao seu redor, o que levanta questões acerca de sua posição
passiva e/ou ativa em certas situações em que se encontra implicada. Por apresentar-se
mais excitada e provocante, contudo, não se justifica que o adulto a acolha e explore a
tentativa de sedução por parte do menino ou da menina, obtendo daí prazer sexual e
gozando da imaturidade desses sujeitos em formação e desenvolvimento. Segundo os
ensinamentos de Lacan, a criança desde cedo faz escolhas que orientarão a lógica de sua
existência, ou seja, faz escolhas de gozo. Essas escolhas são feitas dentro de uma estrutura
determinada pelo sintoma e pela fantasia dos pais. A diferença entre uma criança e um
adulto é o encontro com o outro no ato sexual, ou seja, o gozo sexual com o qual o sujeito
se defrontará na adolescência.
5. A sexualidade da criança e as pulsões
Muitas das manifestações sexuais no desenvolvimento psicossexual de um sujeito
criança, consideradas normais para os psicanalistas, ainda são desconhecidas pelos
profissionais da área jurídica, dentre outros, e consideradas patológicas, principalmente
quando observadas do ponto de vista de uma moral sexual civilizada. Freud (1905)
escreveu um texto revolucionário, Os três ensaios sobre a teoria da sexualidade, no qual
ressaltou que a criança tem uma sexualidade, que chama de perversa polimorfa, ou seja,
ele observou nas atividades infantis que a criança gosta de se exibir, de ficar olhando, de
chupar, assim como tem uma atividade sadomasoquista, uma atividade anal. Estas
atividades serão encontradas na idade adulta no inconsciente dos neuróticos e nos
perversos. Cabe esclarecer que um sujeito criança é um ser-para-o-sexo, podendo ser
considerado como objeto do Outro primordial (a mãe ou um substituto) logo após o seu
nascimento, que o atenderá não somente nas suas necessidades de sobrevivência, mas
também nas suas demandas de amor, e, este Outro precisa dirigir-lhe um desejo
particularizado, que não seja anônimo.
Nesta mesma época Freud aborda o conceito de pulsão, definindo-a como uma
impulsão do sujeito que tende à satisfação. Trata-se de uma satisfação perversa por usar o
outro, não como outro completo, mas apenas um pedaço do corpo do outro para obter
satisfação. É o que ele chama de pulsões parciais e que vão constituir o que é
propriamente a sexualidade humana. O que Freud nomeou de zonas erógenas
corresponde à ação da linguagem do Outro (mãe ou substituto) sobre essas estruturas de
borda. O processo de erogenização não se restringe a regiões corporais específicas, mas
espalha-se por todo o corpo do sujeito, transformando-o assim num corpo erógeno, num
corpo pulsional. Lacan isola no circuito pulsional a própria ação do significante, da
palavra, sobre o organismo biológico.
No texto As pulsões e os seus destinos, 1915, Freud diz que é necessário ter conceitos
básicos claros e definidos para se construir uma ciência. Vista como conceito fundamental
da teoria psicanalítica, a pulsão, entretanto, está distante disso; é um conceito obscuro.
Para simplificar essa obscuridade conceitual, poderia se definir a pulsão como estímulo
(reiz) para o psíquico. Todavia, Freud distingue trieb (pulsão) de reiz, enfatizando
principalmente que, ao contrário do estímulo, a pulsão não provém do exterior, exigindo
um maior trabalho para ser eliminada. O estímulo seria um choque momentâneo, já a
pulsão atua como uma força constante interna, diante da qual não há comportamento de
fuga possível. O conceito de pulsão é um conceito limite, não só porque delimita o campo –
o campo da Psicanálise – mas também articula o psíquico e o somático, a mente e o corpo,
estando na fronteira de ambos (Freud, 1976 [1915]: 142).
A doutrina das pulsões, desde Freud, é um conceito fundamental da Psicanálise, que
mostra que a pulsão toca o real, daí só pode ser dita por intermédio do mito. Esse aparente
paradoxo da citação freudiana já evidencia aquilo que Lacan vai formalizar como
característica central do saber da Psicanálise, que é um saber furado, ou seja, um saber
marcado pela falta, um saber marcado pelo fato de que nem tudo pode ser dito, que não
há o último significante que dê conta de tudo. Ao tomar a pulsão como um conceito
fundamental, Freud está sinalizando que há um ponto que não pode ser tocado, sendo
necessário se servir da mitologia para abordá-lo.
No seu retorno a Freud, Lacan (1975) vai destacar em uma de suas Conferências,
Televisão, que, em Psicanálise,
O recurso ao mito é a forma épica de podermos falar daquilo que é de estrutura. A
Psicanálise fala através dos mitos, Édipo, Narciso, e dos próprios mitos construídos por
Freud, Totem e tabu. E agora, nos diz ele, sua teoria das pulsões, sua doutrina das pulsões
(1993[1975]: 55).
