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Livro do professor Livro didático Do real ao surreal 16 Caindo na real 2 4 3 8o. ano Volume 2 Arte © Sh ut te rst oc k/ ho bb it 2 1. Você conhece a expressão “cair na real”? Qual o significado dela? 2. De que modo uma obra artística pode ampliar a sua visão da realidade? 3 • Se você olhar atentamente, essa janela apa- rentemente banal pode se tornar bastante misteriosa. Pintada por René Magritte, ela nos faz pensar sobre o que é a realidade e como podemos nos enganar sobre ela MAGRITTE, René. A chave dos campos. 1936. 1 óleo sobre tela, 80 cm × 60 cm. Museu Thyssen-Bornemisza, Madri, Espanha. Encaminhamento da atividade.1 Aula 1 © M us eu Th ys se n- Bo rn em isz a, M ad ri Caindo na real 3 • Refletir sobre como o cotidiano pode ser re- tratado pela arte. • Estudar dois movimentos que apresentam ele- mentos em comum: o Realismo e o Naturalismo. Objetivos Com uma linguagem direta – feito uma pedrada na janela –, existem artistas que, além de emocionar ou divertir, fazem o público “cair na real” em relação a algum assunto do cotidiano até então despercebido por muitos. ApreciArte Note essa intenção nas músicas Caso comum de trânsito, lançada em 1977 pelo cantor de Música Popular Brasileira (MPB) Belchior, e Pânico na Zona Sul, composta pelo grupo de rap Racionais MC’s, em 1990. Escute-as e acompanhe alguns trechos das letras a seguir. Encaminhamento da atividade.2 Faz tempo que ninguém canta uma canção falando [...] das coisas que acontecem todo dia, em nosso tempo e lugar. [...] – [...] Meu melhor amigo foi atropelado, voltando para casa. Caso comum de trânsito [...] BELCHIOR. Caso comum de trânsito. Intérprete: Belchior. In: BELCHIOR. Coração selvagem. São Paulo: Warner/WEA, p. 1977. 1 LP. Faixa 4 (2 min 57 s). [...] Justiceiros são chamados por eles mesmos Matam, humilham e dão tiros a esmo E a polícia não demonstra sequer vontade De resolver ou apurar a verdade Pois simplesmente é conveniente E por que ajudariam se nos julgam delin- quentes E as ocorrências prosseguem sem proble- ma nenhum Continua-se o pânico na Zona Sul. [...] Racionais vão contar A realidade das ruas [...] Não somos donos da verdade Porém não mentimos Sentimos a necessidade de uma melhoria A nossa filosofia é sempre transmitir A realidade em si [destaque do autor] Racionais MC’s [...] • Membros dos Racionais MC’s, grupo criado em 1988 e um dos mais influentes do rap nacional Do que trata cada uma das músicas? O que as letras têm em comum? Compartilhe suas ideias com a turma e o professor. Encaminhamento da atividade.3 BROWN, Mano. Pânico na Zona Sul. Intérprete: Racionais MC’s. In: RACIONAIS MC’S. Holocausto urbano. São Paulo: Zimbabwe, p. 1990. 1 CD. Faixa 1 (4 min 34 s). • Nascido no Ceará, o cantor e compositor Belchior é um dos grandes nomes da MPB © Fli ck r.c om /F ab io D ut ra © Fo lh ap re ss /A dr ia no V izo ni • Aprender como a fotografia afeta as Artes visuais. • Atuar em uma cena seguindo as dicas de um mestre russo do teatro. O trabalho cotidiano de pessoas simples, por exemplo, foi um dos temas recorrentes desse movimento. Por mui- tos séculos, os camponeses costuma- vam ser representados de modo rude e caricato. Porém, a partir do Realismo, eles ganharam um retrato mais fiel e digno. Observe o quadro As respiga- deiras, do francês Jean-François Millet (1814-1875). Parece com a vida real Muito antes de Belchior e do grupo Racionais MC’s, alguns pintores europeus, no século XIX, também tentaram transmitir em suas obras “a realidade em si”, mostrando as coisas que aconteciam “todo dia”, em seu “tempo e lugar”. Eles fizeram parte do movimento artístico conhecido como Realismo. Por influência do crescente desenvolvimento da ciência e da indústria na Europa, os artistas realistas olhavam para o mundo com mais objetividade, isto é, de maneira menos passional ou idealista. Mais atentos a fatos concretos, eles deixavam de lado temas mitológicos, históricos e religiosos. Aulas de 2 a 5 Aprofundamento teórico.4 passional: de forma intensa e apaixonada. DicionArte Jean-François Millet retrata mulheres que recolhem espigas no campo. A imagem é próxima da realidade observada pelo pintor e assim não apresenta exageros: não é dramática, não procura ser extraordinariamente bela, nem ridiculariza suas figuras. MILLET, Jean-François. As respigadeiras. 1857. 1 óleo sobre tela, 83,5 cm × 110 cm. Museu d’Orsay, Paris. Encaminhamento da atividade.5 Atividades Converse com seus colegas sobre o que a rea- lidade significa para cada um de vocês. Depois, escolha uma das opções a seguir. 1. Desenhe a sua ideia do que é a realidade. 2. Faça uma letra de música sobre a realidade. 3. Escreva um poema livre de regras sobre a rea- lidade. 4. Pinte uma imagem abstrata do que a realida- de significa para você. Compartilhe a sua criação com a turma. Para as próximas aulas, estude um(a) artista que usou a realidade como tema na sua arte, fo cando sobre o que o(a) levou a se expressar dessa forma. Monte uma composição com imagens, pala- vras recortadas, desenhadas ou pintadas, obje- tos (como brinco, colar, bottom, etc.) e repro- duções de obras de arte que tenham alguma relação com a sua realidade. Organize os itens à sua maneira, colando-os ou anexando-os em algo como uma velha calça, um mural, etc.). Apresente suas peças para a comunidade, explicando-as. © M us eu d ’O rs ay , P ar is 8o. ano – Volume 24 O Realismo, portanto, diferenciou-se de outros dois gêneros que dominavam o século XIX: o Neoclas- sicismo, que era inspirado em elementos de um passado clássico grego e romano, e o Romantismo, que valorizava a emoção, a imaginação e a criatividade. Gustave Courbet (1819-1877) Nascido na cidade francesa de Ornans, Courbet se tor- nou um dos artistas mais conhecidos do Realismo. Em 1855, ele usou o nome do movimento para batizar uma exposição individual. Em um texto explicativo dessa mos- tra, ele afirmava que tinha estudado a obra de artistas antigos e modernos, mas não com o intuito de imitá-los. Seu objetivo era adquirir conhecimento e ser capaz de traduzir os costumes e as ideias do seu tempo, seguindo sua própria individualidade. DAVID, Jacques-Louis. O juramento dos Horácios. 1784. 1 óleo sobre tela, 3,30 m × 4,25 m. Museu do Louvre, Paris. FUSELI, Henri. O pesadelo. 1781. 