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85 Lendo um quadro A arte é uma forma que o homem encontrou para marcar sua presença no mundo e fazer com que essa ação transforme sua interpretação do mundo. Dessa maneira, os objetos artísticos expressam a proposta de uma nova realidade e falam à nossa imaginação. A verdadeira arte não tem a intenção de mostrar o mundo como ele realmente é. Sua intenção, na verdade, é a de mostrar as coisas como o artista as interpreta, ou seja, como elas poderiam ser. Arte é um jogo. Portanto, o valor desse jogo não está em copiar a realidade, mas na representação simbó- lica que o artista faz do mundo. Essa é a razão de o fenômeno artístico ser tão importante. Usando a arte e fazendo dela o seu modo de revelar o mundo, o artista atribui significado às coisas que o cercam, modificando a sua realidade e transformando suas experiências em objetos simbólicos. Há séculos os críticos procuram definir o que é arte. Na sequência, veremos as tentativas de conceituação desse termo sob o ponto de vista de dois pensadores em diferentes momen- tos da história: “A arte é aquilo em que o mundo se transformará, não naquilo que o mundo é”(KRAUS apud BARELLI, 2001, p. 61). “A arte é a mentira que nos permite conhecer a ver- dade” (PICASSO apud BARELLI, 2001, p. 62). Ao criar, o artista parte da intuição e percor- re todo um caminho até finalizar sua obra. Esse caminho que o artista percorre passa pela capa- cidade que ele tem de transformar experiências pessoais, alimentá-las de criatividade e torná- -las visíveis para o espectador. É uma interação entre razão e sensibilidade com um ingrediente fundamental: liberdade de expressão. Já o observador faz um trajeto diferente, ele inicia seu conhecimento diante obra. Esse trajeto nem sempre é fácil, pois exige treinamen- to de sensibilidade, disposição para entender a obra e algum conhecimento de História e de História da Arte. Portanto, entender a cadeia de ferramentas de interpretação é importante para a fruição estética. Diante disso, o que você acha de fazermos algumas observações a importantes obras de arte da história da humanidade? Viajando em um quadro Para iniciarmos nossos estudos é neces- sário, em primeiro lugar, que se estabeleçam algumas distinções entre as várias modalidades de arte: arte figurativa, arte abstrata, arte mo- derna e arte contemporânea. Arte figurativa • : retrata um lugar, um objeto ou pessoa de forma que possam facilmente ser identificados. Essa forma de arte tem sua origem na expressão dos primeiros homens das cavernas e perdu- ra até nossos dias. Ela não se importa com a maneira de retratar; o essencial para ser reconhecida como arte figurativa é que seja possível reconhecer o objeto, seja uma mulher, uma árvore, um pássa- ro ou uma flor. Arte abstrata • : utiliza-se apenas de for- mas e cores, sem qualquer menção a objetos reais. O movimento abstrato foi um acontecimento inédito e pretendia mostrar que a arte não é apenas um pro- duto de concepção artística, mas sim um processo ativo de criação. As pinceladas fortes e manchas dos pintores abstracio- nistas serviam para mostrar sentimentos, e estes não podem ser figurados, na opinião dos artistas dessa época. Essa arte começou a ser produzida no início do século XX. O abstracionismo pode ser dividido em duas tendências: o expressivo e o geométrico. O abstra- cionismo expressivo inspirava-se no instinto, na intuição e no inconsciente para produzir uma arte imaginária ligada a uma “necessidade interior”. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 86 Arte moderna • : foi produzida a partir do final do século XIX e se estende durante o século XX. Os artistas modernos desafia- ram com violência as convenções da épo- ca e Paul Gauguin disse uma frase que pode ser entendida como porta-voz desse desejo: “quebrar as janelas velhas, ainda que cortemos os dedos nos vidros”. Essa frase mostrou-se como o coração da filosofia artística da Arte Moderna, ou seja, a rejeição ao passado e a busca incessante de liberdade de expressão. Os artistas desse período lutaram para serem libertos de servir a um mecenas e elegeram sua imaginação e sua vontade como única mandatária da expressão. D om ín io p úb lic o. Composição com Amarelo, Azul e Vermelho, 1937. Piet Mondrian. Londres, Tate Gallery. Óleo sobre tela. Um dos grandes artistas dessa tendência foi o russo Wassily Kandinsky (1866-1944). O abstracionismo geométrico, por outro lado, expressa uma racionalização, baseada na análise intelectual e científica do mundo. Um nome emblemático dessa linha foi o holandês Piet Mondrian (1872-1944). Muitos artistas foram considerados, por diferentes críticos, como sendo os primeiros a ter pintado um quadro abstrato, entretanto essa discussão não tem fim, pois não há como sabermos quem se tornou o primeiro a explorar essa nova forma de expressão. Apenas podemos indicar que o Movimento Abstracionista Geométrico foi o primeiro a mostrar uma visão de mundo por meio de cores e isso ocorreu por volta da primeira década do século XX. Já o Expressionismo Abstrato foi identificado pela primeira vez entre os anos 1940 e 1950. A seguir vemos duas obras desses artistas, com nomes similares, que demonstram a distinção dessas duas tendências da arte abstrata. D om ín io p úb lic o. Amarelo, Vermelho, Azul, 1925. Wassily Kandinsky. Paris, Centro Georges Pompidou. Óleo sobre tela. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 87 Arte contemporânea • : é a produção ar- tística dos últimos 40 anos que levanta questões ligadas à cultura contem- porânea. Todas as formas, todos os materiais e linguagens são permitidos nessa nova modalidade artística e se ex- pandem com velocidade incrível, criando um labirinto que muitas vezes confunde o espectador. Calcula-se que hoje em dia existam mais artistas estabelecidos trabalhando do que ao longo de todo o Renascimento, que durou mais de 300 anos. Estamos numa nova situação em que correntes dominantes não existem e a arte contemporânea é quase indefi- nível. Isso faz sentido no mundo em que vivemos que se mostra um mundo em constante mutação. Já sabemos que a arte é uma linguagem universal e que para apreciá-la é necessário certo grau de conhecimento. A partir desse mo- mento, vamos praticar a leitura de um quadro a partir de grandes obras de arte da história. Iremos aplicar alguns de nossos conhecimentos e descobrir, num exame mais detalhado, o que há de especial em alguns quadros. Dessa forma, pretendemos despertar emoções e mostrar um mundo novo que apenas as grandes obras de arte podem proporcionar. Existe uma grande diferença entre olhar uma obra de arte e senti-la. O que pretendemos propiciar a você é um compromisso rico e estimu- lante com a arte que lhe permita passar de um observador passivo para um debatedor animado com o mundo da arte. Vamos lá? O Barroco Espanhol até mesmo imperfeita e extravagante. Alguns estudiosos chegavam a considerar o estilo Barroco como a decadência do Renasci- mento. A origem da palavra Barroco: pérola imperfeita A origem dessa palavra até hoje é incer- ta, mas acredita-se que [...] seu significado, “pérola de formato irregular”, tenha tido inicialmente uma conotação negativa. Os críticos de arte começaram a usar esse termo para se referir a uma arte que muitos consideravam exagerada em suas formas, Esse movimento artístico foi muito influen- ciado pela Igreja, pois a dinastia espanhola dos Habsburgo era muito religiosa. Os reis Filipe II, Filipe III e Filipe IV eram detentores do poder na Espanha em torno do século XVI e mantinham uma ortodoxia religiosa que perseguia com a Inquisição1 qualquer outra forma de religião. As obras do Barroco espanhol retratavam, além da religião, os