6. Os mitos – Édipo, Totem e Tabu – e o tabu do incesto
Apesar de existirem variações no que se refere ao grau de proibição em diferentes
épocas da história da humanidade e de acordo com cada civilização, encontram-se
presentes interditos do incesto que merecem um estudo aprofundado com os dados das
pesquisas de profissionais de áreas diversas como antropólogos, sociólogos, dentre outros.
Em minha pesquisa sobre o incesto tive como referências os ensinamentos dos
psicanalistas Freud e Lacan que recorreram a outros campos do saber para explorarem e
construírem suas produções teóricas.
Se em todas as sociedades o pai pode ser definido com um significante que representa
a Lei primordial da proibição do incesto, em cada uma delas variam as modalidades
segundo as quais um ou vários homens irão assumir esse papel sob determinadas formas
específicas, associadas às condições econômicas, geográficas e políticas, num dado
momento de sua história. Podemos reconhecer afinidades entre o Direito e a Psicanálise,
pois estas disciplinas incluem o registro simbólico que nos permite passar de natureza
para a cultura. Essa passagem se faz ao se instituir a Lei, como ressalta Claude Lévi-
Strauss, antropólogo, na sua obra Estruturas elementares de parentesco (1947). Nesta, o
autor demonstra que, na base de todas as proibições, a do incesto é considerada a 1ª Lei
que possibilita a passagem da natureza para a cultura. É a Lei fundante e estruturante do
sujeito e, consequentemente, da sociedade, permitindo o surgimento do ordenamento
jurídico. Os gregos inscreveram em sua cultura a questão do incesto por meio da
construção do mito da tragédia de Édipo Rei.12 A partir deste, Freud construiu sua teoria
do complexo de Édipo, demonstrando os desejos inconscientes de relações sexuais que são
proibidos, ou seja, o desejo incestuoso pela mãe e a rivalidade com o pai. Segundo Freud,
temos o complexo de Édipo fornecendo a forma mítica da origem da Lei. Esse complexo
tem a função fundamental de normalização que não se reduz à formatação da estrutura
moral do sujeito, mas nas suas relações com a realidade e na sua assunção ao sexo.
Segundo Lacan, “é por meio desse complexo que o masculino e o feminino tornam-se
formas de identificação que fazem do sujeito homem ou mulher” (1999:171).
A função do pai ocupa uma posição central no complexo de Édipo, revelado, sobretudo,
pelo inconsciente. A estrutura psíquica se constitui por meio desse complexo, e aquilo que
concerne à amnésia infantil, como ensina Freud, tem relação com a existência de desejos
infantis pela mãe, que, embora reprimidos, são primordiais na constituição do sujeito e na
construção de uma posição subjetiva. Mencionar Édipo significa apresentar a função do
pai como essencial na ordenação das relações do sujeito com a moral, ou seja, na
formação do supereu em relação à realidade e às suas identificações, quer dizer, seu ideal
do eu. Visto sobesse prisma, observa-se que o mito de Édipo se refere à proibição do
incesto e à articulação entre o desejo e a Lei, assim como mostra que o gozo está perdido e
que gozar da mãe levará o sujeito ao pior, tal como ensina Édipo.
Compreendendo o mito como modo de “semidizer” a verdade e como tentativa de
enunciar o real como impossível de ser suportado, apreendemos no mito de Édipo, a
verdade do desejo, e no mito de Totem e tabu, a verdade do gozo. Os referidos mitos
expressam a renúncia ao gozo – “a renúncia pulsional que a civilização impõe ao sujeito”,
como ressalta Freud em O mal-estar na civilização (1976[1930-1929]: 81). Nesse sentido,
podemos considerar que esses mitos tratam do engajamento simbólico do sujeito e da
constituição da Lei. Esses dois mitos – Édipo e Totem e Tabu – evidenciam que o gozo da
mãe está barrado e que essa interdição está ligada ao parricídio, levando Lacan a ressaltar
que o pai só entra em função se morto, ou seja, como função simbólica conforme ilustra o
totem.
No artigo Totem e tabu , Freud descreve a origem das proibições sexuais, afirmando
que, por mais que seja primitiva a sociedade, há sempre uma proibição sexual que
denominamos de tabu do incesto. Com base na antropologia, Freud descreve os costumes
de povos primitivos constatando a presença de totens e tabus que simbolizam as leis
básicas estruturadoras desses povos. O totem pode ser entendido como o guardião de uma
tribo constituída por pessoas de descendência em comum, onde cada uma dessas tribos
tem um totem – que pode ser um animal, um objeto, ou raramente um vegetal, ou um
fenômeno natural – cujos integrantes têm por dever sagrado conservá-lo. O que importa é
que o totem tenha uma relação especial com as pessoas da tribo, sendo este considerado
objeto de tabus, proteção e deveres particulares. Além disso, o totem também constitui a
referência de todas as obrigações e restrições sociais dos clãs que a ele estão
subordinados. Nos lugares em que eram encontrados totens, havia leis contra as relações
sexuais entre pessoas do mesmo clã, demonstrando a significativa ligação entre totemismo
e exogamia, sendo esta uma ordenação sagrada de origem desconhecida. O totem será
erigido pelos mesmos membros do clã para simbolizar o pai morto, restaurando dessa
forma a interdição da endogamia. Nesse mito, não se goza da mãe em nenhum momento,
onde surge o gozo do Pai e seu poder de coação. Já no mito do Édipo o gozo da mãe é
permitido pelo parricídio ao preço da castração (os olhos furados) no real do corpo. A
castração aponta, no a posteriori, que o gozo da mãe deve ser barrado.
