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O PRINCÍPIO NUMERUS CLAUSUS E SUA APLICAÇÃO NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO Paulo Roberto Nascimento Mendes 1 César Augusto Danelli Junior 2 Eduardo Matzembacher Frizzo 3 Gabrielle Paloma Santos Bezerra Couto 4 Marcelo José Coelho Almeida 5 Resumo: O presente artigo busca estudar o princípio numerus clausus (numero fechado) cujo objetivo é demonstrar sua aplicação no sistema penitenciário brasileiro como ferramenta de redução da superlotação carcerária e a garantia dos direitos fundamentais dos presos. Este princípio foi apresentado na França pelo então Deputado do Partido Socialista Francês Gilbert Bonnemaison em 1989, no sentido de proporcionar um controle maior do Estado quanto à quantidade de presos inseridos no sistema. Para tanto este artigo foi dividido em três tópicos básicos: Primeiro, o estudo da pena no Brasil; O segundo tópico visa apresentar o princípio do numerus clausus e, no terceiro, o foco do estudo foi a aplicação do presente princípio no sistema penitenciário brasileiro. Para isso, utilizou-se meios bibliográficos presentes nas doutrinas relativas ao tema, de analise das positivações legais, entendimentos jurisprudenciais, bem como na análise de números oficiais do Ministério da Justiça sobre a situação carcerária brasileira. Por fim, conclui-se que o principio numerus clausus constitui ferramenta de controle do Estado para a redução da superlotação carcerária no Brasil e para garantir os direitos fundamentais garantidos por lei, visando, principalmente, a ressocialização do apenado para que este não volte a delinquir. Palavras-Chave: Numerus Clausus. Pena. Sistema Prisional. Superlotação. Abstract: This article aims to study the numerus clausus principle (closed number) whose objective is to demonstrate its application in the Brazilian penitentiary system as a tool to reduce prison overcrowding and guarantee the fundamental rights of prisoners. This principle was introduced in France by the then Deputy of the French Socialist Party Gilbert Bonnemaison in 1989 to provide greater state control over the number of prisoners in the system. To this end, this article was divided into three basic topics: First, the study of punishment in Brazil; The second topic aims to present the principle of numerus clausus and, in the third, the focus of the study was the application of this principle in the Brazilian penitentiary system. For this, we used bibliographic means present in the doctrines related to the subject, the analysis of legal positivities, jurisprudential understandings, as well as the analysis of official numbers of the Ministry of Justice on the Brazilian prison situation. Finally, it can be concluded that the numerus clausus principle is a State control tool for reducing prison overcrowding in Brazil and for guaranteeing the fundamental rights guaranteed by law, mainly aiming at the re-socialization of the inmate so that it does not re-delinquent. . Keywords: Numerus Clausus. Pity. Prison system. Over crowded. 1 Acadêmico do curso de Direito da Faculdade de Balsas – Unibalsas (paulornm.28@hotmail.com). 2 Professor Orientador do grupo Pesquisa de Penal do Curso de Direito da Faculdade de Balsas - Unibalsas. 3 Professor Orientador do grupo Pesquisa de Penal do Curso de Direito da Faculdade de Balsas - Unibalsas. 4 Professora Orientadora do grupo Pesquisa de Penal do Curso de Direito da Faculdade de Balsas - Unibalsas. 5 Professor Orientador do grupo Pesquisa de Penal do Curso de Direito da Faculdade de Balsas - Unibalsas. mailto:paulornm.28@hotmail.com 2 INTRODUÇÃO A necessidade da punição e como punir são dois problemas antigos do Direito. Acredita-se que o índice de reincidência atual é agravado pelo ambiente degenerativo a que os condenados são expostos em nosso país. As cadeias superlotadas perdem seu propósito utilitarista e servem apenas como depósito de delinquentes, pois não apresentam quaisquer condições de reabilitação, sendo, ao contrário, um ambiente com maior potencial criminalístico, além de apresentarem problemas estruturais, de higiene, de convivência, entre outros. Nesse contexto, foi apresentado em 1989, pelo então Deputado do Partido Socialista Francês, Gilbert Bonnemaison, ao Ministério da Justiça da França, um pacote de medidas destinadas à modernização do sistema