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CRÔNICA - A escola dos peixes - lucyano ribeiro 2019

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CRÔNICA
A escola dos peixes
Lucyano Jesus Ribeiro
Toda terça-feira, desde maio, quando mudamos de endereço, eu e meu filho Felipe, de 16 anos, saímos da praça do Cauê, por voltas das cinco horas da tarde, perto da avenida Cezar Hilal, e vamos andando até a pracinha do supermercado EPA, em Jardim da Penha. Dá uns 40 a 50 minutos, dependendo do passo. A gente segue pela Reta da Penha, e vamos entrando pela Praia do Canto, até chegar a rua Aleixo Neto. Andamos pelas calçadas da Aleixo conversando sobre tudo e reparando as vitrines das lojas, que são muitas, muito lindas e luxuosas, de um bom gosto que não dá nem pra colocar um adjetivo, Noooosssa! Deeeeeus!
Mas, naquela tarde fria de terça, de setembro, nós estávamos os dois de moletom, Felipe me falou que, na próxima sexta-feira, ele iria com os colegas da turma e o professor da escola, no píer da Iemanjá, em Camburi, pescar. - Eu hein? - Pescar? - A escola, agora, tá ensinando a pescar?
Ops...?!
Como é que é? - A escola, agora, tá ensinando a pescar?
Pensei alto.
Pior, que ele ouviu.
-“Pai! Cê reparô que você falÔ?”
-É!
- A escola, agora, está ensinando a pescar!
-“Não, Pai! A escola, agora, tá ensinando a fazer a vara, a linha e o anzol. A improvisar uma isca e, ainda, ensinando a pescar também!
Até aquele dia, não tinha pensado nisso. Já teve época em que se acreditava que bastava a escola dar o peixe a quem tinha fome. Falo de fome de conhecimento. Naquele tempo, os jesuítas, por exemplo, transmitiam e incutiam os conhecimentos, crenças e comportamentos europeus nos naturais brasileiros e africanos escravizados. Eles literalmente transmitiam e os alunos, cheios de diversidades culturais, decoravam latim, imitavam gestos, rituais e atitudes católicas. Engoliam o peixe do conhecimento que lhes era dado.
O tempo passou e as escolas descobriram que não bastava dar o peixe a quem tinha necessidade, mas ensinar a pescar, para que o coitado pudesse ter autonomia de escolher e pegar o peixe. - Mas, pera aí! - A vara, a linha, o molinete, o anzol e a isca ainda eram dadas ao cidadão, que, agora, sabia escolher e pescar o peixe. Ou seja, ele ainda não estava independente, livre. Pois, era preciso dar o material.
Hoje, no século vinte e um, na escola do Felipe, da geração Z, o professor ensina a fazer a vara – de material reciclável, claro! a linha, o anzol e a improvisar uma isca – não vai matar minhoca, né? A escola de hoje ensina a identificar, escolher e a pescar o peixe. Também ensina a cozinhar, evitando desperdício e reaproveitando e reciclando as coisas. 
Desse jeito, a escola de hoje está preparando mesmo as pessoas para serem autônomas? Ensinando a todo mundo a fazer seus insumos, produzindo seus bens e serviços necessários e satisfazendo suas ambições? E, seguindo assim, se todo mundo virar autônomo, mesmo? Nós vamos precisar de quem? Seremos livres, então?
Naquela tarde fria de terça-feira, eu e meu filho Felipe esquecemos das vitrines lindas e luxuosas das lojas da Praia do Canto. Fomos andando, leves, pelas calçadas das ruas com as cabeças longe e bem alto. O caminho ficou limpo e sorrimos o percurso inteiro. Falei pra ele: - Vai, filho. Vai sim! Agora sabe fazer a vara, a linha, o anzol e tem a isca improvisada, vai buscar o Peixe, na Iemanjá!
- Oxalá!

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