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RESUMO DE DIREITO INTRNACIONAL PÚBLICO NP1 FRANCISCA JERLANDIA CLARENTINO DA SILVA A SOCIEDADE INTERNACIONAL: Esse sistema de normas jurídicas (dinâmico por excelência) que visa disciplinar e regulamentar as atividades exteriores da sociedade dos Estados (e também, atualmente, das organizações interestatais e dos próprios indivíduos) é o que se chama de Direito Internacional Público ou Direito das Gentes. O Direito Internacional Público disciplina e rege prioritariamente a sociedade internacional, formada por Estados e organizações internacionais interestatais, com reflexos voltados também para a atuação dos indivíduos no plano internacional. Os Estados são aqueles que detêm a maior importância, dado que somente com o seu assentimento outras entidades podem ser criadas (v.ġ., as organizações interestatais) ou certos direitos podem ser reconhecidos. A comunidade seria uma forma de união baseada no afeto e na emoção (Wesenwille) dos seus membros, capaz de criar um vínculo natural e espontâneo (“essencial”) entre eles; a sociedade, por sua vez, corresponderia ao produto da vontade “racional” ou “instrumental” (Kürwille) dos associados, nascida de uma decisão voluntária dos mesmos. Assim, enquanto na comunidade não se permite aos membros decidir entre pertencer-lhe ou não, na sociedade essa escolha é livre e não depende senão da vontade das partes. Na comunidade os seus membros “permanecem unidos apesar de todos os fatores que tendem a separá-los”, na sociedade eles “permanecem essencialmente separados apesar de todos os fatores tendentes à sua unificação”. Por isso, não acreditamos, pelo menos por enquanto, na existência de uma comunidade internacional. Vivemos num mundo de diferentes, não de iguais. Daí não se acreditar na existência de uma comunidade de Estados, mas, sim, na de uma sociedade desses mesmos sujeitos. • Sem qualquer espécie de subordinação (contrariamente ao que ocorre no plano do Direito interno). • Também fazem parte às coletividades não estatais, o que não significa que muitos dos atores que as compõem sejam efetivamente sujeitos do Direito Internacional Público, a exemplo das organizações não governamentais (ONGs) e das empresas transnacionais. • Assim, falar em atores internacionais tem sentido mais amplo do que falar em sujeitos do Direito Internacional, conotando essa última expressão, prioritariamente, os Estados, as organizações internacionais intergovernamentais e os indivíduos; por atores internacionais, por sua vez, já se entendem outras entidades (como as já referidas ONGs) que participam da sociedade internacional, mas sem deter personalidade jurídica de Direito Internacional Público. • Quais seriam as condições necessárias para se afirmar existir uma ordem jurídica? A resposta é, possivelmente, simples: um conjunto de princípios e regras destinados a reger as situações que envolvem determinados sujeitos. • Em outras palavras, não existe ainda, na órbita internacional, nenhum órgão com jurisdição geral capaz de obrigar os Estados a decidirem ali suas contendas (lembre-se que a participação de Estados em tribunais internacionais requer o consentimento expresso destes, sem o qual o tribunal respectivo não poderá exercer a sua jurisdição). • Se uma norma de Direito Internacional é superior às outras – como é o caso da Carta das Nações Unidas, em virtude do seu art. 103 16 – é porque os Estados aceitaram que assim deva ser. • O direito das gentes desconheça, sob o aspecto formal, o princípio da hierarquia das leis, apenas compreensível sob o aspecto material e, mesmo assim, com um núcleo de regras advindas do costume (de que são exemplos as normas de jus cogens). A subordinação – clássica na ordem interna – dá lugar à coordenação na ordem internacional, motivo pelo qual a vontade (ou consentimento) dos Estados ainda é o motor da sociedade internacional contemporânea. Portanto, a ordem jurídica da sociedade internacional difere da ordem interna estatal por estar estruturado de forma horizontal, sem conhecer poder central autônoma com capacidade de criação originária de normas e com poder de impor aos sujeitos do Direito Internacional Público o cumprimento de suas decisões. ✓ A sociedade internacional diferencia-se da ordem jurídica interna tanto sob o aspecto formal quanto sob a ótica material. Sob o ponto de vista formal, a diferença da sociedade internacional para a ordem interna baseia-se na sua estrutura, pelo fato de ali não existir um território determinado, dentro do qual vive certa população, coordenada por um poder soberano. ✓ Do ponto de vista material, a sociedade internacional jamais se igualará à sociedade de pessoas (ou, até, à comunidade destas) existente no Direito interno, uma vez que as matérias que disciplina provém de um conjunto de Estados com poderes soberanos limitados (em razão da própria ideia de descentralização), e não de uma vontade única eleita pelos seus sujeitos para reger-lhes a conduta (ou, até mesmo, a eles imposta, como no caso dos governos ditatoriais). ✓ A ordem jurídica da sociedade internacional é descentralizada, mas ao mesmo tempo organizada pela lógica da coordenação (ou cooperação). GÊNESE E ESTADO ATUAL DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO: Sem se poder determinar uma data precisa para o seu nascimento, tem-se como certo que o Direito Internacional Público é fruto de inúmeros fatores sociais, políticos, econômicos e religiosos que transformaram a ordem política da Europa na passagem da Idade Média para a Idade Moderna. ❖ Na Antiguidade Clássica não existia um Direito Internacional propriamente dito. ❖ Formam-se as Cidades-Estados italianas, já no quadro da transição para a Idade Moderna, as quais passaram a manter frequentes intercâmbios políticos e econômicos entre si, dando início ao esboço dos contornos normativos de um Direito menos doméstico e mais internacional já nesse período. ❖ Foi o holandês nascido em Delft, chamado Hugo Grotius (1585-1645), quem deu importante ênfase ao direito das gentes como ciência - o pai do Direito Internacional e do Direito Natural. ❖ A partir do final do século XVI e início do século XVII que o Direito Internacional Público aparece como ciência autônoma e sistematizada, principalmente a partir dos tratados de Westfália (de cuja elaboração Hugo Grotius participou na qualidade de Embaixador do Rei da Suécia), concluídos em 24 de outubro de 1648, que colocaram fim à sanguinária Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), conflito religioso entre católicos e protestantes que teve como bloco vitorioso esse último, fortalecido pela França. Pelo fato de, pela primeira vez, se ter reconhecido, no plano internacional, o princípio da igualdade formal dos Estados europeus e a exclusão de qualquer outro poder a eles superior. Então, mais do que colocar fim à Guerra dos Trinta Anos, os tratados de Westfália criaram um “sistema pluralista e secular de uma sociedade de Estados independentes, substituindo, desde então, a ordem providencial e hierarquizada da Idade Média”. 