penitenciário francês, entre elas, o princípio numerus clausus (numero fechado). Em outras palavras, esse princípio aduz que a cada ingresso de uma pessoa ao cárcere haveria de corresponder, necessariamente, à saída de outro, de modo a evitar superlotação carcerária. O presente artigo visa apresentar o citado princípio como uma ferramenta de controle estatal do numero de presos inseridos no sistema carcerário brasileiro tal e qual foi pensado na França. Não se trata, porém, de esgotar o assunto, porquanto existem várias outras medidas e ações que devem ser adotadas pelo poder público para que possibilite, conjuntamente, o sucesso do fim maior ao qual se destina o supracitado princípio, a ressocialização do apenado. Nessa senda, este artigo dividiu-se em três tópicos básicos: O primeiro trata do estudo da pena no Brasil, abordando-se um breve contexto histórico e o conceito de pena sob a visão de vários autores. Foram abordadas também nesse primeiro tópico, as finalidades das penas, estas sob o enfoque de alguns doutrinadores, os tipos de pena e os regimes de cumprimento. Porém, o objeto de estudo para o presente artigo se deu, exclusivamente, em torno das penas privativas de liberdade, por isso, as penas restritivas de direito e as de multa não foram abordados no estudo. O segundo tópico, visou apresentar o princípio do numerus clausus propriamente dito, sua origem, o conceito, suas características e funções. Abordou-se também nesse tópico, a atual situação do sistema carcerário brasileiro, apresentando dados divulgados pelo Ministério da Justiça através de seus órgãos, a exemplo do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), que mostram o aumento constante do numero de presos inseridos no sistema e que a situação só se agrava ao longo dos anos. 3 No terceiro tópico, o foco do estudo foi à aplicação do presente princípio no sistema penitenciário brasileiro. Buscou-se, para isso, conhecer a atuação dos órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário na tentativa de combater a superlotação carcerária e assim, garantir direitos aos presos. Mesmo que ainda tímidos esses órgãos desenvolvem ações e programas que buscam modernizar o sistema carcerário proporcionando assim, o bem estar do preso, visando garantir sua recuperação para que este não volte a delinquir. Por fim, o estudo vislumbra a real possibilidade de implantação do princípio numerus clausus (número fechado), como ferramenta eficaz para ajudar a solucionar um problema social histórico brasileiro: a superlotação carcerária. Senão veja-se, como já foi dito, evitar-se- ia o excesso de presos no sistema e garantir-se-ia os direitos inerentes a pessoa humana ao condenado, estes já consagrados, não só na Constituição Federal de 1988, como também na legislação infraconstitucional, com o objetivo maior de reinserir o indivíduo na sociedade. Para tanto, far-se-á uso de meios bibliográficos relativos ao tema tais como: doutrina especializada em Direito Penal e Execução Penal, relatórios estatísticos dos órgãos responsáveis pelo estudo da execução penal brasileira, artigos científicos, entendimentos jurisprudenciais de alguns dos tribunais nacionais. 1 A PENA NO BRASIL No Brasil Colonial (1500 a 1822), a lei fundamentava-se em preceitos puramente religiosos, onde o crime confundia-se com o pecado. Os homens que eram considerados hereges, apostatas, feiticeiros e benzedores, por exemplo, eram submetidos a penas severas e cruéis entre elas açoites, mutilaçõese queimaduras. Essas penas tinham como objetivo principal espalhar o temor chegando até mesmo cominar em pena de morte. O Brasil conquista sua independência de Portugal em 1822, inicia-se, portanto, o período imperial. Nesse contexto, foi outorgada, em 1824, a primeira Constituição do Brasil. Tempos depois, em 1830, foi sancionado o Código Criminal, pelo então imperador D. Pedro I. Nos ensinamentos de René Ariel Dotti (1998, p. 53), “[...] este novo código reduziu os delitos que eram apenados com morte, bem como extinção das penas infamantes. Surgiu a pena de privação de liberdade, na qual substituiria as penas corporais”. Em 1889, o Brasil se torna uma República. Com a edição do Decreto n° 847, de 11 de outubro de 1890, promulgou-se o “Código Penal dos Estados Unidos do Brasil”. Com este Código deu-se ênfase ao caráter corretivo da pena as quais eram mais brandas. Porém, em 