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2020 - 02 - 05 Curso de direito administrativo - Ed. 2018 Revista dos Tribunais This PDF Contains CAPÍTULO 18. A RESPONSABILIDADE DO ESTADO 2020 - 02 - 05 Curso de direito administrativo - Ed. 2018 CAPÍTULO 18. A RESPONSABILIDADE DO ESTADO Capítulo 18. A responsabilidade do Estado 1. Considerações gerais O Estado brasileiro atua sob o direito e, por isso, é responsável por suas ações e omissões, quando infringirem a ordem jurídica e lesarem terceiros. 1.1. A responsabilidade como efeito de um dever jurídico A responsabilidade não se confunde propriamente com o dever jurídico, tal como exposto pela concepção da teoria dualista da obrigação, desenvolvida no âmbito do direito privado.1 A imposição de um dever jurídico significa constranger um sujeito à realização de uma certa conduta, consistente numa ação ou omissão. No direito privado, costuma-se utilizar a expressão latina debitum para indicar essa faceta da obrigação. Mas o dever jurídico também abrange a submissão do sujeito e de seu patrimônio a recompor os interesses do credor em caso de violação ao conteúdo primário do dever. Essa vinculação complementar é indicada pelo vocábulo obligatio, que corresponde à figura da responsabilidade. A responsabilidade consiste, então, num aspecto complementar e inerente ao dever jurídico, relacionando-se com a infração à conduta prevista como obrigatória. Por isso, a infração ao dever jurídico acarreta a incidência da responsabilidade, que também apresenta natureza obrigacional. A responsabilidade consiste no dever (secundário) de arcar com os efeitos jurídicos da infração ao dever (primário) de fazer ou não fazer algo. Envolve a submissão do sujeito a arcar com os efeitos decorrentes da ausência de cumprimento espontâneo da conduta diretamente imposta a ele (ou a terceiro) como obrigatória. 1.2. Responsabilidade patrimonial e não patrimonial A responsabilidade pode ser patrimonial ou não patrimonial. A responsabilidade patrimonial acarreta a apropriação de bens e direitos economicamente avaliáveis do responsável, visando eliminar os efeitos nocivos derivados da ausência de cumprimento espontâneo ao dever primário de fazer ou não fazer algo. Por exemplo, o autor do ato ilícito responde com os seus bens presentes e futuros pela indenização por perdas e danos devida ao lesado. A responsabilidade não patrimonial implica um efeito negativo sobre a órbita pessoal do sujeito. Por exemplo, o servidor público responderá pelas infrações funcionais, o que poderá acarretar inclusive a sua demissão. 1.3. A responsabilidade do Estado e de seus agentes A admissão da responsabilidade jurídica do Estado é uma característica da democracia republicana. A responsabilidade do Estado deriva da subordinação das condutas estatais à ordem jurídica. O Estado é responsável, na acepção de que está obrigado perante a sociedade e os órgãos de controle, a arcar com as consequências de suas ações e omissões e de adotar todas as providências destinadas a corrigir as imperfeições verificadas. 1.4. Atuação sob regime de direito público e sob regime de direito privado A temática da responsabilidade do Estado apresenta especial relevância para os sujeitos administrativos que atuam sob regime de direito público – usualmente identificados pela expressão Fazenda Pública. Aqueles subordinados ao regime de direito privado são regidos pelas mesmas normas de direito privado que disciplinam a conduta dos sujeitos particulares. Essa diferenciação foi obscurecida pela orientação mais recente da jurisprudência do STF, orientada a reconhecer que as empresas estatais prestadoras de serviços públicos, que atuam em regime de exclusividade, devem sujeitar-se ao regime de direito público. De todo o modo, a exposição contida no presente Capítulo versará basicamente sobre o regime de responsabilização apropriado para a atividade administrativa desenvolvida sob regime de direito público. 2. A responsabilidade administrativa do Estado A responsabilidade administrativa não se confunde com a responsabilidade civil do Estado. 2.1. Definição A responsabilidade administrativa do Estado consiste na submissão da organização estatal ao dever jurídico-político de prestar informações e contas por suas ações e omissões e de corrigir as imperfeições verificadas em sua conduta. A responsabilidade administrativa resulta da submissão do aparato estatal a um dever jurídico- político, derivado diretamente da soberania popular. O exercente do poder político e o titular de competências administrativas são representantes do povo e, por isso, estão submetidos a deveres jurídicos e políticos. A responsabilidade administrativa envolve, primeiro, o dever de disponibilizar à sociedade o conhecimento acerca dos eventos ocorridos no âmbito interno da organização estatal. Somente nas hipóteses em que a lei autorize o sigilo, em vista do risco de comprometimento de valores essenciais, é que o agente administrativo pode omitir as informações sobre os eventos pertinentes à atividade administrativa. Por outro lado, é inerente à função administrativa a prestação de contas, assim entendida a expressão como o exercício de competências próprias, com a transferência para a comunidade dos benefícios eventualmente obtidos e a assunção dos prejuízos produzidos. A responsabilidade administrativa impõe ao Estado e a seus agentes a adoção de providências destinadas a eliminar os defeitos gerados no âmbito administrativo por ações ou omissões infringentes da ordem jurídica. 2.2. O regime jurídico A responsabilidade administrativa se manifesta em diversos institutos, tais como: o direito de petição e de obtenção de informações, o direito de obter a correção de informações sobre a conduta ou a identidade do particular e assim por diante. 3. A responsabilidade civil do Estado A responsabilidade civil do Estado, genericamente considerada, consiste no dever de recompor os prejuízos acarretados a terceiros, em virtude de condutas infringentes da ordem jurídica. 3.1. Definição A responsabilidade civil do Estado consiste no dever de indenizar os danos materiais e morais sofridos por terceiros em virtude de ação ou omissão antijurídica imputável ao Estado, tal como os lucros cessantes relacionados. A responsabilidade civil do Estado se traduz no dever de executar prestações destinadas a compensar danos. A manifestação mais usual desse dever consiste no pagamento de quantia certa em dinheiro, a título de indenização por perdas e danos. No entanto, admite-se que, em muitos casos, o pagamento de uma importância em dinheiro não é suficiente ou não é a solução apropriada para compensar os danos. Assim, pode-se cogitar de a responsabilização civil traduzir- se em obrigações de fazer, tal como a execução específica de obrigações inadimplidas ou outras soluções atípicas. Assim, por exemplo, o sujeito que sofreu dano moral derivado da indevida imputação de prática de ilicitude pode ser compensado mediante a publicação de notícia sobre a sua inocência na imprensa, custeada pelos cofres públicos. A responsabilidade civil do Estado comporta, em primeiro lugar, a compensação por perdas e danos materiais. Isso significa, na maior parte dos casos, o dever de pagar o valor correspondente aos danos emergentes e aos lucros cessantes – vale dizer, aquilo que o lesado perdeu e o que razoavelmente deixou de ganhar. Mas compreende também a eventual execução específica de obrigação de fazer. Já a responsabilidade civil por dano moral compreende usualmente (mas não apenas) o pagamento de uma importância destinada a atenuar o sofrimento moral acarretado em virtude de atuação ilícita, com forte conotação de punição. A natureza não econômica do dano moral impede uma equiparação pecuniária precisa. A indenização visa a fornecer um conforto imaterial ao indenizado – seja através da obtenção de recursos materiais, seja pela constatação da punição aplicada ao autor da ilicitude. Mas a compensação pelo dano moral pode abranger outras prestações, destinadas a reduzir os efeitos negativos sofridospelo sujeito em seu âmbito não patrimonial. Impõe-se a responsabilidade de indenizar qualquer pessoa lesada. O vocábulo “terceiro” indica não apenas as pessoas jurídicas privadas, mas também outras pessoas administrativas. Também compreende tanto as pessoas físicas não integrantes da Administração como os próprios agentes estatais eventualmente lesados. Jurisprudência do STF “Constitucional. Administrativo. Acidente de trânsito. Agente e vítima: servidores públicos. Responsabilidade objetiva do Estado: CF/1988, art. 37, § 6.º. O entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que descabe ao intérprete fazer distinções quanto ao vocábulo ‘terceiro’ contido no § 6.º do art. 37 da CF/1988, devendo o Estado responder pelos danos causados por seus agentes qualquer que seja a vítima, servidor público ou não” (AI 473.381 AgR, rel. Min. Carlos Velloso, j. 20.09.2005, DJ 28.10.2005). Por outro lado, é necessário destacar a alteração da orientação jurisprudencial do STF relativamente à responsabilidade civil das empresas estatais prestadoras de serviço público. A orientação mais antiga reconhecia responsabilidade objetiva apenas em relação a danos sofridos por usuários do referido serviço. Mais recentemente, o STF passou a reconhecer que a responsabilidade objetiva alcança inclusive danos sofridos por não usuários.2 Jurisprudência do STF “Constitucional. Responsabilidade do Estado. Art. 37, § 6.º, da CF/1988. Pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público. Concessionário ou permissionário do serviço de transporte coletivo. Responsabilidade objetiva em relação a terceiros não usuários do serviço. Recurso desprovido. I – A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente a terceiros usuários e não usuários do serviço, segundo decorre do art. 37, § 6.