interiores dos palácios, cenas mitológicas e naturezas mortas, entretanto havia visivelmente um componente de devoçãoreligiosa no clima de seus quadros. Diego Velázquez (1599-1660) foi profun- damente influenciado por Caravaggio, mas prontamente conseguiu impor um estilo próprio com domínio da luz, segurança de formas e composição, criando sua própria ambientação. Velázquez serviu à corte dos Habsburgo, mas não se limitou a glorificar o rei. Conseguiu criar um grau de amizade com o rei Filipe IV e foi re- compensado com a facilidade de retratar uma atmosfera de intimidade dentro do palácio. O quadro que vemos a seguir, As Meninas é um verdadeiro documento de uma época. Esse quadro mede 318 x 276cm e foi pintado em 1656. Nessa época, mostrar a vida palaciana e os modos dos que rodeavam o rei e seus des- cendentes era uma prática usual. Atualmente, esse quadro se encontra no importante Museu do Prado, em Madri, capital da Espanha, e está protegido por um vidro à prova de bala, por se tratar de um tesouro. Vamos ver alguns detalhes dessa obra que mostra uma cena íntima da corte do século XVII e é uma das mais importantes da história da arte. 1 A Inquisição foi instituída pela Igreja Católica no auge da Idade Média como forma de conter a diversidade de credos. Os que não apoiavam a Igreja eram implacavelmente perseguidos e os inte- lectuais eram as maiores vítimas. Não se admitia pesquisas reli- giosas ou especulações científicas. São exemplos de estudiosos perseguidos Giordano Bruno e Copérnico. Muitos acusados eram condenados por causarem desde terremotos até doenças. As penas variavam entre perda dos bens, prisão ou pena de morte. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 88 D om ín io p úb lic o. As Meninas, 1656. Diego Velázquez. Madrid, Museu do Prado. Óleo sobre tela. Ao centro vemos a princesinha Margarida Teresa rodeada por suas aias2, um tutor, a pa- jem, uma anã e um cão. No reflexo do espelho, ao fundo, estão o rei e a rainha observando a cena. Essa obra foi pintada nos aposentos de verão do rei. Ao lado esquerdo vemos um autorretrato do próprio Velázquez concentrado a pintar uma enorme tela. Em seu peito vemos uma grande cruz vermelha que significa que ele foi condeco- rado com a Ordem de Santiago dos Cavaleiros da Corte. A variedade de luzes desse quadro é enorme: vemos a luz saindo diretamente de uma janela à direita do quadro, outra luz que atravessa a porta ao fundo e ainda uma penumbra dentro da pró- pria ambientação do quadro. As diversas formas de luz criam vários contrastes de cores, luzes e sombras que vão de delicadas velaturas até for- tes pinceladas de tinta que permitem fazer a cor brilhar em pontos claros nas roupas da princesa, das aias e na manga do pintor. As cores quentes supõem um clima palaciano de movimento e ca- lor. Inicialmente podemos ver que esse quadro 2 Aia: encarregada doméstica da educação de crianças nobres. (FERREIRA, 1999, p.78). é composto por uma paleta de pouquíssimas cores. Sua prioridade é retratar o ambiente em tons entre o branco, cinza e negro. Entretanto, a beleza das cores está nos detalhes. O que faz com que essas cores tenham um grande valor é terem sido colocadas em pontos importantes e na quantidade certa. Veja que os vermelhos são colocados em detalhes de roupas em pontos fundamentais da composi- ção do quadro: o peito de Velázquez, o peito da princesa, os punhos da princesa e da aia, uma cortina refletida no espelho, no entando, a maior concentração da cor está no canto direito inferior da tela, no vestido da criança. Essa habilidade de colocar no lugar certo a quantidade certa de cor é uma das grandes qualidades desse grande mestre da pintura. O historiador da arte Ernest Gombrich fez uma análise desse quadro que vale a pena expor para finalizar nossa análise: O que significa exatamente tudo isso? É possível que nunca