31 Assim é que muitos autores consideram que antes da Paz de Westfália não existia um Direito Internacional propriamente dito. ➢ Além disso, esse fato histórico teve grande importância internacional por marcar o surgimento do que hoje conhecemos por Estado moderno, que, a partir desse momento, passou a se tornar o sujeito mais importante do Direito Internacional. ➢ O Estado nasceria, então, com a característica fundamental de possuir, como elemento essencial de sua existência, uma base territorial sobre a qual se assenta a sua massa demográfica de indivíduos. Posteriormente, passaria a ter por elementos caracterizadores uma unidade política estabelecida no tempo e no espaço, a existência de instituições permanentes impessoais, a condução dos seus negócios por uma autoridade. ➢ O Congresso de Viena (1815) foi, depois dos tratados de Westfália, o segundo grande marco do Direito Internacional e das relaçõesinternacionais. 34 O Congresso marcou o fim das guerras napoleônicas e estabeleceu um novo sistema multilateral de cooperação política e econômica na Europa. ➢ Essas novas características do Direito Internacional vieram a intensificar-se finda a Segunda Guerra, que ensanguentou a Europa entre 1939 e 1945. ➢ A primeira dessas tendências, chamada de universalização, tem o seu foco voltado para a autodeterminação dos povos, decorrente, segundo Jorge Miranda, da desagregação. ➢ Momento a partir do qual se reconheceu que têm soberania (e que, portanto, devem ser tratados como iguais) outros povos não europeus e não americanos situados em distintas regiões do planeta. ➢ À universalização segue-se a regionalização, com a consequente criação de espaços regionais por razões econômicas, políticas, estratégicas, sociais ou culturais, dentro dos quais as várias comunidades políticas e os vários Estados encontram formas de solidariedade e de cooperação, Regionalizar o Direito Internacional significa particularizar suas regras jurídicas a certo espaço físico (dividido politicamente em Estados). ➢ Em terceiro lugar aparece a institucionalização, segundo a qual o Direito Internacional deixa de ser um direito das relações bilaterais ou multilaterais entre os Estados para se tornar um direito cada vez mais presente nos organismos internacionais, na Organização das Nações Unidas, bem como em suas agências especializadas, podendo até mesmo chegar à criação de um órgão supranacional com poderes decisórios, como é o caso da União Europeia. ➢ A funcionalização, em quarto lugar, aparece, segundo Jorge Miranda, relacionada com a institucionalização, num duplo sentido. Primeiro, porque o Direito Internacional passa a extravasar, cada vez mais, o âmbito das meras relações externas entre os Estados, penetrando, com frequência, em matérias relativas tanto ao Direito interno, No plano do Direito interno, assume tarefas de regulamentação e de solução de problemas, como a saúde humana, o trabalho, o meio ambiente, a condição dos apátridas. ➢ Em quinto lugar, aparece a humanização. O Direito Internacional ganha uma face humanizadora com o nascimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos, notadamente com a arquitetura normativa de proteção de direitos nascida no pós- Segunda Guerra, desde a Carta das Nações Unidas (1945), desenvolvendo-se com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e com os inúmeros tratados internacionais de proteção desses mesmos direitos surgidos no cenário internacional após esse período. . Uma sexta tendência do Direito Internacional, colocada por Jorge Miranda, é a objetivação, ou seja, a superação definitiva do dogma “voluntarista”, segundo o qual a vontade dos atores internacionais é o fundamento único da existência do Direito Internacional Público. Neste momento histórico pelo qual passa a humanidade, presencia-se, cada vez mais, a formação de regras internacionais livres e independentes da vontade dos Estados. ❖ Uma sétima característica desse desenvolvimento histórico é a codificação do Direito Internacional, merecendo destaque o que prescreve o art. 13, § 1º, alínea a, da Carta das Nações Unidas de 1945, segundo o qual um dos propósitos da Assembleia Geral da ONU é o de “incentivar o desenvolvimento progressivo do direito internacional e a sua codificação”. ❖ Como oitava tendência evolutiva do Direito Internacional colocada pelo jurista português, tem-se a jurisdicionalização. É superar o regime das chamadas “cláusulas facultativo”, rumo à concretização e imposição da jurisdição internacional obrigatória. A fase da jurisdicionalização do Direito Internacional já passou por três momentos bem nítidos na história das relações internacionais até hoje: a) o da criação de tribunais internacionais de vencedores contra vencidos, mostra de uma Justiça Internacional primitiva e arcaica, de que foram exemplos os tribunais militares do pós- guerra; b) o da criação de tribunais internacionais ad hoc pelo Conselho de Segurança da ONU. c) o da institucionalização de tribunais internacionais de caráter permanente e universal (criados no modelo mais condizente de tratado), de que é exemplo mais atual o Tribunal Penal Internacional. CONCEITO, DENOMINAÇÕES E DIVISÕES: O Direito Internacional Público pode ser definido como a disciplina jurídica da sociedade internacional. O Direito Internacional Público pode ser conceituado como o conjunto de princípios e regras jurídicas (costumeiras e convencionais) que disciplinam e regem a atuação e a conduta da sociedade internacional (formada pelos Estados, pelas organizações internacionais intergovernamentais e também pelos indivíduos), visando alcançar as metas comuns da humanidade e, em última análise, a paz, a segurança e a estabilidade das relações internacionais. É evidente que para conceituar o Direito Internacional os seus sujeitos devem já estar previamente definidos, sem o que cairia no vazio a compreensão do conceito. Não podemos concordar com a afirmação de que o Direito Internacional Público regula matérias da alçada externa do Estado, em contraposição ao Direito interno, que regula matérias exclusivamente domésticas. Essa concepção, como facilmente se percebe, está impregnada de um preconceito dualista (doutrina hoje rejeitada), vez que entende o Direito Internacional como separado da ordem jurídica interna. A expressão refere-se às normas de regência, não às matérias por elas reguladas, que podem ser perfeitamente matérias da alçada interna. Segundo essa concepção formalista – que não se liga nem aos sujeitos, nem à matéria da disciplina –, é Direito Internacional Público tudo o que provém de uma fonte internacional. 