º, da CF/1988. II – A inequívoca presença do nexo de causalidade entre o ato administrativo e o dano causado ao terceiro não usuário do serviço público, é condição suficiente para estabelecer a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito privado. III – Recurso extraordinário desprovido” (RE 591.874, Pleno, rel. Min. Ricardo Lewandowski, repercussão geral – mérito, j. 26.08.2009, DJe 17.12.2009). “A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente aos usuários do serviço, não se estendendo a pessoas outras que não ostentem a condição de usuário. Exegese do art. 37, § 6.º, da CF/1988” (RE 262.651, 2.ª T., rel. Min. Carlos Velloso, j. 16.11.2004, DJ 06.05.2005). Jurisprudência do STJ “1. As empresas públicas prestadoras de serviços públicos submetem- se ao regime de responsabilidade civil objetiva, previsto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal e nos arts. 14 e 22 do Código de Defesa do Consumidor. 2. No caso, a contratação de serviços postais oferecidos pelos Correios, por meio de tarifa especial, para envio de carta registrada, que permite o posterior rastreamento pelo próprio órgão de postagem revela a existência de contrato de consumo, devendo a fornecedora responder objetivamente ao cliente por danos morais advindos da falha do serviço quando não comprovada a efetiva entrega. 3. É incontroverso que o embargado sofreu danos morais decorrentes do extravio de sua correspondência, motivo pelo qual o montante indenizatório fixado em R$ 1.000,00 (mil reais) pelas instâncias ordinárias foi mantido pelo acórdão proferido pela Quarta Turma, porquanto razoável, sob pena de enriquecimento sem causa” (EREsp 1.097.266/PB, 2.ª S., rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 10.12.2014, DJe 24.02.2015). “Responsabilidade civil. Recurso especial. Atropelamento fatal. Travessia na faixa de pedestre. Rodovia sob concessão. Consumidora por equiparação. Concessionária rodoviária. Responsabilidade objetiva em relação a terceiros usuários e não usuários do serviço. Art. 37, § 6.º CF/1988. Via em manutenção. Falta de iluminação e sinalização precária. Nexo causal configurado. Defeito na prestação do serviço configurado. Culpa exclusiva da vítima. Inocorrência. Indenização por danos materiais e morais devidos. (...) 2. As concessionárias de serviços rodoviários, nas suas relações com o usuário, subordinam-se aos preceitos do Código de Defesa do Consumidor e respondem objetivamente pelos defeitos na prestação do serviço. Precedentes. 3. No caso, a autora é consumidora por equiparação em relação ao defeito na prestação do serviço, nos termos do art. 17 do Código consumerista. Isso porque prevê o dispositivo que ‘equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento’, ou seja, estende o conceito de consumidor àqueles que, mesmo não tendo sido consumidores diretos, acabam por sofrer as consequências do acidente de consumo, sendo também chamados de bystanders. 4. ‘A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente a terceiros usuários e não usuários do serviço, segundo decorre do art. 37, § 6.º, da Constituição Federal’ (RE 591.874, rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, j. 26.08.2009, Repercussão Geral – Mérito DJe 237, Divulg. 17.12.2009, Public 18.12.2009). 5. Na hipótese, a menor, filha da recorrente, faleceu ao tentar atravessar na faixa de pedestre, em trecho da BR-040 sob concessão da ré, tendo a sentença reconhecido a responsabilização da concessionária, uma vez que ‘o laudo pericial da polícia judiciária bem apontou que o local do atropelamento é ‘desprovido de iluminação pública’, ‘com sinalização vertical e horizontal precária devido à manutenção da via’, tendo se descurado de sua responsabilidade na ‘obrigação direta de manutenção da rodovia’, admitindo a ré ‘a deficiência de seu serviço no local, quando apressou-se depois e instalou passarela destinada a pedestres naquele trecho’, além do fato de não haver prova da culpa exclusiva da vítima. Caracterizado, portanto, o nexo causal, dando azo a responsabilização civil. (...) 8. O direito de segurança do usuário está inserido no serviço público concedido, havendo presunção de que a concessionária assumiu todas as atividades e responsabilidades inerentes ao seu mister. 9. Atento às peculiaridades do caso, em que a sentença reconheceu a responsabilidade da concessionária, bem como ao fato de se tratar de vítima de tenra idade, circunstância que exaspera sobremaneira o sofrimento da mãe, além da sólida capacidade financeira da empresa ré e consentâneo ao escopo pedagógico que deve nortear a condenação, considero razoável para a compensação do sofrimento experimentado pela genitora o valor da indenização de R$ 90.000,00 (noventa mil reais). Com relação aos danos materiais, a pensão mensal devida deve ser estimada em 2/3 do salário mínimo dos 14 aos 25 anos de idade da vítima e, após, reduzida para 1/3, até a data em que a falecida completaria 65 anos. 10. Recurso especial parcialmente provido” (REsp 1.268.743/RJ, 4.ª T., rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 04.02.2014, DJe 07.04.2014). É indispensável destacar a alteração na orientação jurisprudencial do STJ no tocante ao sujeito passivo do dano moral. A orientação mais antiga reputava que somente uma pessoa física poderia ser titular do direito à indenização por dano moral. Esse entendimento foi superado, passando a ser admitida a indenização por dano moral coletivo. Jurisprudência do STJ “Administrativo – Transporte – Passe livre – Idosos – Dano moral coletivo – Desnecessidade de comprovação da dor e de sofrimento – Aplicação exclusiva ao dano moral individual – Cadastramento de idosos para usufruto de direito – Ilegalidade da exigência pela empresa de transporte – Art. 39, § 1.º do Estatuto do Idoso – Lei 10.741/2003 (...) 1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas como segmento, derivadode uma mesma relação jurídica-base. 2. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos. 3. Na espécie, o dano coletivo apontado foi a submissão dos idosos a procedimento de cadastramento para o gozo do benefício do passe livre, cujo deslocamento foi custeado pelos interessados, quando o Estatuto do Idoso, art. 39, § 1.º exige apenas a apresentação de documento de identidade. 4. Conduta da empresa de viação injurídica se considerado o sistema normativo. 5. Afastada a sanção pecuniária pelo Tribunal que considerou as circunstâncias fáticas e probatória e restando sem prequestionamento o Estatuto do Idoso, mantém-se a decisão. 6. Recurso especial parcialmente provido” (REsp 1.057.274/RS, 2.ª T., rel. Min. Eliana Calmon, j. 01.12.2009, DJe 26.02.2010). “Processual civil. Ação civil pública. Dano ambiental. Dano moral coletivo. Necessária vinculação do dano moral à noção de dor, de sofrimento psíquico, de caráter individual. Incompatibilidade com a noção de transindividualidade (indeterminabilidade do sujeito passivo e indivisibilidade da ofensa e da reparação). Recurso especial improvido” (REsp 598.281/MG, 1.ª T., rel. Min. Luiz Fux, rel. p/ acórdão Min. Teori Albino Zavascki j. 02.05.2006, DJ 01.06.2006). A responsabilidade civil do Estado decorre de ações ou omissões antijurídicas. Jurisprudência do STF “Responsabilidade civil objetiva do Estado (CF/1988, art. 37, § 6.º) – Configuração – ‘Bar Bodega’ – Decretação de prisão cautelar, que se reconheceu indevida, contra pessoa que foi submetida a investigação penal pelo poder público – Adoção dessa medida de privação da liberdade contra quem não teve qualquer participação ou envolvimento com o fato criminoso – Inadmissibilidade desse comportamento imputável ao aparelho de Estado – Perda do emprego como direta consequência da indevida prisão preventiva – Reconhecimento, pelo Tribunal de Justiça local, de que se acham presentes todos os elementos identificadores do dever estatal de reparar o dano – Não comprovação, pelo Estado de São Paulo, da alegada inexistência do nexo causal – Caráter soberano da decisão local, que, proferida em sede recursal ordinária, reconheceu, com apoio no exame dos fatos e provas, a inexistência de causa excludente da responsabilidade civil do poder público – Inadmissibilidade de reexame de provas e fatos em sede recursal extraordinária (Súmula 279/STF) – Doutrina e precedentes em tema de responsabilidade civil objetiva do Estado – Acórdão recorrido que se ajusta à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – Recurso de agravo improvido” (RE 385.943 AgRg, 2.ª T., rel. Min. Celso de Mello, j. 15.12.2009, DJe 18.02.2010). Jurisprudência do STJ “1. Fica configurada a responsabilidade subjetiva por omissão da concessionária decorrente de falha do dever de efetiva vigilância do reservatório de água, quando nele foi encontrado um cadáver humano” (REsp 1.494.296, 2.ª T., rel. Min. Humberto Martins, j. 16.12.2014, DJe 19.12.2014). “Processual civil. Administrativo. Responsabilidade Civil do Estado. Morte. Dengue hemorrágica. Configuração da responsabilidade subjetiva do Estado pelo tribunal a quo. Ação de indenização por dano moral. Majoração do quantum indenizatório. Valor irrisório. Configurado. (...) 3. In casu, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro considerando a responsabilidade subjetiva e demonstrado o nexo de causalidade entre a omissão do Estado do Rio de Janeiro e do Município do Rio de Janeiro no combate à epidemia de dengue e a ocorrência do evento morte, em razão de estar a vítima acometida por dengue hemorrágica e, o dano moral advindo da mencionada omissão do agente estatal, fixou o pagamento de indenização, a título de danos morais, no valor equivalente a R$ 30.000,00 (trinta mil reais), com correção monetária a contar da decisão e juros de mora desde o evento fatal, nos moldes delineados no acórdão às fls. 360/362. 