saibamos, mas eu gostaria de imaginar que Velázquez fixou um momento real de tempo muito antes da invenção da câmera fotográfica. Talvez a princesa tenha sido trazida à presença de seus régios pais a fim de aliviar o tédio da longa pose do quadro, e o rei ou a rainha comentasse com Velázquez que ali estava uma tema digno do seu pincel. As palavras proferidas pelo soberano são sempre tratadas como uma ordem, e, assim, é provável que devamos essa obra-prima a um desejo passageiro que somente Velázquez seria capaz de converter em realidade. (GOMBRICH, 1999, p. 408) Magritte e o Movimento Surrealista O pintor belga René Magritte (1898-1967) foi um dos seguidores do Surrealismo, mas sua poética foi também influenciada por pintores metafísicos como de Chirico. Ele gostava de flertar com duplos sentidos e sua arte exem- plifica a tendência dos pintores surrealistas de brincar com a dualidade de interpretações. Ele iniciou sua carreira como pintor comercial desenhando papéis de parede para decoração e até desenho de moda. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 89 dadaísmo e surrealismo Durante a I Guerra Mundial alguns ar- tistas exilados na Suíça fundaram um mo- vimento artístico que refletia a descrença em valores que eram incapazes de evitar a grande destruição a que assistiam. Esse mo- vimento foi chamado de Dadá, palavra que significava na linguagem infantil “cavalo”. Os dadaístas pretendiam fazer uma arte liberta dos pensamentos racionais e se apoia- vam na difusão dos estudos de Freud que chamavam a atenção para o Inconsciente. Essa arte sugeria composições psíquicas, combinava elementos ao acaso e propiciou o surgimento do Surrealismo. Essas obras nada devem à razão, à moral ou a qualquer regra. Para os surrealistas as obras de arte são resultado de manifestações absurdas e ilógicas como sonhos e alucinações. Magritte, como seguidor do Surrealismo, não era apenas contrário à racionalidade; havia em suas obras uma calculada libertação que levava a um resultado extremamente criativo que vinha diretamente de sua imaginação. Entretanto, para ele, a pintura não deve se confundir com algum aspecto do mundo, com alguma coisa palpável. Em um prefácio escrito para sua exposição em Dallas, nos EUA, em 1961, Magritte dizia que não se deve tomar o desenho de um pão com geleia como algo comestível, pois a imagem pintada deve evocar um mistério. Esse é o espírito do quadro desse artista que estudaremos agora: ele se chama Isto não é um Cachimbo. D om ín io p úb lic o. A Traição das Imagens, 1928-1929. René Magritte. Museu de Arte de Los Angeles. Leia o texto a seguir do filósofo Michel Foucault (1988, p. 19) que fala da ambiguidade dessa imagem: “O desenho de Magritte é tão simples quanto uma página tomada de um ma- nual de botânica: uma figura e um texto que a nomeia. Nada mais fácil de reconhecer que um cachimbo desenhado como aquele [...]”. O que ocorre, segundo ele, é que logo depois vem a contradição de um texto escrito logo abaixo da imagem: “Isto não é um cachimbo”. O filósofo se diz desconcertado ao relacionar o texto ao desenho e era exatamente isso o que o pintor desejava, ou seja, romper com a racionalidade e causar essa espécie de desconforto. Na citação a seguir você pode constatar nas palavras de Gombrich uma outra análise da obra de Magritte. Ouvimos que quando o pintor belga René Magritte (1898-1967) viu pela primeira vez uma reprodução de sua pintura sentiu, como escreveu depois, “que ela representava uma completa ruptura com os hábitos mentais de artistas que são prisioneiros do talento, do virtuosismo e de todas as pequenas especiali- dades estéticas: era uma nova visão...” Ele seguiu essa direção ao longo da maior parte de sua vida, e muitas de suas imagens oníricas, pintadas com meticulosa precisão e exibidas com títulos confusos, são memoráveis porque inexplicáveis.”