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EDIÇÃO 1 | AGO/2015resenhadabolsa.com.br RESENHA UMA PUBLICAÇÃO TÉCNICA DA BM&FBOVESPA DA BOLSA SWAPS CAMBIAIS MÁRCIO GOMES PINTO GARCIA | TONY VOLPON | WENERSAMY RAMOS DE ALCÂNTARA A INTEGRAÇÃO DAS CLEARINGS E O NOVO SISTEMA DE ADMINISTRAÇÃO DE RISCO CORE DA BM&FBOVESPA CÍCERO AUGUSTO VIEIRA NETO IMPACTO DAS REUNIÕES DO COPOM NO PREÇO DE OPÇÕES DE ÍNDICE DE TAXAS DE JUROS (IDI) ERICK WAKAMOTO TAKARABE | MARCOS EUGÊNIO DA SILVA FUTUROS DE BOI GORDO NAASSON REIS FERREIRA | JAIRO CAVALCANTE DE SOUZA | WILSON NASCIMENTO DE FREITAS IMPACTO DOS INVESTIDORES HFTS NA FORMAÇÃO DE PREÇO NO MERCADO CAMBIAL BRASILEIRO ÁLVARO DE LIMA VEIGA FILHO | ANA BEATRIZ VIEIRA DE MATTOS Artigos técnicos Entrevista MARCOS LISBOA DIRETOR-PRESIDENTE DO INSPER http://www.resenhadabolsa.com.br Instituto Educacional BM&FBOVESPA Rua Líbero Badaró, 471, 5º e 6º andares – Centro – São Paulo – SP – (11) 2565-6313 facebook.com/bolsapravocelinkedin.com/company/bm&fbovespa twitter.com/bmfbovespa EXPERTISE DO MERCADO PARA O MERCADO. ISSO VOCÊ SÓ ENCONTRA NO INSTITUTO EDUCACIONAL BM&FBOVESPA. Há mais de 20 anos formando pro� ssionais, o Instituto Educacional BM&FBOVESPA oferece diversas opções de cursos de formação, capacitação funcional e especiali- zação, desenvolve atendimento exclusivo a empresas com programas customizados e possui reconhecimento técnico nos mercados da Bolsa. bmfbovespa.com.br/educacional http://educacional.bmf.com.br http://www.facebook.com/bolsapravoce http://twitter.com/bmfbovespa http://linkedin.com/company/bm&fbovespa Inovação e conhecimento A BM&FBOVESPA é um centro de inovação e conhecimento para o mer- cado financeiro e de capitais. Em sua história centenária, a Bolsa sempre teve como princípio a indução de boas práticas e o desenvolvimento dos mercados. A base desse compromisso institucional da Bolsa é inovar sempre, seja por meio da produção de estudos e pesquisas, seja com soluções e produtos que tornam mais eficaz o funcionamento dos mercados. A renovação da revista quadrimestral da Bolsa, que orgulhosamente apresen- tamos agora aos leitores, é um exemplo desses princípios que são tão caros à com- panhia. A RESENHA traz conteúdos que faziam parte da Revista da Bolsa, mais focada em assuntos de interesse geral para os públicos que orbitam em torno da instituição, a exemplo da publicação que era feita pela antiga BOVESPA. Destaca também elementos que fizeram da sua congênere na antiga BM&F uma referência. Assim, estarão presentes na RESENHA artigos técnicos focados em mensu- ração e gestão dos riscos de mercado, de crédito, de liquidez, legal e operacional; apreçamento de ativos e derivativos; modelos econométricos; tributação e contabi- lidade; regulação dos mercados financeiro e de capitais; e governança corporativa. Um conselho editorial formado por seis profissionais de renome e com longa história de contribuições para a disseminação de conhecimento e para o desenvol- vimento dos mercados financeiro e de capitais – Cláudio Haddad, José Roberto Mendonça de Barros, Gustavo Franco, Samuel Pessoa, Márcio Gomes Pinto Garcia e Marcos Eugênio da Silva – vai zelar pela qualidade da publicação, que terá também uma entrevista, uma agenda, uma seção com a memória da Bolsa e uma coluna com notas sobre o setor. Nesta edição, o entrevistado é o economista Marcos Lisboa, diretor-presidente do Insper e ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda. O Conselho estará encarregado ainda de escolher e pre- miar, uma vez ao ano, o melhor artigo técnico publicado pela RESENHA. É emblemático que a RESENHA volte a se aprofundar no conhecimento técnico. A BM&FBOVESPA está concluindo o maior plano de investimentos de sua história, que resultou em uma infraestrutura tecnológica no estado da arte e no CORE, um sistema de gerenciamento de risco inovador e pioneiro. Diante do cenário desafiador que os mercados apresentam no momento, a inovação e o conhecimento vão mostrar as alternativas para que o país volte a apresentar o crescimento que faz jus a seu potencial. Boa leitura. RESENHA UMA PUBLICAÇÃO TÉCNICA DA BM&FBOVESPA DA BOLSA Conselho editorial Cláudio Haddad, Gustavo Franco, José Roberto Mendonça de Barros, Márcio Gomes Pinto Garcia, Marcos Eugênio da Silva e Samuel Pessoa Editores Executivos Edemir Pinto, Cícero Augusto Vieira Neto, Eduardo Refinetti Guardia, André d’Almeida Monteiro e Fabio Dutra Coordenação Editorial FSB Comunicação Equipe Comunicação Marita E. Bernhoeft, Ana Lúcia Matos Branco, Fernanda Kiyoko Nakao, Flavia Mangini, Jenifer Corrêa, Naum Alves Correia, Raphael Straub e Rogério Guerra Cláudio Haddad José Roberto Mendonça de Barros Márcio Gomes Pinto Garcia Gustavo Franco Marcos Eugênio da Silva Samuel Pessoa A Resenha da Bolsa é uma publicação gratuita com o objetivo de promover o conhecimento e o debate técnico sobre os mercados administrados pela BM&FBOVESPA, difundindo as melhores práticas de gestão de risco e de trading. O conteúdo desta publicação não representa a opinião da Bolsa, nem deve ser interpretado como recomendação de compra ou de venda de ativos. Os artigos assinados expressam a opinião de seus autores. É proibida a reprodução parcial ou integral de textos contidos nesta publicação. EDIÇÃO 1 | AGO/2015resenhadabolsa.com.br RESENHA UMA PUBLICAÇÃO TÉCNICA DA BM&FBOVESPA DA BOLSA SWAPS CAMBIAIS MÁRCIO GOMES PINTO GARCIA | TONY VOLPON | WENERSAMY RAMOS DE ALCÂNTARA A INTEGRAÇÃO DAS CLEARINGS E O NOVO SISTEMA DE ADMINISTRAÇÃO DE RISCO CORE DA BM&FBOVESPA CÍCERO AUGUSTO VIEIRA NETO IMPACTO DAS REUNIÕES DO COPOM NO PREÇO DE OPÇÕES DE ÍNDICE DE TAXAS DE JUROS (IDI) ERICK WAKAMOTO TAKARABE | MARCOS EUGÊNIO DA SILVA FUTUROS DE BOI GORDO NAASSON REIS FERREIRA | JAIRO CAVALCANTE DE SOUZA | WILSON NASCIMENTO DE FREITAS IMPACTO DOS INVESTIDORES HFTS NA FORMAÇÃO DE PREÇO NO MERCADO CAMBIAL BRASILEIRO ÁLVARO DE LIMA VEIGA FILHO | ANA BEATRIZ VIEIRA DE MATTOS Artigos técnicos Entrevista MARCOS LISBOA DIRETOR-PRESIDENTE DO INSPER Agosto 2015 Edição 1 carta ao leitor Ago/2015 RESENHA UMA PUBLICAÇÃO TÉCNICA DA BM&FBOVESPA DA BOLSA Artigo técnico MARCOS LISBOA DIRETOR-PRESIDENTE DO INSPER 49 IMPACTO DOS INVESTIDORES HFTS NA FORMAÇÃO DE PREÇO NO MERCADO CAMBIAL BRASILEIRO 28 IMPACTO DAS REUNIÕES DO COPOM NO PREÇO DE OPÇÕES DE ÍNDICE DE TAXAS DE JUROS (IDI) Entrevista 18 SWAPS CAMBIAIS 06 FUTUROS DE BOI GORDO 40 A INTEGRAÇÃO DAS CLEARINGS E O NOVO SISTEMA DE ADMINISTRAÇÃO DE RISCO CORE (CLOSEOUT RISK EVALUATION) DA BM&FBOVESPA 22 índice Ago/2015 RESENHA UMA PUBLICAÇÃO TÉCNICA DA BM&FBOVESPA DA BOLSA DA RIQUEZA DAS NAÇÕES AO DESFILE DE MARTHA ROCHA CONHEÇA O MAIS JOVEM INVESTIDOR DA BOLSA Notícias Agenda Memória do mercado Especial 62 66 68 72 Ago/2015 RESENHA UMA PUBLICAÇÃO TÉCNICA DA BM&FBOVESPA DA BOLSA A agenda perdida Em 2002, em meio à corrida eleitoral que resultou na vitória de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da República, o economis- ta José Alexandre Scheinkman aceitou convite do candidato Ciro Gomes para trabalhar na sua campanha. Scheinkman não queria se licenciar da Universidade de Princeton (EUA), onde dava aulas. Chamou para ajudá-lo no Brasil o econo- mista Marcos Lisboa, doutor pela Universidade da Pensilvânia (EUA), com mestrado e gradua- ção na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Na ocasião, Lisboa era professor na Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getulio Vargas (EPGE/FGV). “Eu propus que, em vez disso, fizéssemos um documento que ficasse disponível para to- dos os candidatos. Nós dois defendíamos uma agenda de desenvolvimento muito diferente do debate da campanha e para a qual já havia boa evidência e trabalhos. Arrumamos toda a literatura e organizamos a estrutura do texto. Na sequência, fizemos uma reunião com alguns economistas apenas para tratar de temas espe- cíficos, pontos em que haviaalguma controvér- sia ou que a literatura não era precisa. Em se- guida, eu e o Scheinkman escrevemos o texto preliminar, que depois se beneficiou de alguns comentários e sugestões.” entrevista Ago/2015RESENHA UMA PUBLICAÇÃO TÉCNICA DA BM&FBOVESPA DA BOLSA 6 MARCOS LISBOA Diretor-presidente do Insper Esse documento ficou conhecido como “agenda perdida”. O material delineava a visão de desenvolvimento que ele e Scheinkman de- fendiam. Mas era ainda um documento bastante genérico. Depois, quando Lisboa aceitou convite do então ministro Antonio Palocci Filho e assu- miu o cargo de secretário de política econômica do Ministério da Fazenda, entre os anos de 2003 e 2005, houve um detalhamento das propostas e uma consolidação do diagnóstico, publicado em abril de 2003. Pouco antes de deixar o governo, Lisboa coordenou outro documento, em que sis- tematizou o que foi feito e com novas propostas, agenda institucional e de crescimento de longo prazo. Ambos os documentos estão disponíveis na internet. Passados pouco mais de dez anos, o Brasil se vê às voltas com a necessidade de um novo ajuste de grandes proporções, como o realizado na vira- da de 2002 para 2003, destaca Lisboa, para evitar uma “crise aguda”, segundo suas palavras. Desta vez, na sua opinião, o gosto será mais amargo. Primeiro, pela magnitude. O setor público gastou mais R$ 200 bilhões entre 2010 e 2013, engolindo boa parte da expansão da economia no período, que cresceu R$ 300 bilhões. Recuperar o superá- vit primário, portanto, será mais difícil. Segundo, porque a equipe econômica terá que contornar a ampliação da carga e da complexidade tributária, além de um amplo conjunto de privilégios que fo- ram concedidos a vários setores com a intenção, frustrada, de recuperar a economia após a crise financeira de 2008. “O governo ampliou o crédito subsidiado, ex- pandiu as regras de conteúdo nacional, criou uma série de proteções para setores que pressionavam com mais eficácia