63 A falha mais grave desse critério formal é levar em consideração apenas o conjunto de normas jurídicas criadas pelo Direito Internacional Público, fazendo tabula rasa das outras fontes dessa disciplina que não lhe são privativa, como os costumes e os princípios gerais de direito. Até mesmo atos domésticos podem ser fontes do Direito Internacional Público, como é o caso dos atos unilaterais dos Estados. a) Critério dos sujeitos intervenientes – o Direito Internacional Público disciplina e rege a atuação e a conduta da sociedade internacional. b) Critério das matérias reguladas – o Direito Internacional Público visa alcançar as metas comuns da humanidade e, em última análise, a paz, a segurança e a estabilidade das relações internacionais; c) Critério das fontes normativas – o Direito Internacional Público consubstancia-se num conjunto de princípios e regras jurídicas, costumeiras e convencionais. Estatisticamente, o critério dos sujeitos intervenientes – que sequer pode ser considerado verdadeiro critério – é ainda o mais utilizado doutrinariamente na conceituação do Direito Internacional Público. • Trata-se do conceito clássico (positivista e restritivo) de Direito Internacional Público, baseado na chamada corrente estatal, segundo a qual somente os Estados podem ser sujeitos do Direito Internacional, de modo que apenas eles são capazes de contrair direitos e obrigações estabelecidos pela ordem jurídica internacional. Esta doutrina, baseando-se nas premissas teóricas do dualismo de Carl Heinrich Triepel, nega que os indivíduos possam ser sujeitos do Direito Internacional. • Assim, dentro dessa definição tradicional, os benefícios ou obrigações porventura reconhecidos ou impostos a outras instituições, que não o Estado, é considerado meramente derivativo. • Na atualidade, o Direito Internacional não mais se circunscreve às relações entre os Estados, exclusivamente, e tampouco regula matérias da alçada unicamente exterior dos Estados. Tem ele, hoje, alcance notadamente mais amplo, visto que se ocupa da conduta dos Estados e dos organismos internacionais e de suas relações entre si, assim como de algumas de suas relações com as pessoas naturais. • É certo que a personalidade jurídicados indivíduos, no plano internacional, é ainda limitada. Contudo, em certas ocasiões, principalmente no que diz respeito aos crimes de guerra, aos crimes contra a humanidade e ao genocídio, têm os indivíduos, assim como os Estados, responsabilidades no plano internacional - de modo que não mais se pode afirmar que somente os Estados é que são praticantes de ilícitos internacionais. • As pessoas físicas, nesse contexto, passam também a ser um dos sujeitos diretos do Direito Internacional Público, detendo inclusive capacidade processual para fazer valer seus direitos na órbita internacional, podendo mesmo atuar de forma direta perante organismos ou tribunais internacionais. • Direito verdadeiramente internacional é o Direito Internacional Público, uma vez que o Direito Internacional Privado é “internacional” apenas pelo fato de resolver conflitos de normas (nacionais) no espaço com conexão internacional (ou seja, conflitos “internacionais” de leis internas). Entre o Direito Internacional Público e o Privado existem pontos de aproximação importantes, a exemplo da proteção jurídica do estrangeiro, que lhe garante a liberdade, a propriedade e o exercício dos direitos civis. Curiosamente, um desses direitos também pode derivar do outro. Chamou a disciplina de direito transnacional, por regular “atos ou fatos que transcendem fronteiras nacionais”. ➢ Hoje, o Direito Internacional Público deve ser entendido como uma unidade harmônica de normas (escritas ou costumeiras) reguladoras das atividades dos Estados, das organizações internacionais e dos próprios indivíduos, no plano internacional. ➢ Uma de tais classificações divide o Direito Internacional Público em comum (geral ou universal) e particular (continental ou regional). ➢ Dividiu-se, também, o Direito Internacional em constitucional e administrativo, dispondo o primeiro sobre a competência dos órgãos internos com capacidade para agir internacionalmente, e o segundo sobre a organização das comissões e repartições internacionais, bem como dos serviços públicos internacionais. ➢ Internacional e o Direito interno. Enquanto este último se consubstancia no conjunto de normas em vigor em um dado Estado, aquele (o Direito Internacional) é o conjunto das normas jurídicas não pertencentes a uma ordem interna. 92 Assim, no plano externo, o Direito Internacional é aquele que regula e rege as relações dos Estados entre si. ➢ As Constituições estatais preveem regras específicas de aplicação interna do Direito Internacional, como a necessidade de referendum parlamentar dos tratados ou a sua promulgação e publicação internas, o que pode variar (e normalmente varia) de país para país. A tendência do constitucionalismo moderno, entretanto, é permitir a aplicação imediata do Direito Internacional pelos juízes e tribunais nacionais, sem a necessidade de edição de norma interna que os materialize e lhes dê aplicabilidade. 93 Trata-se da consagração da doutrina monista internacionalista. Assim, havendo conflito entre o Direito Internacional e o Direito interno estatal perante a jurisdição de um tribunal interno, o problema se resolve sob a base da supremacia do Direito Internacional. Nesse contexto, a falta de cumprimento dos preceitos do direito das gentes acarreta a responsabilidade internacional do Estado infrator. Propositura do problema: É claro que a questão pode ser colocada sob dois pontos de vista: o do Direito Internacional, que enxerga o problema de fora para dentro; e o do Direito interno, que o visualiza de dentro para fora. Mas isso não impede o Direito Internacional, que é superior aos ordenamentos dos Estados, de dar a última palavra relativamente ao tema. ❖ O que ocorre é que, especialmente na era dos direitos humanos que agora se atravessa, é possível agregar às doutrinas tradicionais (notadamente ao monismo) métodos mais aptos a resolver os problemas que a pósmodernidade apresenta. Dualismo: Para os adeptos dessa corrente, o Direito interno de cada Estado e o Direito Internacional são dois sistemas independentes e distintos, ou seja, constituem círculos que não se interceptam (meramente contíguos), embora sejam igualmente válidos. As fontes e normas do Direito Internacional (notadamente os tratados) não têm, para os dualistas, qualquer influência sobre questões relativas ao âmbito do Direito interno e vice-versa, de