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MIGRÂNEA É uma síndrome de cefaleia benigna e recorrente associada a outras disfunções neurológicas. Acomete 15% das mulheres e 6% dos homens com cefaleia primária. O “cérebro migranoso” é mais sensível a estímulos externos, como luzes, sons, odores, fome, cansaço físico, clima, flutuações hormonais, falta de sono e álcool. O termo enxaqueca deriva do uso por Galeno da palavra hemicrania para designar um transtorno periódico que compreende dores hemicranianas paroxísticas e cegantes, vômitos, fotofobia, recorrência em intervalos regulares e alívio pela escuridão e o sono. Essa designação é enganosa, porém, porque a dor de cabeça se mostra lateralizada em menos de 60% daqueles afetados. Fisiopatologia Na enxaqueca com aura, há modesta hipoperfusão cortical, de início no córtex visual (aura visual) e disseminação para adiante na velocidade de 2 a 3 mm por minuto. Essa onda persiste por 4 a 6 horas e não cruza o sulco central ou lateral, atingindo o lobo frontal pela ínsula. Há presença de sintomas contralaterais no momento em que ocorre hipoperfusão temporoparietal. A disseminação frontal continua ao se iniciar a fase de cefaleia. Há relação com disfunção do sistema monoaminérgico. A ativação do núcleo do trigêmeo causa liberação de peptídeo relacionado com gene da calcitonina (CGPR). Há ainda envolvimento de receptores serotoninérgicos, sobretudo 5HT 1b/1d. A dopamina age nas manifestações de náuseas, vômitos e hipotensão. Critérios diagnósticos SEM AURA A. ≥ 5 episódios preenchendo B a D B. Episódios de cefaleia de 4 a 72h (não tratada ou tratada sem sucesso) C. Pelos menos 2 de 4 dessas: i. Unilateral ii. Pulsátil iii. Dor moderada a grave iv. Piora com atividade física ou seu evitamento D. Pelo menos 1 desses concomitante i. Náuseas ou vômitos ii. Fotofobia E fonofobia E. Não explicada por outro diagnóstico da ICHD-3 beta COM AURA A. ≥ 2 episódios preenchendo B a D B. Pelo menos 1 dos seguintes sintomas de aura (totalmente reversíveis) i. Visual ii. Motor iii. Sensitivo iv. De tronco encefálico v. Fala ou linguagem vi. Retiniano C. Pelo menos 2 de 4 dessas i. Pelo menos 1 sintoma de aura alastra gradualmente em 5 ou mais minutos e/ou pelo menos 2 sintomas aparecem sucessivamente ii. Cada sintoma individual com duração de 5 a 60 min iii. Pelo menos um sintoma de aura unilateral iv. Aura seguida em até 60 min ou acompanhada de cefaleia D. Não explicada por outro diagnóstico da ICHD-3 beta + exclusão de AIT Aura Está presente em 20 a 25% dos casos. Inclui escotomas cintilantes, espectro de fortificação (patognomônico) ou outro sintoma neurológico. A aura da migrânea pode ser típica (5 a 60 minutos de duração) ou prolongada (mais de 60 minutos de duração). A migranea acefalálgica é caracterizada por aura associada a náuseas e vômitos e com pouca ou nenhuma cefaleia. Tratamento NÃO MEDICAMENTOSO Na crise, repouso em quarto escuro e silencioso é por vezes suficiente para abortar a dor. Para profilaxia, é feita educação do paciente com orientação de mudanças no estilo de vida – prática de atividade física regular, padrão de sono, mudanças no nível do estresse e conhecimento e evitamento de fatores desencadeantes. Em mulheres com enxaqueca clássica, sobretudo nas fumantes, devem-se evitar contraceptivos orais, pois aumentam a frequência e a intensidade das crises. Como profilaxia, pacientes migranosos devem evitar ainda a ingesta de alimentos desencadeantes como vinho tinto e outras bebidas alcoólicas, chocolate, queijo, embutidos, alimentos ricos em glutamato de sódio e nitritos. MEDICAMENTOSO AGUDO (ABORTIVO) O tratamento abortivo, em casos leves, pode ser feito VO, com eficácia de 50 a 70%. Em casos graves, é feito EV. Os medicamentos utilizados são anti-inflamatórios, agonistas de receptores 5HT 1b/1d (triptanos) e antagonista de receptores de dopamina (metoclopramina e clorpromazina EV). Anti-inflamatórios não hormonais (AINH) e analgésicos combinados com cafeína e isometepteno podem ser considerados em crises moderadas. Os AINH são agentes de primeira linha para tratamento de crises leves a moderadas de