O parricídio do pai primitivo e o totem que o representa vêm confirmar que o referido
gozo está barrado para o sujeito. Como representação do pai morto, o totem tem a função
de Nome-do-Pai, simbolizando a Lei. Com o assassinato do pai, os filhos escolhem um
animal que o represente por intermédio de um totem, assim como elegem um tabu que o
preserve instaurando a proibição de comê-lo. Mas se o totem representa o pai da Lei,
representa também o gozo do pai, porque traz em si a transgressão da lei.
No entanto, em determinadas ocasiões, o “ato proibido”, entendido como “não comer o
totem”, se transforma, pelo contrário, em um “dever” até então proibido. Ou seja, deve-se
matar e comer o animal totêmico, como se verifica na cerimônia solene – refeição
totêmica – da qual podem e devem participar, nessa situação, todos os membros do clã.
Segundo Freud, essa festa é a “mais barulhenta e a mais feliz, em que todas as pulsões são
desenfreadas e todas as satisfações são aceitas” (1976[1912-1913]:36), onde é permitido e
mesmo ordenado o excesso, em que uma interdição é violada solenemente.
A Lei do Pai, que, segundo a Psicanálise, está no fundamento de toda lei, inicialmente
se estabeleceu por meio de uma identificação primária com uma parte específica do pai
assassinado incorporado no banquete totêmico, e não em função da idéia de
consanguinidade, conceito considerado muito complexo para os primeiros humanos.
Encontram-se muito mais a idéia de propriedade, de apropriação, de partilha na base
estrutural da Lei paterna do que de descendência, que só vai apontar posteriormente para
genealogias concomitantemente ao princípio da exogamia, como destaca Rodrigo da
Cunha Pereira13 , somente quando, num momento posterior, o ato sexual foi associado ao
nascimento, é que aparece o conceito de pai no sentido de procriador e gerador de uma
descendência específica.
A grande preocupação dos povos primitivos era a prevenção do incesto, estando
distante de ser moral em relação aos nossos padrões atuais. É importante ressaltar que,
entre tais povos, o horror ao incesto tinha determinadas variações. Por exemplo, para
uma tribo, o relacionamento entre pai e filha era proibido; em outra, a proibição era entre
irmãos. Dessa forma, cada totem possuía suas leis peculiares de interdição sexual
independente dos laços de sangue. Freud esclareceu que a possibilidade de incesto é
imediata, e a intenção de preveni-lo pode ser consciente no caso de parentesco
consanguíneo. Nas relações do genro com a sogra, a possibilidade de incesto parece ser
uma tentação, uma fantasia, mobilizada pela ação de laços vinculantes inconscientes.
Freud faz um grande relato histórico e antropológico sobre o Tabu em relação aos mortos,
aos governantes e outros, indicando que se existem leis, é porque onde há lei, há um
desejo subjacente buscando subvertê-la. Em todos os ordenamentos jurídicos está prevista
a interdição do incesto, mesmo antes de estar escrita em qualquer texto normativo. Essa
interdição está inscrita no homem como condição fundante do sujeito.
Nas várias culturas e em distintos ordenamentos jurídicos, existem variações de
proibições do incesto, e, por mais que variem, há sempre uma proibição primeva, que é
sempre da ordem da sexualidade. No Código Civil brasileiro, de acordo com Pereira, essa
proibição está prevista, significando que o incesto é o casamento ou relação sexual entre
ascendentes e descendentes, entre parentes afins em linha reta, adotante e adotado e
entre irmãos. Como afirma o referido autor, “a primeira lei de qualquer organização
social – a proibição do incesto – é uma lei de Direito de Família. Esta é a lei básica dos
sujeitos e das relações sociais” (2001:01). Recorrendo à Lacan, ele assinala que alguém
somente pode tornar-se sujeito a partir desse interdito proibitório, que possibilita a
passagem do estado de natureza à cultura. As relações sociais e os ordenamentos jurídicos
estabelecem-se em razão dessa primeira interdição do incesto.
Por intermédio de suas pesquisas antropológicas, Freud conclui que a origem da arte,
da moral, da religião e da sociedade se dirige para o complexo de Édipo, o qual, segundo
Lacan, nada mais é que a Lei do pai, que corresponde à primeira Lei do indivíduo, que a
estrutura enquanto sujeito, proporcionando-lhe o acesso à linguagem e,
consequentemente à cultura. Portanto, é porque existe a interdição do incesto que o
homem é marcado pela Lei do Pai, tornando possível e necessário fazer as leis da
sociedade onde vive, estabelecendo um ordenamento jurídico.