sorte que entre ambos os ordenamentos jamais poderia haver conflitos. Assim, o primado normativo, para os dualistas, é da lei interna de cada Estado, e, não, do Direito Internacional. Segundo a corrente dualista, ao Direito Internacional caberia, de forma precípua, a tarefa de regular as relações entre os Estados ou entre estes e as organizações internacionais, enquanto ao Direito interno caberia a regulação da conduta do Estado com os seus indivíduos. Nesse raciocínio, o Estado, para os dualistas, seria um antecedente lógico do Direito Internacional, ou seja, não seria o Estado que está para o Direito Internacional, mas sim este que está para aquele. Nessa concepção, o Estado recusa aplicação imediata ao Direito Internacional, só alcançável por meio de procedimento incorporativo próprio do Direito interno. Ou seja, os dois sistemas (internacional e interno), para os dualistas, são mutuamente excludentes, não podendo um interferir no outro por qualquer motivo, não havendo qualquer espécie de contato entre eles. Para essa doutrina, as normas de Direito Internacional têm eficácia somente no âmbito internacional, ao passo que as normas de Direito interno só têm eficácia na ordem jurídica interna, de forma que para o ingresso das normas internacionais provenientes de tratados no ordenamento jurídico pátrio, após a ratificação, far-se-ia necessário incorporar legislativamente o conteúdo desses instrumentos ao ordenamento interno (técnica da “incorporação legislativa”). A corrente dualista estabelece também diferenças de conteúdo e de fontes entre o Direito Internacional Público e o Direito interno, dentre elas a de que as regras internas de um Estado soberano são emanadas de um poder ilimitado, em relação ao qual existe forte subordinação de seus dependentes, o que não acontece no âmbito internacional, em que não existe um direito sobre os Estados, mas sim entre os Estados. Assim, para os dualistas, as normas de Direito Internacional não têm aplicabilidade e cogência no interior de um Estado, senão por meio da recepção, isto é, em virtude de um ato do Poder Legislativo que transforme o tratado em norma de Direito interno. Os defensores do chamado dualismo moderado, por sua vez, não chegam ao extremo de adotar a fórmula legislativa para que, só assim, o tratado entre em vigor no país, mas admitem a necessidade de um ato formal de internalização, como um decreto ou um regulamento executivo. Poder-se-ia dizer que o STF tem assumido a posição dualista moderada. Críticas à doutrina dualista: © Em primeiro lugar, reconhecer diversidade de fontes entre o Direito interno e o Direito Internacional é aceitar um absurdo terminológico de consequências fatais para a concepção geral do Direito. Se ambos os sistemas – o interno e o internacional – são contrapostos, um deles inevitavelmente será não jurídico. © Se o Direito é uno e anterior à vontade dos Estados, não se pode entender de outra maneira senão como estando o Direito interno inserido no Direito Internacional, do qual retira o seu fundamento de validade. Pensar de outra forma significa entender o Estado como algo estranho à sociedade internacional e à margem do mundo exterior, fechado, assim, a qualquer tipo de integração jurídica ou social. © Em segundo lugar, a construção dualista despreza o princípio da identidade, admitindo igual validade de duas normas aparentemente antinômicas. © Doutrina dualista, guardando todos os inconvenientes do voluntarismo, só faz referência aos tratados e não aos costumes internacionais e aos princípiosgerais de direito, sendo, no entanto, os costumes internacionais e os princípios gerais de direito normalmente aplicados pelos tribunais internos. © O dualismo é corolário dogmático-apológico da teoria da soberania absoluta do Estado. Monismo: ➢ Os autores monistas (que têm em Kelsen o seu maior expoente) partem de uma inteligência diametralmente oposta à concepção dualista, vez que têm como ponto de partida não a dualidade, mas a unidade (ou unicidade) do conjunto das normas jurídicas, internas e internacionais. 22 Para a corrente monista, então, o Direito Internacional e o Direito interno são dois ramos do Direito dentro de um só sistema jurídico. Trata-se da teoria segundo a qual o Direito Internacional se aplica diretamente na ordem jurídica dos Estados, independentemente de qualquer “transformação”. ➢ Baseado na identidade de sujeitos (os indivíduos que os compõem) e de fontes (sempre objetivas e não dependentes – como no voluntarismo – da vontade dos Estados). ➢ A norma do direito das gentes (o tratado ratificado ou até mesmo o costume) continua sendo norma internacional, que será então aplicada internamente, não sendo norma internacional transformada em Direito interno. ➢ É dizer, não há dois círculos contíguos que não se interceptam, mas, ao contrário, dois círculos superpostos (concêntricos) em que o maior representa o Direito Internacional que abarca, por sua vez, o menor, representado pelo Direito interno. Assim, é possível haver certos assuntos que estejam sob a jurisdição exclusiva do Direito Internacional (representado pelo espaço existente entre a orla do círculo menor – Direito interno – e a borda exterior do círculo maior – Direito Internacional), o mesmo não ocorrendo com o Direito interno, que não tem jurisdição exclusiva, vez que tudo o que por ele pode ser regulado também pode ser pelo Direito Internacional, sistema do qual retira o seu fundamento último de validade. Aceita a tese monista, surge, porém, um problema hierárquico a ser resolvido, qual seja, o de saber qual ordem jurídica deve prevalecer em caso de conflito, se a interna ou a internacional. Assim, no que tange à hierarquia entre as ordens jurídica interna e internacional, a doutrina monista se bifurca: uns entendem que em caso de conflito deve dar-se primazia de escolha (sobre a hierarquia entre as normas internacionais e internas) à ordem jurídica nacional de cada Estado (monismo nacionalista); e outros lecionam no sentido de que deve sempre prevalecer o Direito Internacional em detrimento do Direito interno (monismo internacionalista). Para além dessas duas bifurcações do monismo, entendemos ser ainda possível uma terceira divisão, quando em jogo o tema dos “direitos humanos”, o que nominamos de monismo internacionalista dialógico. Como o próprio nome está a indicar, esta terceira doutrina (de nossa autoria) é uma subdivisão do monismo internacionalista, a ser utilizada quando o conflito entre o Direito Internacional e o Direito interno diz respeito a uma questão de direitos humanos. a) Monismo nacionalista: A escola monista nacionalista apregoa o primado do Direito nacional de cada Estado soberano, sob cuja ótica a adoção dos preceitos do Direito