enxaqueca ou crises graves a eles responsivas no passado. Evidências mais consistentes existem para ácido acetilsalicílico, ibuprofeno, naproxeno sódico, ácido tolfenâmico, diclofenaco e sua associação a cafeína, medicamentos que se mostraram superiores a placebo. Atribui-se à cafeína a propriedade de aumentar a velocidade de início de efeito de ácido acetilsalicílico, paracetamol, ibuprofeno e ergotamina. Deve-se selecionar a via não oral e não restringir antieméticos nos pacientes com náuseas e vômitos. É importante limitar o uso excessivo de analgésicos para 2 doses/semana, a fim de prevenir a “cefaleia rebote”, ou seja, a cefaleia que resulta do uso excessivo de medicações abortivas de crise. As medicações são indicadas para o tratamento agudo da migrânea de acordo com a intensidade da crise: · Leve: analgésicos, antieméticos · Dimenidrinato 30 mg IV em 100 ml de SF 0,9% OU 50 mg IM + · Opção: metoclopramida 10 mg · Dipirona 1 g (2 ml) IV em 8ml de AD + · Cetoprofeno 100 mg IV em 100 ml de SF 0,9% OU 100 mg IM · Moderada: AINH, ergotamina, triptanos · AAS 1000 mg (equivalente à sumatriptana 100 mg) · Opções: paracetamol 1000 mg (650 mg é ineficaz), paracetamol + codeína (400 mg + 25 mg), paracetamol + AAS + cafeína (250 mg + 250 mg + 65 mg) · Ibuprofeno 200 ou 400 mg · Naproxeno 500 mg · Ergotamina 1 a 6 mg (com ou sem cafeína 100 mg) VO · Forte ou incapacitante: · Triptano, sumatriptano + AINH; · AINH intramuscular (IM) ou endovenoso (EV); · Clorpromazina EV (0,1 mg/kg em 500 mL de SF 0,9% em 2 horas) ou haloperidol EV; · Dipirona e dexametasona EV. O uso de dexametasona é controverso entre neurologistas por poder mascarar cefaleias secundárias a tumores cerebrais primários fortemente edemigênicos e de crescimento rápido, como o glioblastoma multiforme. Triptanos Os triptanos são medicações agonistas de receptores serotoninérgicos receptores 5HT 1b/1d, também chamados de 5-hidroxitriptamina, sendo os medicamentos mais específicos para o tratamento abortivo de migrânea. O aumento da dose não possui evidência de aumentar a eficácia do tratamento. Em caso de insucesso, deve-se tentar outra dose ou via de administração ou, ainda, outro triptano. Tabela 1. Triptanos disponíveis no Brasil Fármaco Administração Dose/unidade Dose máx./dia ½ vida Pico de ação Sumatriptano injetável SC 6 mg 12 mg 2 h 0,2 h Sumatriptano oral VO 25, 50 ou 100 mg 300 mg 2 h 2,5 h Sumatriptano nasal Nasal 10 ou 20 mg 40 mg 1,8 h 1 h Zolmitriptano VO 2,5 mg 10 mg 2,3 a 3 h 2 h Naratriptano VO 2,5 mg 5 mg 5,5 h 2 a 3 h Razatriptano VO 5 ou 10 mg 20 mg 2 h 1,2 h 10 mg (RPD) 1,6 a 2,5 h Adaptado de BERTOLUCCI et al, 2016. Recorrência Definida pelo retorno da cefaleia dentro de 24 horas após um tratamento considerado eficaz. A maioria dos triptanos apresenta taxa de recorrência entre 20 e 40%. Nesse evento, pode ser tentada nova dose. A associação com AINH pode aumentar a eficácia e diminuir a recorrência. Contraindicações Os triptanos estão contraindicados nos pacientes com insuficiência arterial, periférica, cerebral e/ou coronariana; nos quadros de isquemia ou infarto do miocárdio e em qualquer tipo de angina e claudicação; nos quadros de hipertensão arterial não controlada; em pacientes em tratamento com inibidores da monoaminoxidase (IMAOs), inibidores seletivos da recaptação da serotonina ou lítio; quando houver uso de ergótico 24 horas antes; nos pacientes com aura prolongada, hemiplégica e basilar; na gravidez e na amamentação. MEDICAMENTOSO PROFILÁTICO Estudos epidemiológicos indicam que 38% dos paciente com migranea possuem indicação de tratamento profilático, mas apenas 3 a 13% o fazem continuamente. O tratamento profilático está indicado nas seguintes situações: · Frequência de crises for > 3 dias/mês; · Migrânea interferindo nas rotinas do paciente, apesar do tratamento agudo; · Contraindicação, falha, efeitos adversos ou uso excessivo da terapiaaguda; · Preferência do paciente; · Migrânea hemiplégica, basilar, com aura prolongada ou infarto migranoso. A medicação deve ser mantida de 2 a 3 meses, para avaliar sua eficácia, e manter o tratamento de 6 meses a 1 anos, sempre