em Brasília e o resultado foi o agravamento da nossa complexidade institucio- nal, com prejuízo da produtividade das empresas. Ela vai da estrutura tributária ao comércio exte- rior, às regras de crédito e de proteção setorial.” Além de aumentar o custo do ajuste, esse quadro, avalia Lisboa, dificulta a retomada do crescimento econômico. “Do ponto de vista da economia real, o país tem a produtividade estagnada há quatro anos. Sem produtividade não tem crescimento”, afirma. Nesta entrevista concedida à RESENHA, em maio deste ano, Marcos Lisboa, atual diretor- presidente do Insper, faz um paralelo histórico entre as tentativas de recuperação da economia após choques externos nos governos de Juscelino Kubitschek (presidente de 1956 a 1961), Ernesto Geisel (presidente de 1974 a 1979) e Dilma Rousseff. O “nacional-desenvolvimentismo”, como ele qualifica, não vê distinção entre partidos, direita e esquerda. Mas sempre teve o mesmo resultado: depois de um período de crescimento, um cenário de desequilíbrios fiscais, inflação elevada, pressão sobre as contas externas, baixa produtividade e reduzido crescimento. Com raízes na colonização extrativista, a ideologia por trás do nacional- desenvolvimentismo não analisa os custos dos benefícios distribuídos. “Essa ideia de que você pode distribuir benefícios por parte do Estado e que isso não tem um custo para a sociedade é uma falácia, simbolizada pela meia-entrada”, diz, em referência a um artigo de sua autoria, com a economista Zeina Latif (economista- chefe da XP Investimentos), que se tornou um clássico sobre a indústria de privilégios no país. “Você sai distribuindo meia-entrada para vários privilegiados, como no caso do crédito subsidiado, sem analisar os impactos sobre o restante da sociedade. Agora, quem paga a conta?” Leia a seguir os principais trechos da entrevista: Ago/2015 RESENHA UMA PUBLICAÇÃO TÉCNICA DA BM&FBOVESPA DA BOLSA 7 RESENHA – O senhor recentemen- te escreveu um artigo sobre o que chamou de “custos da ambigui- dade” na gestão da política eco- nômica. Poderia discorrer sobre isso e como avalia a tentativa em andamento de fazer uma reversão da política macro? O senhor acha que a reversão será efetiva? MARCOS LISBOA – O Brasil teve uma grave deterioração fiscal nos últimos quatro anos. Passou de um superávit primário de 3% para um déficit de 0,6%, em um ano de muita receita extraordi- nária. Cada ponto do PIB equivale a cerca de R$ 50 bilhões. Estamos falan- do de quase R$ 200 bilhões. Para se ter uma noção do que significa isso, tudo o que o Brasil cresceu entre 2011 e 2013 não chega a R$ 300 bilhões. Pois bem, a piora fiscal é quase dois terços disso. Para agravar o problema, teve uma série de gastos públicos que não transitaram pelo orçamento e que não fazem par- te dessa conta. Nós nos endividamos sem registrar formalmente que fizemos dívida. Um exemplo é o Programa de Sustentação do Investimento [PSI], em que o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] empresta a juros abaixo da TJLP [Taxa de Juros de Longo Prazo], que já é uma taxa bastante subsidiada. Como o BN- DES se financia pela TJLP, o governo anuncia que vai compensá-lo no futuro, pagando a diferença entre a TJLP e a taxa pela qual o BNDES emprestou. En- tão é uma dívida, só que não aparece na dívida pública. No balanço do BNDES há um crédito a receber do Tesouro, mas no balanço do Tesouro não há uma dívida com o BNDES. Então, para além de toda a piora que aparece no superávit primário, ainda tem uma piora adicio- nal que não aparece nas contas públicas imediatamente, que é uma dívida que não está contabilizada como dívida. O caso do PSI é apenas um exemplo. Essa grave piora das contas públicas levou ao aumento da dívida bruta do governo e gerou pressões inflacionárias. A crise e seu possível agravamento forçaram o governo a reverter o que vinha fazendo há seis anos, período em que ele foi gas- tando, dizendo que, ao gastar, iria gerar renda e estimular o crescimento. O cres- cimento não veio, mas a dívida veio. O governo teve que fazer o ajuste fiscal sob o risco de uma crise mais grave nas con- tas externas. É claro que isso gera uma dificuldade imensa por tudo que o go- verno fez nos últimos anos, além do que disse na campanha. Desde a segunda metade do governo Lula e no primeiro mandato do governo Dilma havia um discurso numa direção, e a campanha eleitoral radicalizou esse discurso. Deu errado. A realidade forçou a contramão, porém com várias dificuldades para im- plantar um ajuste fiscal organizado. Infe- lizmente, estamos tendo um ajuste fiscal bastante desorganizado, uma tentativa de equilibrar as contas públicas com uma série de medidas que não auxiliam a eficiência econômica. Pelo contrário, prejudicam. RESENHA – São medidas que a mé- dio prazo prejudicam o crescimen- to econômico? MARCOS LISBOA – Sim. Mas acho que são as medidas possíveis pelo de- sastre político deste governo. Até pela campanha que fez, pelo discurso e pe- Equilibrar a relação dívida-PIB requer um ajuste fiscal entre 2,5% e 3,5% do PIB. A magnitude do ajuste fiscal é igual ou um pouco maior que a do de 1999, que foi bastante grande. Contudo, as condições são muito diferentes. O Brasil tinha uma carga tributária muito menor em 1999. Hoje, paga- se no Brasil muito mais impostos do que em países semelhantes. entrevista Ago/2015RESENHA UMA PUBLICAÇÃO TÉCNICA DA BM&FBOVESPA DA BOLSA 8 las dificuldades com a base aliada, o go- verno tem dificuldade de organizar um plano estruturado de ajuste fiscal equi- librado, de longo prazo, um ajuste fiscal que minimize os impactos sobre a ati- vidade e o crescimento. O que vemos é uma série de medidas que, do ponto de vista da eficiência econômica e do crescimento, são ruins, impostos sobre o crédito e impostos sobre as aplica- ções das empresas. A desoneração da folha, em princípio, é uma boa ideia, mas a maneira como foi feita resul- tou em umdesastre do ponto de vista da eficiência da economia. A maneira como estão tentando corrigir essa me- dida equivocada não é das melhores, mas pelo menos reduz o mal maior que foi a forma incompetente da medida anterior. Devo ressaltar, porém, que o ajuste fiscal que está sendo feito, apesar da qualidade não ser boa, é melhor do que a alternativa de não fazer o ajus- te. Continuar a trajetória dos últimos anos significaria manter a deterioração da economia: estagnação, inflação ele- vada e piora ainda maior do mercado de trabalho por muitos anos. Além dis- so, havia o risco de uma grave crise nas contas externas, com saída expressiva de recursos. O ajuste gera custos para o país, mas a alternativa de não fazê-lo geraria custos anda maiores. RESENHA – Seria melhor outro tipo de ajuste fiscal? MARCOS LISBOA – Seria melhor um ajuste fiscal mais estruturado, de longo prazo, balanceado, que fosse condizen- te com a retomada do crescimento. Isso significaria um ajuste que não aumente as distorções tributárias e realize ajustes sustentáveis nas despesas públicas. Infe- lizmente, estamos essencialmente ape- nas reduzindo o investimento público neste ano, com aumentos de impostos que elevam as distorções da nossa eco- nomia. A despesa corrente, por exem- plo, deve aumentar 4% acima da infla- ção neste ano. Mesmo as boas medidas de longo prazo e que reduziriam diver- sas distorções, como na aposentadoria por viuvez, estão saindo bem menores do que entraram no Congresso. Cada vez que aprovam uma medida, ela sai pela metade e no dia seguinte vem uma contramedida. Eu espero que se consi- ga fazer algum ajuste fiscal que reduza o risco de uma crise aguda. Não acredito que o governo conseguirá entregar o que prometeu, mas espero que pelo me- nos consiga algo no meio do caminho, revertendo parte do que foi feito nos últimos anos, e evite o risco, repito, de uma crise aguda. E que medidas benéfi- cas para o longo prazo sejam aprovadas. RESENHA – Por exemplo. MARCOS LISBOA – As de dezembro. Infelizmente, o Congresso tem desfei- to várias dessas medidas. O Brasil tem uma série de distorções na previdência e no seguro-desemprego que não se encontram em outros países. Então, a parte boa do ajuste está sendo menor do que o prometido, e o remédio está sendo mais amargo do que o neces- sário, pela má qualidade das medidas adotadas, talvez as únicas possíveis pela retórica de campanha e pelo qua- dro político que o atual governo cons- truiu. Espero, ao menos, que consiga- mos o ajuste mínimo para evitar uma crise aguda. RESENHA – O senhor acha que a situação não está clara? MARCOS LISBOA– Não está nada cla- ro. É só olhar a discussão sobre as medi- das no Congresso. Não está claro. Acho que é um momento de grande preocu- pação. A nova equipe econômica, os anúncios que foram feitos e as intenções que foram divulgadas deram o benefício da dúvida a um governo que faz o con- trário do que sempre afirmou que iria fazer. Voltamos a falar em equipe eco- nômica porque é um governo que disse uma coisa e tem um grupo na economia que diz outra. Então, o que pensa o go- verno e o que pensa a equipe econômi- ca não parecem ser a mesma coisa. Essa esquizofrenia é herança da campanha eleitoral e do primeiro governo Dilma. Então, não está claro para onde nós va- mos. O que é importante enfatizar é que o Brasil já teve algumas crises agudas, como em 1999 e em 2002. Em ambos os casos, foi feito um ajuste fiscal firme e a economia, após o ajuste, voltou acerta- da. Mas 2015 não é igual a 1999 e 2002. RESENHA – Por quê? MARCOS LISBOA – Porque o ajuste fiscal é maior. Equilibrar a relação dívida- -PIB requer um ajuste fiscal entre 2,5% e 3,5% do PIB. A magnitude do ajuste fiscal é igual ou um pouco maior que a do de 1999, que foi bastante grande. Contu- do, as condições são muito diferentes. O Brasil tinha uma carga tributária muito menor em 1999. Hoje, paga-se no Brasil muito mais impostos do que