Internacional reponta como uma faculdade discricionária. © Sob o ponto de vista do primado da ordem jurídica estatal, valendo tal integração somente na medida em que o Estado reconhece como vinculante em relação a si a obrigação contraída. © Os monistas defensores do predomínio interno dão, assim, especial atenção à soberania de cada Estado, levando em consideração o princípio da supremacia da Constituição. © Trata-se, como se vê, da doutrina da delegação, que apregoa a obrigatoriedade do Direito Internacional como decorrência das regras do Direito interno. © Segundo esse entendimento, o arbítrio do Estado só encontra limitação no arbítrio de outro Estado, jamais nas regras do Direito Internacional Público. Em suma, dois são os argumentos principais dos defensores do monismo com predomínio do Direito interno: a) a ausência, no cenário internacional, de uma autoridade supra estatal capaz de obrigar o Estado ao cumprimento dos seus mandamentos, sendo cada Estado o competente para determinar livremente suas obrigações internacionais, pois é ele, em princípio, juiz único da forma de executá-las, e; b) o fundamento puramente constitucional dos órgãos competentes para concluir tratados em nome do Estado, obrigando-o no plano internacional. Às críticas da doutrina, pois: a) se explicam o fundamento do tratado, não explicam satisfatoriamente o fundamento do costume; e b) se as Constituições estatais fundamentam o Direito Internacional, não se explica como estes continua a vigorar, mesmo com as modificações nelas introduzidas. b) Monismo internacionalista: A segunda corrente em que se divide o monismo é a corrente monista internacionalista. Esta doutrina (que é resultado do antivoluntarismo) fora desenvolvida principalmente pela Escola de Viena, cujos maiores representantes foram Kelsen. Segundo essa concepção, o Direito interno deriva do Direito Internacional, que representa uma ordem jurídica hierarquicamente superior. 31 No ápice da pirâmide das normas encontram-se, pois, o Direito Internacional (norma fundamental: pacta sunt servanda), do qual provém o Direito interno, que lhe é subordinado. Um ato internacional sempre prevalece sobre uma disposição normativa interna que lhe contradiz. A consequência lógica da existência de normas internas contrárias ao Direito Internacional é a configuração da responsabilidade internacional do Estado. Internacionalistas, chamados de monistas moderados, negam que a norma interna deixe de ter validade caso contrarie um preceito de Direito Internacional, embora afirmem que tal norma constitui uma infração que o Estado lesado pode impugnar, exigindo ou a sua derrogação ou a sua inaplicabilidade, responsabilizando o Estado infrator a indenizar os prejuízos decursivos. Aplicando-se, em caso de conflito, a máxima lex posterior de rogat priori (critério cronológico), conhecida pelo direito norte-americano como regra later in time não prega nem a prevalência do Direito Internacional sobre o Direito interno, nem a do Direito interno sobre o Direito Internacional, mas a concorrência entre ambas as ordens jurídicas. O monismo internacionalista, a nosso ver, configura a posição mais acertada e consentânea com os novos ditames do Direito Internacional contemporâneo. Além de permitir o solucionamento de controvérsias internacionais, dando operacionalidade e coerência ao sistema jurídico, fomenta o desenvolvimento do Direito Internacional e a evolução da sociedade das nações rumo à concretização de uma comunidade internacional universal, ou seja, a civitas maxima. ❖ Um Estado “não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”. ❖ Compete privativamente ao Presidente da República celebrar tratados ad referendum do Congresso Nacional. ❖ Disso tudo resulta o primado do Direito Internacional sobre o Direito interno, que procede ainda mais quando certas matérias da legislação interna violam tratados ou normas imperativas de Direito Internacional geral, a exemplo das normas de jus cogens. c) Monismo internacionalista dialógico: Ela, porém, não diferencia as normas internacionais pelo seu conteúdo (pelo seu núcleo material ou substancial). 46 Ou seja, a primazia da norma internacional sobre a norma interna, para o monismo internacionalista clássico, é de caráter intransigente (não admitindo qualquer concessão por parte da norma internacional). Ocorre que, quando em jogo o tema “direitos humanos”, uma solução mais democrática (e, portanto, transigente) pode ser adotada, posição essa que não deixa de ser monista, tampouco internacionalista, mas refinada com dialogismo (que é a possibilidade de um “diálogo” entre as fontes de proteção internacional e interna,a fim de escolher qual a “melhor norma” a ser aplicada no caso concreto). Essa “melhor norma” há de ser encontrada àluz da dimensão material ou substancial das fontes de proteção em jogo, prevalecendo a que maior peso protetivo tiver em determinado caso concreto. “diálogo das fontes”. Perceba-se que, no monismo internacionalista dialógico, a prevalência da norma internacional sobre a interna continua a existir mesmo quando os instrumentos internacionais de direitos humanos autorizam a aplicação da norma interna mais benéfica, visto que, nesse caso, a aplicação da norma interna no caso concreto é concessão da própria norma internacional que lhe é superior, o que estaria a demonstrar sim a existência de uma hierarquia, típica do monismo internacionalista, contudo muito mais fluida (transigente) e totalmente diferenciada da existente no Direito Internacional tradicional. transdialogismo. Essa, nos parece, é a tendência do direito pós-moderno no que tange às relações do Direito Internacional (dos Direitos Humanos) com o Direito interno. Doutrinas conciliatórias; Atualmente soma-se à contraposição dualismo-monismo uma terceira corrente (basicamente monista) integrada pelas denominadas correntes coordenadoras ou conciliatórias, que sustenta a coordenação de ambos os sistemas a partir de normas a eles superiores, a exemplo das regras do Direito Natural. Esta posição conciliatória não encontrou guarida nem nas normas e tampouco na jurisprudência internacionais. As relações entre o Direito Internacional e o Direito interno no direito constitucional comparado: Modernamente, vários são os Estados em cujas Constituições existem regras expressas e bem delineadas sobre as relações entre o Direito Internacional Público e o Direito interno. Alguns deles, em suas Constituições, trazem cláusulas de adoção global das regras do Direito Internacional pelo Direito interno, sem, contudo, dar primazia de uma pela outra. a) Cláusulas de adoção das regras do Direito Internacional pelo Direito interno sem disposição de primazia: Constituição austríaca, de 1º de outubro de 