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Diana Esteves 1º ANO 1º Semestre DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO Diana Esteves 1º ANO 1º Semestre DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO Dr. Jónatas Machado Dr. António Eduardo Baltar Malheiro Magalhães Dr. Jónatas Machado, Direito Internacional – Do Paradigma Clássico ao Pós-11 de Setembro 1 Índice Capítulo I – A Disciplina Do Direito Internacional Público ......................................................4 1– O Direito Da Comunidade Internacional ............................................................................. 4 1.1 . Direito, sociedade e natureza humana ..................................................................4 1.2. Comunidade e sociedade.................................................................................................4 1.3. O Direito Internacional Público ......................................................................................4 2– Conceito e qualidade jurídica do direito internacional .................................................. 4 2.1. Definição de direito internacional público ..................................................................4 Capítulo II – História e Fundamentos do Direito Internacional .............................................6 1– Antecedentes remotos ............................................................................................................ 6 2– Idade Média e “Respublica Cristiana” ................................................................................ 6 Caracterização da Respública Cristiana: ...........................................................................7 Bases da Respública Cristiana: .............................................................................................7 3– O Trânsito para a modernidade ............................................................................................ 8 3.1. O colapso da Respublica Christiana .............................................................................8 3.2. A época Ibérica e a Escola Peninsular.........................................................................8 3.3. As guerras religiosas e o Tratado de Vestefália .......................................................9 3.4. Hugo Grócio e o Jusnaturalismo Secularizado ...................................................... 10 3.5. A Época Francesa e o Direito Internacional ............................................................ 10 Caracterização histórica e ideológica .............................................................................. 10 Desenvolvimentos no DIREITO INTERNACIONAL ......................................................... 11 4– O Direito Internacional Contemporâneo .......................................................................... 11 4.1. Equilíbrio de Poderes e “Concerto Europeu” ......................................................... 11 4.2. Tratado de Versalhes e a SDN ..................................................................................... 12 4.3. CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS .................................................................................... 12 4.4. Fundamentos materiais do DIREITO INTERNACIONAL contemporâneo ....... 12 5– Características atuais do DIREITO INTERNACIONAL ................................................. 13 5.1. O DIREITO INTERNACIONAL à luz dos modelos das relações internacionais ....................................................................................................................................................... 13 5.2 – A sociedade global ........................................................................................................ 13 5.3 – Expansão do DIREITO INTERNACIONAL ............................................................... 13 Capítulo III – Fontes do Direito Internacional .......................................................................... 14 1– O elenco tradicional das fontes .......................................................................................... 14 1.1. Artigo 38.º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça ......................... 14 1.2. As convenções internacionais – al. a) ................................................................... 14 Função ........................................................................................................................................ 15 Forma .......................................................................................................................................... 15 2 Modo de conclusão ................................................................................................................. 15 Objeto .......................................................................................................................................... 15 Alcance geográfico ................................................................................................................. 15 Partes .......................................................................................................................................... 15 1.3. O costume internacional – al. b) .............................................................................. 15 Costume selvagem .................................................................................................................. 17 1.4. Os princípios gerais do direito internacional – al. c)......................................... 18 Valores ........................................................................................................................................ 18 Princípios ................................................................................................................................... 18 Regras ......................................................................................................................................... 18 princípios gerais de direito internacional em especial ................................................ 19 Princípios gerais do direito (na sua relevância jurídico internacional) .................. 19 1.5. A jurisprudência internacional – al. d) ................................................................... 20 1.6. A doutrina – al. d) ......................................................................................................... 20 1.7. Decisões “ex aequo et bono” ................................................................................... 20 1.8. Outras fontes de dip.................................................................................................... 20 2– O problema da hierarquia das fontes ................................................................................ 21 2.1. A hierarquia das fontes como questão doutrinal ............................................... 21 2.2. Elementos constitutivos da hierarquia .................................................................. 21 3– O Direito Internacional e o Direito Interno ....................................................................... 22 3.1. As doutrinas tradicionais .......................................................................................... 22 3.2. A Jurisprudência Internacional e o Primado do Direito Internacional ........ 24 3.3. O problema no direito constitucional comparado ............................................. 24 Estados Unidos da América ................................................................................................. 25 Holanda ....................................................................................................................................... 25 Brasil ...........................................................................................................................................25 Reino Unido ............................................................................................................................... 25 Alemanha ................................................................................................................................... 25 França ......................................................................................................................................... 25 3.4. Tendências atuais ....................................................................................................... 26 4– O problema na CRP 1976 ...................................................................................................... 26 4.1. Premissas fundamentais ........................................................................................... 26 4.2. Receção do direito internacional pelo direito interno ...................................... 27 4.3. Análise dos dados normativos relevantes ........................................................... 27 Capítulo IV – Sujeitos do Direito Internacional ....................................................................... 31 1– Considerações gerais ............................................................................................................ 31 2– O Estado ..................................................................................................................................... 31 3 Soberania interna .................................................................................................................... 32 Soberania externa ................................................................................................................... 32 2.1. Elementos constitutivos do estado ........................................................................ 