em países semelhantes. Por que as empresas brasi- leiras não se internacionalizam, por que os bancos brasileiros não se internacio- Ago/2015 RESENHA UMA PUBLICAÇÃO TÉCNICA DA BM&FBOVESPA DA BOLSA 9 nalizam, como seria esperado? Porque têm dificuldade de competir, porque vão pagar muito mais impostos do que os concorrentes. A carga tributária sobre ati- vidades produtivas e financeiras no Brasil é muito maior do que em outros países. Esta é uma dificuldade para o país se in- ternacionalizar e crescer. E internamente temos não apenas uma quantidade muito elevada de impostos, mas também uma péssima qualidade da estrutura tributária. O Brasil consegue a façanha de ter vários impostos sobre valor adicionado só no governo federal, com regimes tributários muito diferentes – PIS-Cofins, IPI, Sim- ples –, além da imensa complexidade das legislações estaduais sobre ICMS. Quando você vai no detalhe da legislação, é inacreditável a quantidade de regimes especiais, regras para cada setor, e a im- pressionante ambiguidade sobre como devem ser pagos os impostos. Não é à toa que temos esse imenso passivo tributário. Isso significa um custo operacional e uma insegurança que perturbam o ambiente de negócios, prejudicam a produtividade e o crescimento. RESENHA – Uma Babel. MARCOS LISBOA – Basta comparar as horas que uma empresa brasileira gasta para cumprir suas obrigações tributárias com uma empresa no exte- rior, é impressionante. E pior: temos não apenas uma quantidade imensa de regras variando de setor para setor, como também elas são ambíguas. Isso gera esse impressionante contencioso tributário. Você vê no balanço das em- presas de capital aberto o quanto elas têm de contencioso tributário, as mul- tas aplicadas pelo Fisco. RESENHA – É o paraíso dos advo- gados. MARCOS LISBOA – Mas é um infer- no para o Brasil, é um prejuízo para o país. Quem perde com isso é o Brasil. Vou dar um exemplo simples: o impos- to sobre valor adicionado. Em geral, nos demais países, você vai calcular faturamento menos despesas e paga o imposto. No Brasil, temos a distorção do crédito produtivo, só o que entrou diretamente na produção pode ser descontado. Mas o que entrou direta- mente na produção? O que entra na produção do iPhone ou do automóvel? Entra a peça que está no carro, mas e a energia? Como separar o que vai para o escritório? E o uniforme do funcio- nário? O que você pode deduzir? Essa opção pelo crédito produtivo é muito ruim no Brasil. Nós somos diferentes do resto do mundo. E isso vale tanto para os tributos federais quando para os estaduais. Ainda temos o regime do lucro presumido, que agrava ainda mais o sistema tributário, e o Simples sobre faturamento com várias tabelas diferentes, que está cada vez mais com- plexo e com distorções inacreditáveis. RESENHA – Então, o ajuste fiscal ficou mais difícil. Além da grande magnitude, a complexidade au- mentou muito de 20 anos para cá. MARCOS LISBOA – Temos uma carga tributária muito maior que no passado e uma estrutura tributária ainda pior em qualidade do que era antes, que prejudi- ca a produtividade e o crescimento. Para além disso, há ainda um aumento das distorções setoriais no Brasil. Alguns se- tores têm a desoneração da folha, outros não têm, depende de a empresa estar ou não no Simples, lucro real, lucro presu- mido, além de diversas regras tributárias específicas para cada setor. Essa mesma complexidade da estrutura tributária acontece ainda na estrutura de importa- ção. Compare importar um bem nos Es- tados Unidos e no Brasil. Não é apenas o nível da tarifa ou o nível das proteções não tarifárias. É a complexidade, a bu- rocracia. Isso é custo Brasil, é perda de produtividade. Todas as proteções seto- riais foram ampliadas nos últimos seis anos, como as regras de conteúdo na- cional para óleo e gás, por exemplo. Por que é preciso proteger os bens de capi- tal nacionais? Os defensores da medida argumentam que sem a proteção não conseguem competir com osestrangei- ros que produzem mais barato e melhor. Mas isso significa que o resto dos seto- res que compram esses bens de capital vai pagar mais caro ou adquirir bens de capital menos produtivos. Estimular a produção nacional pode ser uma opção, mas vai ter um custo para o país, e pode torná-lo mais pobre. RESENHA – Alguém vai pagar. MARCOS LISBOA – Quem comprar uma máquina ou equipamento vai comprar algo mais caro e talvez de pior qualidade. A Petrobras hoje vive esse dilema, ela está submetida ao conteú- do nacional e tem que comprar equipa- mentos nacionais para a sua produção. Isso significa perda de produtividade. A Petrobras está pagando a conta do conteúdo nacional que privilegia algu- mas empresas. Isso não quer dizer que precisamos ser necessariamente contra entrevista Ago/2015RESENHA UMA PUBLICAÇÃO TÉCNICA DA BM&FBOVESPA DA BOLSA 10 as regras de proteção nacional. Afinal, todos os países as praticam em alguma medida. O que se discute é a escala e a forma de fazê-lo. Muitos países fizeram políticas de proteção e deram errado. Políticas de proteção nacional desen- volvimentistas ocorreram na Índia, no Paquistão, na Turquia, no México, no Brasil. Não é a melhor companhia. Simplesmente, as políticas deram er- rado. Em alguns poucos países, deram certo na segunda metade do século passado. Nesses países, isso foi feito de maneira muito cuidadosa, em setores selecionados, com metas de desem- penho e prazo para acabar. Porque, se dá errado, empobrece o país, em vez de enriquecê-lo. A incompetência téc- nica dos últimos seis anos não deixa de surpreender. O governo ampliou o crédito subsidiado para empresas sele- cionadas num volume impressionante, expandiu as regras de conteúdo nacio- nal, criou uma série de proteções para setores que pressionavam com mais eficácia em Brasília da forma mais ata- balhoada e ineficaz. Não havia metas claras de desempenho, avaliação por mais elementar que fosse do custo e benefício das medidas, incluindo o seu custo de oportunidade e o que o país perde ao fazê-las. O resultado foi o agravamento da complexidade insti- tucional, que vai da estrutura tributária ao comércio exterior e às regras de cré- dito e de proteção setorial. RESENHA – Esse cipoal micro difi- cultou o ajuste macro. MARCOS LISBOA – E dificulta a re- tomada do crescimento. Esse cipoal micro significa que a nossa produti- vidade, que crescia a 1,6% ao ano até 2010, estagnou desde então. Do pon- to de vista da economia real, há uma produtividade estagnada há quatro anos. Sem produtividade não há cres- cimento. O país está limitado a crescer ao que cresce a população. O Brasil sofreu muito mais com a crise externa que os demais países. O mundo crescia 4% antes da crise. Os países emergen- tes cresciam 4% antes da crise. O Bra- sil também. Depois da crise, de 2010 para cá, o mundo cresce 3,3%, alguns emergentes crescem 3,5%, outros 4%. O Brasil está crescendo zero. Nós es- tancamos o nosso crescimento. O Brasil sofreu mais os efeitos da crise, e mais por responsabilidade nossa, pelas escolhas que nós fizemos. Vendemos a ilusão de que juros para baixo, câmbio para cima, crédito subsidiado e prote- ção à produção local seriam a rota do crescimento. Infelizmente, isso foi a rota da estagnação. O pior é que o cus- to do que foi feito ainda será sentido pelo país por muitos anos. RESENHA – Essa estagnação começa a ter efeitos sociais? MARCOS LISBOA – A desigualdade de renda, que caiu entre 2001 e 2009 de forma impressionante, estagnou a partir de 2011. E o número de extre- mamente pobres começa a aumentar, o que é preocupante. Então, há um de- sequilíbrio macroeconômico que tem que ser enfrentado no curto prazo para evitar uma crise aguda. Teremos algu- mas consequências caso não consiga- mos fazer esse ajuste fiscal, mesmo de má qualidade. Uma vez feito, evita essa crise aguda, mas não me parece que re- O Brasil está crescendo zero. Nós estancamos o nosso crescimento. O Brasil sofreu mais os efeitos da crise, e mais por responsabilidade nossa, pelas escolhas que nós fizemos. Vendemos a ilusão de que juros para baixo, câmbio para cima, crédito subsidiado e proteção à produção local seriam a rota do crescimento. Infelizmente, isso foi a rota da estagnação. Ago/2015 RESENHA UMA PUBLICAÇÃO TÉCNICA DA BM&FBOVESPA DA BOLSA 11 tomaremos o crescimento. Na melhor das hipóteses, em tudo dando certo, o Brasil parece um país condenado a uma estagnação da renda per capita, uma economia que vai crescer 1%, 1,5%, tal- vez 2%, em um ano bom. RESENHA – Por quê? MARCOS LISBOA – Porque tem uma agenda extremamente difícil, que foi agravada pelas políticas nos últimos seis anos. A questão do custo Brasil já era difícil, e ficou pior. A questão do comércio exterior no Brasil já era com- plexa, e ficou pior. A agenda de prote- ção setorial já era difícil aqui, e ficou pior. Enfrentar essa agenda é dificíli- mo, porque criou grupos de interesse. Vou dar um exemplo: como você lida com a indústria naval? As atividades produtivas no Brasil foram condena- das a pagar mais caro por transporte de navio, o que prejudicou diversas empresas. Hoje, no Brasil, a regra de conteúdo nacional implica navios mais caros, quem compra vai pagar mais caro, quem vai transportar por navio vai pagar mais caro. Não deu muito certo. Mas as empresas investiram aqui, trabalhadores deixaram de fazer o que faziam para se deslocar e trabalhar na indústria naval. As empresas que po- diam estar construindo estradas redu- ziram o que podiam em infraestrutura para fazer navios. Deixamos de fazer diversos investimentos relevantes para o país a fim de fazer algo que até agora não fazemos bem. Quem compra paga mais caro do que precisa. E o Brasil é carente de investimentos tão relevantes em outras áreas. Como se desarma esse problema? Existem grupos que depen- dem da proteção, do resto da sociedade pagando um custo elevado