4. A análise das especificidades do caso concreto e dos parâmetros adotados por esta Corte, no exame de hipóteses análogas, conduz à conclusão de que o valor arbitrado a título de indenização por danos morais, R$ 30.000,00 (trinta mil reais), revela-se irrisório, ante a evidente desproporcionalidade entre o quantum indenizatório e a lesão suportada pelo autor, em razão da morte de sua filha e considerada a omissão do Estado, consoante assentado pelo Tribunal local: ‘Com efeito, na época em que a filha do recorrente veio a óbito a imprensa escrita e falada noticiou epidemia de dengue no Município do Rio de Janeiro e outros adjacentes. Contra o fato, a municipalidade alega ter procedido a eficiente programa de combate. Entretanto, todos os documentos por ela acostados aos autos se referem a exercícios posteriores ao do evento sub judice. Ademais, laudo realizado pela Coordenadoria de Controle de Vetores, dias após o óbito, constatou não haver qualquer foco na residência do apelante. Ao contrário, encontrou diversos focos no quarteirão, inclusive em uma igreja. Incontroversa, portanto, a omissão dos entes públicos na tomada de providências que seriam exigíveis, de forma razoável, para evitar a fatalidade. (fl.)’ 5. Consectariamente, a constatação de irrisoriedade do quantum indenizatório impõe a sua majoração de maneira que a composição do dano seja proporcional à ofensa, razão pela qual a indenização a título de danos morais deve ser majorada para R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Precedentes do STJ: REsp 1.021.992/RN, 1.ª T., j. 02.10.2008, DJe 13.10.2008; REsp 976.059/SP, 2.ª T., j. 04.06.2009, DJe 23.06.2009; AgRg no REsp 932.561/RS, 2.ª T., j. 28.10.2008, DJe 25.11.2008 6. Recurso Especial provido para majorar o valor da indenização, a título de danos morais, para R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais)” (REsp 1.133.257/RJ, 1.ª T., rel. Min. Luiz Fux, j. 27.10.2009, DJe 02.02.2010). “A demora injustificada da Administração Pública para apreciar pedido de aposentadoria, obrigando o servidor a continuar exercendo compulsoriamente suas funções, gera o dever de indenizar” (REsp 1.052.461/MS, 1.ª T., rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 02.04.2009, DJe 16.04.2009). 3.2. A responsabilização estatal por condutas de terceiros A responsabilidade civil do Estado deriva, usualmente, de conduta própria – vale dizer, de conduta dos agentes encarregados de formular e manifestar a vontade estatal. No entanto, há casos em que o Estado responderá pelos efeitos de conduta alheia. Tal poderá se passar, inclusive, por decisão estatal unilateral. Exemplos residem nas Leis 10.309/2001 e 10.744/2003, que disciplinaram a “assunção” pela União de responsabilidade civil no caso de atentados terroristas ou atos de guerra contra aeronaves de empresas aéreas brasileiras. Jurisprudência do STF “Lei Distrital 842/94. 2. Redação dada pela Lei 913/95. 3. Art. 2.º da Lei 913/95. 4. Pensão especial a cônjuge de vítima assassinada no Distrito Federal. 5. Lei que impõe ao Distrito Federal responsabilidade além da prevista no art. 37, § 6.º, da Constituição. 6. Inocorrência da hipótese de assistência social. 7. Inconstitucionalidade do art. 1.º da Lei 842/94. 8. Inconstitucionalidade por arrastamento dos demais dispositivos. 9. Ação julgada procedente” (ADI 1.358, Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 04.02.2015, DJe 02.03.2015). 3.3. A situação de sujeitos privados atuando como agentes públicos Em algumas hipóteses, agentes privados são investidos de competências de natureza estatal. Isso pode gerar disputa sobre a responsabilização estatal por eventuais ilicitudes praticadas. Mais ainda, a discussão compreende a incidência do regime jurídico comum de responsabilidade civil. O tema tem sido analisado especialmente a propósito dos notários e cartorários. Em princípio, a natureza estatal da atividade implica a incidência do regime de responsabilidade civil correspondente. Portanto, a responsabilidade civil atinente aos atos de cartórios e notários não pode ser subordinadaa disciplina distinta daquela reservada ao Estado. No entanto, o problema fundamental reside na existência de uma relação de causalidade entre a atuação do cartorário ou notário e o dano produzido. Se todas as cautelas possíveis foram adotadas e se o dano decorreu de uma conduta exclusiva de um terceiro, não se configuram os pressupostos da responsabilização civil. Um exemplo permite compreender a questão. Suponha-se que um sujeito tenha produzido uma assinatura falsa, idêntica àquela de um terceiro. O reconhecimento por semelhança de uma firma forjada não implicará responsabilidade civil do cartorário ou notário (nem do Estado) quando for impossível a identificação do defeito. Assim se passa porque o dano foi produzido não propriamente pelo indevido reconhecimento de uma firma falsa, mas pela inviabilidade da identificação do defeito por parte do agente público. Jurisprudência do STF “Recurso extraordinário. Administrativo. Dano material. Omissões e atos danosas de tabeliães e registradores. Atividade delegada. Art. 236 da constituição da república. Responsabilidade do tabelião e do oficial de registro. Responsabilidade civil do Estado. Caráter primário, solidário ou subsidiário da responsabilidade estatal. Responsabilidade objetiva ou subjetiva. Controvérsia. Art. 37, § 6.º, da CRFB/88. Repercussão geral reconhecida” (RE 842.846, repercussão geral, rel. Min. Luiz Fux, j. 06.11.2014, DJe 14.11.2014). “Responde o Estado pelos danos causados em razão de reconhecimento de firma considerada assinatura falsa. Em se tratando de atividade cartorária exercida à luz do art. 236 da Constituição Federal, a responsabilidade objetiva é do notário, no que assume posição semelhante à das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos – § 6.º do art. 37 também da Carta da República” (RE 201.595, 2.ª T., rel. Min. Marco Aurélio. j. 28.11.2000, DJ 20.04.2001). 4. A pluralidade de regimes jurídicos para a responsabilidade civil estatal Um primeiro aspecto que costuma passar despercebido é a pluralidade de regimes jurídicos de responsabilidade civil do Estado. Não existe um regime jurídico uniforme para todas as hipóteses de atuação administrativa. 4.1. A distinção constitucional O art. 37, § 6.º, da CF/88 prescreve que as pessoas jurídicas de direito público (e as de direito privado prestadoras de serviços públicos) responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Esse regime não se aplica quando as atividades administrativas forem desenvolvidas por entidades estatais dotadas de personalidade jurídica de direito privado, exploradoras de atividade econômica. Portanto, é possível distinguir dois regimes jurídicos distintos para a responsabilidade civil atinente às entidades da Administração Pública. Há o regime próprio da responsabilidade civil das pessoas de direito público, subordinado ao direito público. E há aquele pertinente às pessoas de direito privado, não prestadoras de serviço público, mas exploradoras de atividade econômica, que é o regime jurídico da responsabilidade civil privada. Assim, uma entidade integrante da Administração indireta, dotada de personalidade jurídica de direito privado e exploradora de atividade econômica, estará sujeita ao regime de responsabilidade civil próprio da iniciativa privada. Portanto, a expressão responsabilidade civil do Estado, utilizada neste capítulo, indica a responsabilidade subordinada ao regime jurídico específico de direito público e ao art. 37, § 6.º, da CF/1988. Jurisprudência do STF “O § 6.º do art. 37 da Magna Carta autoriza a proposição de que somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns” (RE 327.904, 1.ª T., rel. Min. Carlos Britto, j. 15.08.2006, DJ 08.09.2006). 4.2. A distinção entre responsabilidade contratual e extracontratual Mas há outra distinção fundamental, que se relaciona à origem da infração. É necessário diferenciar a responsabilidade civil do Estado segundo tenha origem na infração de um contrato ou não. A distinção é essencial porque o regime próprio dos contratos administrativos protege o particular contra certos eventos imprevisíveis, gerando garantias que não se verificam no restante das hipóteses. É assegurado ao particular o direito à intangibilidade da equação econômico- financeira, do que deriva a proteção jurídica em face de caso fortuito, força maior ou fato do príncipe. Esse tema já foi estudado anteriormente, no Capítulo 8, que tratou dos contratos administrativos. Tutela similar não se verifica no âmbito da atividade administrativa extracontratual. Portanto, o campo próprio da responsabilidade civil extracontratual do Estado, objeto do exame deste capítulo, abrange apenas os efeitos danosos de ações e omissões imputáveis a pessoas jurídicas de direito público (ou particulares prestadores de serviços públicos), relativas a condutas que configurem infração a um dever jurídico de origem não contratual. 5. Os elementos configuradores da responsabilidade civil do Estado A responsabilidade civil extracontratual do Estado é produzida pela presença de três elementos. Há necessidade de: a) dano material ou moral sofrido por alguém; b) uma ação ou omissão antijurídica imputável ao Estado; c) um nexo de causalidade entre o dano e a ação ou omissão estatal. 5.1. O evento danoso A responsabilidade civil do Estado depende da consumação de um dano, material ou moral, imputável a ele. O dano material consiste na redução da esfera patrimonial de um sujeito, causando a supressão ou a diminuição do valor econômico de bens ou direitos que integravam ou poderiam vir a integrar sua titularidade. O dano moral é a lesão imaterial e psicológica, restritiva dos processos psicológicos de respeito, de dignidade e de autonomia. 5.2. Ação ou omissão imputável ao Estado A responsabilidade civil do Estado depende de uma conduta estatal, seja comissiva, seja omissiva, que produza efeito danoso a terceiro. A mera consumação do dano na órbita individual de um terceiro é insuficiente para o surgimento da responsabilidade civil do Estado. Nesse sentido, por exemplo, há julgado do STJ afirmando que “o depósito de artefato explosivo na composição ferroviária por terceiro não é fato conexo aos riscos inerentes do deslocamento, mas constitui evento alheio ao contrato de transporte, não implicando responsabilidade da transportadora” (REsp 589.051/SP, 4.