32 Superfície Terrestre ............................................................................................................... 33 Mar Territorial ........................................................................................................................... 34 Alargamento da Jurisdição Estadual ................................................................................ 34 Espaço aéreo ............................................................................................................................ 34 2.2. O regime jurídico-internacional dos Estados ...................................................... 37 3 – Organizações internacionais .............................................................................................. 39 Organização das Nações Unidas ........................................................................................ 41 4 – Sujeitos especiais de direito internacional .................................................................... 42 Capítulo V – Direito dos Tratados ............................................................................................... 43 1 – Considerações gerais ........................................................................................................... 43 2 – A Vinculação Internacional do Estado Português na CRP ........................................ 44 2.1. A expressão do consentimento nacional ............................................................. 44 2.2. Tratados e Acordos ........................................................................................................ 47 3 – O Direito Internacional dos Tratados ............................................................................... 47 3.1. Negociação e Ajuste dos Tratados ........................................................................ 48 3.2. Adoção e Manifestação do Consentimento ......................................................... 48 3.3. As Reservas aos Tratados ........................................................................................ 48 3.4. Vigência dos tratados ................................................................................................ 48 3.5. A aplicação e cumprimento dos tratados............................................................. 49 3.6. A validade dos tratados ............................................................................................. 50 Capítulo VI – Direito internacional dos direitos do homem ................................................. 53 1 – O indivíduo como sujeito de Direito Internacional ....................................................... 53 2 – Fundamentos e princípios ................................................................................................... 53 3 – Protecção internacional dos direitos humanos ............................................................ 53 3.1. Organização das Nações Unidas (ONU) ............................................................... 53 3.2. Organizações regionais e direitos do homem .................................................... 55 3.3. O papel das Organizações Não-Governamentais (ONG’s) ............................. 58 4 – Direito Internacional Penal .................................................................................................. 58 4.1. Desenvolvimento histórico ....................................................................................... 58 4.2. Tribunal Penal Internacional .................................................................................... 60 4.3. As limitações da jurisdição penal internacional ................................................. 63 4.4. A ratificação portuguesa do TPI ............................................................................. 64 file:///C:/Users/diana/Desktop/COLLEGE/Direito%20Internacional%20Público/resumos.docx%23_Toc504641600 file:///C:/Users/diana/Desktop/COLLEGE/Direito%20Internacional%20Público/resumos.docx%23_Toc504641602 file:///C:/Users/diana/Desktop/COLLEGE/Direito%20Internacional%20Público/resumos.docx%23_Toc504641604 file:///C:/Users/diana/Desktop/COLLEGE/Direito%20Internacional%20Público/resumos.docx%23_Toc504641606 file:///C:/Users/diana/Desktop/COLLEGE/Direito%20Internacional%20Público/resumos.docx%23_Toc504641609 4 Capítulo I – A Disciplina Do Direito Internacional Público 1 – O Direito Da Comunidade Internacional 1.1 . Direito, sociedade e natureza humana 1.2. Comunidade e sociedade 1.3. O Direito Internacional Público O curso de DIREITO INTERNACIONAL começa com a abordagem da especificidade do DIP tradicional e desenvolve-se tendo em vista os passos que têm vindo a ser dados no sentido da superação do Modelo de Vestefália – 1648 a 1949 (data de assinatura da DUDH), na opinião do Doutor Machado, por considerar que a declaração constitui o melhor ponto de apoio para uma superação consequente do modelo de Vestefália, visto que esta assinala a emergência do indivíduo como sujeito de direito internacional. Para alguma doutrina, a delimitação deste modelo pode ser de 1648 a 1878 (Congresso de Viena), quando começam a surgir os “non state actors” na cena internacional. Sujeitos do DIREITO INTERNACIONAL: Tradicionalmente, estados soberanos; a partir da segunda metade do século XIX, surgem as organizações internacionais (OI); no século XX, o indivíduo assume-se também como sujeito, bem como as Organizações não-governamentais (ONG). Objeto do DIREITO INTERNACIONAL: Inicialmente, as relações entre Estados, e posteriormente as relações entre estados e OI – nota-se uma profunda transformação, pois o DIREITO INTERNACIONAL funciona cada vez mais como direito interno de uma hipercomplexa sociedade civil internacional, enquanto realidade distinta da mera soma dos Estados que a constituem, alargando a sua aplicabilidade ao direito interno dos mesmos; assume um relevo fundamental na definição da existência dos Estados, no enquadramento normativo das relações diplomáticas, na disciplina jurídica dos tratadosinternacionais, na regulação do comércio internacional, na tutela dos direitos humanos e na proteção do ambiente. Procedimento do DIREITO INTERNACIONAL: normas de procedência internacional, formalmente distintas do direito interno (o que não invalida que hoje uma boa parte do DIREITO INTERNACIONAL tenha como objetivo primordial tornar-se direito interno de todos os Estados, diretamente aplicável pelos respetivos operadores jurídicos, muito para além da disciplina jurídica das relações entre os Estados. No que diz respeito aos conteúdos, o DIREITO INTERNACIONAL tem vindo a conhecer importantes avanços em sede de codificação jurídica; são eles que permitem que se fale do Império da lei na comunidade internacional, ou seja, do desenvolvimento de uma comunidade internacional subordinada ao direito. O DIREITO INTERNACIONAL é hoje uma realidade muito complexa, distribuindo-se por diferentes níveis (integra o direito internacional relacional (entre estados), institucional (OI) e da sociedade internacional globalmente considerada. 2 – Conceito e qualidade jurídica do direito internacional 2.1. Definição de direito internacional público A doutrina sublinha que não existe uma definição geralmente válida e consensualmente aceite de direito internacional, havendo mesmo teóricos proeminentes, como Hobbes, que colocaram em causa a existência de um verdadeiro DIREITO INTERNACIONAL. Ainda há alguns que falam numa ética ou moralidade internacional, mas não de DIREITO INTERNACIONAL. No entanto, para a maioria, faz todo o sentido a existência de DIREITO INTERNACIONAL como: Conjunto de normas que, num dado momento, disciplinam a comunidade internacional e regulam as relações que no seu seio se estabelecem entre Estados, OI, particulares e outros sujeitos suis generis, definindo os respetivos direitos e deveres. 5 A procedência, a relevância e a incidência inter-estadual do DIREITO INTERNACIONAL tem-lhe conferido uma natureza e função coordenativa; tendo sido tradicionalmente, acima de tudo, um direito das relações entre Estados, hoje é claro que o DIREITO INTERNACIONAL transcende largamente esse domínio – a doutrina considera-o “direito comum da humanidade”, num estado inicial e precário de evolução, com uma configuração bastante complexa e multifacetada. A evolução do DIREITO INTERNACIONAL tem como consequência (e tal como já acontece no direito interno), o esbatimento significativo da distinção entre direito público e direito privado. Para compreendermos melhor a qualidade jurídica do direito internacional, comparamos as suas características com as do direito interno: Direito interno Direito internacional ▪ Existência de instituições com competência legislativa claramente identificadas ▪ Determinação constitucional e legal dos principais procedimentos normativos, e clarificação das regras de competência e hierarquia que permitem a articulação das diversas fontes de direito ▪ Criação e organização de tribunais ▪ Existência de uma administração para prevenir e reprimir violações da lei e para executar as sentenças ▪ Inexistência de um órgão legislativo ou executivo centralizado – nem a ONU, apesar da sua importância, pode ser vista como um parlamento mundial, nem os tratados internacionais podem ser considerados equivalentes à lei, já que dependem da negociação, do compromisso e do consentimento. ▪ Inexistência de procedimentos normativos claramente definidos – apesar de se tentar colmatar esta lacuna através de documentos como a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados ▪ Inexistência de um sistema de tribunais dotados de jurisdição compulsória