para viabili- zar a indústria naval no Brasil. São em- presas e trabalhadores que dependem da proteção para sobreviver, criamos grupos de interesse e não parece haver solução simples para resolver o proble- ma. É como no drama da Zona Franca de Manaus. RESENHA – Isso nos leva a um ou- tro artigo seu intitulado “O país da meia-entrada”. Na sua avaliação, por que o modelo político brasileiro leva à construção de tantos privilégios? MARCOS LISBOA – Por que a América Latina ficou para trás? Por que temos tan- tas distorções em comparação com ou- tros países? Em meados do século XVIII, diversos países latino-americanos eram bem mais ricos do que o norte dos EUA. O que houve para que, 200 anos depois, os Estados Unidos enriquecessem tanto em comparação à América Latina? Este tem sido o tema dominante do pensa- mento sobre desenvolvimento desde meados do século passado. Infelizmente, temos muitas teses, porém pouca evidên- cia com dados robustos. Desde os anos 1990, surgiu uma nova literatura com base nos trabalhos de Stanley Engerman e Kenneth Sokoloff [economistas ame- ricanos]. A tese deles tem a ver com o processo de colonização. A América do Norte era uma colônia povoada por pes- soas que estavam fugindo ou imigrando da Europa, mas, para reproduzir a vida que tinham na Europa, produziam coisas muito parecidas. Em uma região de cli- ma muito parecido com o europeu, elas reproduziam as instituições e os hábitos. Eram agricultores que dependiam do co- A partir da década de 1930, esse projeto nacional desenvolvimentista, que ocorreu no mundo inteiro, vem com uma força impressionante ao Brasil. Aconteceu na Itália fascista, na Argentina, na Turquia. Mas a escala que isso teve no Brasil durante 50 anos foi realmente impressionante. entrevista Ago/2015RESENHA UMA PUBLICAÇÃO TÉCNICA DA BM&FBOVESPA DA BOLSA 12 mércio, dependiam da vida local numa região equivalente geograficamente à Europa. Como era para produzir, trocar e perenizar na região, havia a preocupaçãocom o estado de direito, com a consti- tuição de uma infraestrutura pública de educação, estradas e cidades. RESENHA – E a América Latina? MARCOS LISBOA – A América Lati- na, por outro lado, era uma região mui- to diferente da Europa, uma região que produzia coisas que a Europa não pro- duzia. A migração para cá era temporá- ria, de exploração. As pessoas vinham aqui para produzir o que a Europa não tinha, exploravam o que a região podia produzir e enviavam para a Europa. Acabaram desenvolvendo instituições muito diferentes aqui, instituições ex- trativistas, o trabalho escravo e regras para extrair os recursos diferentes em relação à Europa. Isso funcionou mui- to bem do ponto de vista da geração de riqueza nos séculos XVII e XVIII. Ob- viamente, não nos processos sociais. Quando o mundo muda, esse sistema se revela ineficaz. As instituições extra- tivistas eram opressoras. Enquanto isso, no Norte havia instituições políticas mais igualitárias e preocupação com o capital social, com a educação. A pri- meira estrada norte-sul do Brasil é do século XX. Tudo era voltado para fora. E não havia preocupação com educa- ção. Vinham para cá adultos, que extra- íam e voltavam para a Corte. Não havia preocupação com um sistema político mais igualitário. Não existia preocupa- ção com o estado de direito, ao contrá- rio. Não é à toa que o Brasil foi o último país a acabar com a escravidão. RESENHA – Então, o Brasil herdou as instituições extrativistas? MARCOS LISBOA – Sim, como também um sistema político que não prima pela igualdade. Herdou ainda a ausência de educação. Os modelos de educação no Brasil são lamentáveis, e da América Latina em geral, quando comparados aos da América do Norte e da Europa. Na qualidade dos direitos políticos, a mesma coisa. Tem um bre- ve interregno um pouco mais liberal no Brasil durante o começo da República Velha, mas de vida curta. Aqui, o termo liberal costuma ser utilizado apenas na concepção mais imediata de ser con- tra ou a favor do mercado. Mas eu falo aqui no sentido mais amplo, liberal no sentido político do termo, de igualda- de de direitos, igualdade de condições, ausência de privilégios, de tratar os iguais como iguais. Houve um período um pouco mais liberal no começo da República Velha e que terminou com a Primeira Guerra Mundial. A partir da década de 1930, esse projeto nacional desenvolvimentista, que ocorreu no mundo inteiro, vem com uma força impressionante ao Brasil. Aconteceu na Itália fascista, na Argentina, na Tur- quia. Mas a escala que isso teve no Bra- sil durante 50 anos foi realmente im- pressionante. Herdamos desse período a Justiça do Trabalho, o monopólio das representações sindicais dos trabalha- dores e dos patrões, com contribuições compulsórias. Por que existem as con- federações e federações no Brasil, de onde saíram? Por que as empresas têm que contribuir obrigatoriamente para os sindicatos patronais, as federações e as confederações? Se você tentar en- tender que recursos são esses que eles recebem, é extremamente complicado, sem nenhuma transparência. E todos os conflitos são mediados pelo Esta- do. Esse imenso aparato público que foi feito no Brasil tem como marco o governo Vargas [Getúlio Vargas, pre- sidente de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954]. Seria ótimo se tivesse dado cer- to e o Brasil, a partir de Vargas, tives- se tido desenvolvimento com justiça social. Infelizmente, todo esse instru- mental parece ter contribuído com a perpetuação do nosso atraso. RESENHA – É quando começa esse processo? MARCOS LISBOA – É concomitante a um processo semelhante que ocorre nos países em desenvolvimento naquele período, mas em uma escala impressio- nante, uma escala que realmente é espe- cífica nossa. Isso dura ao longo de uma boa parte do século XX. Essa herança do Estado varguista é a herança desse país que não conseguiu se desenvolver. Paradoxalmente, apesar de todo o apelo popular do governo Vargas, essa estra- tégia desenvolvimentista tem algumas características. Eu estou usando o termo nacional-desenvolvimentismo para isso, qualificando uma visão de que cabe ao Estado coordenar as decisões de inves- timento e estimulá-las. Crescimento é industrialização, que passa por essa pro- teção do poder público. Cabe ao Estado mediar as relações privadas e coorde- ná-las. Vamos tomar como exemplo o governo Juscelino Kubitschek, ou o de Getúlio Vargas. É um tripé, uma perna do Estado, as grandes corporações, as multinacionais. Mas o Estado faz a me- Ago/2015 RESENHA UMA PUBLICAÇÃO TÉCNICA DA BM&FBOVESPA DA BOLSA 13 diação e delineia para onde vai. Parado- xalmente, apesar do apelo popular dessa estratégia, é uma estratégia que não pri- vilegia a política social. A política social não foi um ponto relevante nos princi- pais trabalhos sobre desenvolvimento econômico entre os anos 1950 e 1980, incluindo educação. Simplesmente não se considerava educação como relevan- te para o desenvolvimento econômico do Brasil, por economistas de esquerda e de direita. RESENHA – Isso é curioso. MARCOS LISBOA – É um projeto que está nos governos Vargas, Juscelino e Geisel. Juscelino era mais democra- ta; Vargas, em seu primeiro mandato, e Geisel não. A diferença entre esquerda e direita não está no projeto de desen- volvimento. Está na coalizão política de governo. Para a esquerda, distribuição de renda aqui não tem a ver com educa- ção e produtividade. A renda da maio- ria da população não depende de cres- cimento sustentável por muitos anos, decorrentes de incentivos adequados para o setor privado, com políticas so- ciais que garantam a crescente e melhor formação das novas gerações. O proble- ma, em uma visão à esquerda no Brasil, é distributivo, como aliás em muitos países da América Latina. Alguns têm pouco porque outros têm muito. E daí o ativismo das intervenções legais, medidas normativas, o excesso de re- gras e intervenções que se propõem a proteger os mais frágeis. Esse discurso tem uma imensa dificuldade em dis- cutir com base em fatos e dados, em fazer análise aplicada para verificar se as teses são corroboradas pelos dados, ou se seu diagnóstico pode estar equi- vocado. E intervenções bem-inten- cionadas acabam prejudicando quem pretende proteger. Será que depois de tantas décadas de legislação trabalhista que se propõe a proteger o trabalhador da forma como foram feitas no Brasil e em outros vizinhos não estão na causa do problema? Existem muitos dados e bons trabalhos acadêmicos feitos e ou- tros tantos que poderiam ser realizados. Quando as intervenções são bem-suce- didas e quando prejudicam? Quando, por exemplo, uma política de salário mínimo pode ser eficaz para reduzir a desigualdade e quando pode prejudi- car o emprego? Infelizmente, parte da esquerda demoniza o debate aplicado, a divergência. E as razões do fracasso da América Latina, inclusive nos países que fizeram as políticas propostas por essa visão, são sempre os interesses es- trangeiros. A tese conspiratória atribui ao outro, aos grupos contrários, o fra- casso do que fizemos por tanto tempo. Por isso, Cuba e Venezuela fracassaram. Conta-se uma história que sempre va- lida as conclusões que desejam, que acreditam ser corretas. Trata-se de um argumento mais próximo da religião do que da ciência, em que se procura tes- tar com cuidado as conjecturas, em que se a evidência vai ao encontro da tese, muda-se a tese. A história não tem sido favorável ao nacional-desenvolvimen- tismo. Durante alguns anos o país cres- ce mais, acumulam-se os desequilíbrios fiscais, e aí vem a conta de inflação alta e crise externa. O governo Juscelino Kubitschek, tão celebrado, terminou com forte desequilíbrio fiscal, inflação acelerando, moratória e economia em processo de estagnação. RESENHA – E depois de Juscelino? MARCOS LISBOA – O curioso é que, após o governo Juscelino, teve um