ª T., rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 23.03.2004, DJ 13.09.2004). 5.3. A relação de causalidade Deve existir uma relação de causalidade necessária e suficiente entre a ação ou omissão estatal e o resultado danoso. Aplicam-se aqui as considerações supracitadas, no sentido de ser insatisfatória a pretensão de estabelecer, de modo puro e simples, uma relação de causalidade física ou natural entre a ação ou omissão estatal e o resultado danoso. É evidente que, se o resultado danoso proveio de evento imputável exclusivamente ao próprio lesado ou de fato de terceiro ou pertinente ao mundo natural, não há responsabilidade do Estado. Mas, se o evento foi propiciado pela atuação defeituosa do serviço público ou dos órgãos estatais, existe responsabilidade civil. Assim, o caso sempre lembrado é o do acidente de trânsito causado por ausência de sinalização apropriada ou o equívoco técnico da implantação da rodovia, dando oportunidade à ocorrência de acidentes porque a obra pública foi mal concebida ou mal executada. Veja-se como a teoria do dever de diligência especial – abordada adiante – se presta para eliminar as dúvidas sobre os casos de omissão, permitindo identificar com certa tranquilidade as hipóteses em que surge a responsabilidade civil do Estado. O STF reconheceu que a reservado possível não se constitui em impedimento à responsabilização civil quando existir um dever específico de fazer recaindo sobre o Estado. Jurisprudência do STF “Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão Geral. Constitucional. Responsabilidade civil do Estado. Art. 37, § 6.º. 2. Violação a direitos fundamentais causadora de danos pessoais a detentos em estabelecimentos carcerários. Indenização. Cabimento. O dever de ressarcir danos, inclusive morais, efetivamente causados por ato de agentes estatais ou pela inadequação dos serviços públicos decorre diretamente do art. 37, § 6.º, da Constituição, disposição normativa autoaplicável. Ocorrendo o dano e estabelecido o nexo causal com a atuação da Administração ou de seus agentes, nasce a responsabilidade civil do Estado. 3. ‘Princípio da reserva do possível’. Inaplicabilidade. O Estado é responsável pela guarda e segurança das pessoas submetidas a encarceramento, enquanto permanecerem detidas. É seu dever mantê-las em condições carcerárias com mínimos padrões de humanidade estabelecidos em lei, bem como, se for o caso, ressarcir danos que daí decorrerem. 4. A violação a direitos fundamentais causadora de danos pessoais a detentos em estabelecimentos carcerários não pode ser simplesmente relevada ao argumento de que a indenização não tem alcance para eliminar o grave problema prisional globalmente considerado, que depende da definição e da implantação de políticas públicas específicas, providências de atribuição legislativa e administrativa, não de provimentos judiciais. Esse argumento, se admitido, acabaria por justificar a perpetuação da desumana situação que se constata em presídios como o de que trata a presente demanda” (RE 580.252, Pleno, rel. Min. Teori Zavascki, relator p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 16.02.2017, DJe 08.09.2017). “2. A omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso. 3. É dever do Estado e direito subjetivo do preso que a execução da pena se dê de forma humanizada, garantindo-se os direitos fundamentais do detento, e o de ter preservada a sua incolumidade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal). 4. O dever constitucional de proteção ao detento somente se considera violado quando possível a atuação estatal no sentido de garantir os seus direitos fundamentais, pressuposto inafastável para a configuração da responsabilidade civil objetiva estatal, na forma do artigo 37, § 6.º, da Constituição Federal. 5. Ad impossibilia nemo tenetur, por isso que nos casos em que não é possível ao Estado agir para evitar a morte do detento (que ocorreria mesmo que o preso estivesse em liberdade), rompe-se o nexo de causalidade, afastando-se a responsabilidade do Poder Público, sob pena de adotar-se contra legem e a opinio doctorum a teoria do risco integral, ao arrepio do texto constitucional. 6. A morte do detento pode ocorrer por várias causas, como, v. g., homicídio, suicídio, acidente ou morte natural, sendo que nem sempre será possível ao Estado evitá-la, por mais que adote as precauções exigíveis. 7. A responsabilidade civil estatal resta conjurada nas hipóteses em que o Poder Público comprova causa impeditiva da sua atuação protetiva do detento, rompendo o nexo de causalidade da sua omissão com o resultado danoso. 8. Repercussão geral constitucional que assenta a tese de que: em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte do detento. 9. In casu, o tribunal a quo assentou que inocorreu a comprovação do suicídio do detento, nem outra causa capaz de romper o nexo de causalidade da sua omissão com o óbito ocorrido, restando escorreita a decisão impositiva de responsabilidade civil estatal” (RE 841.526, Pleno, rel. Min. Luiz Fux, j. 30.03.2016, repercussão geral – mérito, j. 30.03.2016, DJe 29.07.2016). Jurisprudência do STJ “1. Nos termos consignados pelo acórdão ora embargado, foi reconhecida a presença dos requisitos necessários para a responsabilização objetiva do ente público ora embargante tendo em vista a ocorrência de suicídio de detento em unidade prisional. Não obstante, houve omissão no que tange à presença ou não, no caso em concreto, de nexo de causalidade entre suposta ação/omissão estatal que teria resultado a morte de detento em virtude de ato por ele mesmo praticado (suicídio). 2. Embora no acórdão recorrido tenha sido afirmada a culpa exclusiva da vítima – e assim afastado o nexo de causalidade – é de se ressaltar que, no caso em concreto, a relação que deve ser estabelecida é entre o fato de ele estar preso sob a custódia do Estado. Conforme muito bem ressaltado pela Exmo. Sr. Min. Teori Albino Zavascki em seu voto relativo ao REsp 847.687/GO, ‘o Estado tem o dever de proteger os detentos, inclusive contra si mesmos. Não se justifica que tenha tido acesso a meios aptos a praticar um atentado contra sua própria vida. Os estabelecimentos carcerários são, de modo geral, feitos para impedir esse tipo de evento. Se o Estado não consegue impedir o evento, ele é o responsável’. (REsp 847.687/GO, rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, julgado em 17.10.2006, DJ 25.06.2007). Precedentes do STJ e do STF. 3. Portanto, no caso em concreto, embora afastada pelo Tribunal a quo, é inegável a presença do nexo de causalidade a autorizar a responsabilização civil do ente público pela morte do detento em virtude de suicídio. 4. Embargos de declaração acolhidos sem efeitos modificativos” (REsp 1.305.259/SC ED no AgRg, 2.ª T., rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 15.08.2013, DJ 22.08.2013). “Constitucional. Administrativo. Responsabilidade civil do estado. Servidor aprovado nomeado por decisão judicial. Indenização dos vencimentos e vantagens no período em que teve curso o processo judicial. Pedido improcedente. Jurisprudência do STF. 1. À luz do disposto no art. 37, § 6.º da CF/1988, o Supremo Tribunal Federal tem entendimento de que, ‘nos termos da orientação firmada nesta Corte, é indevida indenização pelo tempo em que se aguardou solução judicial definitiva sobre aprovação em concurso público’ (AgRg no RE 593.373, 2.ª T., Min. Joaquim Barbosa, DJ 18.04.2011). Considera-se que, se a nomeação foi decorrente de sentença judicial, o retardamento não configura preterição ou ato ilegítimo da Administração Pública a justificar uma contrapartida indenizatória. Nesse sentido, há precedentes formados em colegiado e por decisões monocráticas de ambas as Turmas do STF (...). 2. No STJ, a Corte Especial, ao julgar os EResp 825.037, Min. Eliana Calmon (DJe de 22.02.2011), também assentou entendimento de que, em casos tais, não assiste ao concursado o direito de receber, pura e simplesmente, o valor dos vencimentos que poderia ter auferido até o advento da nomeação determinada judicialmente; reconheceu-se, todavia, o direito a indenização por perda de chance, que, naquele caso concreto, seria a diferença entre os vencimentos do cargo e o valor que, no período da demora, o concursado havia recebido no desempenho de atividade contratual. 3. Inobstante esse precedente, é de se considerar que a responsabilidade civil do Estado é matéria que tem sede constitucional (CF/1988, art. 37, § 6.º), razão pela qual ganha relevância e supremacia a jurisprudência do STF a respeito, cuja adoção se impõe no caso concreto. 4. Embargos de Divergência providos” (EREsp 1.117.974/RS, Corte Especial, rel. Min. Eliana Calmon, rel. p/ Acórdão Min. Teori Albino Zavascki, j. 21.09.2011, DJe 19.12.2011). “Administrativo. Responsabilidade civil do Estado. Danos materiais e morais. Morte decorrente de ‘bala perdida’ disparada por menor evadido há uma semana de estabelecimento destinado ao cumprimento de medida socioeducativa de semiliberdade. Ausência de nexo de causalidade. (...) No caso, não há como afirmar que a deficiência do serviço do Estado (quepropiciou a evasão de menor submetido a regime de semiliberdade) tenha sido a causa direta e imediata do tiroteio entre o foragido e um seu desafeto, ocorrido oito dias depois, durante o qual foi disparada a ‘bala perdida’ que atingiu a vítima, nem que esse tiroteio tenha sido efeito necessário da referida deficiência. Ausente o nexo causal, fica afastada a responsabilidade do Estado. Precedentes de ambas as Turmas do STF em casos análogos” (REsp 858.511/DF, 1.