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DA SERVIDÃO VOLUNTÁRIA! ‘’ O povo, infelizmente, é ainda muito ignorante e mantido na ignorância pelos esforços sistemáticos de todos os governos que consideram isso, com muita razão, uma das condições essenciais de seu próprio poder. ’’ M. Bakunin ‘’Não é bom ter vários senhores. Um só seja o senhor, um só seja o rei!’’ Homero O século XVI foi o ápice do Renascimento cultural na Europa, dentre o século de Maquiavel, Shakespeare, T.More, F.Bacon, Montaigne e os sublimes artífices da arte renascentista, destaco o espirituoso La Boétie. Jovem de classe e amigo íntimo do brilhante ensaísta M.Montaigne, La Boétie cessou-se da vida ainda muito cedo, aos 32 anos. Oriundo de uma nobreza erudita e amante das letras clássicas, La Boétie deixou seu principal legado com um curto texto, escrito lá pelos seus 18 anos, e provavelmente publicado entre os anos de 1574 e 1578. ‘’O discurso da servidão voluntária’’ é um pequeno manifesto direcionado àqueles que abominam a condição de submissão frente a qualquer modalidade de domínio. A atualidade do pensamento de La Boétie ultrapassa os conflitos político-religiosos de seu século e transcende até a nossa era, cujo sentido de servilismo voluntário se encontra nos modos de produção da economia liberal-capitalista e seus vetores de consumo. Esse pequeno ensaio serviu de apoio para os recém-nascidos protestantes durante conflitos civis contra os dominantes católicos no século XVI, que perseguiam avidamente os hereges luteranos. A servidão, para La Boétie, é fruto de uma obrigação impositiva, o pequeno-burguês, católico ou capitalista, detém o poderio tanto militar quanto jurídico para apropriar-se de seu antagonista e o fazer obedecer-lhe. Assim, ficar à mercê da bondade ou da maldade de um suposto déspota, patrão ou governante, é espantoso, pois como é possível um único e semelhante cidadão fazer populações inteiras curvar-se aos seus pés? (além, é claro, das vias institucionais) Bom, como bem posto por La Boétie, o maior perigo, é o hábito. Segue-se que o costume pelo servilismo é um vício que precisa ser exterminado do espírito plebeu. Por outro lado, o peso da tradição não suporta o duelo contra uma nova concepção que se aflora. Portanto, a firmeza da vontade é o caminho para o sucesso da conquista pela liberdade. Em exemplos da antiguidade, La Boétie explica o que outrora fizeram os gregos, em menor número, sobressair-se contra os persas; a sede de ser livre, o impulso de exteriorizar a coragem. Primorosa contra o despotismo, a coragem é o antídoto contra o veneno da tirania. No entanto, o vigor da coragem e a defesa pela liberdade, ainda é escasso em muitos homens ou nações. O despotismo se alimenta do medo, da miséria de seus súditos. A preguiça e a covardia é um prato farto para o tirano, que sempre estará disposto a fazer votos de segurança a esses pobres infelizes dominados pelas honrarias, que aprisionam suas forças de ação. A liberdade é um direito natural, ela somente é exaurida da vida de um cidadão na medida em que ele próprio a renúncia em prol de uma dependência. Abrir mão da liberdade é decretar o suicídio, afirma La Boétie. Os tiranos sucumbirão quando não mais houver sangue para ser sugado, mas enquanto a covardia for lema propagado entre as massas, jamais haverá revolta por liberdade. O homem nascido e criado na servidão tem o espírito apodrecido pelas corrosivas normas da disciplina enraizadas nos seus costumes. Desse modo, pode-se resgatar a Ética aristotélica para tratar do problema da coragem, mas não tenho a pretensão de me alongar em mais de mil palavras. Então, a coragem, tão corretamente louvada por La Boétie, é, para Aristóteles, aquela atitude que varia no meio termo entre a baixeza da covardia e o impulso exagerado de um homem ébrio; a coragem, é a dose correta de uma atitude que visa exercer o bem, e não há bem maior do que combater a tirania que usurpa a liberdade humana. Organizar a coalizão corajosa das massas oprimidas é a proposta de La Boétie. Afinal, os exemplos na história nos mostram, que uma civilização vencedora e gloriosa, como a sociedade grega, é composta pelo espírito de liberdade e o horror à submissão. Enfim, como apontado, La Boétie foi um erudito considerável, sua paixão pela cultura greca-latina o fez colocar a educação aos patamares mais altos no combate contra a tirania. O homem bem instruído, que observa o passado, saberá atuar no sabiamente em seu presente. Não sucumbir a frouxidão imposta pelo regime político ou econômico e estimular o sentimento de revolta por liberdade é a saída mais admirável.
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