que possível – até 4 anos a depender da literatura. Visam prevenir a crise por inibição da hiperexcitabilidade cortical e da depressão alastrante (antiepilépticos e BCC) e/ou por restauração da inibição nociceptiva descendente (neuromoduladores serotoninérgicos, adrenérgicos e colinérgicos). As drogas de maior eficácia por experiência clínica e evidência científica são o divalproato e valproato de sódio, topiramato e propanolol. Tabela 2. Medicamentos para tratamento profilático de migrânea Betabloqueadores Antidepressivos Anticonvulsivantes Antagonistas do canal de cálcio Propranolol – 40 a 240 mg em 2 ou 3 doses/dia Amitriptilina – iniciar de 12,5 a 25 mg à noite Ácido valproico ou divalproato de sódio – iniciar de 250 a 500 mg/dia, até́ 1.500 mg Topiramato – iniciar com 25 mg e aumentar semanalmente até 50 a 200 mg em 2 doses/dia Gabapentina – 300 a 2.400 mg em 3 doses/dia Flunarizina – 5 a 10 mg ao deitar Metoprolol – 100 a 200 mg em 1 ou 2 doses/dia Venlafaxina – 75 a 225 mg em 1 ou 2 doses/dia Atenolol – 25 a 150 mg em 1 ou 2 doses/dia Duloxetina – 30 a 90 mg em 1 ou 2 doses/dia Principal indicação Coexistência de HAS e ansiedade, inclusive em crianças Pacientes com distúrbios do humor Epilepsia ou crises epilépticas desencadeadas por aura de migrânea e distúrbios do humor, como TAB Obesidade Presença de neuropatia periférica Crianças e migrânea com aura Efeitos colaterais Fadiga, intolerância ao exercício, tontura e insônia Anticolinérgicos: ganho de peso e boca seca Ganho de peso, queda dos cabelos, toxicidade hepática, tremor, sedação e teratogenicidade Perda de apetite, mudança no paladar, parestesias, fadiga e dificuldade de memorização Tontura e sonolência Sedação, ganho de peso, depressão do humor e parkinsonismo Observações Contraindicam: asma e IC Se sonolência excessiva: tocar amitriptilina por nortriptilina Reposição de zinco: redução da queda de cabelo Ingestão de alimentos ricos em potássio e hidratação adequada: evita parestesias - - Outras medicações que podem ser utilizadas são os próprios AINH. Naproxeno sódico e ácido mefenâmico são usados na migrânea menstrual, 2 a 3 dias antes do primeiro dia da menstruação, por cerca de 5 a 7 dias. Complicações ESTADO MIGRANOSO Cefaleia intensa que dura mais que 72 horas, com intervalos livres inferiores a 12 horas, à qual associam-se náuseas e vômitos por horas seguidas, levando a desidratação e as suas consequências, como a necessidade de internação. INFARTO MIGRANOSO É um ataque idêntico aos outros episódios, mas os sintomas da aura persistem por mais de 60 minutos e são associados a um infarto demonstrado no exame de neuroimagem. MIGRÂNEA CRÔNICA É o aumento da frequência das crises até tornarem-se diárias ou quase diárias (>15 dias por mês com dor por mais de 3 meses). São fatores de risco para cronificação: fatores emocionais, estresse, doenças psiquiátricas e abuso de analgésicos. BIBLIOGRAFIA BERTOLUCCI, Paulo H. F. et al. Guias de medicina ambulatorial e hospitalar da Unifesp-EPM: Neurologia. Barueri, SP: Manole, 2011. BERTOLUCCI, Paulo H. F. et al. Neurologia: Diagnóstico e Tratamento. 2. ed. Barueri, SP: Manole, 2016. MELO-SOUZA, Sebastião Eurico de; NETO, Eliseu Paglioli; CENDES, Fernando. Tratamento das Doenças Neurológicas. 3. ed. Rio de Janeiro, RJ: Editora Guanabara Koogan, 2013. ROWLAND, Lewis P.; PEDLEY, Timothy A. Merritt: Tratado de Neurologia. 12. ed. Rio de Janeiro, RJ: Editora Guanabara Koogan, 2011. SILBERSTEIN, S. D. et al. Evidence-based guideline update: Pharmacologic treatment for episodic migraine prevention in adults. Neurology, Philadelphia, PA, v. 78, n. 17, p. 1337-1345, abr. 2012. SPECIALI, José Geraldo et al. Protocolo nacional para diagnóstico e manejo das cefaleias nas unidades de urgência do Brasil. Academia Brasileira de Neurologia: Departamento Científico de Cefaleia. Sociedade Brasileira de Cefaleia, 2018. WANNMACHER, Lenita; FERREIRA, E. Maria Beatriz Cardoso. Enxaqueca: mal antigo com roupagem nova. OPAS. Uso racional de medicamentos: Temas Selecionados, Brasília, DF, v. 1, n. 8, p. 1-7, jul. 2004.
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