Uma pergunta fundamental se apresenta: o que exatamente a Lei proíbe? De acordo
com o pensamento freudiano, a função primordial do supereu permanece sendo a
limitação das satisfações, embora ele possa pôr em evidência novas necessidades. Desse
modo, o que a Lei que interdita visa é a satisfação impensável do desejo incestuoso da
criança, quer dizer, o gozo absoluto. Mesmo que a satisfação incestuosa seja proibida, o
desejo continua a buscá-la incessantemente. Portanto, ao barrar o gozo puro, absoluto, a
Lei abre caminho para o desejo. Desejo e gozo são antinômicos, e, a rigor, só se pode falar
em desejo quando está inscrita a Lei simbólica.
Pode-se afirmar que a Lei para a Psicanálise é o Nome-do-Pai, ou seja, um significante
que articula o desejo com a lei. O fundamento de validade da lei no Direito também é o
Nome-do-Pai porque, quando ele se instaura, ele se instaura nãosó para conter o
indivíduo, mas para tornar possível a sociedade civil e o surgimento da cultura, da vida
em coletividade.
7. O que diz um pai diante da tentativa de sedução por parte da filha: fragmentos da
clínica
Na clínica analítica observa-se a subjetividade da criança expressada espontaneamente
por meio de diferentes formas de dizer, tanto por meio de palavras como através de
produções gráficas, construções de histórias e dramatizações. Não cabe ao analista
atribuir sentido aos ditos e outras formas de expressão do analisante, pois dessa forma
estaria se baseando no seu imaginário, deixando de considerar o sujeito como barrado,
dividido entre o enunciado, o dito (consciente) e a enunciação, o dizer (inconsciente).
É fundamental, procurar diferenciar o que o sujeito criança revela, respectivamente,
como vontade e sua verdade. O que o sujeito diz ser a sua vontade pode ser vontade de
outra coisa, sendo por isso necessário acolher os seus ditos e dizeres, buscando ouvir no
seu discurso os significantes14 que vêm do Outro (pai, mãe ou substituto), nos quais se
encontra alienado, uma vez que se encontra na condição de sujeito/assujeitado. Seguindo
essas referências teóricas, pesquiso o que diz a criança, de que forma ela se expressa,
como reivindica o que deseja, se fala em nome próprio ou repete ditos e falas dos que
falam por ela, como os pais, familiares, professores, médicos, advogados, entre outros.
Por meio de recortes de casos da clínica, que nomeio de “O mito de A boneca Barbie”,
ilustro a posição de um pai divorciado, diante da filha com 5 anos de idade, que tenta
“seduzi-lo” em momento que vivencia o complexo de Édipo, o qual não se aproveita da
situação para reagir de forma perversa contra a menina, por ter a lei simbólica
internalizada.
7.1. O mito de “A boneca Barbie”
Bia, nome fictício, de cinco anos de idade, vivenciou um processo de separação
conflituosa entre seus pais, testemunhando “calada” um sério embate agressivo entre os
genitores, que o próprio pai considerou-o “traumático”. Com o divórcio dos pais, Bia
sofreu uma série de alterações em sua rotina diária e a perda de pontos de referência, ao
mudar de casa para um apartamento em um bairro distante; o afastamento do pai e de
seus filhos adolescentes, do primeiro casamento; troca de escola e separação das amigas
da vizinhança e da babá com quem ela convivia desde o nascimento. Logo depois, tanto o
pai quanto a mãe arranjaram namorados, quando Bia passou a indagar: “Quem é o meu
pai? O que o namorado da mamãe é meu?”, querendo decifrar o novo vínculo familiar
criado por parte da mãe. Também perguntava se havia perdido o pai anterior e, quanto à
namorada do pai sempre queria saber se ela ia dormir na casa dele, expressando confusão
quanto aos novos vínculos afetivos parentais que incluíam além dos filhos do casamento
anterior do pai, os filhos dos novos parceiros dos genitores, os quais ela não sabia como
nomear, indagando: “Eles também são meus irmãos?”, o que ilustra como os novos
arranjos familiares, trazem dúvidas para as crianças quanto às questões de filiação e
parentesco. Após vivenciar tantas separações e mudanças simultâneas em sua vida, Bia
passou a apresentar dificuldades na escola, como angústia, agressividade, bloqueios na
aprendizagem, dificuldades de relacionamento, além de urinar e evacuar nas suas vestes.
Bia vinha sempre alegando vontade de vomitar, recusando-se a comer até o que gostava.
O pai informa que as visitas à filha ocorrem quinzenalmente porque trabalha muito.
Dificilmente lhe telefona durante esse período, o que segundo a mãe, deixa Bia muito
triste e saudosa. De acordo com o pai, quando a filha vai para sua casa, demonstra medo
de escuro, de bruxa, não dormindo sozinha. Muitas vezes não quer comer, fazendo
náuseas e vômitos, quando repete frequentemente: “Pai, vou fazer vomíto!” O pai insiste:
“Come, come!” ao que ela responde com uma recusa, afirmando que “a comida é ruim”,
inclusive o “bombom”. Enquanto o pai insiste, ela responde fazendo vômito, mesmo
estando com fome. O genitor acrescenta que o avô de Bia era açougueiro, e a ordem de seu
próprio pai, era: “Você tem que comer, coma!”. Este é o mesmo dito que ele repete
insistindo com a Bia.