1 óleo sobre tela, 95 cm × 75 cm. Instituto de artes de Detroit, Estados Unidos. À esquerda, um típico quadro do Neoclassicismo: O juramento dos Horácios, de Jacques-Louis David, inspirado em uma antiga história romana. Abaixo, uma pintura emblemática do Romantismo: O pesadelo, de Henry Fuseli. O quadro parece uma imagem de sonho ao retratar uma mulher que dorme com um demônio sobre o peito. • Gustave Courbet é um dos pintores mais im- portantes do Realismo © M us eu d o Lo uv re , P ar is © In st itu to d e ar te s d e De tro it, D et ro it © W ik im ed ia C om m on s/ Et ie nn e Ca rja t Arte 5 Observe estes quadros de Courbet. Note que eles são inspirados em situações que ele via no cotidiano. ApreciArte Encaminhamento da atividade.6 COURBET, Gustave. Os quebradores de pedra. 1849. 1 óleo sobre tela, 165 cm × 257 cm. Stadtmuseum, Dresden, Alemanha. Ao ver dois trabalhadores quebrando pedras na beira da estrada, Courbet decidiu criar um quadro que retratasse essa cena. Sobre a obra, ele declarou: “Não inventei nada. Todos os dias, ao fazer minhas caminhadas, via as pessoas miseráveis desse quadro”. COURBET, Gustave. Enterro em Ornans. [1849 ou 1850]. 1 óleo sobre tela, 315 cm × 668 cm. Museu d’Orsay, Paris, França. Em Enterro em Ornans, Courbet mostra, em detalhes, a cena de um funeral realizado na sua cidade natal. É possível ver uma cova aberta, um padre rezando, um cachorro e mulheres cobrindo o nariz, provavelmente para evitar o cheiro ruim do cemitério. Ao ser exposto em Paris, muitos criticaram a falta de beleza dessa imagemenorme: a pintura tem mais de seis metros de largura e três de altura. O tamanho provocava estranhamento. Naquela época, apenas episódios consagrados da história ganhavam quadros de grandes dimensões e aquela era só uma cena do enterro de uma pessoa comum. As figuras retratadas foram inspiradas em pessoas reais de Ornans e em familiares do artista. © St ad tm us eu m , D re sd en © M us eu d ’O rs ay , P ar is 8o. ano – Volume 26 O século XIX foi marcado pela invenção da fotografia. Com isso, muitos fotógrafos começam a fazer retratos, paisagens e outras imagens que antes eram produzi- das apenas por pintores. Nesse clima de concorrência entre dois tipos de técnicas, também surgiram novas discussões sobre a representação da realidade e as possíveis finalidades da arte. Sobre o assunto, existem várias per- guntas que até hoje fazem pensar. Encaminhamento da atividade.7 Troca de ideiasTroca de ideias • Se, com o auxílio de uma máquina, as imagens do mundo podem ser reproduzidas com maior fidelida- de à realidade, por que um pintor deveria tentar fazer o mesmo que um fotógrafo? • Existem coisas que só uma pintura pode mostrar? • E o que só uma foto é capaz de mostrar? Compartilhe suas ideias com a turma e o professor sobre cada uma dessas questões. Para muitos críticos, a fotografia só passou a ser considerada arte no início do século XX. Esta imagem de 1907, fotografada pelo estadunidense Alfred Stieglitz (1864-1946), é uma das que alcançaram esse status. Ela mostra a separação de passageiros em um navio. Na parte de cima, estão pessoas que podem pagar por mais conforto na primeira classe. Na parte de baixo do deck do navio, em meio à maquinaria, encontram-se os viajantes da terceira classe. STIEGLITZ, Alfred. The Steerage. 1907. 1 fotografia, 33,5 cm x 26,5 cm. Museu Whitney, Nova Iorque, Estados Unidos. Foto e pintura sem rivalidade Sem dar bola para críticos que não reconheciam a fotografia como arte e não apreciavam sua influência na pintura, muitos artistas passaram a usar as fotos a serviço de suas criações. Courbet foi um deles. Ele se baseou em uma foto para pintar uma mulher no centro de uma famosa tela: O ateliê do artista (1855). Assim como Courbet, até hoje há artistas que usam imagens fotográficas para auxiliar em suas criações. O artista Raul Zito, por exemplo, mistura fotografia e pintura em grandes murais que cola pela cidade de São Paulo. Embasamento teórico.8 © M us eu W hi tn ey , N ov a Io rq ue Arte 7 Os temas dessas colagens estão relacionados a diversas questões que o artista retirou da realidade do país, como os hábitos alimentares das populações, o duro cotidiano dos trabalhadores e a influência da mitologia africana na cultura brasileira. Geralmente, Raul Zito recorta as imagens fotografadas e complementa com a tinta, misturando as duas técnicas. Essas colagens impressionam justamente pela sobreposição do realismo da fotografia à gestuali- dade e expressividade da pintura. Na série Carne, o artista propõe uma reflexão sobre a relação das pessoas com a carne, percebida por ele como símbolo de consumo e de voracidade. Na série Trabalhadores, Raul Zito incentiva as pessoas a se sensibilizarem com a difícil realidade de muitos trabalhadores. © Ra ul Z ito © Ra ul Z ito 8o. ano – Volume 28 Detalhes que podem enganar Na arte realista, é interessante refletir sobre os detalhes do mundo concreto que são destacados ou omitidos pelo artista. Pense nos murais de Raul Zito: ele expõe a realidade das pessoas retratadas por meio de fotografias em preto e branco. Porém, ao uni-las aos graffitis de tintas coloridas, propõe ao espectador um olhar ampliado e poético sobre essa realidade. Por outro lado, existem artistas que detalham ao extremo suas obras, simulando ainda mais a realidade. Observe a imagem a seguir, da obra Gumball XV. Para você, ela é uma fotografia ou uma pintura? Nela, o artista estadunidense Charles Bell (1935-1996) disfarça tão bem suas pinceladas e recria com tanta minúcia a imagem de uma máquina de chicletes que seu quadro mais parece uma fotografia. Por isso, esse estilo de pintura, surgido no fim da década de 1960, nos Estados Unidos, é chamado de fotorrealismo ou hiper-realismo. Para produzir essa imagem, Bell primeiro preparou uma máquina de chicletes, organizando esses doces e outros objetos até criar uma composição que lhe interessasse. Depois, fotografou essa imagem, que lhe serviu de base para a pintura. Orientação didática.9 BELL, Charles. Gumball XV. 1983. 