(GOMBRICH, 1999, p. 590) Ao evocar o inconsciente em suas obras, o pintor surrealista procurava criar uma arte que simbolizasse um potencial oculto. Melhor dizen- do, o Surrealismoqueria ir além do realismo, buscando o bizarro para expressar verdades ocultas. Magritte usava escancaradamente téc- nicas ilusionistas e realistas para apresentar alucinações que desafiavam o senso comum. Colocando objetos cotidianos em situações incríveis, transformava-os em seu contexto e os levava a uma visão irreal que transcendia a lógica e os tornava inexplicáveis. Vincent Van Gogh Entrar em contato com a pintura de Van Gogh é estar diante de uma obra apaixonante. Esse artista se empenhou até as suas últimas forças para recriar a beleza da natureza por meio das cores e da força de suas pinceladas. Foi aos 27 anos que Vincent Van Gogh (1853–1890) decidiu tornar-se pintor Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 90 depois de inúmeras tentativas de encontrar uma profissão que lhe trouxesse alguma satisfação. Sua vida foi turbulenta e permeada por uma busca incessante por reconhecimento. Nascido na Holanda, ele foi contemporâneo de muitos mestres da pintura. Entretanto, foi um artista extremamente solitário. Sua única tentativa de aproximação com seus pares foi com Paul Gauguin3, experiência que lhe deixou profundas marcas emocionais e acabou levando-o à loucura. Sua primeira fase relaciona-se com sua antiga profissão de pastor religioso, quando observava os mineiros e trabalhadores sofridos de sua época. Sua pintura era permeada por tons escuros e seus personagens sombrios eram frequentemente iluminados apenas por uma luz de lampião. Depois de vários conflitos pessoais ele seguiu para Paris, onde teve contato com as cores do movimento Impressionista e isso foi decisivo para sua nova maneira de pintar. Foi então que o pintor reduziu os detalhes de seus quadros, eliminou os tons escuros e inundou seus quadros de luz. Em 1888, foi para Arles e passou a pintar ao ar livre. O Sol intenso da região que escolheu para morar interferiu definitivamente na luz de suas obras. O artista tornou-se, então, um colorista como nenhum outro. Na época em que pintou o quadro que veremos a seguir, Trigal com Corvos, em 1890 (50cm x1m), Van Gogh pintou mais de 80 telas em três meses. Ele estava se recuperando de uma crise nervosa que o colocou internado numa clínica psiquiátrica. A representação turbulenta do campo de trigo pode ser interpretada como sinal de sua confusão interior. Em julho do mesmo ano, Van Gogh se suicidou, deixando uma quantidade incrível de trabalhos: mais de 800 pinturas e 1 800 desenhos e gravuras. D om ín io p úb lic o. Trigal com Corvos, 1890. Vincent Van Gogh. Amsterdã, Museu Van Gogh. Óleo sobre tela. As pinceladas da tela Trigal com Corvos são aplicadas lado a lado sem se misturarem, elas apenas servem de instrumento para modelar a paisagem. O fundo da paisagem mostra um céu revolto num conjunto de cores frias que vão de um azul-cinzento até um azul-marinho. Existe um grande contraste entre o amarelo do campo e o azul do céu, o fundo perturbado sugere a instabilidade emocional do artista. As poucas cores que se pode identificar no quadro fora o azul e amarelo estão em primeiro plano em verdes ácidos, vermelhos terra e negros que representam os corvos. A natureza atinge a alma de Van Gogh de maneira ameaçadora, mas ele se torna senhor da rebeldia dos ventos e mostra seu poder diante dessa força ao domar sua representação com pincéis e tintas. Van Gogh observava 3 Paul Gauguin (1848-1903) era um homem desprovido de humildade, começou a pintar tarde, pois antes se tornou um próspero corre- tor da Bolsa de Valores. Autodidata, abandonou a Europa e foi morar nas ilhas dos Mares do Sul, onde produziu suas mais importantes obras. Em 1888, Gauguin foi ver Van Gogh em Arles e o temperamento forte de ambos levou Van Gogh à mais grave de suas crises nervosas, quando num acesso de fúria decepou a própria orelha. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 91 a vida e a pintava da maneira que a sentia, o que é uma das características dos pintores do Movi- mento Pós-Impressionista. O brasileiro Candido Portinari Portinari nasceu em Brodósqui, São Paulo, em 1903 e é o artista brasileiro mais conhecido do Movimento Modernista, que surgiu durante a Semana de Arte Moderna. Portinari dedicou sua vida integralmente à pintura e sua carreira ini- ciou quando foi convidado por artistas italianos a ajudar a pintar o teto da igreja de sua cidade. Como tinha apenas nove anos, sua tarefa foi pintar as estrelas. Aos 16 anos mudou-se para o Rio de Janeiro para estudar na Escola Nacional de Belas-Artes. Lá se destacou como aluno e ganhou como prêmio uma viagem à Europa no ano de 1929. A Semana de Arte Moderna provocou agitação no meio artístico brasileiro. Poucos artistas tiveram a coragem de aderir a esse movimento que tinha como característica expor e valorizar a cultura brasileira. Faziam parte desse grupo: Ismael Nery, Cícero Dias, Bruno Giorgi e Candido Portinari. A Semana aconteceu em 1922 no Teatro Municipal de São Paulo. A experiência não foi bem rece- bida pela elite intelectual paulista que era simpatizante das estéticas conservadoras europeias. Na pintura, destacou-se Anita Malfatti, que realizou a primeira exposição modernista em 1917. Suas obras eram influenciadas pelo Cubismo e Futurismo e escandalizaram a sociedade da época. Monteiro Lobato não poupou críticas à jovem pintora e foi justamente essa atitude do inte- lectual que provocou a união dos artistas que culminou na Semana de Arte Moderna. que enfatizavam a temática social. Participou de inúmeras exposições no Brasil e exterior, sempre com sucesso de vendas e crítica. Em virtude desse sucesso e das encomendas, principal- mente para prédios públicos, Portinari trabalhava incessantemente e sofreu envenenamento por tintas, falecendo em virtude disso em 1962. A obra de Portinari que iremos analisar trata- -se de As Lavadeiras, pintada a óleo em 1944. Na tela, vemos duas mulheres lavando roupa. São figuras rudes, representadas com mãos desproporcionais e com certa deformação. O olhar baixo das lavadeiras não nos permite avis- tar suas expressões, mas o ambiente ao redor delas revela suas condições de vida. Vemos recipientes de água, uma pilha de roupa suja e, na mesma medida de importância, vemos a figura de um menino raquítico, o que remete às crianças subnutridas e enfermas que vemos nas tragédias humanas. D om ín io p úb lic o. As Lavadeiras, 1944. Candido Portinari. Belo Horizonte, Coleção particular. Óleo sobre tela. As cores do quadro variam entre um branco sujo, tons de terra com uma leve mistura de azuis que dão o tom frio à obra. A obra de Portinari tem uma ligação profunda com o povo e com os traba- lhadores em geral e está vinculada ao lado social que o artista sempre se propôs a abordar. Suas obras podem ser lidas como símbolo do trabalho árduo do povo brasileiro e mostra inquietações desses atores sociais: suas telas são sobre a fome, a miséria e a seca nordestina. Quando voltou ao Brasil, Portinari trouxe inspiração dos grandes artistas europeus como Picasso, Cézanne e Matisse. O artista foi logo reconhecido como grande talento, conheceu a notoriedade e foi contratado para pintar murais Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 92 Turner e as paisagens românticas do movimento romântico As pinturas de paisagem são uma das ca- racterísticas da arte do século XIX. A França e a Alemanha foram grandes forças desse movimen- to que surpreendeu pela consciência de um novo olhar para a natureza. A sensibilidade especial pela expressão romântica nas paisagens tem seu auge nas telas de Joseph Mallord William Turner (1775-1851). Filho de um barbeiro pobre de Londres, Turner faltava às aulas para ficar na barbearia de seu pai fazendo esboços dos clientes. Aos 12 anos já vendia suas primeiras aquarelas e aos 15 teve sua primeira exposiçãona Academia Real. Suas primeiras obras eram carregadas de uma atmosfera sóbria e expunham uma sensa- ção dramática. Turner teve influência de um gru- po de aquarelistas com quem conviveu durante uma época. Eles estudavam juntos uma arte baseada na atmosfera e na topografia. Depois de estudar essas técnicas, decidiu libertar-se de seus mestres e desenvolveu uma lingua- gem particular, que tinha especial liberdade de expressão. Essa liberdade, entretanto, é fruto das técnicas aquarelísticas transportadas para as pinturas a óleo. Suas telas são vibrantes e inundadas de luz na sua fase mais importante. A luz agita-se na tela branca e projeta sombras que tornam o movimento das tintas fascinante. As guerras de Napoleão que terminaram em 1812 permitiram a Turner iniciar uma longa jornada pela Europa e foi principalmente na Itália que ele conheceu a maior influência que assinalou sua última fase, a mais importante de sua carreira. Barco a Vapor numa Tempestade de Neve, a obra que vemos a seguir, é justamente dessa época. Pintada em 1842 e medindo 91 x 122 cm. é uma tela que apresenta uma imagem fre- nética de uma tempestade no mar. A neve que dá força a essa tempestade tem uma opacidade que não deixa de ter certo peso e juntamente com as nuvens densas mostram a agitação e a fúria das águas. Ela deixa o espectador diante de um realismo assustador. D om ín io p úb lic o. Barco a Vapor em Tempestade de Neve, 1842. William Turner. Londres, Tate Gallery. Óleo sobre tela. A luz de Turner é o que se mostra mais en- volvente e forte em sua pintura e domina seu tra- balho até sua velhice. No quadro que analisamos, vemos o amor pela dramatização da natureza e o caráter poético de suas obras. Nessa tela, vemos pontos dourados e não se sabe onde inicia o céu e onde começa o mar. Não há profundidade, mas há espaço e movimento. A impressão que nos transmite é de força intensa do poder da natu- reza e Turner fez o mundo se incendiar pintando paisagens inundadas de cor e magia. Normalmente Turner preparava suas telas com uma grossa camada de tinta branca para dar maior textura à tela. Sobre essa superfície aplicava camadas transparentes de cor produ- zindo uma sensação de que a luz vinha do fundo do quadro. À medida que o tempo passava suas telas iam ficando cada vez mais abstratas e ele já tentava fazer com que apenas a cor falasse em suas obras. No final de sua vida, suas telas quase abstratas não agradaram à crítica e ao público e Turner passou a pintar pessoas dentro das paisagens para torná-las um pouco mais compreensíveis. Suas telas foram atacadas e consideradas incompletas. Seus últimos traba- lhos eram uma antecipação da Arte Moderna e foram isolados e escondidos dos conhecidos. Ele rejeitou altos preços e vendeu apenas pintu- ras que ele considerava de segunda linha. Dizem que em seu leito de morte, Turner pediu que fosse levado perto da janela para que morresse observando o pôr do sol. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 93 Para saber mais A mais violenta crítica à exposição de Anita Malfatti, uma das mais importantes artistas mo- dernistas do Brasil, foi a de Monteiro Lobato, publicada em dezembro de 1917, no jornal O Estado de S.Paulo intitulada: “Paranoia ou mistificação?”