1920, que, em seu art. 9º, determinava: “As regras geralmente reconhecidas do direito internacional são consideradas parte integrante da lei federal”. Além de colocar tais regras no mesmo patamar que as leis, portanto, em nível infraconstitucional, não atribuía primazia de uma pela outra. De sorte que, em caso de conflito, seria de aplicar-se a regra lex posterior derogat priori. Jus cogens internacional, que são normas imperativas de Direito Internacional geral, que não podem ser derrogadas por tratados internacionais, por deterem uma força obrigatória anterior a todo o direito positivo. Abaixo da Constituição, mas acima da legislação ordinária. b) Cláusulas de adoção das regras do Direito Internacional pelo Direito interno com a primazia do primeiro: É crescente o número de Estados que, na atualidade, têm atribuído em suas Constituições, ao Direito Internacional em geral, hierarquia normativa superior à das leis internas. Nesse caso, tais normas seriam, na ordem interna estatal, infraconstitucionais, mas supralegais. c) Cartas Constitucionais que não contêm disciplinamento acerca das relações entre o Direito Internacional e o Direito interno. Da mesma forma que muitos Estados existem cujas Constituições estabelecem regras bem definidas acerca da problemática das relações do Direito Internacional com o Direito interno, há muitos deles também cujas Cartas Magnas não fazem referência alguma a esse tipo de relação, seja porque não possuem Constituição escrita, a exemplo da Inglaterra e Israel, seja porque a Carta é omissa a respeito. • Na Constituição brasileira de 1988 também não existe sequer uma cláusula de reconhecimento ou aceitação do Direito Internacional pelo nosso Direito interno. • Única exceção, na Carta Magna de 1988, diz respeito aos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, que, por disposição expressa (art. 5º, § 2º), ingressam no ordenamento brasileiro com o status de norma materialmente constitucional, podendo ser ainda formalmente (além de materialmente) constitucionais. Os Sujeitos do Direito Internacional Público: A qualificação jurídica de certo ente como sujeito de direito das gentes guarda, assim, duas conotações: Uma passiva – a quem tal Direito é destinado – e outra ativa – que se traduz na capacidade de atuação no plano internacional. São, portanto, sujeitos do Direito Internacional Público todos aqueles entes ou entidades cujas condutas estão diretamente previstas pelo direito das gentes, e que têm a possibilidade de atuar (direta ou indiretamente) no plano internacional. A noção de personalidade jurídica no plano internacional, entendendo-se como tal a capacidade para agir internacionalmente. Os que não detêm tal capacidade (a exemplo dos indivíduos) não deixam de ser sujeito do Direito Internacional Público, uma vez que a sua capacidade para agir se faz presente; ou seja, eles são sujeitos, mas com uma atuação internacional mais limitada, pois dependentes das normas criadas pelos Estados ou pelas organizações internacionais. A personalidade jurídica de Direito Internacional nem sempre coincide com a de Direito interno, podendo uma pessoa jurídica de Direito interno não ter (ou não poder ter) personalidade jurídica internacional. Os Estados (que têm personalidade jurídica originária), as organizações internacionais intergovernamentais (que detêm personalidade derivada) e os indivíduos. É possível classificar os sujeitos do Direito Internacional, de forma mais didática, em quatro grupos: a) os Estados; b) as coletividades interestatais; c) as coletividades não estatais; e d) os indivíduos (ou particulares). Na formação da sociedade internacional o primeiro elemento (e mais importante) que nasce é o Estado. São os Estados os sujeitos clássicos (originários ou tradicionais) do Direito Internacional Público, além dos mais importantes dentro do contexto das relações internacionais. © São os Estados, em suma, os sujeitos fundadores, primários e plenos do direito das gentes, já que só eles possuem uma subjetividade internacional per se sem quaisquer condições. © As coletividades interestatais são as entidades formadas por Estados para determinados fins e conhecidas pelo nome de Organizações Internacionais. Trata-se de entidades criadas por acordos constitutivos entre Estados com personalidade jurídica distinta da dos seus membros. © Diferentemente dos Estados, que podem sobreviver sem estar condicionados à existência de uma Constituição, por ser um aglomerado humano a viver em certa base territorial, sob determinada forma de regramento, as organizações internacionais não passam de uma realidade eminentemente jurídica, uma vez que, como destaca Rezek, “sua existência não encontra apoio senão no tratado constitutivo, cuja principal virtude não consiste, assim, em disciplinar-lhe o funcionamento, mas em haver-lhe dado vida, sem que nenhum elemento material preexistisse ao ato jurídico criador”. © “são sujeitos mediatos ou secundários” do Direito Internacional. Dentre as chamadas coletividades não estatais, as mais importantes, que trataremos de analisar, são: a) os beligerantes; b) os insurgentes; c) os movimentos de libertação nacional; e d) a Soberana Ordem Militar de Malta. a) Beligerantes: A beligerância ocorre quando, dentro do Estado, verifica-se uma sublevação da população, por meio de movimento armado politicamente organizado, para fins de desmembramento ou de mudança do governo ou do regime vigente, constituindo-se em verdadeira guerra civil. • Somente poderá ter lugar quando as facções sublevadas se mostrem suficientemente fortes para possuir e exercer, de facto, poderes similares aos exercidos pelo Estado contra o qual se rebelam. 16 Quando isso acontece, os governos dos demais membros da sociedade internacional podem conferirao grupo rebelado a qualidade de beligerante, atribuindo-lhe um status de igualdade jurídica com a ordem estatal (ou seja, com o próprio Estado). b) Insurgentes: A situação de insurgência ocorre nos casos de conflitos dentro do Estado – com a finalidade de modificação do sistema político vigente e reestruturação da ordem constitucional em vigor. • Não chegando a constituir uma guerra civil, diferentemente do que ocorre com a situação de beligerância. A pretensão do grupo insurgente também é a ascensão ao poder, com vistas à tomada do governo, momento a partir do qual nova personalidade jurídica de Direito Internacional seria constituída. • A insurgência normalmente ocorre em guerras internas, com lutas contra um regime colonialista ou lutas de libertação nacional, sem que ocorra o controle político de determinada área do território do Estado, tal como se dá nos casos de beligerância. A insurgência pode ter ainda motivos sociais, como o fim do racismo e da