1 óleo sobre tela, 226 cm × 115 cm. Galeria Louis K. Meisel, Nova Iorque, Estados Unidos. • Gumball XV reproduz reflexos e transparências com tantos detalhes que a pintura mais parece uma foto- grafia de uma máquina de chicletes © Ga le ria L ou is K. M ei se l, N ov a Io rq ue Arte 9 Objetividade Romantismo Realismo Fotografia Neoclassicismo Fotorrealismo Objetividade Neoclassicismo Fotorrealismo Gustave Courbet Tempo Esta imagem definitivamente não é uma pintura de Charles Bell! A fotomontagem serve para você recordar alguns dos principais conceitos estudados até o momento. Em alguns dos chicletes, há um termo que deve ser usado para preencher as lacunas a seguir. Organize as ideias Os artistas do ____________________ olhavam para o mundo com mais ____________________, isto é, de maneira menos passional ou idealista. Esse movimento se diferenciou do ____________________ – inspirado em elementos de um passado clássico grego e romano – e do ____________________ – que valorizava a emoção, a imaginação e a criatividade. Autor de quadros como Enterro em Ornans e Os quebradores de pedra, _______________________ se tornou um dos artistas mais conhecidos do Realismo. Segundo ele, seu objetivo era ser capaz de traduzir os costumes e as ideias do seu ______________________. A _______________________ é usada desde o século XIX a serviço de pintores e desenhistas. Com esse recurso, no gênero do _______________________, surgido no fim da década de 1960, um artista cria uma pintura tão detalhada que pode até ser confundida com uma foto. Um palco ou um açougue? No teatro do século XIX, na Europa, vários artistas também adotaram ideias do Realismo. Temas e ques- tões do cotidiano se transformavam em peças e alguns diretores foram tão detalhistas ao incorporar ele- mentos do dia a dia em seus espetáculos, que causaram espanto no público. Ao dirigir, em 1888, em Paris, uma peça intitulada Os açougueiros, o francês André Antoine (1858-1943) pendurou carne fresca no palco para melhor caracterizar um açougue. Até então, o habitual era criar uma carne cenográfica, isto é, falsa, mas que parecesse verdadeira. Realismo objetividade Neoclassicismo Romantismo Gustave Courbet tempo fotografia Fotorrealismo Aulas de 6 a 8 Aprofundamento do conteúdo.10 O diretor teatral André Antoine inovou, no fim do século XIX, na Europa, ao colocar pedaços reais de carne na cena da peça Os açougueiros. ©S hu tte rs to ck /A la et tin Y IL DI RI M ©Sh utte rsto ck/J oe B elan ger 8o. ano – Volume 210 Essa apropriação radical de elementos da realidade, promovida por Antoine, é reflexo de outro movi- mento artístico que se desenvolvia em paralelo ao Realismo, chamado Naturalismo. Neste gênero, os artistas lidavam com questões do cotidiano de uma maneira ainda mais crua e direta. Além de usarem cenários os mais verdadeiros possíveis, a língua falada no palco tentava reproduzir o jeito como as pessoas falavam no dia a dia. Os atores se comportavam o tempo todo como se fossem de fato os personagens representados e assim fingiam que o teatro não era teatro, mas a própria realidade. No meio do caminho tem uma parede No Naturalismo, os atores não se dirigiam diretamente ao público. Afinal, se ainda fizessem isso, seria um sinal de que eles reconheciam que estavam em um teatro. Para criar a ilusão de que a cena era real, os atores passaram a agircomo se estivessem sozinhos em seu próprio mundo. Assim, imaginavam que havia uma quarta parede no cenário, separando-os dos espectadores. Com essa justificativa, os atores podiam até dizer um texto de costas para a plateia, algo que até então não era comum. Esse recurso é muito usado até hoje em várias peças. Há casos em que essa convenção é seguida na maior parte do tempo, porém, em algum momento, o ator intencionalmente quebra a parede imaginá- ria. Ao se dirigir ao público e chamar sua atenção, o artista destaca que a ficção não é real. A expressão “quarta parede” se refere a uma separação imaginária entre o mundo dos personagens em cena e o público. Em uma apresentação naturalista, os atores se comportam como se o público não existisse. Quarta parede Ra qs on u. 2 01 8. D ig ita l. Arte 11 Chega de atores ruins! O ator e diretor russo Constantin Stanislavski (1863-1938), assim como o francês André Antoine, de- sejava transmitir uma maior sensação de realidade no palco. Para obter isso, ele acreditava que a arte do ator também precisava ser aprimorada. Stanislavski se incomodava com as interpretações exageradas e repletas de clichês (estereótipos, luga- res-comuns) de muitos atores. Ao mesmo tempo, naquela época, até os grandes intérpretes eram incons- tantes em suas apresentações. Em um dia, atuavam bem, no outro, podiam estar péssimos. A função do diretor na história do teatro passou a ganhar mais importância com o trabalho de André Antoine em sua companhia Teatro Livre, em Paris. Graças ao trabalho desenvolvido por André Antoi- ne com sua companhia Teatro Livre, fundada em 1887, a função do diretor ganhou uma nova importância. Esse artista, também chamado de encenador, passou a ser responsável pela unidade e coerência de um espetácu- lo. O público começou a se interessar por uma peça não só pela participação de grandes atores, como acontecia antes, mas pelo estilo marcante do seu diretor. Foi no fim do século XIX que se popularizou a ideia de que o conjunto de elementos de uma peça, como cenário, figurinos, iluminação, som e interpretação, deve estar a serviço de um objetivo da montagem, estipula- do pelo diretor. Também se tornou comum a noção de que cada peça necessita de criações originais. Antes, era normal reaproveitar materiais de espetáculos prévios e alguns intérpretes não se importavam de usar figurinos que não tinham relação alguma com a realidade do seu novo personagem. Um teatro com a cara do diretor Aprofundamento do conteúdo.11 Cena da peça O submundo, em 1902, no Teatro de arte de Moscou. Sentado sobre a mesa está o ator e diretor Constantin Stanislavski, que revolucionou a arte teatral com seus ensinamentos aos atores. © W ik im ed ia C om m on s/ Éd ou ar d St eb bi ng © W ik im ed ia C om m on s/ Pu bl ish ed b y Br en ta no ’s, N Y, 19 22 8o. ano – Volume 212 Que tal fazer uma cena teatral usando alguns dos conselhos de Stanislavski? Primeiro, a turma vai se organizar em pares. As duplas irão preparar uma cena de até cinco minutos, que será apresentada para os demais. O texto a ser decorado é simples e a cena se chama “O encontro”. A: Oi. A: Tudo bem? A: Tudo bem. A: Tchau. B: Oi. B: Tudo, e você? B: Então, tchau. Uma cena possível Imagine que o ator A entra em cena caminhando com o corpo muito leve, como se estivesse flu- tuando. Ele caminha com certa dificuldade e olha para o local ao seu redor com bastante atenção. Ele então encontra B, que