análogo ao dos ordenamentos normativos nacionais, aliado a um sistema de sanções centralizado – O TIJ e todas as instâncias jurisdicionais internacionais dependem do consentimento dos Estados. No entanto, esta situação tem vindo a conhecer aperfeiçoamentos significativos (aumento de tribunais internacionais e efetivação das respetivas sentenças) ▪ Inexistência de uma administração de polícia para prevenir e reprimir violações do DIREITO INTERNACIONAL (apesar de se verificarem desenvolvimentos muito significativos neste domínio nos últimos anos) Apesar das suas fragilidades, o DIREITO INTERNACIONAL não é inoperante – sem a sua observância as relações internacionais eram praticamente impossíveis. Isso confere-lhe um grande interesse prático, assistindo-se a um aumento considerável do âmbito e frequência da litigância internacional. A ocorrência de violações de uma norma jurídica não significa a sua invalidade, ineficácia ou falta de vigência, como também se pode observar no direito interno. Questão entregue aos tribunais para apreciação Direito internacional público: sistema jurídico autónomo, tendo em vista a disciplina jurídica nas relações jurídicas que se desenvolvem no seio da sociedade internacional, em especial as relações interestaduais Direito internacional privado: estudo das regras de conflitos emanadas do direito interno pertinentes para resolução de questões jurídicas com pontos de contacto entre diferentes ordenamentos jurídicos 6 Capítulo II – História e Fundamentos do Direito Internacional 1 – Antecedentes remotos 2 – Idade Média e “Respublica Cristiana” No mundo ocidental, a Idade Média constitui uma importante fase do desenvolvimento histórico do moderno direito internacional; vamos centrar-nos na categoria teológico- política da Respublica Christiana, mas mesmo antes dela já o pensamento cristão avançava com contributos para a reflexão sobre o direito internacional. Agostinho de Hipona sublinha o caráter de ultima ratio do recurso à força em situações muito graves (sendo sempre produto de um mundo decaído e pecaminoso), adverte para a futilidade da procura da paz com o objetivo de fruir dos bens mundanos (levará sempre à guerra) e defende que a lei natural foi divinamente inscrita nos corações dos homens. 7 conversão do Imperador Constantino ao Cristianismo Édito de Milão de tolerância religiosa oficialização do Cristianismo como religião do Império Romano Queda do Império Romano a avocação de dignidade imperial por parte do bispo de Roma A Respublica Christiana foi desenvolvida a partir de uma sucessão de acontecimentos: Caracterização da Respública Cristiana: A premissa de que se parte consiste na afirmação da autoridade última do Papa nas relações entre Monarcas, esvanecendo a distinção entre o direito natural e o direito positivo. À medida que o poder papal se consolida, ele começa a auto-compreender-se como Dominus Mundi, reclamando o poder de proceder o reconhecimento de reis e monarcas (exemplo português muito significativo), de distribuir a terra e o mar e de declarar a guerra justa. Toda a realidade era entendida em termos religiosos. O culminar das pretensões papais de poder espiritual e temporal ocorre com Bonifácio VIII, que idealizava um sistema em que os Estados católicos constituíssem uma unidade política, ficando todos os monarcas subordinados ao Papa (apoiado por Tomás de Aquino). Apesar de se pretender edificar uma monarquia mundial de supremacia papal de jure, muitos monarcas defendiam as prerrogativas dos seus reinos e principados. Bases da Respública Cristiana: Pretendia-se assente na verdade objetiva centralizada e unilateralmente proclamada pelo Papa, e passível de adjudicação coerciva (através da inquisição sobretudo) Tinha como base uma sociedade ordenada de forma piramidal, a partir de uma base económica e social fundiária, estamental e feudal, assente numa ordem natural, divinamente estabelecida. Contestá-la seria um ato de rebelião e blasfémia. Apesar disso, a autoridade do Papa é frequentemente contestada, existindo uma profunda tensãoentre o Papa e os Imperadores que pretendem reconstruir o Império Romano. É nesta conjuntura atribulada que ao longo de séculos se assistem a importantes desenvolvimentos normativos e doutrinais que terão um papel decisivo na formação e consolidação daquilo que virá a ser o DIP moderno: ❖ No âmbito do direito do mar – assume particular relevo a obra Direito do Mar de Rhodes, de origem bizantina. O direito consuetudinário desempenha um papel crucial na resolução de conflitos de pretensões no alto mar. A conceção do mare clausum avançada pelo Tratado de Tordesilhas é decisiva. A Lex Mercatoria regula o comércio no seio da Liga Hanseática, das Cidades-estado italianas e da bacia do Mediterrâneo. ❖ No âmbito do direito da guerra – Desenvolve-se o conceito de guerra justa. Proíbe-se a guerra privada, sendo em regra necessária a autorização de um monarca; os monarcas cristãos procuravam normalmente a autorização do Papa para entrarem em guerra uns com os outros. subsequente O fundamento material das relações entre esses vários reinos consistia: ▪ Na realização de um ideal teológico-confessional (religioso) comum ▪ Na subordinação ao direito natural ▪ Na partilha de valores fundamentais de autoridade, hierarquia e tradição Era esta a base do “Consenso da Cristandade”. 8 ❖ No âmbito do direito dos tratados – a celebração de múltiplos tratados com o objetivo de resolver disputas territoriais, bem como de importantes tratados comerciais. ❖ No âmbito do direito de legação – aparecimento das embaixadas permanentes, nomeação de embaixadores plenipotenciários e a afirmação do princípio da inviolabilidade das embaixadas. Em suma, este período histórico teve uma importância decisiva no desenvolvimento do direito internacional. Foi largamente graças à sua associação com a “missão evangelizadora e civilizadora” da cristandade que o direito internacional de base europeia alargou progressivamente a sua influência à África, às Américas, à Ásia e ao Pacífico. 3 – O Trânsito para a modernidade 3.1. O colapso da Respublica Christiana O advento da modernidade fornece o contexto histórico-político do desenvolvimento do direito internacional tal como o conhecemos. O principal acontecimento que lhe serve de base consiste na Reforma Protestante, que teve irremediavelmente consequências na desconstrução e destruturação da Respublica Christiana, pondo em causa a sua unidade religiosa e recusando os seus fundamentos de autoridade. Veio a altera radicalmente o rumo dos desenvolvimentos políticos, jurídicos e culturais do Ocidente, e, tendo propiciado a quebra da unidade político-religiosa da Cristandade, esteve na base de graves conflitos religiosos, um pouco por toda a Europa. 3.2. A época Ibérica e a Escola Peninsular A época Ibérica (ou época espanhola para alguma doutrina) é o período de tempo desde o Tratado de Tordesilhas (1494) até à Paz de Vestefália (1648), caracterizado pelo declínio político, cultural, militar e económico da Península. Enquadramento histórico: 1) A derrota da invencível armada do Rei Filipe II (I) contra a Grã-Bretanha, em 1588, destruiu o domínio espanhol (e português) e a doutrina do Mare Clausum, alicerçadas no Tratado de Tordesilhas, alterando decisivamente o curso da história. 2) O direito internacional passa a ser confrontado maioritariamente pelas potências protestantes, em detrimento do papado e das potências católicas em declínio. 3) Levanta-se o problema do reconhecimento de novos estados, a propósito das pretensões de independência da Holanda face à Espanha – tese católica (direitos de intervenção do papa e suas prerrogativas de investidura e deposição dos monarcas) vs tese protestante (soberania popular, auto determinação dos povos, direito da resistência contra tiranos). Escolástica tardia: Neste contexto, merece referência especial a escolástica tardia, destacando-se: Francisco Vitória – da escola de Salamanca Dá um importante contributo para a desconstrução crítica da R.C. Francisco Suaréz – professor em Roma, Coimbra e Salamanca. Contribuições: ▪ Rejeita o poder papal universal ▪ Sustenta a ideia de uma comunidade global, alicerçada no direito e na razão natural e na procura de uma paz dinâmica, superando a R.C. ▪ Constrói o conceito de guerra justa bilateral (entre príncipes cristãos, quando houver razão de um lado e boa fé do outro) ▪ Defende o título espanhol sobre terras ultramarinas com base na sua descoberta e não em bulas papais ▪ Distinção entre ius genium externo e interno ▪ Legitimação do poder político do monarca pela transferência do poder do povo (t. soberania popular) ▪ Distinção entre bellum defensivum/agressivum ▪ Defesa das prerrogativas papais de reconhecimento e deposição do rei ▪ Defesa do tiranicídio de monarcas heréticos depostos ▪ Defesa de uma argumentação baseada no plano teológico, mais do que jurídico 9 Estes dois autores foram importantíssimos, pois abriram temas que iriam frutificar nos séculos seguintes, desenvolvendo importantes conceções de direito internacional e de jusnaturalismo. No entanto, entende-se ainda um cunho pré-moderno à sua visão do mundo e do Direito. A verdadeira rotura doutrinal que permitirá o desenvolvimento do moderno direito internacional surgirá com o jurista holandês e teólogo protestante arminiano Hugo Grócio (embora a doutrina não considere particularmente relevante a discussão em torno da paternidade do direito internacional). Outras menções importantes: ▪ No panteão têm lugar todos os publicistas eminentes que contribuíram para o desenvolvimento do direito internacional tal como o conhecemos. ▪ O jesuíta português Frei Serafim de Freitas, na sua obra De Ivsto Imperio Lvsitanorum Asiatico, de 1625, e em resposta a Hugo Grócio, avança uma apologia do império católico ibérico – esta era sustentada já numa argumentação de tipo jusnaturalista, embora ainda enformada pelos temas e imagens da Respublica christiana, centrados na defesa intransigente das prerrogativas papais. 