Quando a namorada do genitor está em sua casa, Bia dorme num cômodo ao lado e não
se levanta da cama até que eles saiam do quarto. O pai, geralmente encontra Bia sentada
ou deitada sobre a própria urina e, às vezes, até sobre as fezes, fato que ele não consegue
entender, deixando-o angustiado. “Ela permanece quieta, calada, quase imobilizada até
que eu a tire da cama e faça a higiene de seu corpo e limpe o quarto, como se ela fosse um
bebe desamparado para que eu cuide dela", diz ele. Segundo Freud, as fezes seriam um
equivalente do filho, na equação simbólica fezes="criança=pênis." De acordo com sua tese,
a criança pode ser tomada como similar do falo no inconsciente do sujeito.
O significante “come”, proferido pelo pai, equivale a um nó de significações tendo
efeito equivocado e enigmático sobre Bia, que procura decifrá-lo. “Come” está associado à
questão da sexualidade, vindo no lugar do que está recalcado, tema geralmente proibido.
Como então atender a esse imperativo paterno?
Certa noite, quando sozinha com o pai na cama, na ausência de sua namorada, Bia
precipita-se sobre ele procurando beijá-lo na boca, deixando o pai assustado. Este
comentou que se afastou imediatamente dizendo que “ela não era sua namorada, mas sua
filha.” Não seria essa resposta de Bia ao imperativo paterno, ao che vuoi? “O que o Outro
quer de mim?. Ela alimentava o desejo de ser namorada do pai identificando-se com a sua
nova mulher, e quando esta se ausenta, abre-se um espaço para Bia atuar suas fantasias
edípicas. O pai refere que quando se aproxima da filha, esta se angustia e seus sintomas
intensificam-se, percebendo que ela se acalma quando tem outra pessoa junto deles.
Quando a namorada do pai ou a mãe estão presentes, Bia não ameaça vomitar, o que
deixa o pai confuso em relação aos cuidados com a filha, percebendo a nítida
transformação das atitudes da menina. Dessa forma, a menina resiste a ficar sozinha com
o pai, evitando ir para sua casa nos dias estipulados. Quando se encontra sozinha com ele
costuma repetir: “eu tenho medo!”, revelando, segundo o pai, uma situação muito
conflitante por parte da filha: ao mesmo tempo em que deseja uma aproximação física
com ele, procura afastar-se, inclusive apresentando conversões somáticas.
Simultaneamente, Bia queixa-se de dor de cabeça, dor de barriga e dor na perna, levando
os pais a procurarem atendimento médico, mas nada tendo sido constatado do ponto de
vista orgânico. Paradoxalmente, mostra-se triste com o afastamento do pai, que só a vê em
fins-de-semana alternados, cobrando dele sua presença. Durante uma sessão de análise,
após permanecer “quieta e calada” durante várias sessóes, Bia pede para telefonar para o
pai, quando exclama: “Pai, por que você não sobe e me apanha no meu apartamento? Eu
moro no quarto andar, no número 402. Anote o meu telefone. Mais tarde me liga! Estou te
esperando”. Com esse dito, Bia expressa seu desejo, reivindicando a presença do pai. Após
essa demanda, o genitor procurou lhe telefonar com mais frequência.
O atendimento analítico possibilitou que o pai percebesse suas falhas e, recorrendo à
analista, busca uma suplência da função paterna. Assustado e confuso diante dos sintomas
e das tentativas de sedução por parte da filha, e sua possível implicação nos
acontecimentos, indagou: “O que é ser um pai?” momento em que pede à analista uma
orientação, um livro para aprender a ser pai e, mostrando-se angustiado e inseguro, acaba
expressando seu medo de estar abusando da filha e ser acusado de abusador,
considerando as manifestações de mal-estar associadas a manifestações sexuais que
vinham ocorrendo quando dela se aproximava para atender aos seus pedidos.
Com os atendimentos, percebeu e entendeu que a filha estava vivendo seu percurso em
direção à feminilidade deslocando-se da mãe, comoprimeiro objeto de amor, para ele, o
pai, e suas demandas e sintomas estavam relacionados com tal processo. Bia vivenciava o
Édipo durante a separação traumática dos pais, e o afastamento do pai que só a via
quinzenalmente, do qual ela se queixava de saudades, favoreceu o aparecimento de
sentimentos de rejeição. Bia se dirige ao pai que lhe abandonou quando deixara a mãe,
separando-se dela, e a traiu ao arranjar outra mulher. Qual o seu lugar no desejo dele
tendo em vista que ele não a procurava durante o período em que não estavam marcadas
as visitas? Nos encontros com o pai, ela seduz ou é seduzida? A menina insiste em vestir-se
de boneca Barbie, também vindo sempre às consultas com estes trajes, à qual ela refere
como “linda, uma boneca para ser amada”.