ª T., rel. Min. Luiz Fux, rel. p/ acórdão Min. Teori Albino Zavascki, j. 19.08.2008, DJ 15.09.2008). 6. A antijuridicidade indispensável à responsabilização civil do Estado Questionou-se no passado se a responsabilidade civil extracontratual do Estado estava sujeita ao modelo do Código Civil. A orientação prevalente foi a de ser dispensável um requisito subjetivo para caracterizar-se ato ilícito, apto a produzir a responsabilização civil. Alude-se, então, à existência de responsabilidade objetiva. Segundo essa concepção, seria suficiente a ocorrência de um dano, derivado causalmente de ação ou omissão estatal. Essas considerações, embora pacificadas na doutrina, não devem impedir meditação provocada por lição tradicional e das mais autorizadas. Ruy Cirne Lima asseverava: “Hipóteses há, entretanto, em que a culpa pelo dano acontecido não consiste em ilegalidade, acaso praticada pelos funcionários, mas reside no próprio conjunto de disposições regulamentares e técnicas, praxes, usos e estilos, que lhes regem a atividade funcional; reside, antes, na organização defeituosa ou no irregular funcionamento do serviço público”.3 Aliás, mesmo os defensores de concepções objetivistas acabam concordando com a insuficiência da mera relação de causalidade objetiva entre uma ação ou omissão estatal e a consumação do dano. Assim, por exemplo, suponha-se que um agente policial, no exercício de legítima defesa, produza a morte de um delinquente. Houve ação estatal e houve dano, mas não há responsabilidade civil. A legítima defesa é causa excludente da responsabilidade civil porque a ação praticada pelo agente estatal é jurídica e os danos eventualmente gerados para o autor da agressão injusta são lícitos.4 Reputa-se que essa teoria objetiva causalista é insuficiente para fundamentar a responsabilidade civil do Estado, especialmente nas hipóteses de omissão – o que gera para seus defensores a necessidade de adotar concepções distintas para a responsabilidade civil do Estado por ação e por omissão. O ponto fundamental reside, então, na disciplina jurídica da atividade estatal, para efeito de verificação de juridicidade e de antijuridicidade. Essa controvérsia abrange inclusive a definição da responsabilidade do Estado por atos de parlamentar protegidos pela imunidade correspondente. É necessário determinar se a ausência de punibilidade da conduta do parlamentar abrangeria inclusive os efeitos danosos dela derivados em face de um particular. O STF reconheceu a repercussão geral relativamente a essa questão. Jurisprudência do STF “1. A decisão recorrida reconheceu a responsabilidade civil objetiva do Estado e condenou o ente público ao pagamento de indenização por danos morais decorrentes de atos protegidos por imunidade parlamentar. 2. Constitui questão constitucional relevante definir se a inviolabilidade civil e penal assegurada aos parlamentares, por suas opiniões, palavras e votos, afasta a responsabilidade civil objetiva do Estado, prevista no art. 37, § 6º, da Constituição” (RE 632.115, Pleno, repercussão geral, rel. Min. Roberto Barroso, j. 22.06.2017, DJe 28.06.2017). Jurisprudência do TRF-2.ª Reg. “Inexiste conduta omissiva por parte da Ré, na medida em que o dever jurídico reclamado pelos Autores somente surgiu com a edição da Lei 7.649/1988, em data posterior à transfusão de sangue, ocorrida em abril de 1987. Descabe a responsabilidade da União Federal pelo descumprimento de obrigação se inexiste o dever jurídico correspondente” (AC 2001.02.01.022109-8, 6.ª T., rel. Juíza Federal convocada Claudia Neiva, j. 26.10.2009, DJ 17.11.2009). 6.1. A objetivação da culpa Ao invés de aludir à responsabilidade objetiva do Estado, é mais apropriado aludir a uma objetivação da culpa. Não se trata de mero jogo de palavras. É usual afirmar que a responsabilidade do Estado independe de elemento subjetivo, o que é uma simplificação do problema. Se a responsabilidade for decorrente de uma ação ou omissão imputável ao Estado, será inafastável a existência de um elemento subjetivo na conduta do agente – até porque a conduta consiste em exteriorização de uma vontade. A responsabilidade do Estado não é independente de um elemento subjetivo reprovável, cuja existência é presumida em vista da manifestação física da atuação de um agente no mundo real. Aquele que é investido de competências estatais tem o dever objetivo de adotar as providências necessárias e adequadas a evitar danos às pessoas e ao patrimônio. Quando o Estado infringir esse dever objetivo e, exercitando suas competências, der oportunidade à ocorrência do dano, estarão presentes os elementos necessários à formulação de um juízo de reprobabilidade quanto à sua conduta. Não é necessário investigar a existência de uma vontade psíquica no sentido da ação ou omissão causadora do dano. A omissão da conduta necessária e adequada consiste na materialização de vontade defeituosamente desenvolvida. Logo, a responsabilidade continua a envolver um elemento subjetivo, consistente na formulação defeituosa da vontade de agir ou deixar de agir.5 Jurisprudência do STJ “(...) mesmo antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002, já se reconhecia a responsabilidade objetiva da empresa concessionária de energia elétrica, em virtude do risco da atividade, com fundamento no art. 37, § 6.º, da CF/1988 (...) Na hipótese, contudo, a causa excludente da responsabilidade da concessionária seria unicamente o fato de não ter sido informada pelos proprietários do imóvel acerca da reforma por eles realizada no imóvel, a qual teria diminuído a distância até a rede elétrica, deixando-a, portanto, fora dos padrões legalmente estabelecidos. Ocorre que isso não é suficiente para excluir a responsabilidade da (...), pois era seu dever, na condição de fornecedora de energia elétrica para a região do imóvel onde ocorreu o acidente, fiscalizar periodicamente as instalações e verificar se elas estavam de acordo com a legislação aplicável (...) O risco da atividade de fornecimento de energia elétrica é altíssimo sendo necessária a manutenção e fiscalização rotineira das instalações. (...) Sendo objetiva a responsabilidade, desnecessária a verificação da culpa da concessionária pelo ocorrido, bastando que se observe a existência do dano e do nexo causal, os quais estão presentes na hipótese, em que a vítima faleceu, ao realizar os serviços de manutenção da piscina do imóvel dos recorridos” (REsp 1.095.575/SP, 3.ª T., rel. Min. Nancy Andrighi, j. 18.12.2012, DJe 26.03.2013). “(...) 3. O caso em tela revela hipótese de responsabilidade objetiva do Estado, em que a vítima deve apenas comprovar a conduta, o dano e o nexo causal. A ré, para eximir-se ou atenuar a imputação da sua responsabilidade civil deverá comprovar que o dano decorreu de culpa exclusiva (ou parcial) da vítima ou de terceiro, ou, ainda, de fatos da natureza (caso fortuito/força maior). 4. Da análise da prova documental e testemunhal carreada aos autos, conclui-se que a razão assiste aos autores, razão pela qual a União deve responder pelos prejuízos suportados decorrentes da colisão, porquanto o dano, apesar de ter sido provocado diretamente pelo assaltante, somente ocorreu porque estava sendo perseguido, em alta velocidade, pelos agentes da ré. Não se trata de responsabilidade solidária da União com o infrator, mas sim de dano provocado, através do assaltante, mas por agentes da União. 5. Embora os prepostos da União estivessem agindo no estrito cumprimento do dever legal (perseguição de criminoso pela prática de furto), tal excludente de modo algum expungeo dever de indenizar os terceiros lesados pelos atos praticados em excesso em aludida perseguição, razão pela qual deve a União responder pelos danos materiais suportados pelos autores” (REsp 1.159.189/RS, 2.ª T., rel. Min. Eliana Calmon, j. 18.05.2010, DJ 25.05.2010). “(...) 4. Consoante cediço, a responsabilidade objetiva do Estado em indenizar, decorrente do nexo causal entre o ato administrativo e o prejuízo causado ao particular, prescinde da apreciação dos elementos subjetivos (dolo e culpa estatal), posto que referidos vícios na manifestação da vontade dizem respeito, apenas, ao eventual direito de regresso, incabível no caso concreto. (...) 8. Assim, caracterizada a hipótese de responsabilidade objetiva do estado, impõe-se ao lesado demonstrar a ocorrência do fato administrativo (diagnóstico errôneo), do dano (morte da filha da autora) e nexo causal (que a morte da criança decorreu de errôneo diagnóstico realizado por médico de hospital municipal). 9. Consectariamente, os pressupostos da responsabilidade objetiva impõem ao Estado provar a inexistência do fato administrativo, de dano ou ausência de nexo de causalidade entre o fato e o dano, o que atenua sobremaneira o princípio de que o ônus da prova incumbe a quem alega” (REsp 674.586/SC, 1.ª T., rel. Min. Luiz Fux, j. 06.04.2006, DJ 02.05.2006). 6.2. A relevância jurídica da controvérsia Poder-se-ia sustentar que a disputa seria irrelevante. A existência ou não de elemento subjetivo nem precisaria ser questionada, em face da ausência de efeitos práticos. Em qualquer caso, haveria responsabilidade civil. Esse enfoque não é correto, porque gera o risco de extensão da indenização para hipóteses descabidas, em que a conduta estatal é legítima – ainda que acarrete danos a terceiros. Ou seja, é necessária grande cautela quanto à defesa da possibilidade de responsabilização civil do Estado por atos lícitos. Adota-se o entendimento de que, ressalvadas hipóteses em que houver solução legislativa explícita diversa, somente é possível responsabilizar o Estado quando a ação ou omissão a ele imputável for antijurídica. 