de- sastre político, que foi o golpe de 1964. Mas veio uma agenda liberal também,que já vinha sendo discutida no Brasil desde o fim da década de 1950. Den- tro dessa agenda relativamente liberal, criam-se o Banco Central, instrumen- tos do mercado de capitais, instrumen- tos de crédito, faz-se o equilíbrio fiscal. É a primeira agenda mais moderna que o Brasil vive de forma consolidada. No fim dos anos 1960, vivenciamos os resultados de uma extensa agenda de reformas, além de um choque externo favorável, um boom de commodities. O resultado foi rotulado do milagre brasileiro. Ditaduras são nefastas e in- compatíveis com uma agenda liberal. O Banco Central nasceu independen- te, mas com [o governo de Arthur da] Costa e Silva rapidamente deixou de sê-lo. Mais ainda: na medida em que o ciclo de crescimento vai começan- do a se esgotar, o governo começa a retomar o velho instrumento do estí- mulo, do incentivo, gerando pressões inflacionárias. É o fim do mandato de Delfim Netto como ministro da Fazenda e veio a crise externa com o choque do petróleo, quando o mundo faz o ajuste das contas. O Brasil resol- veu que a crise não podia afetar nosso crescimento. Cria-se o segundo PND [Plano Nacional de Desenvolvimento] e retoma-se a velha agenda de Vargas e Juscelino. Nada mais semelhante ao desenvolvimentismo de esquerda do que o desenvolvimentismo de direita no Brasil. Novamente, é retomado o forte intervencionismo discricionário, entrevista Ago/2015RESENHA UMA PUBLICAÇÃO TÉCNICA DA BM&FBOVESPA DA BOLSA 14 a expansão do crédito subsidiado e a li- derança do governo sobre as priorida- des do investimento. Com a retomada do desenvolvimentismo vêm a perda do controle fiscal, o descontrole infla- cionário, que chega a 100% na virada da década dos 1980, a crise externa, a moratória em 1982, uma herança de distorções setoriais, uma baixa produ- tividade e uma longa estagnação. RESENHA – É o mesmo resultado de Juscelino. MARCOS LISBOA – O resultado da retomada do nacional-desenvolvimen- tismo nos anos 1970 foi a longa década e meia perdida seguinte, com distor- ções gerando produtividade estagnada. Renascem mais uma vez as regras de conteúdo nacional, como agora, mais uma vez o setor naval. Naquela ocasião, o setor naval quebrou. A Lei de Infor- mática deu errado. Criaram-se várias proteções, no setor de açúcar e álcool e no de café. Estagnou a produtivida- de. Vieram os desequilíbrios macroe- conômicos, inflação crescente e uma economia estagnada, com aumento da desigualdade social. Essa é a herança do nacional-desenvolvimentismo nos anos 1960 e nos anos 1980. A grave crise nos anos 1960, assim como nos anos 1990, forçou o Brasil a fazer uma agenda liberal: tratar os iguais como iguais, abrir a economia, parar com a concessão de privilégios. Vêm a agen- da de privatização, o maior equilíbrio das contas públicas no governo Itamar, a estabilização da economia. O Brasil começa a deixar de ser essa economia peculiar, fechada, do velho projeto, e torna-se uma economia mais parecida com a do resto do mundo. RESENHA – Tem um reforço insti- tucional importante. MARCOS LISBOA – Regras e proce- dimentos. Uma agenda de Estado. Não é a política discricionária do iluminado de plantão que está lá no Executivo, que tem uma ideia para resolver o problema do setor elétrico e sai fazendo interven- ção desastrada, como vimos há poucos anos. Nos anos 1990 e primeira meta- de dos anos 2000, convergíamos para a institucionalidade dos países desen- volvidos, com progressiva retomada do crescimento, ainda que com avanços e retrocessos. O primeiro governo de Fer- nando Henrique Cardoso não foi bem na parte fiscal. Deu na crise de 1999. A reação, porém, foi muito saudável, com o ajuste fiscal de 1999 e a Lei de Responsa- bilidade Fiscal. Na sequência, ocorreram os erros na regulação do setor elétrico, e tivemos a crise de 2001. Com avanços e retrocessos, o Brasil foi, ao fim, avançan- do nesse período. Inclusive na política social. Houve um grande avanço na polí- tica educacional a partir da Constituinte de 1988, que resultou na massificação do ensino fundamental. A qualidade do nosso ensino ainda é lamentável, mas, ao menos, todas as crianças têm acesso. A partir de 2001, começou a queda da de- sigualdade, sobretudo pela melhora do mercado de trabalho, com as novas ge- rações mais educadas chegando à idade de trabalhar, o maior crescimento eco- nômico, a formalização do mercado de trabalho e a política de salário mínimo em uma economia em expansão. A partir de 1994, começamos a ter maior quali- dade na política social, com a criação de diversos programas de transferência de renda, alguns dos quais foram unificados no Bolsa Família uma década depois. A história não tem sido favorável ao nacional- desenvolvimentismo. Durante alguns anos o país cresce mais, acumulam-se os desequilíbrios fiscais, e aí vem a conta de inflação alta e crise externa. O governo Juscelino Kubitschek, tão celebrado, terminou com forte desequilíbrio fiscal, inflação acelerando, moratória e economia em processo de estagnação. Ago/2015 RESENHA UMA PUBLICAÇÃO TÉCNICA DA BM&FBOVESPA DA BOLSA 15 Infelizmente, depois da crise de 2008, mudamos de rota. Abandonamos a traje- tória que vínhamos seguindo desde 1990 e retomamos o velho desenvolvimentis- mo de Vargas, Juscelino e Geisel. Veio uma crise externa e conseguimos repetir os mesmos equívocos dos anos 1950 e 1970. RESENHA – A que o senhor atribui a repetição desse erro? MARCOS LISBOA – Acho que a ideolo- gia desempenha um papel fundamental. A defesa do nacional-desenvolvimentis- mo é mais próxima da religião do que do debate acadêmico. Para dar um exemplo, pode-se ser mais ou menos cético sobre intervenções no câmbio, sua efetivida- de e benefícios para o país. A economia tradicional procura definir com cuidado os conceitos e testar as conjecturas com os dados disponíveis. Como se define in- tervenção cambial? Quais os impactos a serem testados? Quais as bases de dados disponíveis e os testes estatísticos pos- síveis? Caso se verifique que, em deter- minadas circunstâncias, as intervenções podem ser benéficas, muito bom. Que sejam feitos com cuidado e controle dos resultados. A abordagem desenvolvimen- tista, porém, segue outra lógica, parte do princípio de que a intervenção é bené- fica. Os autores cujos trabalhos apoiam a intervenção devem ser celebrados, os que não são favoráveis devem ser des- cartados. Escolhem-se os trabalhos pelos resultados, não pela robustez do método de análise. Afinal, o desenvolvimentismo sabe o correto. Por isso, o excesso de adje- tivos e a carência de análise empírica e de dúvidas. Todo o debate se resume a gru- pos de interesse. O que estamos pagando nesta década, e vamos pagar em termos sociais, é o custo do nacional-desenvol- vimentismo. O Brasil que reduziu a de- sigualdade foi o Brasil que veio dos anos 1990 e 2000. Não é o Brasil pós-2009, é o Brasil anterior, é o Brasil que investiu em educação, é o Brasil que fez o Bolsa Família, é o Brasil da inflação baixa, é o Brasil de uma economia mais aberta, que não estatiza serviços desnecessários. Eu sou de uma geração em que telefone cus- tava milhares de dólares, era presente de casamento. A nova geração não entende isso. Mas esta ideologia no Brasil persiste. RESENHA – Por que o senhor acha que o nacional-desenvolvimentis- mo não morre? MARCOS LISBOA – A ideologia não conversa com a estatística. E aqui, talvez por ingenuidade, não atribuo essa agen- da a interesses escusos. O governo não atende a indústria naval apenas pela pres- são de grupos de interesses. Eu acho que muitos compartilham a crença de que o país se desenvolve protegendo a indús- tria naval. Seus defensores, no entanto, não primam por análises quantitativas dos custos dessa iniciativa, análises com grupos de controle e metas claras de de- sempenho. Pelo contrário, parte-se da premissa de que a conclusão está correta e que você pode distribuir benefícios por parte do Estadosem custo para a socie- dade. Como no caso da meia-entrada. Distribui-se crédito subsidiado de roldão. Agora, quem paga a conta do crédito? O Brasil que paga juros altos com spread de 20% e o Brasil que paga juros muito baixos de 3% – e o spread médio é 11%. Juro no Brasil é caro? Depende. É caro para alguns e muito barato para outros. Muitos setores no Brasil pagam juros me- nos do que a inflação. É só pegar dinheiro Quando se distribui meia-entrada para uma quantidade crescente de grupos sociais, alguém paga a entrada inteira. Essa capacidade de captura do Estado por grupos organizados é histórica no Brasil e se expandiu ainda mais. De onde vem isso? Primeiro, da falta de transparência dos benefícios do Estado. Um grupo se organiza no aparelho de Estado e gera uma pressão política. entrevista Ago/2015RESENHA UMA PUBLICAÇÃO TÉCNICA DA BM&FBOVESPA DA BOLSA 16 emprestado e aplicar em títulos públicos que você ganha mais dinheiro. Quan- do se distribui meia-entrada para uma quantidade crescente de grupos sociais, alguém paga a entrada inteira. Essa ca- pacidade de captura do Estado por gru- pos organizados é histórica no Brasil e se expandiu ainda mais. De onde vem isso? Primeiro, da falta de transparência dos benefícios do Estado. Um grupo se or- ganiza no aparelho de Estado e gera uma pressão política. O custo é difuso para a sociedade, que apenas vê que o país é caro e que importar no Brasil é difícil. Mas de onde vem essa dificuldade? Vem de um somatório de pequenas medidas que distorcem. Vários setores consegui- ram criar barreiras e regras no comércio externo. Para importar você tem que che- car um “catálogo telefônico” para enten- der exatamente quais são as regras e os procedimentos para evitar burla. Então gera um custo, mas esse custo é difuso. RESENHA – Já o benefício é na veia de quem recebe o privilégio. MARCOS LISBOA – Isso vem de