Com o tratamento analítico, segundo informações do pai, Bia, que não acompanhava a
alfabetização, consegue interessar-se e concentrar-se na escrita e na leitura, fato
considerado novo para ela, que sempre se mostrou muito dispersa e bloqueada em suas
atividades. Ele ressalta que ela inventa muitas fantasias e mentiras e que uma de suas
características é a preocupação com sua imagem mostrando-se extremamente vaidosa. Ela
assumiu como modelo de referência a boneca Barbie, só saindo de casa vestida toda de
rosa, como tal boneca, insistindo em “se exibir” e ser reconhecida sob essa roupagem e
denominação, pois sempre é elogiada, o que reforça suas fantasias de sedução. O que a faz
colocar-se nessa posição de “boneca sedutora”, principalmente do pai? Produto do
discurso capitalista, que incentiva o consumo, através da supervalorização da imagem de
determinados objetos junto à mídia? Não podemos pensar que a sua conduta não seria
então uma forma de seduzir o genitor, para sentir-se amada por ele, já que se sentia
abandonada e traída com o seu afastamento? Em análise, Bia construiu o mito de “A
boneca Barbie” para tentar falar de sua angústia de ser sexuado, de sua questão neurótica
histérica e, desse modo, buscando semidizer sua verdade.
Frente à ocorrência da menina procurar beijá-lo na boca e ele ter reagido com um
“não”, mostra que ele não é um pai perverso, mas um sujeito que exerceu a função
paterna por meio do simbólico, das palavras, “Não pode. Sou seu pai”, barrando dessa
maneira as fantasias edípicas e tentativas reais de sedução por parte da filha que
poderiam desembocar em relações incestuosas, caso o pai permitisse, fazendo dela sua
boneca para gozar, estimulando-a em seus atos libidinais. Ao ter um espaço terapêutico
para falar de suas inseguranças e dúvidas para desempenhar o ofício paterno, o pai,
associando livremente, lembrou-se de fatos vividos em sua infância, que ele estava sem se
dar conta, reeditando e repetindo nas relações com sua filha.
Neste caso, não houve qualquer menção por parte da mãe quanto à possibilidade do
genitor estar abusando sexualmente da filha, que acredito estar diretamente ligado ao fato
dela ter reconstruído sua vida afetiva com outro homem, desejando para além da filha,
separando as relações com o ex-cônjuge das relações parentais, assim como ela fazia
questão que o genitor convivesse com a menina, ou seja, seu desejo era aproximar pai e
filha, evitando, dessa forma, a instalação da alienação parental. Acrescenta-se que a mãe,
que procurou atendimento para a filha, a partir dos sintomas por ela apresentados,
prontamente aceitou a determinação da psicanalista sobre a necessidade do pai participar
do processo terapêutico de Bia, pois viu a filha querendo beijar na boca um dos enteados
adolescentes.
  Esses recortes ilustram como um mesmo caso pode ter desfechos diferentes,
dependendo da forma que é ouvido, e sob quais referências teóricas está sendo
pesquisado e interpretado. A mãe não exerceu manobras no sentido de impedir o
relacionamento da menina com o pai, inventando mentiras ou promovendo a alienação
parental. No entanto, reforçava a fantasia da filha de ser a boneca Barbie, ao atender aos
pedidos dela para comprar somente as roupas e adereços da boneca, com as quais Bia
dava vida as suas fantasias de sedução e, por meio destas, procurava ser amada e
valorizada, buscando um lugar no desejo do outro paterno e, às vezes, junto a outras
figuras parentais masculinas, como os enteados, ligados por laços simbólicos de
parentesco. Bia envolvida em famílias reconstituídas por parte da mãe e do pai estava
confusa acerca do lugar que ocupava quanto ao desejo do pai, e em relação questões de
filiação e alianças de parentesco. Excitada diante da presença de outros homens que
participavam de sua vida – o irmão adulto, por parte de pai, o atual parceiro da mãe, e
seus filhos adolescentes – no momento em que Bia vivenciava a fase edipiana e,
simultaneamente, sentindo-se traída e abandonada pelo genitor, ela expressava seus
conflitos e desejos por meio de manifestações sintomáticas.
Esses fragmentos mostram um caso clássico da clínica analítica em que focalizo um pai
divorciado que se mostra angustiado e temeroso diante de certos fatos ocorridos junto à
filha, que o leva a suscitar várias questões, entre elas a possibilidade de ser acusado de
estar praticando o incesto, caso a menina contasse à mãe o que acontecera, invertendo o
acontecimento ou inventando outra versão da situação ocorrida junto a ele. Uma menina
com estrutura histérica pode provocar o pai, irmãos, por meio de condutas sedutoras,
principalmente na idade que vivencia o Complexo de Édipo, o que é considerado normal
para a Psicanálise. Desde que o pai e os irmãos estabeleçam os limites da relação,
barrando a conduta sedutora da filha e irmã, e não a usando como “objeto” de gozo
perverso, eles estão exercendo a função paterna. Esse acontecimento poderia ser
transformado em patologia, se a mãe acusasse o pai de pedófilo, de ele tentar abusar
sexualmente da filha. Em muitos casos, esse tipo de situação, poderia se tornar uma
acusação de abuso sexual junto aos operadores da área do Direito, caso a mãe fosse uma
guardiã alienadora, querendo bloquear o contato entre pai e filha. Caso houvesse queixas,
os operadores do Direito, por meio de seus instrumentos normativos, poderiam interferir
nas relações pais e filha, chegando até a afastar, ou mesmo impedir radicalmente tal
relacionamento, principalmente quando esse acontecimento é associado à situação de
alienação parental e formalizado como tentativa de abuso. Daí a necessidade e
importância fundamental da pesquisa e avaliação interdisciplinar sobre os diversos
sujeitos implicados nas referidas situações.