3.3. As guerras religiosas e o Tratado de Vestefália Uma guerra particularmente violenta de natureza político-religiosa foi a chamada Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), entre o Imperador Fernando II da casa Germano-austríaca dos Habsburgos e a Holanda, a Suíça e a França, que se opuseram ao seu desejo de consagrar o sacro Império Romano-Germânico. O catolicismo falhou mais uma vez na supressão do protestantismo, e no plano político o Sacro Império e a República Cristã cederam perante o Estado soberano moderno. O tratado que marca o fim desta guerra é o Tratado de Vestefália, assinado entre Fernando III e Luís XIV, em 24 de outubro de 1648. Este: ❖ Foi a primeira afirmação da tolerância religiosa no plano internacional. ❖ Teve uma enorme importância na evolução histórico-política, constitucional, e jurídico-internacional subsequente. ❖ Desempenhou um papel de garantia coletiva. ❖ Está na base do surgimento do DIP (pelo menos do Ius Publicum Europaeum – direito público europeu) do ponto de vista do direito internacional A sua importância reside fundamentalmente nos cinco pontos seguintes: 1) Afirmação do tratado internacional como figura central na conformação dos Estados – relevo dos valores da igualdade soberana e voluntariedade das relações internacionais no direito internacional 2) Afirmação dos Estados como domínios políticos e religiosos independentes do poder temporal do Papa e do Imperador – Estados soberanos – estando na base do surgimento de uma pluralidade de Estados europeus independentes 3) Introdução do princípio da tolerância religiosa no centro da construção normativa e doutrinal do direito público nacional e internacional. 4) Procede ao reconhecimento da independência da Holanda e da Confederação Helvética conduzindo à primazia de um novo princípio de soberania popular e abrindo as portas àdoutrina do contracto social. 5) Lançou as bases para a desconfessionalização e secularização da política, do Estado e do direito, nacional e internacional – afirmação dos princípios da autonomia individual, da democracia, e do Estado de direito. 10 Desconfessionalização do direito natural – novo conjunto de princípios racionalmente acessíveis aos indivíduos em condições reais ou hipotéticas de igual liberdade Progressiva secularização do direito internacional Surge o jusnaturalismo racionalista - apontando para um direito válido, mesmo se Deus não existisse: existem princípios de direito naturais susceptíveis de captação pela razão, válidos mesmo na hipótese de Deus não existir (impensável para H. G.) 3.4. Hugo Grócio e o Jusnaturalismo Secularizado Teoria Jusnaturalista de Hugo Grócio: 1) Sustenta o livre arbítrio individual e a autoridade última da Bíblia, em detrimento da autoridade papal 2) Tenta teorizar DIREITO INTERNACIONAL com neutralidade entre as fações religiosas em confronto no seu tempo. 3) Defende a existência de um direito comum entre as nações, igualmente válido na guerra e na paz, deduzido da natureza humana e incorporado na própria estrutura moral do universo. 4) Apoia-se em autores clássicos para demonstrar a universalidade e intemporalidade dos princípios normativos do direito internacional, que vinculam o próprio Deus, contestando as decisões e autoridade do Papa. 5) Defende a existência do direito em qualquer domínio das relações internacionais 6) A primazia do direito natural decorre do carácter de Deus e da propensão humana para a sociedade e para a organização da vida individual e coletiva de acordo com princípios de moralidade e inteligência. 7) Baseia-se na racionalidade e validade universal dos princípios universais de direito natural para defender, para a Holanda, o direito de resistência contra tiranos e a sua autodeterminação como povo oprimido. 8) Preconiza um DIREITO INTERNACIONAL apoiado na primazia das potências cristãs, católicas e protestantes, embora com importantes aberturas universalistas. 3.5. A Época Francesa e o Direito Internacional Foi uma época de significativo fortalecimento da França no plano internacional, adquirindo esta peso no desenvolvimento do DIREITO INTERNACIONAL e consular; decorreu entre 1648 e 1815. Caracterização histórica e ideológica ▪ O Tratado de Paz de Paris, que põe fim à guerra dos 7 anos, reafirma o princípio do equilíbrio dos poderes, mencionado no Tratado de Vestefália, como regulador das rel. entre Estados soberanos absolutistas – França na lide da Diplomacia. ▪ O absolutismo monárquico, que dominava a constituição dos Estados europeus constituía um entrave à primazia do direito internacional. Como focos de resistência do direito internacional sustentam-se autores como Milton, Locke ou Kant, que defendiam o direito natural, o contrato social e a separação de poderes – aprofundando as ideias de H.Grócio de fundamentação do direito internacional no direito natural racional. – Absolutismo vs Jusnaturalismo racional A partir das obras de Albérico Gentili e sobretudo Hugo Grócio 11 4 – O Direito Internacional Contemporâneo 4.1. Equilíbrio de Poderes e “Concerto Europeu” Ideias-chave: Positivismo, nacionalismo, secularização e expansão do direito internacional, conferências internacionais Caraterização: 1) (Re)crescimento dos valores nacionalistas, como reação contra o imperialismo revolucionário universalista de Napoleão. 2) Época fortemente marcada pela Realpolitik e pela tentativa de conseguir um equilíbrio de poderes entre as potências imperialistas europeias. 3) Aumento da importância dos tratados internacionais nas relações de direito internacional 4) Superioridade económica, tecnológica e militar das potências europeias e desconsideração dos outros povos como incultos – tensão entre o expansionismo colonialista dos povos imperialistas e o direito de autodeterminação. 5) Desenvolvimento, no séc. XIX, dos transportes, comunicações e armar mortíferas como fator de desenvolvimento do direito internacional 6) Confirmação da tolerância religiosa como trave-mestra das relações internacionais – característica expressiva do Tratado de Vestefália 7) São organizadas as primeiras conferências europeias de direito internacional – a propósito das normas relativas aos conflitos armados; proliferação destas e seu desenvolvimento. 8) Realização das Conferências de Haia, em 1899, e decorrente instituição do Tribunal Permanente de Arbitragem, em 1907 (até 1917) 9) Progressiva expansão do direito internacional através de numerosas conferências e convenções, apoiado em conceções positivista. 10) Primazia do direito positivo sobre o direito natural, considerado vago e controverso, dado o aumento do recurso aos t.i. e à arbitragem. Darwinismo compromete igualmente o dir. natural. 11) Vontade e relações de poder entre Estados soberanos vistas como única fonte de obrigações internacionais, sustentando a tese positivista do “Darwinismo Social”. Desenvolvimentos no DIREITO INTERNACIONAL ▪ No direito do mar, consolida-se a tese do Mare Liberum (H.Grócio), a tese do mar livre. ▪ Desenvolvimento do direito dos tratados, apoiado no princípio pacta sunt servanda, na emancipação política relativamente ao poder papal e no aperfeiçoamento técnico-legislativo. Época predominantemente grociana; afirmação dos tratados internacionais como instrumento primacial na validação da aquisição de novos territórios, e como instrumento subordinado ao direito natural a quem todas as nações devem obediência. ▪ Desenvolvimento do direito de mercadoria, do qual se destaca o reconhecimento de personalidade jurídica e do direito de propriedade aos estrangeiros. ▪ No direito da guerra, a existência da delegação real do direito de declarar guerra em caso de violação de direitos territoriais exclusivos. ▪ Desenvolvimento nos direitos humanos: destaque, entre vários autores, a Vattel, cuja obra “Droit des Gents” ajudou na desconfessionalização, secularização e racionalização do direito internacional – sem nunca entrar em ruptura com o direito natural – mais do que a H.Grócio, cultivando a defesa da liberdade de consciência individual e de religião, censurando as guerras santas, contrárias ao direito internacional transição do direito natural para o positivismo jurídico até ao fim da 1.ªGM 12 4.2. Tratado de Versalhes e a SDN Caraterização: Em anexo ao Tratado de Versalhes, criação do Pacto da Sociedade das Nações, foi criada uma organização internacional de relevo central na ordem internacional da época, a SDN, que visou a manutenção da paz e a universalidade do direito internacional e procurou proteger as minorias éticas. Tinha ainda como objetivo codificar e sistematizar o direito internacional, garantindo-lhe maior certeza e segurança. No entanto, a SDN falhou rotundamente, tendo servido de base à posterior criação das Nações Unidas. Criou-se o Tribunal Permanente de Justiça Internacional (1921) – o qual viria a ser substituído, em 1946, pelo TIJ (Tribunal Internacional de Justiça) – e a O.I.T. (Organização Internacional do trabalho). Verificou-se uma crescente preocupação com os direitos fundamentais dos indivíduos e não somente nas relações entre Estados. Proliferaram as Organizações Internacionais. 4.3. CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS Enquadramento histórico: 24.10.1945, finda a 2.