. Veja um trecho do original no texto a seguir e no endereço que segue você terá acesso ao texto integral. Paranoia ou mistificação (MONTEIRO LOBATO, 2009) Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que veem normalmente as coisas e em consequência disso fazem arte pura, guardando os eternos ritmos da vida, e adotados para a concretização das emo- ções estéticas, os processos clássicos dos grandes mestres. [...] A outra espécie é formada pelos que veem anormalmente a natureza, e inter- pretam-na à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva. [...] De há muito já que a estudam os psiquia- tras em seus tratados, documentando-se nos inúmeros desenhos que ornam as paredes internas dos manicômios. A única diferença reside em que nos manicômios esta arte é sin- cera, produto ilógico de cérebros transtornados pelas mais estranhas psicoses; e fora deles, nas exposições públicas, zabumbadas pela im- prensa e absorvidas por americanos malucos, não há sinceridade nenhuma, nem nenhuma lógica, sendo mistificação pura. [...] Estas considerações são provocadas pela exposição da Sra. Malfatti, onde se notam acentuadíssimas tendências para uma atitude estética forçada no sentido das extravagâncias de Picasso e companhia. [...] Há de ter essa artista ouvido numerosos elogios à sua nova atitude estética. Há de irritar-lhe os ouvidos, como descortês imper- tinência, esta voz sincera que vem quebrar a harmonia de um coro de lisonjas. Entretanto, se refletir um bocado, verá que a lisonja mata e a sinceridade salva. O verdadeiro amigo de um artista não é aquele que o entontece de louvores e sim o que lhe dá uma opinião sincera, embora dura, e lhe traduz chãmente, sem reservas, o que todos pensam dele por detrás. [...] Dos seus apologistas sim, porque tam- bém eles pensam deste modo... por trás. Dicas de estudo Se em sua cidade existem instituições culturais ou museus, vale a pena visitá-los. Os que não têm acesso a esses lugares, podem encontrar a seguir os endereços de sites dos mais importantes museus do Brasil e do mundo. Escolha um deles e analise uma obra de arte usando os conhecimentos que você adquiriu. Com certeza você perceberá seu progresso. Museus no mundo Alemanha: <www.smb.spk-berlin.de> Canadá: <www.national.gallery.ca> China: <www.chinapage.com> Estados Unidos: <www.artic.edu> Israel: <www.imj.org.il> Suécia: <www.nationalmuseum.se> Museus no Brasil Rio de Janeiro: <www.visualnet.com.br/ cmaya/> São Paulo: <www.masp.art.br> Exercícios de aplicação As três pinturas a seguir são obras dos artis-1. tas apresentados neste capítulo. A partir da observação das mesmas, identifique seus autores e sua principal característica. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 94 D om ín io p úb lic o. Tableau 2, 1922. Museu Nova York, Girassóis, 1888. Museu Amsterdam. D om ín io p úb lic o. Reprodução proibida (Retrato de Edward James), 1937. Roterdã, Museu Boijmans Van Beuningen. D om ín io p úb lic o. A pintura a seguir foi a última obra de Ma-2. nabu Mabe (1924–1997), um dos pioneiros da arte abstrata no Brasil. Tem 20 metros quadrados e pode ser vista na Fortaleza da Barra Grande de Santos, São Paulo. Agrega, com a liberdade do abstracionismo, elementos culturais relativos à ambientação do forte e à cultura regional. Entre as duas tendências da arte abstrata estudadas, a obra de Manabu Mabe poderia ser associa- da a qual delas? D om ín io p úb lic o. Vento Vermelho, 1997. Manabu Mabe. Fortaleza da Barra Grande de Santos. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 95 Gabarito Exercícios de aplicação A primeira obra é de Piet Mondrian (1872-1. 1944), representante do abstracionismo ge- ométrico, que expressa uma racionalização, baseada na análise intelectual e científica do mundo. A segunda é de Vincent Van Gogh (1853-1890), que recriava a beleza da natu- reza por meio das cores e da força de suas pinceladas. A terceira é de René Magritte (1898-1967), e exemplifica a tendência dos pintores surrealistas de brincar com a dualidade de interpretações. Ao 2. abstracionismo expressivo, do russo Wassily Kandinsky. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 96 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br
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