8. Algumas considerações teóricas
Existem casos extremos em que há um empuxo ao abuso sexual, e o que é considerado
uma evolução natural da sexualidade da criança, pode acabar sendo interpretado, em
certos casos, como um ato criminoso, caso seja praticado por um adulto. Em certos casos,
uma situação fantasiada pode ser pior que algo que aconteceu de fato que não tem a
intenção de um abuso, uma agressão. Nesse sentido, recorrer aos dados advindos de um
processo de avaliação por parte de uma equipe interdisciplinar pode colaborar bastante
no sentido de se esclarecer as causas de certos acontecimentos, obtendo-se daí um novo
enfoque para o jurídico, o qual pode transformar certos acontecimentos banais em algo
traumático, por falta de conhecimentos teóricos específicos e de instrumentos adequados
para diferenciar a fantasia da realidade.
Sugere-se aos profissionais da área psicológica tomar como base de suas avaliações o
aparato teórico clínico de Freud e Lacan, que com a ajuda do saber da Psicanálise possam
desconstruir o que está acontecendo nos casos de “falsas denúncias” de abuso sexual.
Nessa direção, algumas questões se colocam na contemporaneidade. Por exemplo: A
criança pode seduzir ou é sempre seduzida? Este se trata de uma fantasia ou de um
acontecimento real? Que tipo de provas pode indicar a existência desse fato? Qual a
posição dos sujeitos implicados nessa situação em que permanecem alienados a categorias
estabelecidas pelo discurso social, seja como “abusador” ou como “vítima”? Comoresponsabilizar e punir pais considerados abusadores a partir de uma denúncia sobre o
qual pairam muitas dúvidas?
Diante de tantas questões, é preciso também considerar que existem pais e padrastos
que são capazes de molestar e abusar sexualmente de seus filhos, estes vítimas de sujeitos
irresponsáveis que têm estrutura perversa. De qualquer forma faz-se necessário um
estudo detalhado e rigoroso por uma equipe multidisciplinar visando investigar as
ocorrências capazes de causar transtornos físicos e psíquicos às crianças e adolescentes.
Abordagens sob óticas diferentes podem originar versões distintas sobre a ocorrência de
determinados episódios, trazendo dúvidas sobre a posição e responsabilidade de cada um
dos sujeitos envolvidos nas situações nomeadas de abuso sexual que, ocorrendo entre
parentes consanguíneos ou pessoas que apresentem laços simbólicos de parentesco, é
designado de incesto.
Na área jurídica, a criança geralmente é considerada a “vítima” do abuso sexual, e no
campo da Psicanálise sua condição de inocente pode ser questionada a partir de Freud,
sendo ela capaz de seduzir e provocar a partir de sua posição de sujeito, ou seja, um ser-
para-o-sexo, atravessado por linguagem e gozo em função da estrutura que pré-existe a
cada ser falante. Se o sujeito criança, na sua condição de dependência e de
vulnerabilidade, acredita nos ditos e no desejo do genitor “alienador” com quem convive,
estando assujeitado e alienado ao seu discurso, desejo e gozo, como ele se separará desse
genitor que afirmou e denunciou que ele foi abusado pelo outro genitor como um fato
real, verdadeiro? Para tentar responder à essas indagações, cabe recorrer aos
ensinamentos de Freud, em seus ensinamentos iniciais, quando descobriu o inconsciente e
as questões da sexualidade humana.
Lacan afirma que o Direito e a Psicanálise tratam exatamente da mesma coisa, o gozo.
O juiz como intérprete da lei pode fazer valer a função de limite e de corte, podendo vir na
posição de Outro regulando o gozo na conduta do sujeito. Por meio dos seus atos –
pontuação, corte e interpretação –, o psicanalista também opera sobre o gozo do sujeito,
provocando mudanças em sua subjetividade. Embora trabalhem com fundamentos
teórico-clínicos e métodos distintos, os referidos campos do saber precisam atuar na
direção que visem a evitar a perpetuação do gozo perverso encontrado nas “falsas
denúncias” de abuso sexual por parte de alguns genitores que disputam a guarda dos
filhos em que está presente o processo de “alienação parental”, quando o sujeito criança
fica submetido aos caprichos maternos, permanecendo, em algumas situações, na posição
passiva de objeto nas mãos deste Outro primordial.