se movimenta como um animal estranho e fala seu texto com um sotaque mais estranho ainda. Tudo isso são ações. Ao serem expressas, elas podem mostrar ao público que essa cena acontece em outro planeta e é o encontro de um astronauta com um extraterrestre! Como também era professor, Stanislavski desenvolveu, ao longo de sua carreira, um sistema de ensino para oferecer treinamento, estudo e disciplina a novos atores. Nesse processo, o ator era estimulado a se compor- tar de fato como um artista criador, capaz de dominar seu desempenho do começo ao fim. Ele não era mais alguém que apenas obedecia a instruções de um diretor e declamava um texto escrito por um dramaturgo. Os ensinamentos de Stanislavski foram registrados em livros e até hoje influenciam artistas no mundo todo. Dicas de um mestre russo Na concepção de uma cena, o desafio está na criação e na representação de personagens envolvi- dos em uma situação que desperte a atenção do público. Para Stanislavski, ao representar, o ator deve aproveitar suas experiências de vida, seu controle men- tal e corporal e sua imaginação para compor um conjunto de ações físicas. Tais ações precisam ser coerentes com uma dramaturgia e com um objetivo da montagem. Por meio de ações controladas, um ator pode atingir também suas emoções. Com todo esse trabalho de ator, até mesmo um diálogo aparentemente banal pode ganhar vários sentidos, surpreendendo os espectadores. Atividades Encaminhamento da atividade.12 Ra qs on u. 2 01 8. D ig ita l. 13 Hora de estudo Leia a seguir um texto sobre o dramaturgo russo Anton Tchekhov, que trabalhou em parceria com Stanislavski. 1. Quem é o seu personagem e qual é a história de vida dele? Invente um nome, uma idade, uma profissão e, especialmente, alguns detalhes que lhe pareçam interessantes. Esse persona- gem tem um tipo físico marcante? Seus movimentos são rápidos ou lentos? Na criação do seu papel, você pode usar características de pessoas que você conhece na realidade! 2. Defina se os personagens da cena já se conheciam antes – nesse caso, como era essa relação? – ou se eles irão se encontrar pela primeira vez. 3. O que cada um estava fazendo antes desse encontro e o que acontecerá com cada um depois disso? O público não saberá dessas informações, mas elas ajudam a dar mais comple- xidade aos personagens. 4. Em que tempo se passa o encontro? Em que país e cidade? Quais objetos e paisagens ima- ginárias compõem o lugar? Como vocês podem se comportar para mostrar um pouco desse local ao público? 5. Quais são os desejos dos personagens ao longo da cena? Por trás de cada palavra, crie um o subtexto, isto é, outra intenção que não é dita literalmente, mas que está presente. Por exemplo: se os personagens forem dois inimigos, quando um diz “Oi”, no fundo ele pode estar dizendo algo como: “Você vai se arrepender de ter mexido comigo!”. 6. Preste atenção no seu companheiro de cena. Afinal, é por meio do contato entre vocês que o público será capaz de imaginar algo. Cada ator depende do outro para fazer uma ação, seja dizer um texto ou realizar um movimento. Seja uma situação fantástica ou cotidiana, segundo Stanislavski, se os atores estiverem concentrados em ações bem definidas e acreditarem no que estão fazendo, a cena pode transmitir uma sensa- ção de verdade para o público. Roteiro criativo Antes da apresentação, cada dupla tem um tempo para elaborar a cena e fazer experimentações práticas. A seguir, há uma lista com questões e sugestões que podem estimular a sua imaginação e a sua criatividade. Faça suas anotações no diário de bordo. Embasamento teórico.13 Já imaginou recortar o nariz do dramaturgo Anton Tchekhov nessa pintura e substituí- -lo por um nariz de verdade? BRAZ, Osip. Retrato de Anton Tchekhov. 1898. 1 óleo sobre tela, 80 cm × 102 cm. Galeria Estatal Tretyakov, Moscou, Rússia. © Ga le ria E st at al Tr et ya ko v, M os co u Fo to s: © Ga le ria E st at al Tr et ya ko v, M os co u e © Sh ut er st oc k/ Ta la j 8o. ano – Volume 214 Cuidado para não perder a noção – e o nariz! Médico e escritor russo, Anton Tchekhov (1860-1904) também escreveu para o teatro. A monta- gem de A Gaivota, pelo Teatro de Arte de Moscou (TAM), em 1898, foi seu primeiro sucesso como dramaturgo. O espetáculo mostrava a vida repleta de frustrações e mesquinharias de uma família pertencente à burguesia e foi dirigido por Stanislavski. Apesar de reconhecer o talento artísticode Stanislavski, Tchekhov se incomodava com alguns posicionamentos do diretor. Extremamente detalhista, ele incluía inúmeros efeitos no palco para gerar uma ilusão de verdade. Na sonoplastia das peças, Stanislavski criava paisagens sonoras minuciosas. Até a sensação de silên- cio era realçada com o uso de sons de grilos e sapos, que se remetem a ambientes tranquilos, livres de barulho humano. Por conta disso, foi criada até uma anedota. Para evitar futuros exageros de Stanislavski, Tchekhov teria afirmado que escreveria uma nova peça. Nela, um personagem diria: “Como é maravilhosamente tranquilo aqui, não se ouve um pássaro cantando, nenhum cachorro latindo, nenhuma coruja piando, nenhum rouxinol cantando, nenhum relógio batendo, nenhum sino tocando e nem mesmo um grilo cricrilando”. Em relação a outros excessos, como a busca desenfreada por figurinos e objetos reais – a ponto de certas peças históricas parecerem uma exposição de museu –, Tchekhov escreveu certa vez: “O palco é arte. Pegue um bom retrato, corte-lhe o nariz e introduza no buraco um nariz verdadeiro. O efeito será real, mas o quadro estará estragado”. Com base nesse texto e em seus conhecimentos sobre o Realismo e o Naturalismo, assinale com V as alternativas verdadeiras e com F as falsas. ( V ) Para Tchekhov, a estratégia do Naturalismo de se apoderar de elementos da realidade nem sem- pre gera uma obra de arte. ( F ) Diretor de várias peças de Tchekhov, Stanislavski criou um sistema de formação de atores, que hoje é totalmente superado. ( F ) No teatro ou no cinema, é impossível romper a “quarta parede”, que se popularizou com o Na- turalismo. Afinal, os atores e espectadores estão separados em mundos diferentes. ( F ) Nas Artes visuais, os artistas que se inspiram na realidade sempre foram contra o uso da fotogra- fia como recurso para a criação de pinturas e desenhos. Afinal, a câmera é um equipamento que pode ser usado por qualquer um e, portanto, não é um elemento