6.2.1. A responsabilidade objetiva e a responsabilidade por atos lícitos É necessário diferenciar os conceitos de responsabilidade objetiva e de responsabilidade por ato lícito. A responsabilidade objetiva pressupõe uma conduta estatal que se configura como violadora da ordem jurídica. A responsabilidade estatal por ato lícito ocorre quando é imposta ao Estado a obrigação de indenizar efeitos danosos consumados sem que o Estado tenha atuado de modo a infringir a ordem jurídica. É possível a lei estabelecer que o Estado responderá civilmente por danos acarretados a terceiros em hipóteses nas quais não tenha atuado de modo reprovável para sua consumação. O exemplo, já referido anteriormente, é a ocorrência de atentado terrorista ou ato de guerra contra aeronave brasileira (Leis 10.309/2001 e 10.744/2003). Jurisprudência do STF “É da jurisprudência do Supremo Tribunal que, para a configuração da responsabilidade objetiva do Estado não é necessário que o ato praticado seja ilícito. Precedentes” (RE 456.302 AgR, 1.ª T., rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 06.02.2007, DJ 16.03.2007). Deve-se interpretar em termos, portanto, o entendimento consagrado na ementa do RE 456.302. Não se pode extrair a orientação de que o Estado seria civilmente responsabilizável por todo e qualquer dano decorrente de uma atuação lícita estatal. Como regra, não surge responsabilidade civil do Estado nas hipóteses da prática de ato lícito. Ressalvam-se os casos em que solução distinta tiver sido adotada por determinação legal. Não se admite que um ato jurídico conforme ao direito, praticado pelo Estado de modo regular e perfeito, acarrete sua responsabilização civil – exceto quando essa for a opção explícita de uma lei. Jurisprudência do STF “Constitucional. Econômico. Intervenção estatal na economia. Normas de intervenção. Liberdade de iniciativa. Responsabilidade objetiva. Setor sucroalcooleiro. Qualificação jurídica do dano. Repercussão geral reconhecida. Tem repercussão geral a questão relativa à responsabilidade objetiva da União e à qualificação jurídica do dano causado ao setor sucroalcooleiro, em virtude da fixação dos preços dos produtos do setor em valores inferiores ao levantamento de custos realizados pela Fundação Getúlio Vargas, levando-se em conta o valor constitucional da livre-iniciativa e a intervenção do Estado no domínio econômico” (ARE 884.325, repercussão geral, rel. Min. Teori Zavascki, rel. p/ acórdão Min. Edson Fachin, j. 26.06.2015, DJe 01.09.2015). “(...) 5. A estabilidade econômico-financeira do contrato administrativo é expressão jurídica do princípio da segurança jurídica, pelo qual se busca conferir estabilidade àquele ajuste, inerente ao contrato de concessão, no qual se garante à concessionária viabilidade para a execução dos serviços, nos moldes licitados. 6. A manutenção da qualidade na prestação dos serviços concedidos (exploração de transporte aéreo) impõe a adoção de medidas garantidoras do reequilíbrio da equação econômico- financeira do contrato administrativo, seja pela repactuação, reajuste, revisão ou indenização dos prejuízos. 7. Instituição de nova moeda (Cruzado) e implementação, pelo Poder Público, dos planos de combate à inflação denominados ‘Plano Funaro’ ou ‘Plano Cruzado’, que congelaram os preços e as tarifas aéreas nos valores prevalecentes em 27.02.1986 (art. 5.º do Dec. 91.149, de 15.03.1985). 8. Comprovação nos autos de que os reajustes efetivados, no período do controle de preços, foram insuficientes para cobrir a variação dos custos suportados pela concessionária. 9. Indenização que se impõe: teoria da responsabilidade objetiva do Estado com base no risco administrativo. Dano e nexo de causalidade comprovados, nos termos do acórdão recorrido. 10. O Estado responde juridicamente também pela prática de atos lícitos, quando deles decorrerem prejuízos para os particulares em condições de desigualdade com os demais. Impossibilidade de a concessionária cumprir as exigências contratuais com o público, sem prejuízos extensivos aos seus funcionários, aposentados e pensionistas, cujos direitos não puderam ser honrados. 11. Apesar de toda a sociedade ter sido submetida aos planos econômicos, impuseram-se à concessionária prejuízos especiais, pela sua condição de concessionária de serviço, vinculada às inovações contratuais ditadas pelo poder concedente, sem poder atuar para evitar o colapso econômico-financeiro. Não é juridicamente aceitável sujeitar-se determinado grupo de pessoas – funcionários, aposentados, pensionistas e a própria concessionária – às específicas condições com ônus insuportáveis e desigualados dos demais, decorrentes das políticas adotadas, sem contrapartida indenizatória objetiva, para minimizar os prejuízos sofridos, segundo determina a Constituição. Precedente: RE 422.941, rel. Min. Carlos Velloso, 2.ª T., DJ 24.03.2006. 12. Não conhecimento do recurso extraordinário da União interposto contra o acórdão proferido no julgamento dos embargos infringentes. 13. Conhecimento parcial do recurso extraordinário da União, e na parte conhecida, provimento negado. 14. Conhecimento parcial do recurso extraordinário do Ministério Público Federal e, na parte conhecida, desprovido, mantendo-se a decisão do Superior Tribunal de Justiça, conclusivo quanto à responsabilidade da União pelos prejuízos suportados pela Recorrida, decorrentes dos planos econômicos” (RE 571.969, Pleno, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 12.03.2014, DJe 17.09.2014). Jurisprudência do STJ “Está fora de dúvida, no caso em análise, que ao Estado é lícito expedir normas de direção, restringindo ou condicionando a atuação dos agentes econômicos. Não houve, como já explicitado anteriormente, violação dos arts. 9.º e 10 da Lei 4.870/1965. Nesta seara, com a argúcia de sempre, o mestre Joaquim José Gomes Canotilho traçou os requisitos para a configuração da responsabilidade civil do Estado por atos lícitos: a) Um acto do Estado ou de outraspessoas colectivas públicas; b) Um prejuízo especial e anormal; c) Motivo de interesse público (Joaquim José Gomes Canotilho, O problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos, 1974, p. 143). No caso, o ato estatal é lícito e foi determinado em benefício do interesse público. Na exploração de atividades econômicas por particulares, o lucro não consubstancia direito subjetivo, mas simples expectativa, interesse legítimo. Basta imaginar o caos econômico, fiscal e social que se instauraria no Brasil se o Estado fosse condenado a indenizar todas as empresas brasileiras por todos os planos econômicos que congelaram ou tabelaram preços em nossa história recente. Pior, imagine-se se o cálculo dessas indenizações fosse realizado pela diferença entre o preço congelado (ou tabelado) e aquele que cada empresa entendesse devido, ou seja, que cada empresa tivesse indenizada sua ‘expectativa de lucro’ frustrada por um ou outro plano econômico. Certamente, as finanças estatais e o próprio Estado estariam absolutamente inviabilizados. Ao final, diversamente do afirmado pela recorrente, o ato do Estado não beneficiou ou prejudicou algumas empresas em particular, mas dirigiu-se a todo o setor sucroalcooleiro, não havendo qualquer ofensa ao princípio da igualdade. Repito que essas mesmas empresas foram beneficiadas por uma série de subsídios diretos e indiretos no período, contra os quais, evidentemente, não se insurgem. Portanto, é preciso ter em mente que as empresas não estão requerendo reparação por suposta lesão a direito subjetivo próprio, mas sim conversão de uma mera expectativa de lucro em lucro propriamente dito. Conceder a ‘indenização’ aqui pleiteada equivaleria a reconhecer direito subjetivo a lucro que, no sistema capitalista, encontra-se na esfera do risco. Ou, conforme a citação de Laurence Tribe no aresto recorrido, significaria regular o setor sucroalcooleiro mediante compra da produção” (REsp 1.347.136/DF, 1.ª S., trecho do voto da relatora Min. Min. Eliana Calmon, j. 11.12.2013, DJe 07.03.2014). 6.2.2. A configuração da ilicitude Mas o reconhecimento de uma concepção objetivada de culpa permite identificar a própria “ilicitude” na conduta estatal. Tradicionalmente, reputa-se que o exercício pelo Estado de suas competências insere-se no campo da licitude, afastando a responsabilização civil. Assim não o é, uma vez que haverá ilicitude quando, no exercício de suas competências legítimas, o Estado deixar de adotar as cautelas inerentes ao dever de diligência. O critério de identificação da ilicitude da atuação estatal reside não apenas na infração objetiva aos limites de suas competências e atribuições, mas também na observância e no respeito às cautelas necessárias e indispensáveis para evitar o dano aos interesses legítimos de terceiros. Cite-se caso de bomba que explode em uma composição ferroviária, configurando um atentado terrorista. Em princípio, não estarão presentes os pressupostos de responsabilização civil do Estado, uma vez que não há propriamente um nexo de causalidade entre a conduta reprovável e o evento danoso. O ponto fundamental residiria na ausência de infração a um dever de diligência estatal. Assim, no exemplo referido, caberia a responsabilização civil quando o Estado dispusesse de informações sobre a ameaça terrorista e resolvesse omitir qualquer providência adequada e necessária a prevenir a ocorrência. Se o Estado dispunha de condições para conhecer a perspectiva de um atentado terrorista, incumbia-lhe o dever de promover as medidas necessárias a evitar a consumação. Daí se afirmar que toda a ação ou omissão imputável ao Estado, que configure infração ao dever de diligência no exercício das competências próprias, gerará a responsabilização civil se produzir ou der oportunidade a dano patrimonial ou moral a terceiro. Mas a lei poderá instituir a responsabilidade civil do Estado mesmo quando não configurada ação ou omissão estatal reprovável. Assim, e tal como referido, a lei poderá determinar que qualquer dano decorrente de atentado terrorista acarretará a responsabilização civil estatal. Com isso, terá instituída a responsabilização civil mesmo em face de ação ou omissão estatal lícita. 