Cada vez mais, os juristas do Direito de família vêm valorizando e ressaltando a
importância do afeto nas relações familiares, e o fato de que todo pai precisa adotar seu
filho. Nesse sentido o Direito vem ao encontro do que diz Lacan, ou seja, de que todo filho,
mesmo biológico, precisa ser adotado. Observamos que a função paterna pode ser
exercida por outros sujeitos para além dos pais biológicos, onde deve imperar também a
Lei da proibição do incesto, respeitando-se laços de consanguinidade além das relações
simbólicas de parentesco estabelecidas em cada sociedade. Dessa forma, na família
contemporânea, a privação do gozo recai também sobre os vínculos simbólicos do
parentesco e de afinidade, encontrados nas novas formas de família, como as
reconstruídas, onde surgem novas formas de parentalidade, com mais de um pai e de uma
mãe assumindo papéis de autoridade junto às crianças, pois caso contrário há o risco de
instituir-se a perversão e uma total desintegração da função paterna.
De modo geral, pode-se dizer que cada criança apresenta uma história particular que
tem início desde antes da sua concepção, associada à fantasia, ao desejo dos pais e ao que
se fala dela. Ao nascer, a criança emerge em um mar de significantes. A linguagem
antecede o seu nascimento. Ela já está imersa em mundo de linguagem. A criança se
identifica com traços e características tanto do pai, da mãe quanto de outras figuras
significativas em sua vida, como avós, assim como se submete às normas e leis de quem
ela reconhece como autoridade. Na atualidade, em tempos em que a família deixa ser
patriarcal, que o pai deixa de ser a figura principal de poder e autoridade, com o aumento
de separações e divórcios, originam-se as famílias reconstituídas em que uma criança
passa a conviver com “padrastos, madrastas, enteados, avós”, ficando à mercê da
autoridade de quem convive no momento, e/ou também pressionada por parte de outros
membros da família de origem.
O declínio da família tradicional, nuclear- pai, mãe e filho –, e a inserção de
configurações familiares com diferentes costumes e valores acarretam mudanças quanto
às expectativas no desempenho das atribuições maternas e paternas. Os estudos e
pesquisas interdisciplinares indicam dificuldades em se operacionalizar essas
transformações nas dinâmicas familiares que, além de gerarem fortes impactos psíquicos
nos sujeitos crianças/adolescentes, também os deixam confusos; por exemplo, ao
perceberem grande dificuldade de alguns pais quanto à imposição de regras e limites, bem
como suas resistências em aceitá-las. Uma das questões apresentadas no presente trabalho
se refere à figura do pai, da crise em relação ao lugar do pai, do reconhecimento da
paternidade. Quem é o pai? O que é função paterna? Indaga-se como se estabelecem os
vínculos paternos, e como uma criança reconhece um terceiro estranho na relação mãe e
filho, que passa a fazer parte desta relação, e o adota, submetendo-o a sua lei e ao seu
discurso.
A função do pai é discutida sob suas múltiplas facetas, acentuando-se que, para o atual
Direito de Família, como para a Psicanálise, as categorias de pai e de genitor não são
idênticas, pois “mesmo que se atribua uma paternidade pela via do laço biológico, jamais
se conseguirá impor que o genitor se torne pai.” Tampouco se deve esquecer que “o bom
pai do século passado pode não ser o de hoje.” Algumas mães referem que a ausência de
genitor contribuiu para a eleição de outro pai por parte da criança. Aqui se pode indagar
se a ausência do “pai” está no discurso delas ou na ausência física dele. O estudo de alguns
casos mostra que o genitor quer conviver com a prole, telefonando, visitando-a, porém
muitas vezes fica impedido de ver os filhos pela ex-mulher quando arranjou, por exemplo,
uma namorada, fato que ameaça e desperta variados sentimentos naquela. Muitos
genitores não concordam que o padrasto seja nomeado de pai por seus filhos, exigindo o
seu reconhecimento como “pai”. Este significante apresenta um valor importante para
eles, que não quer perdê-lo junto aos filhos.
Segundo os ensinamentos de Lacan, toda criança é adotada e ela adota o pai. É a mãe
que permite a entrada de um terceiro na relação. Ela quem legitima a palavra do pai. O
pai só entra na relação com o (a) filho (a) se a mãe permitir. Quando isso acontece, ele (a) o
reconhece como pai e se submete a sua lei. Dessa forma, nas famílias reconstituídas,
alguns padrastos entram na história familiar das crianças como representante da lei,
articulando a lei com o desejo, quando os adotam e por eles são adotados, que reconhecem
o padrasto com transmissor da lei, da autoridade, a partir do discurso materno.
9. Conclusões
Sob a ótica da Psicanálise observam-se questões muito complexas nos casos de
dissolução da união estável, separação e divórcio litigiosos, nos quais estão envolvidos os
filhos do par parental, que requerem uma escuta delicada e singular das diversas
subjetividades em cena, visando um encaminhamento mais adequado das questões
bélicas e destrutivas presentes nas relações familiares. Por um lado, com o tratamento
analítico, por meio de pontuações, cortes e interpretações é possível conseguir mudanças
subjetivas que possibilitem a emergência da libido, das pulsões de vida. Por outro, faz-se
necessário que sejam aplicadas normas e regras jurídicas,

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