um Estado que concede esses benefícios de uma maneira pouco transparente. Agora, a sociedade é permeável a isso. Ela não fica indignada com os benefícios tribu- tários. Por que a empresa A paga menos pelo crédito que a empresa B? A socieda- de reclama dos 20 centavos de aumento no ônibus. Mas quantos por cento da população pagam a tarifa cheia de ôni- bus em dinheiro? Oito por cento. Tem vale-transporte, gratuidade para diversos grupos. É a ilusão fácil de achar que, ao conceder benefícios para alguns, a conta é paga pelos proprietários de ônibus e não pelo restante da população. A socie- dade brasileira acha razoável a mulher se aposentar por tempo de contribuição aos 52 anos e homem aos 54. Como se apo- sentar aos 52 anos de idade? Isso não é sustentável do ponto de vista das contas públicas. Quem vai pagar essa conta? RESENHA – O senhor acha que esses nossos retrocessos, esses retornos ao nacional-desenvolvimentismo, sempre são motivados por crises externas? MARCOS – Foi assim nos anos 1930, em 1974 e com a crise de 2008. Eu acho que a crise externa pode auxiliar no gatilho político. Esse é um tema que domina uma parte relevante da socie- dade brasileira, que acha aceitável que o Estado fique distribuindo privilégios e benefícios. E tem sempre alguém para pagar essa conta, não é muito claro quem é. O setor produtivo acha razoável pedir benefícios, proteções e privilégios, e não que ele está pagando a conta. A indústria nacional está se enfraquecendo exatamente porque o governo seguiu a agenda que muitas li- deranças da própria indústria pediram. RESENHA – O senhor acha pos- sível, com esse cenário político atual, retomar aquela “agenda perdida”, expressão que se usou quando o senhor esteve no go- verno para as reformas liberais que foram feitas então? MARCOS LISBOA – O preconceito é tão forte no debate brasileiro que tenho que precisar bem as palavras. Esse ter- mo liberal é usualmente tratado como refletindo uma visão de mundo em que só o mercado funciona e o Estado deve ser mínimo. Não é bem isso. Eu digo que o Brasil foi virando um país mais normal nos anos 1990 e na primeira metade dos anos 2000, funcionan- do como a grande maioria dos países funciona, dos Estados Unidos aos pa- íses nórdicos, países que têm diferen- ças importantes na política social e na proteção dos mais pobres. Os Estados Unidos são mais parcimoniosos com a intervenção do poder público e na polí- tica social. Os países nórdicos têm uma visão de maior proteção social e maior carga tributária. Em grandes temas institucionais, no entanto, os Estados Unidos e os países nórdicos são relati- vamente semelhantes. A função do Es- tado é prover saúde, educação e auxílio social aos mais pobres. A questão é o quanto prover, qual a extensão da polí- tica social, essas são as diferenças. Uma diferença de grau, não dos principais aspectos do desenho institucional. Em todos esses países temos agências de Estado fortes, regras e procedimentos para a intervenção pública, orçamento público concentrado em políticas so- ciais, intervenções setoriais limitadas e controladas, pesos e contrapesos insti- tucionais, estabilidade macroeconômi- ca. Esses países funcionam de forma si- milar, apenas com peso distinto na po- lítica social. E em nenhum desses países temos a escala de intervenções discri- cionárias e concessão disseminada de benefícios públicos a grupos privados, lideradas muitas vezes por ideólogos à esquerda bem-intencionados e que ter- minam por agradar a grandes interesses privados. Claro que existem lobbies e pressão por concessão de benefícios a grupos de interesse em outros países. Não conheço, porém, país desenvolvi- do que os tenha na escala e amplitude que temos no Brasil. Ago/2015 RESENHA UMA PUBLICAÇÃO TÉCNICA DA BM&FBOVESPA DA BOLSA 17 MÁRCIO GOMES PINTO GARCIA Ph.D. por Stanford e Professor do Departamento de Economia da PUC-Rio TONY VOLPON Diretor de Assuntos Internacionais e Gestão de Riscos Corporativos do Banco Central do Brasil WENERSAMY RAMOS DE ALCÂNTARA Economista do Banco Central do Brasil Swaps Cambiais Introdução Em maio de 2013, o então presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, surpreendeu os mercados indicando, muito antes do esperado pelo mercado financeiro, a intenção de o FED re- duzir (ou “taper”) suas compras de ativos dentro do programa conhecido como “quantitative ea- sing”. O anúncio dessa intenção, que começou a ser concretizada no final de 2013 e terminou em outubro de 2014, foi o suficiente para iniciar um movimento de vendas em cadeia de ativos dos mercados emergentes, fazendo com que várias moedas se desvalorizassem (Gráfico 1). Gráfico 1: Efeitos do Taper Tantrum sobre Juros e Moedas 90 110 130 150 170 190 210 230 02 /0 1/ 13 02 /0 2/ 13 02 /0 3/ 13 02 /0 4/ 13 02 /0 5/ 13 02 /0 6/ 13 02 /0 7/ 13 02 /0 8/ 13 02 /0 9/ 13 02 /1 0/ 13 02 /1 1/ 13 02 /1 2/ 13 02 /0 1/ 14 02 /0 2/ 14 02 /0 3/ 14 02 /0 4/ 14 02 /0 5/ 14 02 /0 6/ 14 02 /0 7/ 14 02 /0 8/ 14 02 /0 9/ 14 02 /1 0/ 14 02 /1 1/ 14 02 /1 2/ 14 02 /0 1/ 15 02 /0 2/ 15 Real / Dólar Rand Sul-africano / Dólar Yuan Chinês / Dólar Peso Chileno / Dólar Lira Turca / Dólar Rupia Indiana / Dólar Rublo Russo / Dólar Peso Colombiano / Dólar Peso Mexicano / Dólar UST-10-yr yield 0,00% 0,50% 1,00% 1,50% 2,00% 2,50% 3,00% 3,50% Fonte: Bloomberg artigo técnico Ago/2015RESENHA UMA PUBLICAÇÃO TÉCNICA DA BM&FBOVESPA DA BOLSA 18 A reação do Banco Central do Brasil (BC), que já tinha iniciado um processo de aperto monetário em abril, foi a de co- meçar a oferecer, em junho de 2013, swaps cambiais e linhas de crédito em dólar. Inicialmente as intervenções foram discricio- nárias, atingindo pouco mais de US$ 40 bilhões. A partir do fi- nal de agosto, passaram a ser administradas de forma sistemáti- ca, no que ficou conhecido como “ração diária”. Tal programa de intervenção hoje ultrapassaUS$ 110 bilhões (vide Gráfico 2), representando o maior programa de intervenção de qualquer país emergente, na ponta de provisão de hedge contra deprecia- ção da moeda doméstica. Este artigo visa descrever o programa, analisar sua espe- cificidade em relação às intervenções cambiais normalmente realizadas por bancos centrais ao redor do mundo, e estudar os limites do mesmo. O programa de intervenções cambiais do Banco Central do Brasil Posteriormente ao anúncio de agosto de 2013, o progra- ma foi estendido três vezes: para o fim do primeiro semestre de 2014, para o fim de 2014, e para 31 de março de 2015, embora com volumes decrescentes de vendas de swaps. A tabela 1 re- sume o programa. O Gráfico 2 assinala os quatro anúncios. O gráfico deixa claro que o primeiro anúncio foi o único a produzir efeitos claros sobre a taxa de câmbio.1 1Souza, Chamon e Garcia (2015), usando técnica de controle sintético, concluem que o primeiro anúncio afetou o nível, mas não a volatilidade da taxa de câmbio. Já o segundo, não afetou nem o nível, nem a volatilidade. Tabela 1: Anúncios dos Programas de Swaps Cambiais Gráfico 2: Intervenções Cambiais do Banco Central do Brasil (US$ bilhões) Anúncio de Swaps Data de anúncio Final do Programa Ração diária de swaps Dias da semana de intervenção Total de Intervenção semanal Linha de crédito 22/08/2013 31/12/2013 US$ 500 milhões Segunda - Quinta US$ 2 bilhões US$ 1 bilhão toda sexta-feira 18/12/2013 30/06/2014 US$ 200 milhões Segunda - Sexta US$ 1 bilhão Em função das condições de liquidez do mercado 24/06/2014 31/12/2014 US$ 200 milhões Segunda - Sexta US$ 1 bilhão Em função das condições de liquidez do mercado 30/12/2014 31/03/2015 US$ 100 milhões Segunda - Sexta US$ 500 milhões Em função das condições de liquidez do mercado Fonte: AC Pastore e BCB 1,9 2,1 2,3 2,5 2,7 2,9 3,1 3,3 0,0000 20,0000 40,0000 60,0000 80,0000 100,0000 120,0000 03 /0 6/ 13 22 /0 8/ 13 25 /0 9/ 13 30 /1 0/ 13 06 /1 2/ 13 15 /0 1/ 14 12 /0 2/ 14 17 /0 3/ 14 14 /0 4/ 14 15 /0 5/ 14 13 /0 6/ 14 16 /0 7/ 14 14 /0 8/ 14 11 /0 9/ 14 09 /1 0/ 14 06 /1 1/ 14 05 /1 2/ 14 07 /0 1/ 15 04 /0 2/ 15 09 /0 3/ 15 Intervenções Cambiais e Taxa de Câmbio Acumulado Swap em bi Acumulado Linha de Crédito em bi Taxa de Câmbio Volatilidade Implícita (1 mês, número índice) bi lh õe s de d ól ar es BC anuncia extensão do programa em 2014 (US$ 1 bilhão semanal) BC estende programa até o �m do ano (US$ 1 bilhão semanal) BC estende programa de swaps até �nal de março, reduzindo a ração diária (US$ 0,5 bilhão semanal) Tombini anuncia ração diária de intervenções (US$ 2 bilhões semanais) Ago/2015 RESENHA UMA PUBLICAÇÃO TÉCNICA DA BM&FBOVESPA DA BOLSA 19 Inicialmente, cabe notar que o instrumento usado pelo BC é bastante singular. Na grande maioria dos casos em países emergentes, ocorrem intervenções (esterilizadas ou não) no mercado cambial, via venda de reservas internacionais, ou, mais raramente, usando instru- mentos derivativos (vendas a termo ou opções) liquidados em moeda forte. O BC brasileiro é o único banco central que usa instrumentos derivativos liquidados em sua própria moeda para vender dólares. Os limites do programa de intervenções com swaps cambiais O fato de os swaps cambiais serem liquidados em reais abre uma intrigante questão: há limites para o tamanho da intervenção? Afinal, o BC pode, em tese, imprimir uma quantidade ilimitada de reais para pagar este passivo. Claro que há limites fiscais, mas além desses, há algum outro limite mais estrito? Em recente artigo, defendemos que sim.2 A eficácia do swap cambial depende, em última instância, da crença dos agentes que eles podem, quando quiserem, trocar os reais que vão receber pelos swaps do BC por dólares. A variável chave é o risco de convertibilidade, isto é, o risco de não poder trocar livremente reais por dólares à taxa de câmbio vigente. Avaliando que o risco de convertibilidade é baixo, os agentes financeiros estariam dispostos a trocar sua demanda por dó- lares “de verdade” pelo “dólar PTAX” que recebem quando liquidam um swap cambial com o Banco Central. Portanto, as reservas interna- cionais funcionam como garantia aos swaps vendidos pelo BC. Há, ainda, outro efeito importante da estratégia de intervenção do BC. Fora prover “dólar PTAX” para aqueles que querem exposição ao dólar, a venda de swaps cria incentivos para agentes financeiros, nor- malmente os bancos comerciais, vender dólares no mercado de câmbio spot. Assim, os bancos ajudam a financiar o déficit em conta corrente, que infelizmente tem traçado uma trajetória de alta nos últimos anos. O mecanismo funciona porque a venda de swap na verdade é uma venda de um dólar a termo. Essa oferta diminui a diferença entre um dólar no futuro e o preço do dólar hoje (o preço spot), reduzindo o preço do dólar a termo. Assim, se um banco toma dólares empresta- dos fora do Brasil, vende os dólares no mercado spot, investe os reais que recebe em um investimento de renda fixa, e compra um dólar a termo (que a intervenção do BC tornou mais barato) para se proteger do risco cambial, este banco consegue ter um retorno positivo garan- tido, incorrendo no risco de convertibilidade. Assim, a intervenção do BC faz subir o retorno de uma apli- cação em renda fixa com “dólares PTAX” no Brasil, que conhe- cemos como “cupom cambial”. Em nosso estudo, apresentamos evidências estatísticas de que a intervenção do BC tem efeito sobre o cupom cambial e também sobre a posição vendida em dólares dos bancos comerciais. Ou seja, os bancos trazem dó- lares para abastecer o mercado spot, protegendo-se do risco de desvalorização do real comprando os swaps cambiais. Cabe enfatizar que os bancos constituem um elo fundamen- tal na difusão do hedge cambial provido pelos swaps entre os di- versos agentes econômicos. À posição comprada nos swaps cam- biais pelos bancos, contrapõe-se uma série de posições vendidas dos bancos com outros agentes, sob a forma de ativos financeiros ou derivativos cambiais. E dentre essas, destaca-se a posição ven- dida dos bancos no mercado spot, que representa, grosso modo, o volume de crédito de curto prazo captado no exterior pelos bancos para suprir o mercado spot, na estratégia descrita anteriormente. Tais empréstimos estão sujeitos a limites quantitativos impostos pela avaliação realizada pelos bancos estrangeiros dos riscos de contraparte representados pelos bancos brasilei- ros. Historicamente, a posição vendida dos bancos no mercado spot não costumava ultrapassar US$ 20 bilhões. Entretanto, em dezembro de 2014, a posição vendida dos bancos alcançou US$ 33,7 bilhões (Gráfico 3). Deste total, US$ 10,5 bilhões ha- viam sido emprestados pelo BC, via repos (linhas de crédito em dólar), sendo o restante, US$ 23,2 bilhões, tomado empresta- do junto a bancos estrangeiros. O Gráfico 3 mostra a evolução da posição cambial spot vendida dos bancos, das linhas (repos) emprestadas pelo BC, e a posição cambial ajustada, que é a dife- rença entre as duas primeiras séries. A posição cambial ajustada é uma estimativa do crédito de curto prazo tomado pelos bancos brasileiros no exterior. Ou seja, para que a intervenção do BC via swaps transmita- se ao mercado spot, em um contexto de “déficit” de dólares no mercado spot, é necessário que os bancos endividem-se no exte- rior para arbitrar o spread do cupom cambial em relação ao cus- to de captação (aproximadamente a Libor). Esse endividamento de curto-prazo, contudo, encontra limite no risco de contrapar- te (crédito) agregado dos bancos brasileiros. Quando se chega próximo a tal limite, como parece ter ocorrido em dezembro de 2014, o cupom cambial tende a aumentar e a taxa de câmbio a depreciar, e o BC tem que prover os dólares “faltantes”, como o fez oferecendo linhas de crédito (vide Gráfico 2). 2Garcia,Volpon e Alcântara artigo técnico Ago/2015RESENHA UMA PUBLICAÇÃO TÉCNICA DA BM&FBOVESPA DA BOLSA 20 Conclusão No final de março de 2015, o BC anunciou que não iria mais renovar o programa de swaps. Esta foi uma excelente notí- cia, pois seria um erro de política econômica o BC tentar impe- dir eventuais correções no câmbio real via intervenções cambiais. O programa, concebido para fins de estabilidade financeira, não pode ser usado para tentar evitar os ajustes cambiais necessários para reduzir o déficit em conta corrente do balanço de pagamen- tos. Neste momento, a melhor opção é deixar de adicionar novos swaps, rolando integralmente o estoque, até que as condições de mercado permitam gradual extinção do programa. Os swaps cons- tituem uma ferramenta útil para intervenções, desde que usados esporadicamente, em situações excepcionais de mercado. Gráfico 3: Posição Vendida dos Bancos Brasileiros no Mercado à Vista de Câmbio (US$ milhões) V. Referências Bibliográficas Calvo, Guillermo. 1998. “Capital Flows and Capital-Market Crises: The Simple Economics of Sudden Stops.” Journal of Applied Econo- mics (CEMA) 1(1): 35–54. Reprinted in Guillermo A. Calvo, Emerging Capital Markets in Turmoil: Bad Luck or Bad Policy, Cambridge, MA: MIT Press 2005. Chamon, M. e M. Garcia (2013). Capital Controls in Brazil: Efficient? . Mimeo, PUC-Rio. Available at http://www.economia.puc-rio.br/ mgarcia/Artigos/130911%20Chamon%20Garcia%20v57c.pdf . Du, W. e J. Schreger (2013). Local Currency Sovereign Risk. Board of Governors of the Federal Reserve System, International Finance Discussion Papers, # 1094, December. Garber, P. e Subir Lall (2011). Derivative products in exchange rate crisis. In Reuven Glick (ed.), Managing Capital Flows and Exchan- ge Rates Perspectives from the Pacific Basin. Cambridge University Press, March. Garcia, M., Tony Volpon e Wenersamy Alcântara: DNDFs: a more efficient way to intervene in FX markets?. Texto para discussão 621, Depto. de Economia, PUC-Rio. Disponível em www.econ.puc-rio.br/biblioteca.php/trabalhos/show/1421. Garcia, M., M. Medeiros e F. Santos (2014). Tail Wagging the Dog: Price Discovery in Brazilian FX Markets. Mimeo, PUC-Rio. Souza, L., Chamon, M. and Garcia, M. 2015. “FX interventions in Brazil: a synthetic control approach”. PUC-Rio Working Paper #630. Disponível em http://www.econ.puc-rio.br/biblioteca.php/trabalhos/show/1666 . 0 5000 10000 15000 20000 25000 30000 35000 ju n/ 13 ju l/1 3 ag o/ 13 se t/ 13 ou t/ 13 no v/ 13 de z/ 13 ja n/ 14 fe v/ 14 m ar /1 4 ab r/ 14 m ai /1 4 ju n/ 14 ju l/1 4 ag o/ 14 se t/ 14 ou t/ 14 no v/ 14 de z/ 14 Posição Spot Vendida dos Bancos Posição dos Bancos Ajustada (Posição-Linhas) Linhas do BC Ago/2015 RESENHA UMA PUBLICAÇÃO TÉCNICA DA BM&FBOVESPA DA BOLSA 21 CÍCERO AUGUSTO VIEIRA NETO BM&FBOVESPA A Integração das Clearings e o Novo Sistema de Administração de Risco CORE (Closeout Risk Evaluation) da BM&FBOVESPA No dia 18 de agosto de 2014 foi concluída a primeira etapa do projeto de integração das clearings da BM&FBOVESPA. Os derivativos do segmento BM&F migraram para a nova plataforma de clearing integrada e o novo sistema de cálculo de risco CORE (Closeout Risk Evaluation) foi implan- tado, gerando redução de cerca de R$ 20 bilhões no valor das garantias depositadas. Em termos de sofisticação, abrangência e benefícios a serem gerados para os participantes do mercado, o projeto de integração das clearings da BM&FBOVESPA só encontra paralelo na implantação no novo Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), projeto conduzido e implantado pelo Banco Central do Brasil (BCB) em 2002. Os mercados nacionais ganharão em termos de robustez e competitividade. O papel das clearings e sua importância para os mercados financeiro e de capitais As clearings são grandes máquinas de administrar e controlar riscos. O principal papel de uma clearing é garantir a correta liquidação de todas as operações cursadas em seu ambiente. Pode-se dizer que a clearing atua, para fins de liquidação, como a compradora de todos os ven- dedores e a vendedora de todos os compradores no mercado. Para cumprir adequadamente a sua função de garantir a liquidação de todas as operações perante o mercado, inclusive em caso de ina- dimplência de uma ou mais contrapartes, as clearings administram o risco e exigem o depósito de garantias de todos os investidores que atuam em seu âmbito. Há relevantes benefícios econômicos associados à atividade das clearings: artigo técnico Ago/2015RESENHA UMA PUBLICAÇÃO TÉCNICA DA BM&FBOVESPA DA BOLSA 22 Se, de um lado, as clearings mitigam os riscos de contraparte e geram benefícios relevantes para o mercado e a economia, de outro concentram o risco de todo o sistema, transformando seu bom funcionamento, inclusive em períodos de crise, em condição necessária para a preservação da estabilidade do sistema financei- ro. Por essa razão, as clearings devem contar com sistemas de ad- ministração de riscos bem desenhados, sólidos e constantemente testados, além de adequadas regulação e supervisão por parte dos órgãos reguladores. Regulação O alicerce legal e regulatório das clearings nacionais foi esta- belecido há 13 anos, em 22 de abril de 2002, com a entrada em vi- gor do novo Sistema de Pagamentos Brasileiro, e com a aprovação da Lei 10214, a “Lei do SPB”, no ano anterior. Essa lei, fruto de excelente trabalho técnico desenvolvido pela equipe do BCB sob as lideranças de Armínio Fraga Neto e Luiz Fernando Figueiredo – à época presidente e diretor de Política Monetária do Banco Central, respectivamente –, trouxe a segurança jurídica necessária ao adequado funcionamento dos sistemas de clearing no Brasil, reconhecendo o procedimento de liquidação por meio de compensação multilateral e estabelecendo regime jurídico em que as garantias depositadas em favor das cle- arings são “blindadas” contra atos de terceiros, sendo impenho- ráveis e livres de arresto ou de qualquer outro ato de constrição judicial, e destinando-se exclusivamente ao cumprimento das