artístico. ( V ) Por mais que se baseie na realidade, um artista sempre seleciona os detalhes do mundo concreto que serão destacados, manipulados ou omitidos em sua obra. Assim, é possível dizer que um artista nunca mostra a realidade de fato. Ele revela a sua visão particular da realidade. burguesia: classe social em que as pessoas vivem em uma condição econômica confortável e não trabalham como operários ou camponeses. sonoplastia: efeitos sonoros presentes em uma peça. paisagens sonoras: conjuntos de sons ouvidos em um ambiente. anedota: pequena história engraçada. DicionArte Falsa. O aluno já foi informado anteriormente de que o sistema de Stanislavksi influencia atores até hoje. aproveitou uma foto para criar uma figura de seu quadro O ateliê do artista. Os alunos viram também que, mais recentemente, Falsa. Já foi mencionado aos alunos que, para quebrar a quarta parede, basta que o ator se dirija diretamente ao público. Falsa. Gustave Courbet artistas como o estadunidense Charles Bell e o brasileiro Raul Zito também usaram a fotografia para produzir seus trabalhos. 15 4 1. Imagine um leão escondido em um guarda-roupa. Você acha que isso poderia realmente acontecer? 2. Já tinha ouvido a palavra “surreal”? Se sim, em que contexto? 3. O que esse termo significa para você? Do real ao surreal Aula 1 Encaminhamento da atividade.1 ento da atividade. M on ta ge m : A ng el a Gi se li, 20 18 . D ig ita l. F ot os :© Sh ut te rs to ck /u rfi n/ Er ic Is se le e/ Al l A bo ut S pa ce el i, 2 01 8. D ig ita l. F ot os el i2 01 8. Di gi ta l.F ot os :© Sh ut te rs to ck /u rfi n/ Er ic Iss se le e/ Al l A bo ut S pa ce 16 Objetivos • Comparar como o Realismo e o Surrealismo dialogam com a realidade. • Compreender como os sonhos podem contribuir para as criações artísticas. • Aprender que é possível fazer arte com materiais inusitados, como geleia e calda de chocolate. • Produzir uma obra usando os métodos desenvolvidos pelos surrealistas. O Surrealismo é um movimento artístico que se desenvolveu em Paris, logo após a Primeira Guerra Mundial, em torno da figura do escritor francês André Breton (1896-1966). O movimento cruzou a fronteira de diversos países, como o México, influenciando a artista Frida Kahlo (1907-1954). Ela o define da seguinte forma: “Surrealismo é a surpresa mágica de encontrar um leão num guarda- -roupa, onde tínhamos a certeza que encontraríamos camisas”. KETTENMANN, Andrea. Frida Kahlo: dor e paixão. Köln: Taschen, 2006. capa. Aprofundamento do conteúdo.2 Troca de ideiasTroca de ideias Você se lembra de algum sonho curioso que teve? Se sim, anote-o em seu diário de bordo. Caso não se recorde, esteja atento a eles esta noite, seguindo os procedimentos a seguir. 1. Quando estiver deitado, antes de dormir, imagine-se passando por um portal que o levará ao seu mun- do dos sonhos. 2. Deixe o diário e uma caneta ao lado de sua cabeceira. A maioria dos sonhos é rapidamente esquecida – se não completamente, pelo menos muitos de seus detalhes. Por isso, assim que acordar, transcreva-os para o papel. 3. Não se preocupe se não se lembrar de todo o sonho. Você pode registrar apenas uma cena ou um tre- cho que chamou mais a sua atenção. Uma vez que todos estejam com seus sonhos devidamente registrados no diário de bordo, comparti- lhe-os com os colegas, observando qual deles foi o mais curioso. Aprofundamento do conteúdo e encaminhamento da atividade. 3 Mundo dos sonhos as . a. Chegar em casa e encontrar um leão escondido no guarda-roupa é algo muito improvável, não é mesmo? O normal é abrirmos a porta e darmos de cara com nossas camisetas e calças penduradas. Entretanto, no universo da arte e dos sonhos, coisas surpreendentes podem acontecer. © Sh ut er st oc k/ Er ic Is se le e 17 O Surrealismo reuniu artistas de diversas linguagens, como a poesia, o cinema, o teatro e a fotografia. Entre os artistas visuais, podemos citar os espanhóis Joan Miró (1893-1983) e Salvador Dalí (1904-1989), o belga René Magritte (1898-1967) e o alemão Max Ernst (1891-1976). Eles aproveitavam-se justamente do material proveniente dos sonhos para criar suas obras, retratando um sonho propriamente dito ou recons- truindo suas condições aparentemente sem sentido. Aulas de 2 a 4 Encaminhamento da atividade.4 Embasamento teórico.5 Embasamento teórico.6 MIRÓ, Joan. O carnaval de Arlequim. [1924 ou 1925]. 1 óleo sobre tela, 66 cm x 93 cm. Galeria de Arte Albright-Knox, Nova Iorque, Estados Unidos. Alguns sonhos de Joan Miró inspiraram a produção desse quadro, com pequenos seres fantásticos comemorando um carnaval. Observar as próprias sensações também fazia parte de seu processo criativo: “Como é que encontrava todas as minhas ideias para quadros? Pois bem, à noite, já tarde, voltava ao meu atelier na Rue Blomet e deitava-me, às vezes, sem sequer ter jantado. Tinha sensações que anotava no meu caderno. Via aparecer formas no teto...”. DALÍ, Salvador. A persistência da memória. 1931. 1 óleo sobre tela, 24,1 cm x 33 cm. Museu de Arte Moderna, Nova Iorque, Estados Unidos. Neste quadro, os relógios “moles” vêm de um sonho que Salvador Dalí teve com queijo camembert se derretendo. Ele dizia que os apressados gostam especialmente deste quadro, por ver amolecida a imagem do relógio, que de forma impiedosa registra a passagem do tempo. A figura estranha, ao centro do quadro, seria um retrato do próprio Dalí (observe o olho, o nariz, a sobrancelha). Seus grandes cílios podem ser interpretados como um estado de sono, tão caro aos surrealistas. Mais à frente, é possível ver formigas sobre o relógio laranja e uma única mosca sobre o relógio azul. Dalí não gostava de insetos e muitas vezes os inseria em suas obras como símbolo de algo podre. A paisagem ao fundo assemelha-se ao litoral ao norte de Barcelona, onde viveu o artista. ApreciArte © Al br ig ht -K no x Ar t G al le ry , N ov a Io rq ue © M useu d e Ar te M od er na , N ov a Io rq ue 8o. ano – Volume 218 Embasamento teórico.8 Embasamento teórico.7 Esse quadro faz parte das paisagens oníricas de Max Ernst. A portinha de madeira é um objeto à parte, fixado na tela. Na parte de baixo do quadro, está escrito, em francês, seu título: Duas crianças são ameaçadas por um rouxinol. ERNST, Max. Duas crianças são ameaçadas por um rouxinol. 1924. 