ª G.M. e subsequente criação da ONU Caracterização: Os princípios fundamentais da Carta da ONU alicerçam a constituição de uma ordem internacional, segundo alguns. Criou-se a figura do Conselho de Segurança das Nações Unidas, permanentemente integrado pelas principais potências mundiais, o que tem constituído um fator de bloqueio da organização, e de contestação porEstados que pretendem maior protagonismo internacional. Contudo, procura acomodar os Estados de terceiro mundo e pós-coloniais, criticando o direito internacional clássico. Na criação e configuração da ONU, há que destacar o contributo de Hans Kelsen. Assistiu-se a um alargamento material do direito internacional desde 1945, nomeadamente através da proteção dos trabalhadores e das minorias e da afirmação gradual da primazia do individuo na ordem internacional (DUDH, de 1948 e PIDCP e DESC de 1966). 4.4. Fundamentos materiais do DIREITO INTERNACIONAL contemporâneo O direito internacional adquire fundamentação a partir dos valores do pensamento contratualista liberal, liberdade, igualdade, consentimento, reciprocidade e imparcialidade. Kant e a República Mundial: Assiste-se à subversão dos valores grocianos de comunidade internacional como sociedade de Estados face aos ideais Katianos de uma república mundial – os indivíduos são o fim em si mesmos, reduzindo o direito internacional, os Estados e o.i.’s a instrumentos de 1939 13 promoção e defesa dos direitos humanos, o que parece apontar para a afirmação da primazia e universalidade destes direitos na ordem internacional. Esta república é constituída por indivíduos livres e iguais, estabelecendo entre si formas de cooperação alicerçadas em princípios de justiça de base racional e neo-contratualista. Pretende-se a estruturação do direito internacional a partir de princípios de justiça racionalmente aceitáveis por todos os Estados democraticamente legitimados e baseados no valor da dignidade da pessoa humana e no respeito pelos direitos fundamentais. 5 – Características atuais do DIREITO INTERNACIONAL 5.1. O DIREITO INTERNACIONAL à luz dos modelos das relações internacionais Caracterização: 1) Surgimento de novos atores institucionais na cena internacional, de natureza intergovernamental (ONU), supranacional (UE, Mercosul) e não governamental (ONG’s). 2) Afirmação do indivíduo como sujeito direito internacional 3) Assinala-se a heterogeneidade dos Estados – tendo em conta as disparidades no plano institucional, ideológico, cultural, religioso, económico, territorial, demográfico, etc. 4) Caracterização dos desafios que marcam a vida mundial no pós-guerra fria, através de diversos modelos explicativos das relações internacionais: FIM DA HISTÓRIA (F.Fukoyama); CONFLITO DE CIVILIZAÇÕES (S.Hungtinton); EQUILÍBRIO DE PODER (H.Kissenger); DESSECULARIZAÇÃO (P. Berger) 5.2 – A sociedade global Consolidação de uma “sociedade civil global”, a qual influencia decisivamente o d.i: ❖ Surgem novas O.I.’s na comunidade internacional ❖ As pessoas singulares e coletivas de direito privado reforçam o seu estatuto jurídico- internacional ❖ Surgem organizações supranacionais (EU, Mercosul), institutos públicos internacionais de d.i e d.i e direito interno, sujeitos especiais de direito internacional (territórios internacionalizados, povos não autónomos, grupos beligerantes etc.) ❖ Proliferação das ONG, que intensificam o papel do individuo na discussão e resolução de problemas internacionais, apesar de serem largamente dependentes de autoridades governamentais – principal manifestação da s.c.g. ❖ As organizações religiosas internacionais são uma das dimensões mais influentes na ordem internacional ❖ Destacam-se as empresas internacionais, que têm sido objeto de preocupação jurídica internacional ❖ Gradual consideração dos indivíduos como sujeitos autónomos e primários do direito internacional 5.3 – Expansão do DIREITO INTERNACIONAL O aumento da complexidade da comunidade internacional conduz ao alargamento das áreas do direito internacional; os tratados internacionais de alcance normativo têm subvertido a utilização do costume e tratados bilaterais. O direito internacional é hoje um genus generalissimum que compreende os mais variados domínios. A proliferação das organizações e tribunais internacionais para a resolução de litígios internacionais aumentam indiscutivelmente a importância normativa e prática do direito internacional, que é hoje um instrumento de utilização universal para possibilitar a inter- compreensão e cooperação entre Estados, fornecendo o enquadramento normativo que qualifica as condutas dos Estados como lícitas ou ilícitas. 14 procura uma norma escrita, num tratado internacional procurar uma norma não escrita a partir do direito consuetudinário indagar os princípios de direito internacional que lhe permitam construir uma base argumentativa paraa extrair e justificar uma regra para o caso sub Júdice. Capítulo III – Fontes do Direito Internacional 1 – O elenco tradicional das fontes 1.1. Artigo 38.º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça Este artigo contém um elenco tradicional das fontes de direito internacional, mas não se trata de uma enumeração taxativa das mesmas, ou seja, não estabelece uma hierarquia das fontes, pretendendo apenas avançar com uma sequência lógica de consideração das diferentes fontes de direito por parte dos juízes chamados a resolver um litígio internacional. Este também não é exaustivo, havendo mais fontes de DIP aplicáveis no ordenamento jurídico internacional e internos do que as que nele constam. Faria sentido falar em hierarquia de fontes de direito internacional no modelo de Vestefália? Não, pois neste modelo todas as fontes de direito internacional público advêm dos estados e dos tratados que estes celebram entre si – verifica-se uma relação de teia entre estas normas. Neste momento, já nem todas as normas são produto da vontade do estado; existem normas imperativas (que se impõem a todas as outras) e normas dispositivas (das quais os estados e os indivíduos podem dispor, até com legislação em contrário). Método a utilizar pelo juiz na resolução do litígio internacional: No processo, terá o juiz que se apoiar sempre nas fontes auxiliares de direito internacional, a saber a jurisprudência e a doutrina, ficando, contudo, sempre aberta a possibilidade de decisões por equidade se assim as partes entenderem. 1.2. As convenções internacionais – al. a) 1.2.1. Definição e Nomen Juris As convenções internacionais são a mais importante fonte de direito internacional: são acordos escrito s através dos quais os Estados contratantes se vinculam juridicamente à adoção de uma determinada conduta ou estabelecem relações particulares entre eles. Podem tomar a forma de: Tratados, Acordos, Convenções, Cartas, Convénios, Concordatas, Contratos, Compromissos, Pactos, Protocolos, Estatutos, Actos Gerais, Declarações, Concertos, Modus Vivendi, etc. – ex: Carta da ONU Características/ considerações ❖ Podem criar obrigações jurídicas vinculativas e não vinculativas (morais, políticas) – hard law vs soft law; ❖ Podem ser celebradas entre/por outros sujeitos de direito internacional que não os Estados – ONG’s p.e. ❖ Podem celebrar-se acordos internacional não escritos – acordos tácitos; 1.2.2. Natureza, sentido e incidência As convenções internacionais são uma fonte de obrigações de direito internacional, uma espécie de legislação substitutiva dos Estados, que exprimem a soberania e a igualdade destes. São instrumentos normativos de natureza jurídico-internacional, assentes no consentimento voluntário de dois ou mais Estados independentes e individuais. Revestem-se de uma importância vital para o alargamento do direito internacional, observando-se um alargamento 15 crescente das respetivas áreas de incidência. A base para a sua vinculatividade assenta no princípio pacta sunt servanda. 1.2.3. Tipologia e regime jurídico Quanto a: Função Tratados Normativos – Função quase constante de lei (lei reforçada, lei de enquadramento). Requerem a participação de vários Estados e pretendem valer universalmente (sobrepõem-se aos outrosEstados). Podem indicar a formação de um costume geral e vincular os Estados que não a subscrevam – exemplo da Carta das Nações Unidas, convenção sobre Genocídio, CVT, convenção sobre o direito de mar, etc. Tratados “Contrato” – Função de constituição de obrigações mútuas de execução imediata ou continuada, podendo também indicar a formação de costumes. Tratados “estatuto organizatório” – Função de criação e organização de uma organização ou instituição internacional. Ex: Carta das NU ou o Tratado da NATO Tratados “declaração solene” – assentam apenas no dano à reputação de Estados como meio de efetivação (reputational harm). Forma Escritas ou verbais Expressas ou tácitas (próximas do costume) Modo de conclusão ▪ Tratados solenes ▪ Atos finais de uma conferência ▪ Acordos em forma simplificada ▪ “Gentlemen’s agreements” Objeto Político, militar, comercial, técnico, administrativo, procedimental, etc. Alcance geográfico universal, regional, local Partes Bilaterais e Multilaterais (que podem ser restritos ou gerais) AS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS: 1) Constituem fonte de obrigações mútuas, quer se tratem de convenções bilaterais ou multilaterais. 2) Caracterizam-se pelo seu efeito relativo (inter partes), ou seja, não criam obrigações para terceiros Estados, sem o seu consentimento, expresso ou tácito, no caso de direitos, ou expresso no caso de deveres. 3) Sem prejuízo do disposto em 2), podem criar efeitos universais (erga omnes) e desenvolverem ou constituírem costumes e princípios de alcance internacional 4) Do mesmo modo é possível a existência excecional de tratados dispositivos suscetíveis de criar um regime vinculativo de terceiros Estados (v.g. tratados de delimitação de fronteiras). 