6.3. O dever especial de diligência A natureza da atividade estatal impõe a seus agentes um dever especial de diligência, consistente em prever as consequências de sua conduta ativa e omissiva, adotando todas as providências necessárias para evitar a consumação de danos a terceiros. Se o agente estatal infringir esse dever de diligência, atuando de modo displicente, descuidado, inábil, estará configurada a conduta ilícita e surgirá, se houver dano a terceiro, a responsabilidade civil. Observe-se que esse dever de diligência é especial e rigoroso. Não é equivalente àquele que recai sobre todo e qualquer indivíduo que convive em sociedade. A natureza funcional das competências estatais produz o surgimento de um dever de previsão acurada, de cautela redobrada. Jurisprudência do STF “Morte de detento por colegas de carceragem. Indenização por danos morais e materiais. Detento sob a custódia do Estado. Responsabilidade objetiva. Teoria do risco administrativo. Configuração do nexo de causalidade em função do dever constitucional de guarda (art. 5.º, XLIX). Responsabilidade de reparar o dano que prevalece ainda que demonstrada a ausência de culpa dos agentes públicos” (RE 272.839, 2.ª T., rel. Min. Gilmar Mendes, j. 01.02.2005, DJ 08.04.2005). Jurisprudência do STJ “Processual civil. Administrativo. Indenização por morte de preso em cadeia pública. Dever de vigilância do Estado (art. 5.º, XLIX, CF/1988). Indenização por danos morais e materiais. Responsabilidade civil subjetiva. Culpa e nexo de causalidade comprovados. Súmula 07 do STJ” (REsp 1.095.309/AM, 1.ª T., rel. Min. Luiz Fux, j. 12.05.2009, DJe 01.06.2009). 6.4. O tratamento unitário para as ações e as omissões Essa teoria permite unificar o tratamento da responsabilidade civil por atos comissivos e omissivos. Tradicionalmente, afirma-se que a responsabilidade civil do Estado por ato comissivo tem cunho objetivo, enquanto a responsabilidade por ato omissivo apresenta natureza subjetiva. Essa tese é logicamente insustentável, e se afigura muito mais razoável afirmar que, em todos os casos, há um elemento subjetivo, mas subordinado a um regime especial. Na atuação comissiva, o dever de diligência especial impõe ao agente a adoção de cautelas muito severas, visando precisamente a evitar a produção de lesão a terceiros. Portanto, quando a atuação comissiva do agente estatal produz o dano a terceiro, presume-se a presença de um elemento subjetivo defeituoso. O agente produziu o dano porque houve defeito na formação de sua vontade. Já na atuação omissiva, a situação é diversa e mais complexa.6 6.5. As hipóteses de responsabilidade civil por omissão As hipóteses de dano derivado de omissão podem ser diferenciadas em dois grandes grupos. Existem os casos em que uma norma prevê o dever de atuação e a omissão corresponde à infração direta ao dever jurídico (ilícito omissivo próprio). E há os casos em que a norma proscreve certo resultado danoso, o qual vem a se consumar em virtude da ausência da adoção das cautelas necessárias a tanto (ilícito omissivo impróprio). Jurisprudência do STF “Caracteriza-se a responsabilidade civil objetiva do Poder Público em decorrência de danos causados, por invasores, em propriedade particular, quando o Estado se omite no cumprimento de ordem judicial para envio de força policial ao imóvel invadido” (RE 283.989, 1.ª T., rel. Min. Ilmar Galvão, j. 28.05.2002, DJ 13.09.2002). Jurisprudência do STJ “(...) 3. Cabe à União desenvolver programas de inspeção sanitária dos equipamentos de radioterapia, o que teria possibilitado a retirada, de maneira segura, da cápsula de Césio 137, que ocasionou a tragédia ocorrida em Goiânia em 1987. 4. Em matéria de atividade nuclear e radioativa, a fiscalização sanitário- ambiental é concorrente entre a União e os Estados, acarretando responsabilizaçãosolidária, na hipótese de falha de seu exercício. 5. Não fosse pela ausência de comunicação do Departamento de Instalações e Materiais Nucleares (que integra a estrutura da Comissão Nacional de Energia Nucelar – CNEN, órgão federal) à Secretaria de Saúde do Estado de Goiás, o grave acidente que vitimou tantas pessoas inocentes e pobres não teria ocorrido. Constatação do Tribunal de origem que não pode ser reapreciada no STJ, sob pena de violação da Súmula 7. 6. Aplica-se a responsabilidade civil objetiva e solidária aos acidentes nucleares e radiológicos, que se equiparam para fins de vigilância sanitário-ambiental. 7. A controvérsia foi solucionada estritamente à luz de violação do Direito Federal, a saber, pela exegese dos arts. 1.º, I, j, da Lei 6.229/1975; art. 8.º do Dec. 81.384/1978; e art. 4.º da Lei 9.425/1996. 8. Recurso Especial não provido” (REsp 1.180.888/GO, 2.ª T., rel. Min. Herman Benjamin, j. 17.06.2010, DJ 28.02.2012). “O recurso aborda lamentável ocorrência, em que professora de uma das escolas públicas do Distrito Federal sofreu agressão física partida de um dos alunos no interior do estabelecimento educacional, quando a direção da escola, apesar de ciente das ameaças de morte, não diligenciou o afastamento imediato do estudante da sala de aula e providências para quanto à segurança da docente ameaçada. O fato que embasa o pedido está calcado na omissão, na falha dos serviços inerentes às funções de Diretor da Escola e do seu Assistente. Sustenta a autora que, por negligência desses agentes públicos, sofreu agressão moral e física de aluno, o qual já tinha definição de afastamento da Escola, pela administração, em razão de ameaça de morte que dirigiu à autora-professora. Esse quadro fático a ser demonstrado e julgado configura omissão e falha na prestação de serviço, cuja responsabilidade pelos danos causados depende de culpa. Esse elemento subjetivo é exigido tanto para os agentes públicos, pessoas físicas, quanto para o Estado, pessoa de direito público. De acordo com o disposto no art. 37, § 6.º, da CF/1988, o Estado responde objetivamente pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros. Essa regra geral, de acordo com a jurisprudência e doutrina, sofre exceção quando a lesão decorrer de omissão. Nessa hipótese, o Estado responde subjetivamente pelos danos que a falha no serviço causar. Ocorre culpa quando o serviço não funciona, funciona mal, ou funciona intempestivamente. Assim, tratando-se de ato omissivo do Poder Público, a responsabilidade civil por esse ato é subjetiva. Imprescindível, portanto, a demonstração de dolo ou culpa, esta numa de suas três modalidades – negligência, imperícia ou imprudência. Destaque-se, ainda, que não é necessário individualizar a responsabilidade, pois pode ser atribuída ao serviço público de forma genérica, ou seja, à falta do serviço. (...) não obstante o dano ter sido igualmente causado por ato de terceiro (aluno), atestou-se nas instâncias ordinárias que existiam meios, razoáveis e suficientes, a cargo do Estado, para impedir a consumação do dano, não satisfatoriamente manejados” (REsp 1.142.245/DF, 2.ª T., rel. Min. Castro Meira, j. 05.10.2010, DJe 19.10.2010). Jurisprudência do TJRJ “Indenização. Danos morais e materiais. Roubo de veículo automotor em via pública. Informação por agente policial de inúmeras ocorrências no local. Fato confirmado por testemunhas. Omissão específica do Estado configurada. Responsabilidade subjetiva. Comprovação dos elementos. Dever de pagar o valor do veículo. Prejuízos extrapatrimoniais não configurados na espécie. Conhecimento e desprovimento dos apelos de ambas as partes” (Ap. Cív. 2008.001.06571, 17.ª CC., rel. Des. Raul Celso Lins e Silva, j. 28.05.2008, DJ 12.06.2008). Os casos de ilícito omissivo próprio são equiparáveis aos atos comissivos, para efeito de responsabilidade civil do Estado. Assim, se uma norma estabelecer que é obrigatório o agente público praticar certa ação, a omissão configura atuação ilícita e gera a presunção de formação defeituosa da vontade.7 O agente omitiu a conduta obrigatória ou por atuar intencionalmente ou por formar defeituosamente sua própria vontade – a não ser que a omissão tenha sido o resultado intencional da vontade orientada a produzir uma solução conforme ao direito e por ele autorizada. O grande problema são as hipóteses de ilícito omissivo impróprio, em que o sujeito não está obrigado a agir de modo determinado e específico. Nesses casos, a omissão do sujeito não gera presunção de infração ao dever de diligência. É imperioso, então, verificar concretamente se houve ou não infração ao dever de diligência especial que recai sobre os exercentes de função estatal. Se existiam elementos fáticos indicativos do risco de consumação de um dano, se a adoção de providências necessárias e suficientes para impedir esse dano era da competência do agente, se o atendimento ao dever de diligência teria conduzido ao impedimento da adoção das condutas aptas a gerar o dano – então, estão presentes os pressupostos da responsabilização civil.8 Essa concepção conduz à responsabilização civil do Estado em questões de fiscalização institucional e permanente, sempre que o exercício ordinário das competências de acompanhamento dos fatos permitir inferir a probabilidade de resultado danoso a terceiro. Jurisprudência do STJ “A conclusão exarada pelo Tribunal a quo alinha-se à jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, orientada no sentido de reconhecer a legitimidade passiva de pessoa jurídica de direito público para figurar em ação que pretende a responsabilização por danos causados ao meio ambiente em decorrência de sua conduta omissiva quanto ao dever de fiscalizar. Igualmente, coaduna-se com o texto constitucional, que dispõe, em seu art. 23, VI, a competência comum para a União, Estados, Distrito Federal e Municípios no que se refere à proteção do meio ambiente e combate à poluição em qualquer de suas formas. E, ainda, o art. 225, caput, também da CF/1988, que prevê o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (AgRg no AgIn 973.577/SP, 2.