discriminação em dado território. c) Os movimentos de libertação nacional: A figura dos movimentos de libertação nacional começou a aparecer, dentro da ordem internacional, a partir de meados do século XX, quando do início do processo de descolonização da África, Ásia, Oceania e da região do Caribe. • A diferença dos movimentos de libertação nacional para outros sujeitos do Direito Internacional reside no fato de que aqueles que o integram não fazem parte do regime governamental contra o qual estão lutando. As pessoas que os integram são, na maioria das vezes, populações indígenas que lutam contra governos geralmente racistas ou contra ocupações estrangeiras ilegais. A personalidade jurídica internacional de tais movimentos dá-se em três âmbitos: no direito humanitário, no direito dos tratados e nas relações internacionais. d) A Soberana Ordem Militar de Malta: Desde então, a missão original de assistência hospitalar tem sido a sua principal atividade, a Ordem tem natureza de organização religiosa e, como tal, subordina-se à vontade da Santa Sé, que, por sua vez, está regulada pelo ordenamento canônico. Entendeu-se também que a Ordem, embora dependente em certos aspectos da Santa Sé, detinha a qualidade de sujeito do Direito Internacional. ❖ Ela funciona em estreita dependência da Santa Sé, não guardando qualquer semelhança com um Estado soberano. 23 Por fim, a imunidade de jurisdição que a Itália reconhece ao seu Grão-Mestre não deriva de obrigação internacional, mas sim de ato meramente interno do Estado italiano. ❖ Desde muito tempo discute-se a que categoria jurídica pertencem a chamada Santa Sé (cúpula do governo da Igreja Católica) e o Estado da Cidade do Vaticano (o menor de todos os Estados do mundo em extensão territorial). Além da indagação sobre a natureza jurídica de ambos, também se questiona quais as diferenças entre uma e outro, é dizer, entre a Santa Sé (também chamada de Sé Apostólica) e o Estado da Cidade do Vaticano. ❖ O Papa seja tanto o chefe de uma como do outro, a personalidade jurídica internacional da Igreja não é precisamente a mesma do Estado da Cidade do Vaticano. a) A Santa Sé: O reconhecimento da figura do Papa com a qualidade de Soberano perante as relações internacionais, à semelhança de qualquer chefe de Estado. Como consequência, a expressão de sua autoridade (chamada de Santa Sé) foi reconhecida como sujeito do Direito Internacional, mesmo não sendo tecnicamente um Estado. ✓ Não obstante ter a Santa Sé o seu governo sediado na Cidade Estado do Vaticano, ela não se acha limitada ao território deste; aliás, ela não se limita a território algum. ✓ Assim, o fato do reconhecimento da personalidade internacional da Santa Sé – sem dúvida, sui generis – é histórico, não tendo sido jamais contestado à luz do direito das gentes. ✓ O Papa, a um só tempo, Chefe da Igreja Católica (Santa Sé) e chefe de Estado (do Vaticano), o que finalmente ocorreu com a conclusão de dois documentos internacionais conhecidos por Tratados de Latrão, celebrados entre a Santa Sé e a Itália em 11 de fevereiro de 1929. ✓ Outorgou-se à Santa Sé soberania interna e autonomia externa (não obstante ter deixado às autoridades italianas a competência para a persecução em matéria penal). A partir daí, com o reconhecimento expresso da soberania internacional da Santa Sé, o Vaticano passou a pertencer à categoria jurídica de Estado. A submissão à jurisdição da Santa Sé de todas as pessoas que mantêm residência fixa na Cidade do Vaticano. Como se percebe, as relações entre a Santa Sé e o Vaticano têm natureza absolutamente sui generis. Foi precisamente nos Tratados de Latrão que esses dois atores – a Santa Sé e a Itália – com suas estipulações recíprocas, deram origem a esse novo sujeito: o Estado da Cidade do Vaticano, que pode ser considerado um Estado instrumental a serviço da Santa Sé. A Santa Sé, portanto, não é um elemento acima e fora do Estado, mas dele integrante, sendo o seu poder (ou chefia) espiritual, formando com o Estado um único ente jurídico. b) O Estado da Cidade do Vaticano: Diga-se, desde já, que o Estado da Cidade do Vaticano (criado pelos Tratados de Latrão de 1929) é de fato um Estado, e, como tal, pertence à sociedade internacional e intervém no seu funcionamento. A criação do Estado da Cidade do Vaticano serviu para devolver ao Papa o poder temporal que havia perdido e para dar base territorial à administração da Igreja Católica (Santa Sé). O Vaticano tem também sua Carta Magna, oficialmente chamada de Lei Fundamental do Estado da Cidade do Vaticano, com vinte artigos. Assim, aqueles que pertencem à população do Vaticano não perdem seu vínculo com o Estado patrial. O Estado da Cidade do Vaticano tem como forma de governo a monarquia absoluta, cujo chefe de Estado é o Sumo Pontífice, que detém a plenitude dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. O Estado da Cidade do Vaticano tem capacidade para celebrar tratados com outros Estados (e figurar nas relações internacionais, por meio do seu chefe de Estado, personificado na figura do Papa). Pela sua própria finalidade espiritual, o Estado do Vaticano não tem participação ativa nas chamadas grandes organizações internacionais, não tendo compartilhado da Liga das Nações e, atualmente, da ONU. c) A questão das concordatas. Os tratados concluídos com a Santa Sé, sobre matéria religiosa e que preveem aspectos da situação jurídica da Igreja Católica em cada país, são chamados de concordatas. Tais tratados reconhecem aos católicas situações ligadas à sua vida e atividade. A Igreja entende que dar o mesmo tratamento (é dizer, regular situações da vida e da atividade dos crentes) àqueles não católicos não é missão das concordatas, mas do Estado, por meio de leis ou acordos com outras confissões. • Para o direito das gentes interessa saber que sob o aspecto formal as concordatas são tratados internacionais stricto sensu, aos quais se aplicam os princípios gerais do Direito dos Tratados. • As concordatas são, portanto, tratados internacionais como quaisquer outros. • O termo “concordata” só deve ser utilizado quando o tratado versar sobre as relações entre a Igreja Católica e o Estado-parte. • A celebração das concordatas, no Brasil, deve ser considerada inconstitucional, ante a separação entre a Igreja e o Estado. 56 Por dispensarem aos cidadãos católicos um tratamento especial e mais vantajoso em relação aos demais membros da sociedade (não católicos), violam as concordatas os princípios constitucionais da liberdade de consciência e de crença. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) é uma organização de direito privado, independente e neutra, dotada de estatuto próprio, cuja finalidade é proporcionar proteção e assistência humanitária às vítimas da guerra e da violência armada. Sua sede é em Genebra (Suíça). Nasceu em 24 de junho de 1859 b) Funcionamento: O Comitê Internacional da Cruz Vermelhaé governado por uma Assembleia (instância suprema), pelo Conselho da Assembleia (um corpo subsidiário da Assembleia) e por uma Diretoria (corpo executivo). Ele opera em todo o mundo numa base estritamente neutral e imparcial para proteger e assistir as pessoas afetadas por conflitos armados ou por perturbações internas. O sinal distintivo da Cruz Vermelha é uma cruz desta cor em fundo branco, que é o inverso da bandeira suíça. c) Natureza jurídica: O CICV tem natureza jurídica controversa. Primeiramente, cabe salientar que a instituição é uma associação de direito privado regida pelos arts. 60 e seguintes do Código Civil Suíço. Ou seja, trata-se de uma organização não governamental sujeita às leis da Suíça, que por esse exato motivo não se enquadra na roupagem das organizações internacionais intergovernamentais. Daí parte da doutrina atribuir ao CICV a condição de “sujeito de Direito Internacional de caráter especial que pode relacionar-se diretamente com os Estados nas matérias abrangidas no seu campo específico de atividades”. A Cruz Vermelha uma projeção internacional plenamente reconhecida, mesmo não se tratando de uma organização internacional intergovernamental. Os indivíduos compõem o conceito contemporâneo de Direito Internacional Público, ao lado dos Estados e das organizações internacionais intergovernamentais. É certo que a capacidade dos indivíduos, no plano internacional, é limitada, o que não lhes retira a personalidade jurídica. Não são poucas as situações em que se presencia a responsabilidade dos indivíduos no plano internacional, principalmente no contexto dos crimes de guerra, crimes contra a paz e contra a humanidade. O que não se pode confundir é a personalidade jurídica de um ente com a capacidade que lhe assiste de ter (capacidade de gozo) ou de exercer direitos (capacidade de exercício). Dizer que os indivíduos têm personalidade jurídica internacional não significa atribuir-lhes capacidade equiparada a de um Estado (em primeiro plano) ou de uma organização internacional (em segundo plano). © O certo é que os indivíduos podem participar das relações internacionais tanto no polo ativo (por exemplo, peticionando para tribunais internacionais ou recebendo proteção diplomática do seu Estado) quanto no polo passivo (sendo internacionalmente responsabilizado por atos cometidos contra o Direito Internacional). © A eles impõem obrigações ditadas pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional de 1998. © O Tribunal de Nuremberg, instituído para julgar as atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial pelos nazistas, contribuiu para a formação dessa concepção quando deixou assente que: “Crimes contra o Direito Internacional são cometidos por indivíduos, não por entidades abstratas, e os preceitos de Direito Internacional fazem- se efetivos apenas com a condenação dos indivíduos que cometeram esses crimes”. a) crimes contra a paz (planejar, preparar, incitar ou contribuir para a guerra de agressão ou para a guerra, em violação aos tratados e acordos internacionais, ou participar de um plano comum ou conspiração para a realização das referidas ações): b) crimes de guerra (violações ao direito e ao direito costumeiro de guerra). c) crimes contra a humanidade (assassinato, extermínio, escravidão, deportação ou outro ato desumano cometido contra a população civil, antes ou durante a guerra, ou perseguições baseadas em critérios raciais, políticos e religiosos). O fato de “um acusado ter agido por ordem de seu governo ou de um superior” não a livraria de responsabilidade, o que reforça a concepção de que os indivíduos também são passíveis de responsabilização no âmbito internacional. ✓ “Quem cometer um crime da competência do Tribunal será considerado individualmente responsável e poderá ser punido de acordo com o presente Estatuto”. ✓ Assim é o caso da pirataria, proibida pela norma internacional (de origem costumeira). ✓ Quem a pratica são indivíduos (tripulantes do navio) e não os Estados, e mesmo assim o Direito Internacional autoriza a todos os Estados a capturar e punir os piratas, qualquer que seja a sua nacionalidade, em consagração ao princípio da jurisdição universal. “Qualquer que seja o meio social em que se aplique, o direito tem o mesmo fundamento, porque tem sempre o mesmo fim: ele visa somente o homem, e nada mais que o homem”. Para além dos sujeitos (formais) de Direito Internacional Público acima estudado, poder-seia indagar atualmente da existência de sujeitos não formais dessa mesma disciplina. Apesar de se situarem à margem do Direito Internacional formal, participam de modo não regulamentado da cena internacional, exercendo certa influência (positiva ou negativa) nas decisões da sociedade internacional relativamente à ação e tomada de posição em assuntos de interesse global. Podemos destacar dois desses pretensos sujeitos não formais de Direito Internacional Público: as empresas transnacionais e a mídia global. a) Empresas transnacionais. O impacto do fator econômico na vida da sociedade internacional tem, cada vez mais, feito aumentar as incertezas que rondam o conceito de soberania estatal, notadamente naquilo que se liga às grandes empresas transnacionais. ❖ Não se podem equiparar as empresas transnacionais às organizações internacionais intergovernamentais para o fim de atribuir-lhes os mesmos direitos que o Direito Internacional Público dispensa a estas últimas. Mas não se descarta que tais empresas, de alguma forma, participam da sociedade internacional na qualidade de atores (não de sujeitos formais) das relações internacionais. ❖ As empresas privadas transnacionais (de que é exemplos a Microsoft, a General Motors e a CocaCola) carecem de capacidade jurídica para concluir tratados e demais atos internacionais com os outros sujeitos conhecidos de direito das gentes. ❖ Continuarão a serem vedados a tais transnacionais os benefícios e privilégios inerentes à condição de sujeito (formal) de Direito Internacional Público, como a celebração de tratados internacionais, as imunidades de jurisdição, o acesso aos tribunais internacionais. b) A mídia global: Não é de hoje que se vem percebendo a influência da1 mídia na cena internacional e nas tomadas de decisão da sociedade internacional no que tange a diversos assuntos de interesse global apoiados pela opinião pública mundial. • Contudo, diferentemente das empresas transnacionais – que são empresas e tem um estatuto próprio –, a mídia (assim como a opinião pública) é algo ainda abstrato e despersonalizado.
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