5) De um modo geral, estão sujeitas ao costume, aos princípios gerais do direito, e ao direito internacional imperativo (jus cogens) 1.3. O costume internacional – al. b) 1.3.1. Definição, características e tipos Reporta-se a normas não escritas, geralmente entendidas como legitimadas tácita, consensual e historicamente pela memória e pelo uso. Está na origem das primeiras positivações jur. tanto no direito internacional como no dir. interno, e mesmo nos dias de hoje permanece pujante no direito internacional, apesar de perder relevo diante dos tratados. Exprime o carácter descentralizado da comunidade internacional, caracterizando-se pela sua existência autónoma. O seu alcance geográfico pode ser geral, regional e local, e por vezes pode ser bilateral. 16 1.3.2. Os elementos do costume internacional 1.3.2.1. O elemento fáctico O costume internacional deve ser uma prática reiterada, dotada de razoável duração consistência, repetição e generalidade. Não se exige uma consistência e uma uniformidade absolutas, embora se rejeitem práticas indeterminadas ou contraditórias. Do mesmo modo, não se exige universalidade, sendo suf. que seja seguida por um conjunto diversificado e representativo de Estados. Sobre a questão do tempo de formação do costume, o TIJ entendeu que se uma determinada prática tiver curta duração deve ser, pelo menos, uniforme e de aplicação alargada. 1.3.2.2. O elemento psicológico O costume internacional presume uma convicção jurídica relevante de obrigatoriedade (e admissibilidade), de permissividade (sendo que a mera ausência de protesto pode ser vista como expressão de consentimento) ou de proibição de uma dada conduta. 1.3.2.3. Cronologia e peso relativo A doutrina não se tem mostrado unânime quanto à cronologia e ao peso relativo dos elementos fáctico e psicológico: Alguns autores têm acentuado o caráter decisivo do elemento fáctico, por ser facilmente detetável e mensurável, diferentemente do elemento psicológico, que, além do mais, seria difícil de provar. Assim, a existência de uma prática constante e uniforme seria suficiente para fundamentar o surgimento de uma norma internacional, em virtude do seu efeito estabilizador de perspetivas e da previsibilidade que introduz nas relações entre Estados. O princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança é desta forma afirmado pelo costume. Para este entendimento, a convicção de obrigatoriedade de uma norma supõe a prévia existência dessa norma, sendo a prática constante dos Estados a melhor forma de comprovar empiricamente a sua presença. Já para uma outra parte da doutrina o elemento psicológico é, realmente, o decisivo na formação do costume internacional. Com efeito, alguns reconduzem o costume a um acordo tácito entre Estados, do qual a prática duradoura constitui uma simples expressão. Neste sentido, alguma doutrina utiliza expressões como “unanimidade” ou “acordo geral” para sublinhar que o consenso normativo dos sujeitos de direito internacional, quando evidente e inequívoco, é uma fonte de direito. 1.3.2.4. O elemento normativo Para além dos elementos fáctico e psicológico, o costume deve passar no teste da coerência normativa e da justiça do sistema, enquadrado num conjunto de valores, princípios e regras que estruturam o ordenamento jurídico internacional. Este passo pode ser importante no caso em que os restantes elementos se mostrem dúbios ou controversos no costume. Importância do elemento normativo: ❖ Critério de qualificação do costume – indica os casos em que o costume deve ser abolido e quando o os Estados o violam. ❖ Enforma o costume na medida em que o reforça, sendo que os Estados podem servir- se do elemento normativo para firmarem o costume. ❖ O moderno direito consuetudinário assenta tendencialmente em afirmações normativas de carácter geral, relegando para segundo plano a prática constante e uniforme, pelo que hoje o costume pode firmar-se rapidamente se repousar num consenso normativo alargado. ❖ Elemento superior e anterior aos outros tanto mais quanto maior for o teor das questões em causa (v.g. proteção dos direitos humanos). Kopelsmans, Kelsen, Goggenheim Bing Cheng, Bártolo de Sassoferrato, Suaréz, Grócio, Vatel 17 ❖ Importante para evitar a formação de costumes que prejudiquem os Estados mais fracos perante os mais fortes, no quadro de um dado equilíbrio de poderes. 6) Afirma a existência do costume mesmo quando um dos seus elementos tradicionais se mostre insuficiente. ❖ O costume surge cada vez mais apoiada em princípios de justiça, como uma espécie de equidade universável. Contudo, um costume excessivamente apoiado em princípios normativos pode pecar por um defeito de legitimidade, por lhe faltar o consentimento dos Estados, na medida em que pode prescindir da sua prática ou convicção. 1.3.3. O regime jurídico do costume Quem pretender afastar a aplicação do costume: ❖ Tem que provar que não aceitou a sua formação desde o início da sua aplicação, devendo ser consistente ao longo do tempo - expressa ou tácitamente (pelo silêncio)- apesar de nem todas as objeções serem suscetíveis de impedir a sua formação ou de afastar a sua aplicabilidade. ❖ Inviabiliza a sua utilização em seu benefício – princípio da regularidade e da não contradição (non venire contra factum proprium). ❖ Pode fazê-lo motivado pela alteração superveniente das circunstâncias. Caracterização do regime: ❖ Os Estados mais recentes, estão, em princípio, subordinados os costumes existentes à data da sua independência, valendo aqui considerações de segurança jurídica e proteção da confiança nas relações internacionais – carácter estruturalmente conservador do status quo do costume. Acresce que o novo Estado passa a poder participar na revisão e criação do direito internacional convencional e consuetudinário. ❖ A doutrina distingue costume obrigatório e costume não obrigatório. Esta última qualidade diz respeito à questão do costume dito em retrogressão. ❖ Pode a formação de um princípio geral prejudicar um costume, subvertendo-o.❖ Podem dois costumes contraditórios coexistir temporariamente, pelo que a doutrina prevê regras para regular tais casos, baseadas na oponibilidade, aquiescência ou no título histórico. ❖ É válida a celebração de convenção internacional com o objetivo de revogar direito consuetudinário nas relações entre partes. ❖ Pode a violação constante de um costume conduzir à sua eliminação, alteração ou substituição. ❖ A doutrina distingue ainda costume selvagem de costume sensato: Costume selvagem Costume sensato Chamado a responder a alterações súbitas das circunstâncias normativamente relevantes, que nem sempre encontram resposta adequada na via convencional, propende a sublinhar o carácter decisivo do elemento psicológico, relegando o uso para um plano secundário. Porém, ao valorizar o desenvolvimento rápido de tendências, altera radicalmente o sentido tradicional do costume, reforçando os seus componentes voluntatista e quase-contratual, colocando em risco as exigências de precisão, clareza e determinabilidade das normas jurídicas, essenciais para a garantia da segurança jurídica e da previsibilidade das relações internacionais De carácter espontâneo e súbito, tende a acentuar a dimensão fáctica do uso relativamente à dimensão psicológica da convicção da obrigatoriedade. 18 1.3.4. A prova do costume Não sendo constituído por normas escritas, a prova do costume internacional, baseia-se na mobilização de determinados indícios. Exemplos: atos políticos, diplomáticos, legislativos, administrativos, judiciais e materiais; declarações políticas, pretensões e contra-pretensões dos Estados, omissões e silêncios dos Estados; arquivos históricos, jornais, publicações oficiais, memórias, manuais doutrinais. O costume pode ainda ser invocado ex officio pelo juiz. Nos casos em que tenha sido invocado pelas partes de um conflito internacional cabe- lhes o respetivo ónus da prova. A prova do costume é um empreendimento árduo e exigente, sendo muito difícil provar o assentimento de todos os Estados (de um modo geral só se atestam os “indícios” de costume dos Estados mais representativos). 1.3.5. As limitações do costume ▪ Carácter estruturalmente conservador, incompatível com as necessidades atuais de uma comunidade internacional global. ▪ Lentidão, no tempo atual, em afirmar-se. ▪ Fonte de direito demasiado indeterminada, quanto à existência e conteúdo. ▪ Nem sempre fica claro quando é que o costume cria regras ou princípios, direitos e deveres. ▪ Fonte de direito de difícil adequação à complexidade da comunidade internacional ▪ Acusado de exprimir as relações de poder prevalecentes, de espelhar uma realidade estática do direito internacional e de nem sempre ser compatível com princípios de justiça. ▪ O costume mostra que o costume muda 1.4. Os princípios gerais do direito internacional – al. c) 1.4.1. Caracterização e natureza jurídica Estes princípios: São relevantes na ausência de regras convencionais e consuetudinárias em resolução de litígios internacionais Permitem a construção de normas e suprem lacunas do ordenamento jurídico. Determinam o alcance e o sentido das normas convencionais e consuetudinárias, interpretando e integrando-as harmoniosa e coerentemente. Subjacente à compreensão dos princípios gerais do direito, de acordo com o respetivo nível de generalidade e com o modo como se resolvem colisões entre bens jurídicos, está uma distinção entre: Valores Princípios Regras Traduzem opções axiológicas e éticas fundamentais dotadas de um elevadíssimo grau de abstração, os quais carecem de densificação ulterior com base em princípios e regras Surgem como normas otimizáveis, dotadas de um elevado grau de abstração e generalidade, compatível com diferentes graus e formas de concretização São suficientemente densas e concretas para permitirem a sua aplicação em termos de “tudo ou nada” No caso de colisão, os princípios podem ser ponderados uns com os outros, ao passo que as regras podem ser afastadas através de outras regras excecionais. Tanto os princípios como as regras podem ter como fundamento material certos valores ou bens jurídicos. 