1 óleo sobre madeira e elementos de madeira, 69,8 cm x 57 cm x 11,4 cm. Museu de Arte Moderna, Nova Iorque, Estados Unidos. Quem nunca quis ter mais braços para dar conta de várias tarefas ao mesmo tempo? Neste autorretrato, Magritte realiza, de alguma forma, esse desejo. Sua obra não se interessa em reproduzir a realidade como ela é, mas busca tratar de seus mistérios. Ele dizia: “Eu faço uso da pintura para tornar os pensamentos visíveis”. MAGRITTE, René. O mago. 1952. 1 óleo sobre tela, 34 cm x 45 cm. Galeria Brachot, Bruxelas. © Ga le ria Is y Br ac ho t, Br ux el as © M us eu d e Ar te M od er na , N ov a Io rq ue Arte 19 • Colagens de Max Ernst. Na imagem da direita, ele usa recortes de uma revista de crochê no lugar das engrenagens ERNST, Max. [Sem título]. [ca. 1920]. 1 colagem, guache e lápis, 23,4 cm x 17,7 cm. Coleção particular. ERNST, Max. Senhora hospedeira das frioleiras, padroeira dos alemães, o teu domínio é a indústria a anatomia a paleontologia concede-nos pequenas alegrias. 1920. 1 colagem, guache e aquarela sobre papel. 25 cm x 31,5 cm. Staatsgalerie, Stuttgart, Alemanha. frioleira: 1. acontecimento sem importância; 2. tipo de renda. gramatura: valor que representa o peso, em gramas, de uma folha de papel com um metro quadrado. DicionArte Que tal fazer como os surrealis- tas e criar um desenho inspirado em um sonho? Recupere as suas anotações no diário de bordo e escolha algo para retratar. Pode ser uma cena, um personagem ou mesmo vários elementos do so- nho sobrepostos. Comece selecionando seus ma- teriais. Você pode utilizar grafi- te, lápis de cor, canetinha, giz de cera, giz pastel, carvão, aquarela ou o que mais tiver à mão. Use uma cartolina ou papel de maior gramatura como suporte para seu desenho. Ele pode ser colori- do ou preto e branco. É possível até mesmo incrementá-lo com re- cortes de revistas, realizando uma colagem, técnica que também era utilizada pelos surrealistas. Atividades Encaminhamento da atividade.9 © St aa ts ga le rie ,S tu ttg ar t © Fo to ar en a/ ak g- im ag es /A lb um 8o. ano – Volume 220 Esse procedimento foi adotado por Breton e Soupault para produzir o livro Os campos magnéticos – considerado a primeira obra surrealista. Dura realidade Breton e seus amigos poetas Philippe Soupault (1897-1990), Louis Aragon (1897-1982), Paul Éluard (1895-1952) e Benjamin Péret (1899-1959) haviam sido convocados para a Primeira Guerra Mundial e viram de perto a morte e a destruição, frutos da “razão” ocidental. A criação do movimento surrealista era uma alternativa a um modo estritamente racional de ver o mundo – que havia dado muito errado, na percepção deles. Era também uma forma de lidar com o estado geral de desesperança em que todos se encontravam após o conflito mundial. Um meio de enxergar além da realidade, um tipo de “super-realismo”. Eles tinham como principal objetivo produzir obras que não seguissem o fluxo do pensamento a que estamos acostumados em nosso dia a dia. Não estavam interessados em algo que “fizesse sentido”, mas em revelar aspectos de nossa personalidade que não conhecemos ou controlamos. Para isso, além do trabalho com os sonhos, usavam técnicas como a escrita automática. Vamos experimentar? Embasamento teórico.10 Atividades Durante cinco minutos, escreva em seu diário de bordo tudo que vier à sua mente, sem nenhum tipo de censura. Não pare para pensar, apenas escreva. O professor irá orientá-lo sobre quando co- meçar e finalizar o trabalho. Quando terminar, troque seu texto com um colega para leitura. Compartilhe com a turma como foi realizar essa experiência. Encaminhamento da atividade.11 Embasamento teórico.12 © Fo to ar en a/ Al am y • Surrealistas em montagem fotográfica. À frente, na bici- cleta, está Aragon; no canto, à direita, Breton. Feira de Montmartre, Paris Arte 21 Geleia atinge a tela Os artistas visuais André Masson (1896-1987) e Joan Miró adotavam técnicas semelhantes a essa para seus trabalhos, produzindo desenhos e pinturas automáticas. Começava-se com um traço qualquer no papel, para somente depois identificar uma possível continuidade do desenho. No caso da pintura, Masson costumava praticá-la usando areia. Ele jogava, aleatoriamente, pingos de cola sobre uma folha de papel. Depois, deixava cair areia sobre eles, formando algumas manchas. As ima- gens formadas pela areia serviam, então, como ponto de partida para a sua pintura. Observe uma delas, chamada A batalha dos peixes. Tente identificar as manchas de areia. MUNIZ, Vik. Mona Lisa dupla [a partir de Warhol]. 1999. 1 geleia e manteiga de amendoim – cópia fotográfica por oxidação de corantes, 122 cm x 152,4 cm. • Trabalho de Vik Muniz usa geleia e manteiga de amendoim como matérias-primas Troca de ideiasTroca de ideias Qual o efeito de utilizar geleia e manteiga de amendoim para recriar a Mona Lisa? Converse com seus colegas. Encaminhamento da atividade.15 Aprofundamento do conteúdo e sugestão de atividade. 13 Sugestão de atividade e embasamento teórico. 14 Aulas 5 e 6 MASSON, André. A batalha dos peixes. 1926. 1 areia, gesso, óleo, lápis e carvão sobre tela, 36,2 cm x 73 cm. Museu de Arte Moderna, Nova Iorque, Estados Unidos. Joan Miró foi ainda mais longe. Iniciou uma pintura a partir de gotas de geleia que teriam atingido sua tela. Isso parece bem estranho, não é mesmo? Mas um artista brasileiro de nossa época, o paulista Vik Muniz (1961-), fez um quadro todo usando geleia e outro de manteiga de amen- doim. Observe ao lado. © M us eu d e Ar te M od er na , N ov a Io rq ue 8o. ano – Volume 222 Retorne às obras de Vik Muniz e observe-as com calma. Sua percepção mudou quando você soube que elas foram feitas com geleia de frutas, manteiga de amendoim e calda de chocolate? Você, em algum momento, sentiu vontade de comê-las ou outra sensação ligada ao paladar? Comente com os colegas e o professor. E o artista não parou por aí. Ele usou calda de chocolate para retratar uma grande personalidade do sécu- lo XX, o médico austríaco Sigmund Freud (1856-1939), pai da psicanálise (que estuda a psique humana, ou estrutura mental humana). Leia o que ele diz sobre sua “tinta” comestível. MUNIZ, Vik. Sigmund Freud. 1997. 