obrigações assumidas pela clearing na qualidade de contraparte das operações realizadas em seu âmbito. O BCB e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) pos- suem competência para regular e supervisionar a atuação das clearings nacionais. Os órgãos reguladores recebem informações Clearing Mitigação do risco sistêmico – uma clea- ring bem administrada e regulada atua como amortecedora do risco sistêmico. Isso se dá por ela não permitir que a inadimplência de um ou mais participantes afete os demais, li- mitando os impactos da quebra sobre o mercado como um todo e evitando a propagação de problemas em efeito dominó. Aumento da liquidez e democratização do acesso ao mercado – em mercados com clearings, os investidores não preci- sam preocupar-se com o risco de crédito das diferentes contrapartes com as quais transacionam, tampouco estabelecer e admi- nistrar limites de risco bilaterais. Como consequên- cia, é possível ampliar o número de contrapartes com as quais podem operar. O acesso ao mercado e à liquidez é facilitado e democratizado. Ao mes- mo tempo, o preço do negócio deixa de ser influen- ciado pela percepção acerca do risco de crédito da contraparte. Essas características tornam o merca- do dotado de clearing mais líquido e seu processo de formação de preços mais eficiente. Viabilização da compensação multilateral – o mecanis- mo de clearing permite a adoção do procedimento de com- pensação multilateral na liquidação das operações. Imagi- ne-se um investidor que tenha feito negócios com diversas contrapartes, com diferentes saldos a liquidar – valores cre- dores e devedores – com cada uma delas. Na ausência de compensação multilateral, o investidor tem de transferir os valores devedores para as contrapartes credoras e receber os valores credores das contrapartes devedoras. Na pre- sença da clearing,débitos e créditos podem ser liqui- dados por meio de compensação, sendo somente o saldo líquido – devedor ou credor – movimentado entre o investidor e a clearing. Transparência – as operações garanti- das por uma clearing são devidamente registradas em seus sistemas de informa- ção e diariamente atualizadas e marcadas a mercado. As estatísticas agregadas de cada mercado são divulgadas ao público. Os ór- gãos reguladores têm acesso às informações detalhadas de cada participante, podendo conhecer e avaliar a exposição individualiza- da a risco. Ago/2015 RESENHA UMA PUBLICAÇÃO TÉCNICA DA BM&FBOVESPA DA BOLSA 23 diárias sobre o funcionamento das clearings e realizam auditorias anuais em seus sistemas e processos, com destaque para a avaliação da eficácia dos modelos de administração de risco, a governança das entidades e o funcionamento de seus ambientes tecnológicos. Devido à importância das clearings para a estabilidade dos sistemas financeiros internacionais, o Banco de Compensações Internacionais e a Organização Internacional das Comissões de Valores Mobiliários (BIS e IOSCO, nas respectivas siglas em in- glês) publicaram, em abril de 2012, o documento Principles for Financial Market Infrastructures (PFMI), o qual apresenta um conjunto de 24 princípios a serem observados pelas organizações que compõem a infraestrutura dos mercados financeiros, ou seja, as clearings (CCPs), os sistemas de compensação e liquidação, os sistemas de registro de títulos e valores mobiliários, e as centrais depositárias de ativos. Tais princípios estabelecem diretrizes e re- comendações para a base legal necessária a dar suporte às opera- ções das referidas entidades; a sua governança; à administração dos riscos de crédito, de liquidez, de custódia, de transferência de valores e operacionais por elas incorridos. Em 10 de janeiro de 2014, por meio do Comunicado 25.097, o BCB anunciou que, considerando sua missão de assegurar um sistema financeiro só- lido e eficiente, utiliza os princípios estabelecidos no documento PFMI no monitoramento e na avaliação da segurança, eficiência e confiabilidade dos sistemas de clearing integrantes do SPB. O acordo de Basileia III estabeleceu a obrigatoriedade de alocação de capital pelos bancos em função da exposição ao risco de crédito das clearings. Também estabeleceu o conceito de “cle- aring qualificada” (QCCP, na sigla em inglês). QCCP é a clearing que cumpre, substancialmente, os princípios de governança e de administração de risco estabelecidos no documento PFMI. Na maior parte das jurisdições, a alocação de capital dos bancos é fun- ção de fator de ponderação de risco, que pode variar de 2 a 150%. Somente a clearing considerada qualificada faz jus ao fator míni- mo de 2%. No Brasil, por meio da Circular 3644, de 4 de março de 2013, o BCB definiu o fator de ponderação de risco de 2% para a exposição dos bancos nacionais às clearings por ele autorizadas a funcionar. O modelo de identificação do beneficiário final A regulação brasileira e os sistemas de clearing e de central depositária de ativos da BM&FBOVESPA destacam-se no cená- rio internacional devido à adoção do modelo de beneficiário final, mais robusto em termos de administração de riscos e de preven- ção de fraudes. Os investidores acessam a Bolsa e seus sistemas de liquidação por meio de corretoras autorizadas a funcionar pelo BCB e pela CVM. Apesar da intermediação realizada pelas corretoras, os contratos e os ativos negociados e detidos pelos investidores, assim como as garantias por eles depositadas, são segregados e identificados, nos sistemas da clearing e da central depositária, individualmente, ou seja, por investidor. A existência COM A FUSÃO ENTRE AS BOLSAS DE VALORES (BOVESPA) E DE DERIVATIVOS (BM&F) EM 2008, A BM&FBOVESPA PASSOU A SER RESPONSÁVEL PELA ADMINISTRAÇÃO DE QUATRO CLEARINGS SISTEMICAMENTE IMPORTANTES. UM DOS PRINCIPAIS DESAFIOS DO PROJETO DE INTEGRAÇÃO DAS CLEARINGS FOI O DESENVOLVIMENTO DO NOVO SISTEMA DE CÁLCULO DE RISCO. ACIMA DE TUDO, O NOVO SISTEMA DE RISCO DEVERIA SER EXTREMAMENTE CONFIÁVEL E SEGURO, PRESERVANDO A SOLIDEZ DO AMBIENTE DE CLEARING DA BM&FBOVESPA. artigo técnico Ago/2015RESENHA UMA PUBLICAÇÃO TÉCNICA DA BM&FBOVESPA DA BOLSA 24 de informações completas sobre a titularidade dos ativos e das posições proporciona maior robustez à administração de risco, ao monitoramento da alavancagem do sistema e ao controle de limites prudenciais. Também facilita o tratamento de situações de quebra de intermediários, em que os ativos, as posições e as garan- tias dos clientes têm de ser transferidos para a responsabilidade de outras instituições. Por fim, mitiga enormemente os riscos de fraude em custódia. Em contraposição, a maior parte dos sistemas de clearing e de central depositária internacionais não adota o modelo de be- neficiário final. Em tais sistemas, cada intermediário possui uma “conta de cliente” junto à clearing e à central depositária. A “conta de cliente” é utilizada para registrar a quantidade total de negócios realizados e de contratos, ativos e garantias detidos pelos clien- tes do intermediário, mas sem a identificação e a segregação de cada um deles. As informações sobre cada cliente são conhecidas e controladas, exclusivamente, pelos intermediários. A ausência de informações sobre os investidores finais limita a atuação das clearings e das centrais depositárias internacionais na administra- ção de riscos e na prevenção de fraudes financeiras, além de tornar mais desafiadores o monitoramento de risco e a obtenção de in- formações pelos órgãos reguladores. O projeto de integração das clearings e o novo sistema de cálculo de risco CORE Com a fusão entre as bolsas de valores (BOVESPA) e de derivativos (BM&F) em 2008, a BM&FBOVESPA passou a ser responsável pela administração de quatro clearings sistemicamen- te importantes, ou seja: (i) de ações e renda fixa privada (antiga CBLC), (ii) de derivativos financeiros e de commodities, (iii) do mercado interbancário de câmbio pronto e de (iv) títulos públicos federais. Logo após a fusão, a nova Bolsa percebeu que a integração das clearings – a partir daquele momento sob a administração de uma única entidade – era uma necessidade e, também, uma gran- de oportunidade para o desenvolvimento da infraestrutura dos mercados financeiro e de capitais do País. A Bolsa entendeu que a integração – nos planos regulatório, operacional, tecnológico e de administração de risco – das clearings dos diferentes merca- dos seria uma empreitada longa, complexa e cara (exigindo vários anos de dedicação e centenas de milhões de reais em investimen- tos), mas que geraria efeitos permanentes em termos de aumento da eficiência e da segurança desses mercados, beneficiando-os ao longo de décadas. Os principais benefícios percebidos foram: 1 A redução dos custos dos participantes do mercado e da Bolsa, relacionados aos diversos processos de clearing e back-office, em virtude da padronização de regras e pro- cedimentos, unificação de sistemas e maior automatiza- ção de processos; 2 A maior eficiência na gestão de caixa dos participantes, como resultado da unificação dos processos de liquida- ção das quatro clearings e da compensação de débitos e créditos dos diferentes mercados em um único saldo líquido (economia diária de liquidez estimada em R$ 500 milhões, com base nos fluxos históricos); 3 A maior eficiência na alocação de capital pelos partici- pantes, diante da implantação do novo sistema de cál- culo de risco baseado em portfólio, capaz de reconhecer a compensação de riscos entre ativos, contratos e ga- rantias distintos, e com diferentes perfis de liquidez, dos quatro mercados (economia estimada em R$ 20 bilhões somente na primeira fase do projeto); 4 Modernização tecnológica completa, com simplificação da “arquitetura de TI” e redução de riscos operacionais e sistêmicos, em decorrência da substituição de todos os sistemas de clearing
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