19 Quanto à sua natureza, perfilham-se diferentes posições doutrinais, tantas quanto as várias teorias do direito. Para a tese jusnaturalista, os princípios constituem expressão do direito natural. Para o curso, é inegável que pela via dos princípios gerais do direito é incorporado no direito internacional contemporâneo um amplo lastro de princípios sedimentados no quadro da milenar de direito natural, sintetizada por autores como Grócio, Pufendorf ou Vattel, bem como os mais recentes desenvolvimentos normativos e principais do constitucionalismo liberal, sintetizados por autores como Locke e Kant, e que têm vindo a der transpostos para o direito internacional, principalmente depois da 2ªGM. É possível distinguir uma versão nominalista do jusnaturalismo, que concebe os princípios como fórmulas sintéticas ou indutivas de normas gerais de direito consuetudinário e convencional pré-existente, bem como de princípios gerais do direito aceites in foro domestico. 1.4.2. Funções dos princípios de direito internacional Exprimir e densificar normativamente a ordem de valores jurídica ou internacional Assegurar a coesão do direito internacional, ou seja, a sua coerência axiológica e normativa. No entender do Doutor J. Machado, os princípios de direito internacional contribuem para diminuir o espaço de manobra do seu relativismo fundamental Estabelecer os limites do diálogo interpretativo jurídico-internacional Assegurar uma unidade substancial entre o direito interno e o direito internacional, do ponto de vista de uma perspetiva monista 1.4.2. Os vários princípios e o seu alcance Quando se fala nos princípios gerais de direito internacional convém ter presente a necessidade de distinguir entre: princípios gerais de direito internacional em especial Princípios gerais do direito (na sua relevância jurídico internacional) ▪ Igualdade soberana dos Estados ▪ Reciprocidade ▪ Resolução pacífica dos conflitos ▪ Responsabilidade internacional dos Estados ▪ Não ingerência nos assuntos internos de outros estados ▪ Direito de autodeterminação dos povos ▪ Boa-fé no cumprimento dos acordos ▪ Proteção dos direitos humanos ▪ Proteção do meio-ambiente ▪ Livre circulação de ideias e informações ▪ Proporcionalidade em sentido amplo ▪ Boa-fé ▪ Proteção da confiança ▪ Non venire contra factum proprium ("ninguém pode comportar-se contra os seus próprios atos”) ▪ Garantia de due process ▪ Responsabilidade e compensação de danos ▪ Proibição de ser juiz em causa própria (nemo iudex in res sua) e de beneficiar da sua própria torpeza (nemo audiatur propriam turpidinem allegans) Igualmente relevantes podem ser alguns institutos do direito interno, bem como princípios de interpretação ou de direito contratual. Nem sempre é fácil distinguir a origem de um princípio; a doutrina tem salientado que a transposição dos princípios de direito interno para o direito internacional deve ser particularmente cautelosa, porque nem tudo o que vale no primeiro pode valer no segundo. Em todo o caso, os princípios gerais do direito internacional podem ter um importante papel no reforço da proteção dos direitos humanos, pois transpõem para o direito internacional importantes garantias do Estado de Direito. Alguns destes princípios são de difícil aplicação prática, na medida em que não existe um sistema centralizado e coercivo para impor a sua observância. De um modo geral, a doutrina sublinha que se trata de uma fonte de direito adotada de um alcance relativamente limitado (TPJI e TIJ). Em todo o caso, deve realçar-se a função metódico-hermenêutica dos princípios de direito internacional, querna interpretação de todo o sistema jurídico, quer na integração das lacunas que nele se possam alujar. 20 1.5. A jurisprudência internacional – al. d) Refere-se a decisões dos tribunais internacionais; é um meio auxiliar de determinação da existência e conteúdo de normas de direito internacional. Não é uma verdadeira fonte de direito internacional, mas sim um meio subsidiário, de importância fundamental. Alcance: encontra-se por referência aos principais tipos de decisões das instâncias internacionais, sobretudo as do TIJ, as quais têm força de caso julgado, efeitos inter-partes, e servem de referência para os demais tribunais. Importância: ▪ Indicam a formação do costume ou de princípios gerais de direito. ▪ Indispensável para a garantia da coerência jurisprudencial, bem como para a credibilidade do direito internacional ▪ Promove os valores da justiça, igualdade e segurança jurídica no direito internacional, encorajando a resolução pacífica dos litígios entre Estados. 1.6. A doutrina – al. d) Constituída pela opinião dos cultores do direito internacional. Constitui mais um meio auxiliar de determinação de conteúdo, existência e sentido do direito internacional Importância: ▪ Papel de diversificação, densificação, sistematização e investigação no direito internacional ▪ Papel de interpretação do direito internacional ▪ A sua importância foi-se perdendo à medida que o dir. natural perdeu peso e os Ministérios dos Negócios Estrangeiros foram integrando os seus próprios juristas no direito internacional ▪ Tende a interiorizar preconceitos nacionais, pelo que nem sempre é neutral e isenta ▪ Dá conta da existência de divergências entre diferentes teorias e opiniões de cultores de direito internacional 1.7. Decisões “ex aequo et bono” Reporta-se ao método a que os tribunais devem lançar mão no caso de a aplicação estreita das normas de direito internacional se mostrarem especialmente inoportunas e inconvenientes, nos casos em que o direito internacional fornece uma solução injusta ou, por qualquer outro motivo, indesejável. São uma combinação casuística de princípios e de normas de justiça, imparcialidade, igualdade, moralidade, boa fé, proporcionalidade em sentido amplo, segurança jurídica, proteção da confiança, estabilidade, eficácia e eficiência, interesse público, etc. Importância: ▪ Integração de lacunas ▪ Adaptação de normas relevantes às particularidades do caso (critério de complementação do direito); ▪ Fonte autónoma do direito internacional, atendendo ao recurso crescente da mesma na litigância internacional 1.8. Outras fontes de dip ▪ Documentos diplomáticos; ▪ Decisões dos tribunais nacionais sobre questões internacionais ▪ Atos emanados das OI’s de conteúdo normativo, administrativo e jurisdicional; ▪ Atos unilaterais: atos imputáveis a um sujeito único de direito internacional – notificações, protestos, renúncia, promessa; ▪ Soft law – direito não vinculativo, não decisivo, de boa fé. 21 2 – O problema da hierarquia das fontes 2.1. A hierarquia das fontes como questão doutrinal Uma questão que é naturalmente objeto de atenção por parte da doutrina prende-se com saber até que ponto é possível sustentar e clarificar a existência de uma hierarquia das várias fontes de direito internacional. Alguma doutrina sustenta a inexistência de tal hierarquia, fundamentando que, de acordo com o princípio da igualdade soberana dos Estados, estes e só estes permanecem senhores do direito internacional: não existe direito internacional para além do consentimento dos Estados, pelo que não existe nenhum direito subtraído à sua disposição. Assim, todos os conflitos entre normas de direito internacional seriam resolvidos de acordo com os princípios tradicionais Lex specialis derogat legi generali e lex posterior derogat lex priori. No sentido oposto, defende-se a sua necessidade e existência apoiada em expressões como constituição Mundial, supra-legalidade internacional, primazia da Carta da ONU, etc. Apoia-se esta existência no teor literal do artigo 38º do ETIJ, embora esta via seja a menos plausível, e/ou no valor universal da manutenção da paz constante da Carta da ONU, chamando a atenção para o desenvolvimento da ideia de ius cogens superior à vontade dos Estados; mais recentemente, encontra até fundamentação na ideia do primado do indivíduo em face da soberania estadual. Importante é sublinhar que a existência ou não de uma hierarquia deve apoiar-se em fundamentos de legitimidade – direito, justiça, dignidade da pessoa humana – que a comunidade internacional considera acima do consentimento dos Estados, pelo que devem ser considerados imperativos, mesmo quando sistematicamente violados. 2.2. Elementos constitutivos da hierarquia O problema encontra sustento nas normas imperativas de direito internacional, reconduzíveis à expressão JUS COGENS, do qual constituem objeto: As normas imperativas do direito internacional geral decorrentes do art.53º CVT, às quais se encontram subordinadas as convenções internacionais; Carta da ONU; As normas cuja violação constitui crime internacional. Origem: a noção de jus cogens muito ficou a dever à II GM e ao Holocausto, tendo sido imediatamente associada à Convenção de Genebra de 1948 sobre o Genocídio. Natureza: as normas jus cogens não admitem qualquer desvio unilateral por parte dos Estados, nem sequer através de tratados internacionais; as mesmas consistem em obrigações erga omnes, embora nem todas as obrigações erga omnes possam ser consideradas jus cogens. Em ambos os casos está-se perante normas inderrogáveis, que exprimem a existência de obrigações perante a comunidade internacional globalmente considerada, embora só o jus cogens seja considerado direito imperativo de maior dignidade hierárquico-normativa. Ou seja, é possível existirem obrigações oponíveis à comunidade internacional no seu todo, resultantes de normas e estatutos jurídicos, sem que as mesmas assumam uma natureza imperativa, no sentido o ius cogens. Tipologia: normas reconhecidas e aceites pela comunidade de Estados globalmente considerada como dotadas de força imperativa, suscetível de alteração apenas por uma outra com a mesma natureza. Relativamente à proteção dos direitos fundamentais na integração de jus cogens, pode dizer-se que existem três tipos de teses: maximalistas, intermédias e minimalistas, sendo que a tese acolhida pelo autor é a de que só os direitos humanos, no seu núcleo essencial, se compreendem como jus cogens (tese intermédia). 