1 cópia por oxidação de corantes, 96,5 cm × 76,2 cm. Galeria James Harrys, Seattle, Estados Unidos. Decidi trabalhar com chocolate porque ele tinha algo a ver com o sentimento da pintura. [...] Eu nunca conheci uma pes- soa que não gostasse de chocolate. Freud provavelmente po- deria explicar por que todo mundo adora chocolate. Por isso o adotei como primeiro tema. [...] Normalmente demora uma hora para que o chocolate comece secar e apenas alguns poucos minutos para ele derreter sob o calor de uma lâmpada. Eu preciso correr muito e às vezes o ateliê fica muito bagunçado. [Excerto da entrevista de Charles Ashley Stainback com Vik Muniz – Ver para Crer.] ANJOS, Moacir dos. Uma ética da ilusão. In: ELKINS, James; ANJOS, Moacir dos; RICE, Shelley. Vik Muniz: obra incompleta. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 2004. p. 177. Troca de ideiasTroca de ideias Vik Muniz teve a ideia de trabalhar com alimentos em suas obras quando foi almoçar em um restaurante chinês. Ao ver as belas fotos dos pratos, imaginou, sem querer, o seu sabor. Então, de alguma forma, buscou adicionar o sentido do paladar aos seus trabalhos artísticos – até então apenas visuais –, como uma manei- ra de ampliar suas camadas de significação. Você consegue se imaginar produzindo umdesenho ou uma pintura usando algo de comer como matéria-prima? O que seria? Quem ou que situação retrataria? Experimente criar sua obra e registre o re- sultado em seu diário de bordo! Arte coletiva Os estudos de Freud influenciaram profundamente os surrealistas, que buscavam uma arte ligada ao inconsciente. O interesse pelos sonhos e o uso da escrita e do desenho automático, muito adotado pelos artistas, veio do universo da psicanálise. Outra forma de fazer “o maravilhoso” (como os surrealistas chamavam o inconsciente) vir à tona era criar obras em parce- ria. O livro Os campos magnéticos, por exemplo, foi criado em colaboração por Breton e Soupault. Para as criações coletivas, era comum o uso de jogos criativos, como o “Cadáver delica- do”. Vamos experimentá-lo? Embasamento teórico.16 Texto complementar.17 inconsciente: para Freud, é uma parte de nosso ser que influencia nosso comportamento, mesmo sem termos consciência. Os sonhos são um exemplo de manifestação desse inconsciente. DicionArte © Ja m es H ar ry s G al le ry , S ea ttl e Arte 23 2. Cada um de vocês desenhará a parte do corpo descrita na folha (que não precisa ser uma imitação da realidade. Aliás, é melhor que não seja!). Uma cabeça, se você for o pri- meiro, por exemplo. 3. Depois, dobre a folha, escondendo seu de- senho e deixando o próximo espaço em bran- co para que o colega ao seu lado desenhe. 4. Quando os quatro colegas tiverem deixado sua contribuição, desdobrem a folha e vejam com o que se parece o “cadáver delicado” de vocês! A propósito, você consegue imaginar por que o jogo recebeu esse nome? Ele é fruto de uma das frases formadas pelos surrealistas! Nesse caso, cada um escrevia uma palavra, e o resul- tado foi: “O cadáver delicado beberá do vinho novo”. KAHLO, Frida. O sonho ou A cama. 1940. 1 óleo sobre tela, 74 cm x 98,5 cm. Coleção Selma e Nesuhi Ertegun, Nova Iorque, Estados Unidos. CADÁVER delicado. [1926 ou 1927]. Caneta e tinta nanquim, lápis e carvão sobre papel, 36,2 cm x 22,9 cm. Museu de Arte Moderna, Nova Iorque, Estados Unidos. Atividades Cadáver delicado Encaminhamento da atividade.18 Leitura complementar. 19 Formigueiro brota da palma da mão Além das Artes visuais e da Literatura, o Surrealismo teve adeptos no cinema. Seu maior representante é o espanhol naturalizado me- xicano Luis Buñuel (1900-1983). No início da carreira, ele e Salvador Dalí foram grandes parceiros, chegando a dirigir um filme juntos. Aulas 7 e 8 Texto complementar.20 • Em um de seus filmes, Buñuel apresenta um formigueiro brotando da palma da mão de um homem. É ou não é surreal? Texto 1. Reúna-se com três colegas. Peguem uma fo- lha de papel e dobrem-na em quatro partes como uma sanfona. 2. Começando pelo topo da folha, escreva uma frase qualquer, sem que ninguém a veja. 3. Assim que escrevê-la, esconda-a, dobrando a folha e deixando o próximo espaço em bran- co disponível para o colega ao seu lado, que também deixará uma frase. 4. O processo continua até que todos os espa- ços da folha estejam preenchidos. 5. Ao final, desdobrem a folha e leiam o texto surrealista que vocês acabaram de criar! Desenho 1. Ainda em grupo, recortem a folha do mate- rial de apoio, dobrando-a nos locais indicados. © Co le çã o Se lm a e Ne su hi E rte gu n, N ov a Io rq ue © M us eu d e Ar te M od er na , N ov a Io rq ue © Fo to ar en a/ Al bu m /B un el -D al i 8o. ano – Volume 224 Uma surrealista que pintava a vida real Assim como Buñuel, a pintora Frida Kahlo viveu na Cidade do México e atraiu a atenção dos surrealistas. Leia o que disse Breton, em 1938, ao conhecer a obra dela: Quais não foram a minha surpresa e minha alegria ao descobrir, chegando à Cidade do México, que sua obra, concebida em completa ignorância das razões que puderam fazer agir meus amigos e eu, florescia com suas últimas telas em pleno surrealismo. [...] A arte de Frida Kahlo é um laço de fita em torno de uma bomba. JAMIS, Rauda. Frida Kahlo. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 279-280. Breton referia-se especialmente à tela O que a água me deu, em que Frida se retrata sentada em uma banheira, junto a uma série de recordações traduzidas em desenho. É um quadro muito rico em detalhes, analise-o a seguir. Leitura complementar.22 Os pés aparecem duplicados pelo reflexo da água. O dedão do pé direito aparece machucado. Frida teve que amputar os dedos dos pés e depois parte da perna, na vida real. KAHLO, Frida. O que a água me deu. 1938. 1 óleo sobre tela, 91 cm x 70,5 cm. Coleção Daniel Filipacchi, Paris. Uma veia retorcida sai do ralo e derrama sangue na água. Um “desfile de insetos”, uma cobra e uma bailarina sobre a corda bamba. Quando criança, ela gostava de coletar insetos e plantas raras, depois, pesquisava sobre eles e os analisava no microscópio. Frida aparece com um pernilongo gigante sobre sua cabeça. Retrato dos pais de Frida. Um traje típico dos nativos mexicanos. Eles eram muito usados por Frida em seu dia a dia. A artista chegou a ser capa da revista de moda francesa Vogue, por conta de sua maneira muito particular de se vestir. A figura do esqueleto, muito presente na cultura mexicana, é uma lembrança de que todos morreremos um dia. O prédio Empire State sendo derretido pelo vulcão Popocatepetl, ícones estadunidense e mexicano, respectivamente, representam o período em que a artista vivia nos Estados Unidos, mas sentia muita falta de sua terra natal. Leitura complementar.21 ©Coleção Daniel Filipacchi, Paris Arte 25 Frida Kahlo (1907-1954) Filha de pai alemão e mãe mexicana, Frida teve poliomielite quando criança e, como sequela, uma deformação permanen- te na perna. Aos 17 anos, sofreu um grave acidente de trânsito, no qual uma barra de ferro atravessou seu corpo, provocando uma série de fraturas. A coluna de Frida jamais se recuperou, e ela teve que passar por várias cirurgias ao longo da vida e usar coletes de gesso, aço e couro, para tentar conter as dores. Especialmente após o acidente, a artista passava longos perío- dos deitada na cama, o que acabou motivando seu trabalho artístico como pintora. • A artista Frida Kahlo foi a primeira me- xicana do século XX a ter uma obra em exposição no Museu do Louvre, em Paris • Frida com cinco anos, sentada à esquerda, ao lado de suas irmãs Matilde e Adriana, duas primas e um tio. México, 1912 A obra de Frida é uma espécie de autobiografia visual. Ela conta sua his- tória por meio da arte, expressando o que sentia e vivia a cada momento de sua trajetória. Para isso, o formato es- colhido era o autorretrato, executado, na maior parte das vezes, em telas de pequenas dimensões. Frida, entretanto, nunca se considerou surrealista. Leitura complementar e encaminhamento da atividade.23 “Pensaram que eu era uma surrealista, mas eu não era. Nunca pintei sonhos. Pintava a minha própria realidade.” KETTENMANN, Andrea. Frida Kahlo: dor e paixão. Köln: Taschen, 2006. p. 48. © Sh ut te rs to ck /h ob bi t © 20 18 . S ca la , F lo re nc e/ Ed w ar d W es to n© Ce nt er fo r C re at iv e Ph ot og ra ph y, Ar izo na B oa rd o f R eg en ts © Fo to ar en a/ Al am y 8o. ano – Volume 226 • Diário de Frida Kahlo Frida, assim como você, também tinha um diá- rio. Ela começou a escrevê-lo em 1942, aos 35 anos, e acredita-se que o fez até o ano de sua morte, em 1954. Nesse caderno, registrava os acontecimentos de seu dia a dia e refletia sobre aspectos de sua infância e adolescência. Fazia isso por escrito, mas também por meio de desenhos e pinturas, que se transformariam depois em algumas de suas telas. Hoje, esse diário é um importante documento para entender melhor a vida e a obra da artista. Observe algumas de suas páginas. Festival das Artes Texto complementar.24 Os surrealistas costumavam organizar exposições bem diferentes para seus trabalhos. Eles preparavam o espaço de forma nadaconvencional. Veja descrição a seguir. Ao chegar à Exposição Surrealista Internacional de 1938, por exemplo, o espectador era confrontado com o táxi chuvoso, de Dalí. Dois manequins, um deles com a cabeça de um tu- barão, apareciam sentados dentro de um táxi que era continuamente atingido por torrenciais jatos-d’água. Os manequins ficavam em meio a folhagens, onde alimentavam enormes cara- cóis. Em seguida, os visitantes passavam por um corredor de manequins surreais até o saguão central [...]. O chão era coberto por um tapete de folhas. [...] Os visitantes ganhavam tochas para iluminar o caminho em meio ao ambiente semiescuro. Em busca das obras expostas, eles eram obrigados a participar da encenação, tornando-se cúmplices da empreitada surrealista. BRADLEY, Fiona. Surrealismo. São Paulo: Cosac & Naify, 1999. p. 66. Que tal preparar a sala de aula, de uma forma totalmente inusitada, para expor os trabalhos da turma no Festival das Artes? Vocês podem mostrar os desenhos que fizeram inspirados nos próprios sonhos e também o resultado de seus trabalhos em colaboração, criados no jogo Cadáver delicado. Enquanto os visitantes caminham, organizem-se também para apresentar as várias versões da cena O encontro, bem no meio do público. Embora a interpretação da cena continue sendo realista, no contexto da exposição pode ganhar ares surreais! © 20 18 . P ho to S ch al kw ijk /A rt Re so ur ce /S ca la , F lo re nc e Arte 27 Hora de estudo 1. Leia este poema de Paulo Leminski. podem ficar com a realidade esse baixo-astral em que tudo entra pelo cano eu quero viver de verdade eu fico com o cinema americano O poema retrata a realidade como algo triste, “em que tudo entra pelo cano”. Uma interpretação possível é que o melhor seria se a vida fosse como um filme americano, daqueles produzidos em Hollywood, em que, na maioria das vezes, tudo termina bem. O mundo do cinema, assim como o dos sonhos, é governado por leis diferentes das do mundo “real”. Nesses universos, um leão pode sair de um guarda-roupa; um formigueiro, brotar da palma da mão; e um prédio, emergir de um vulcão. Situações como essas puderam ser vistas por você na arte surrealista. Sobre o assunto, assinale a alternativa INCORRETA. X a) As obras dos artistas surrealistas inspiravam-se apenas nos sonhos que eles tinham. b) A reprodução da Mona Lisa e o retrato de Sigmund Freud feitos por Vik Muniz, apesar de serem produzidos com materiais inusitados, podem ser facilmente reconhecidos. c) Um método muito utilizado pelos surrealistas era o “Cadáver delicado”, em que vários artistas cria- vam textos e desenhos em colaboração. d) Frida Kahlo, embora dissesse pintar sua própria realidade, foi considerada uma artista surrealista pelo fundador desse movimento artístico, André Breton. e) Um dos motivos dos filmes de Buñuel serem considerados surrealistas é apresentarem uma lógica semelhante à dos sonhos, diferente daquela com que estamos acostumados a lidar em nosso dia a dia. 2. Leia os itens a seguir sobre o movimento surrealista. I. É possível dizer que os artistas do movimento buscavam novas formas de enxergar o mundo, que não fossem apenas racionais. II. O Surrealismo reuniu artistas de diversas linguagens, como a poesia, o cinema, o teatro e a fotografia. III. As obras criadas dentro desse movimento basicamente retratavam cenas da Primeira Guerra Mundial. Estão corretos: X a) I e II. b) I e III. c) II e III. d) Nenhum item. e) Todos os itens. a) Incorreta. Havia vários métodos que buscavam sondar o inconsciente para levantar material para os trabalhos dos artistas. Por exemplo, os de escrita, pintura, desenho automático e os jogos, como “Cadáver delicado”. LEMINSKI, Paulo. Toda poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p. 200. 28 Capítulo 4 – Página 24 – Cadáver delicado Dobre aqui Dobre aqui Dobre aqui cabeça e pescoço quadris e coxas pernas e pés tronco e braços 8o. ano – Volume 2 Material de apoio Arte 1
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