ª T., rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 16.09.2008, DJe 19.12.2008). 6.6. Atos omissivos e atos comissivos A distinção entre atos omissivos e comissivos deriva de que, nestes últimos, é evidente a infração a certo dever. O ato comissivo importa incompatibilidade material com o dever geral de diligência, o que dispensa maiores cogitações acerca do aspecto subjetivo do agente. Há o dever de evitar a prática de certas ações, pois contrárias ao direito ou a valores fundamentais. Se o agente praticar tais condutas, sua atuação será reprovável, sem necessidade de investigar profundamente os aspectos relacionados com a formação de sua vontade. Assim, o agente estatal que provoca um acidente de trânsito, ao trafegar sem observância do dever de diligência mínimo, pratica uma conduta comissiva. Já nos atos omissivos, é necessário estabelecer uma distinção. Existem hipóteses em que o direito impõe ao Estado o dever de agir de modo específico e determinado. A ausência de adoção da conduta comandada pelo direito configura uma omissão indevida em sentido próprio. Se o Estado omitir a conduta que era juridicamente obrigatória adotar, há uma inquestionável infração à ordem jurídica. Pode-se aludir a omissão indevida em sentido próprio. Mas há casos em que o Estado dispõe de uma competência genérica para atuar, sem que o direito determine a conduta específica a adotar. Em tais hipóteses, poderá consumar-se algum dano sem que tal configure uma atuação reprovável do Estado. Mas poderá haver casos em que caberá a responsabilização. O caso pode ser indicado pela expressão “omissão indevida em sentido impróprio”,9 que se verifica quando a omissão é um meio apto a gerar um resultado antijurídico. Exemplos permitem compreender a distinção. Imagine-se a regra que determine o dever de oEstado exigir a apresentação de testes e exames como condição para deferir o registro de um medicamento. Se o Estado deferir o registro de medicamento sem que o requerente forneça os demonstrativos exigidos por lei, existe uma atuação reprovável, que será equivalente à ação indevida. Verificando-se que o medicamento, registrado sem a observância dos requisitos legais, causou dano à saúde de um usuário, é inquestionável o cabimento da responsabilização civil estatal. Suponha-se, no entanto, a regra determinando que o Estado deterá competência para fiscalizar a observância do limite de velocidade nas rodovias. Se um sujeito trafegar em excesso de velocidade e acarretar um acidente, não se poderá imputar ao Estado a responsabilidade civil correspondente. Tal decorre de que o Estado detinha a competência para fiscalizar, mas isso não equivale a determinar o dever de identificar e reprimir toda e qualquer violação ao limite de velocidade numa rodovia pública. Então, até é possível que o Estado identifique um sujeito trafegando em excesso de velocidade e adote providência cabível para reprimir essa conduta. Tal poderá impedir a ocorrência de um acidente. Mas não se pode determinar que todo e qualquer acidente de trânsito decorrente de excesso de velocidade acarrete responsabilidade civil do Estado. No entanto, o Estado será responsabilizável por todo e qualquer dano decorrente de consumo de remédio cujo registro tiver sido deferido sem a observância dos requisitos e exigências devidos. Em suma, existem duas categorias de disciplina jurídica da omissão estatal. Não é possível unificar o tratamento jurídico atinente a ambas. Deixar de agir quando a lei manda que o sujeito aja é juridicamente equivalente a agir quando a lei proíbe a ação. Num caso, a lei diz: “é proibido fazer”; noutro, estabelece: “é obrigatório fazer”. A conduta que infringe o dever, no primeiro caso, consiste numa ação; no segundo, é uma omissão. Nos casos em que o direito estabelecer que a omissão estatal é em si mesma ilícita (omissão própria), o tratamento jurídico será semelhante ao adotado para a atuação estatal ativa. Nas hipóteses em que existir um comando genérico autorizando o Estado a atuar (omissão imprópria), será descabido reputar que a mera e simples inação produzirá a responsabilidade civil do Estado. Nesse caso, a responsabilização apenas surgirá se houver omissão juridicamente reprovável, consistente na infração a um dever de diligência. Assim, por exemplo, o Estado pode ser responsabilizado quando deixar de limpar galerias pluviais, daí derivando inundação das vias públicas e prejuízos a terceiros. É necessário insistir que não existe diferença relativamente à reprobabilidade quando se trata de omissão imprópria e omissão própria. Em todos os casos, é necessário avaliar a conduta estatal e verificar se houve infração a um dever de diligência. A conduta, considerada em si mesma, é insuficiente para autorizar uma qualificação jurídica. O que se passa é que o dever de diligência apresenta configurações distintas nas duas situações. No caso da omissão própria, há um dever de diligência preciso e determinado. No caso da omissão imprópria, o dever de diligência não tem conteúdo exato. Portanto, o tratamento jurídico dos atos omissivos e comissivos é único e equivalente. A responsabilização civil dependerá da infração a um dever jurídico de diligência. Essa infração se presumirá reprovável, uma vez que o dever jurídico de diligência, imposto ao Estado, importa a objetivação do elemento subjetivo da conduta. O agente tem o dever funcional de conhecer seus deveres, de prever as consequências da infração a eles e de arcar com os resultados. A infração a esse dever importa elemento subjetivo reprovável. Se houver regra (mesmo técnica) determinando a obrigatoriedade da atuação em situações determinadas, o panorama jurídico atinente ao ato omissivo é idêntico ao dos atos comissivos. Assim se passa, por exemplo, com a omissão de socorro (hipótese de ilícito omissivo próprio). Em todos esses casos, há o dever de ofício de omitir ou de atuar. A infringência a tais deveres produz a obrigação de o Estado responder pelas perdas e danos derivados.10 Um exemplo permite a compreensão da diferença. Suponha-se que uma pessoa, trafegando pela rua, seja fulminada por um raio. Não é possível imputar, de modo automático, responsabilidade ao Estado por esse evento. Imagine-se, porém, que o conhecimento científico contemporâneo ao evento evidencie que aquele raio não teria atingido aquele ponto se houvesse sido adotada certa providência por parte do Estado. Nesse caso, estarão presentes os pressupostos da responsabilidade civil por omissão. Jurisprudência do STJ “2. A jurisprudência desta Corte tem se posicionado no sentido de que em se tratando de conduta omissiva do Estado a responsabilidade é subjetiva e, neste caso, deve ser discutida a culpa estatal. Este entendimento cinge-se no fato de que na hipótese de Responsabilidade Subjetiva do Estado, mais especificamente, por omissão do Poder Público, o que depende é a comprovação da inércia na prestação do serviço público, sendo imprescindível a demonstração do mau funcionamento do serviço, para que seja configurada a responsabilidade. Diversa é a circunstância em que se configura a responsabilidade objetiva do Estado, em que o dever de indenizar decorre do nexo causal entre o ato administrativo e o prejuízo causado ao particular, que prescinde da apreciação dos elementos subjetivos (dolo e culpa estatal), posto que referidos vícios na manifestação da vontade dizem respeito, apenas, ao eventual direito de regresso. (...) 6. In casu, o dano ocorrido, qual seja, a queda de uma placa de sinalização de trânsito, atingindo veículo automotor que transitava pela via, revela nexo de causalidade entre a suposta omissão do Estado. É que o Tribunal de origem assentou que cabe ao município fixar as placas de trânsito de forma a suportar as intempéries causadas pelo mau tempo, sendo certo que o recorrente não logrou êxito em comprovar que a intensidade da chuva e do vento no momento do evento danoso ultrapassaram os limites da normalidade. Dessa sorte, não há que se falar em violação do art. 334, do CPC” (AI 1.192.340/MG, rel. Min. Luiz Fux, decisão monocrática, j. 14.10.2009, DJ 27.10.2009). 6.7. A questão da objetivação do elemento subjetivo Em suma, defende-se a objetivação do elemento subjetivo reprovável, não a desnecessidade de sua presença. A afirmativa da existência da responsabilidade objetiva deve ser interpretada em termos. Não há responsabilidade civil objetiva do Estado, mas há presunção de culpabilidade derivada da existência de um dever de diligência especial. Como decorrência, se a vítima tiver concorrido para o evento danoso, o valor de uma eventual condenação será minimizado. Essa distinção não é meramente acadêmica, especialmente porque a avaliação do elemento subjetivo é indispensável, em certas circunstâncias, para a determinação da indenização devida. Assim se passa, por exemplo, no tocante à indenização por dano moral, cuja determinação envolve a verificação do grau de reprobabilidade da conduta do agente estatal. 6.8. A “exclusão” da responsabilidade civil do Estado A doutrina costuma aludir a hipóteses de “exclusão” da responsabilidade civil do Estado. Trata- se de hipóteses em que, mais propriamente, não há elemento subjetivo reprovável por parte do agente que desempenha a função de órgão estatal. Isso se passa, basicamente, nos casos de (a) culpa da vítima; (b) culpa de terceiro; (c) exercício regular de direito pelo agente estatal; (d) caso fortuito ou força maior. São assim sumariadas: Mas o tratamento jurídico das diversas hipóteses exige, sempre, o exame da existência de infração ao dever de diligência atribuído ao Estado. 6.8.1. A culpa da vítima Não há responsabilidade civil do Estado quando o evento danoso se consumou por efeito de atuação culposa da vítima. Se a culpa foi exclusiva, não há responsabilização civil alguma. Se houve concorrência de culpa
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