22 Ainda que se aceite a existência de uma hierarquia, a mesma permanece imperfeita. Porém, isso não impede que se procurem identificar os diferentes graus dessa hierarquia. Na hierarquia temos assim: Os princípios do jus cogens, que podem incluir direitos fundamentais e princípios gerais do direito; As normas da Carta da ONU, nos termos do art. 103.º referido; Primazia do direito universal sobre o regional ou local – quer se trate de costume internacional ou direito convencional (mas nem sempre); 4) Primazia do direito regional sobre o direito bilateral 3 – O Direito Internacional e o Direito Interno O problema das relações entre o direito internacional e o direito interno coloca-se inevitavelmente à doutrina e à jurisprudência; a primeira tende a teorizar a questão, interrogando-se sobre se o direito internacional e o direito interno são uma só realidade ou grandezas autónomas. A querela pretende esclarecer o status do direito nacional perante um tribunal internacional e do direito internacional perante um tribunal nacional. Em todo o caso, os práticos preocupam-se sobretudo com a questão da relação entre normas nacionais e internacional, relegando para segundo plano a justificação teorética. 3.1. As doutrinas tradicionaisA temática das relações que se estabelecem entre o direito internacional e o direito interno é claramente uma das que mais têm polarizado a doutrina nos mais variados quadrantes: distingue-se o Monismo e o Dualismo. 3.1.3. Monismo As posições do monismo procuram um ponto metafísico ou um princípio fundamental que possibilite a unificação do direito interno e do direito internacional num só sistema jurídico. O monismo tem sido tentado a partir de duas orientações: ▪ A primeira subordinava todo o direito, interno e direito internacional, a princípios de direito natural, deduzidos do direito divino revelado; e remonta a autores como F. Vitória, F. Suarez, Vattel ou H. Grócio. 23 ▪ A segunda orientação, formalista, combinou elementos jusnaturalistas e contratualistas (v.g. pacta sunt servanda) e depurou-os de todos os elementos metafísicos, ideológicos e políticos, seguindo os parâmetros positivistas, na senda de H. Kelsen. De um modo geral, o monismo postula a existência de um único sistema jurídico no qual, por definição, não podem existir normas incompatíveis, sendo estes problemas resolvidos dentro do sistema. Há três variantes diferentes da doutrina monista: ▪ a que assenta na superioridade do direito interno (tese estadualista, voluntarista, positivista) – direito internacional enquanto dir. estadual externo ▪ a que assenta na superioridade do direito internacional (tese da justiça e solidariedade social universal), ▪ a que assenta numa linha de monismo sem primado em termos jurídico- conformais – tese de Hans Kelsen, o qual sustenta que o direito internacional e o direito interno recebem a sua validade de uma norma fundamental comum, segundo a qual os pactos são para se cumprir (pacta sunt servanda), e os Estados se devem comportar como habitualmente. 3.1.2. Dualismo Teses que sugerem a existência de uma distinção estrutural entre o direito interno e internacional, possivelmente insuscetíveis de superação. As suas premissas fundamentais adequam-se ao modelo de Vestefália dos Estados soberanos e independentes, cada um com a sua ordem de valores, embora de natureza positivista e estadualista. O dualismo intensifica-se c/o positivismo estadista (Estado e sua vontade como centro de gravidade do direito internacional), pelo que as normas de direito dependem do consentimento dos Estados. Alguma doutrina germânica defende que o direito interno tem origem na vontade de um Estado, e o direito internacional a de vários. Há, portanto, dois ordenamentos jurídicos distintos, um interno e outro internacional, sendo que uma norma pode ser lícita num O.J. onde já não a é no outro. Cada O.J. teria a sua função: o direito internacional regularia relações entre Estados (international concerns) ao passo que o direito interno apenas questões envolvendo o Estado e os respetivos cidadãos (domestic affairs) – estes postulados estadualistas e positivistas conduzem à primazia do direito interno sobre o direito internacional Contudo, alguma doutrina dualista sustenta a superioridade do direito internacional relativamente às normas estaduais, ao menos diante dos tribunais internacionais, por aí tendo-se caminhado para a defesa da superioridade do direito internacional relativamente às normas de todos os outros sujeitos de direito internacional O apogeu do dualismo correspondeu ao auge do nacionalismo imperialista das potências europeias. As doutrinas dualistas parecem considerar os Estados como únicos sujeitos de direito internacional 3.1.3. Avaliação doutrinal Não existe propriamente uma visão jurídica correta da questão, muito dependendo das visões conceptuais de cada autor e da realidade das soluções do direito positivo de cada Estado. Subjacente à nossa compreensão do direito internacional encontram-se premissas normativas de natureza monista, que conduzem a que, enquanto aquela pretensão não se encontrar totalmente realizada, se dê primazia ao direito interno ou ao direito internacional, consoante aquele que num 24 determinado momento estiver mais próximo dos valores liberais modernos e kantianos. A doutrina atual acolhe tendencialmente o monismo, assente na primazia dos valores comuns dos direitos fundamentais, democracia, subordinação ao direito etc. Assim, os Estados que se afastarem destes princípios não podem legitimamente reclamar uma igual dignidade perante o direito internacional Atualmente, o direito internacional regula os mais variados aspetos internos dos Estados, tendência relevada pelo processo de globalização. Isto confere um forte vigor às teorias monistas, por um lado, e favorece áreas do direito internacional em que a preocupação c/os direito humanos não conseguia prevalecer (v.g. políticas monetárias e do comércio internacional; recurso à força) A nossa CRP aponta para uma leitura monista das relações entre direito internacional e direito interno (em sintonia com a Carta da ONU e DUDH), tal como muitas outras constituições. Contudo, e porque ainda há muitos exemplos de normas de direito internacional incompatíveis com direito interno, ainda é cedo falar-se num só ordenamento jurídico (monismo à escala mundial), pelo que não deve ser esquecida a tese dualista e a sua realidade na atualidade. 3.2. A Jurisprudência Internacional e o Primado do Direito Internacional A prática jurisprudencial internacional tem resolvido problemas de colisão entre normas de direito internacional e direito interno. Sem recurso a qualquer tipo de tese doutrinal dualista ou monista, a jurisprudência procura resolver os litígios afirmando que um Estado não pode alegar normas do seu direito interno, ou a falta deles para justificar o incumprimento das normas internacional (art.27.ºCVT). A primazia do direito internacional sobre o direito interno prossegue a sua afirmação na jurisprudência do TPJI garantindo a sustentabilidade do direito internacional. Dois pontos fundamentais: ▪ Estas instâncias jurisdicionais internacionais autocompreendem-se como garantes da observância do direito internacional, assim se compreendendo que desconsiderem o direito interno. ▪ No entanto, não há, tendencialmente, preferência hierarquico-jurídica na aplicação do direito internacional, pelo que não se pretende a verificação da validade das normas de direito interno à luz do direito internacional. Na prática, ou se adota preferência pelo direito internacional (ressalvando as normas constituintes essenciais de direito interno), ou pelo direito interno. 3.3. O problema no direito constitucional comparado Cada estado resolve o problema da sua vinculação internacional e das relações entre o direito internacional e o direito interno de acordo com as suas próprias normas constitucionais internas. Atualmente tende a considerar-se que o direito constitucional tem ainda uma palavra decisiva nas relações entre o direito internacional e o direito interno, porque embora exista uma forte tendência para a afirmação do princípio do primado do direito internacional, o certo é que esse princípio é compatível com vários modos de concretização prática no plano constitucional, cabendo ao direito interno precisar os termos exatos da sua articulação com o direito internacional. De um modo geral, pode dizer-se que, sem comprometerem aspetos essências da soberania interna, as várias constituições pretendem viabilizar a cooperação internacional e a promoção dos interesses da comunidade internacional globalmente considerada. 25 Mas vejamos alguns ordenamentos jurídicos específicos: Estados Unidos da América Holanda ▪ O poder de vinculação internacional do Estado cabe, em princípio, ao Presidente e ao Senado, por maioria de 2/3 dos votos, sem qualquer intervenção dos estados federados; mas o Presidente pode celebrar executive agréments, e uma maioria simples