4 1891, com a promulgação de nova Constituição, foi abolindo algumas penas do atual Código Penal. Para Sérgio Salomão Shecaira e Alceu Corrêa Junior (2002, p. 41), “diante de tantas modificações, a pena ainda conservava seu caráter instrumental tanto de prevenção quanto de repressão e dominação social”. Já se vislumbra aqui a delimitação das finalidades que as penas deveriam ter. Com a Constituição Federal de 1988 (CF/88), a “Constituição Cidadã”, fundamentada na humanidade ou dignidade da pessoa humana (artigo 1°, III) 6 , o homem passou a ser visto como sujeito de direitos, não mais como objeto, e a partir de então deverá manter todos os seus direitos fundamentais que não foram atingidos pela condenação. A partir dessa nova posição do homem enquanto sujeito de direitos, entendeu-se que a prisão deveria privar o agente infrator da liberdade e não de sua dignidade. Nesse sentido, o art. 5°, III, da CF 7 , oriundo da interpretação do citado princípio estabelece que “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. Daí a importância da aplicação do princípio da dignidade da pessoa no nosso ordenamento jurídico, pois, sem ele, as pessoas poderiam ser passíveis de penas desumanas e cruéis. Para José Frederico Marques (1999, p. 148), a partir de então “[...] o condenado deve ser tratado com humanidade. Não se permite que o castigo imposto venha a ser instrumento de iniquidade e degradação”. Encontram-se na legislação ordinária, em concordância com a CF/88, alguns dispositivos que contemplam o princípio da humanidade das penas, como por exemplo, o art. 3° 8 , e art. 82, §1° 9 , da Lei de Execuções Penais (LEP), dentre outros dispositivos legais. A doutrina não discorda quanto ao conceito de pena, o qual é em suma, uma punição imposta pelo Estado a um infrator exercendo seu poder de punir. Para Rogério Greco (2015, p. 533), a pena é ”[...] a consequência natural imposta pelo Estado quando alguém pratica uma infração penal. Quando o agente comente um fato típico, ilícito e culpável, abre-se a possibilidade para o Estado valer o seu ius puniendi”. 6 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana; 7 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; 8 Art. 3º Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei. 9 Art. 82º Os estabelecimentos penais destinam-se ao condenado, ao submetido à medida de segurança, ao preso provisório e ao egresso. § 1º - A mulher será recolhida a estabelecimento próprio e adequando à sua condição pessoal. 5 Na definição dada por Washington dos Santos (2001, p.182), a pena é “uma imposição da perda ou diminuição de um bem jurídico, prevista em lei e aplicada, pelo órgão judiciário, a quem praticou ilícito penal”. Segundo Felipe Gonçalves Ferreira (2015, p. 1) por definição, a pena é imposta independente de aceitação, e é caracterizada pela perda ou diminuição de um bem jurídico, este pode ser entendido como tudo aquilo que a sociedade elegeu como valorativo, que é reconhecido e protegido pelo Direito. Com relação aos tipos de pena, Greco (2015, p. 544), as apresenta, conforme o art. 32, do C.P. 10 pelo qual as divide em privativas de liberdade, restritivas de direito e multa. Ainda segundo o autor, “[...] as penas privativas de liberdade se subdividem em: reclusão, detenção e prisão simples. As penas de reclusão e detenção decorrem da prática de crimes, já a prisão simples é para punir as práticas de contravenções penais.” Já as penas restritivas de direito são: prestação de serviços à comunidade, a entidades públicas, interdição temporária de direitos, limitação de fins de semana, perda de bens e valores e prestação pecuniária. E por fim, existe ainda a pena de multa. Como as penas privativas de liberdade compõem o foco do presente estudo, conforme abordado nas próximas páginas, as demais, quais sejam, restritivas de direito e as de multa, não serão abordados nesse trabalho. Conforme já dito, as penas privativas de liberdade se dividem em três espécies (reclusão, detenção e prisão simples), Greco (2015, p. 545). Todas elas, entretanto, possuem uma característica em comum, a prisão do agente ativo da infração penal. A pena de prisão simples é a mais leve entre elas, sendo aplicada somente no âmbito das contravenções penais. Torna-se vedado seu cumprimento em regime mais gravoso, o fechado, e deve ser cumprida somente em regime semiaberto e aberto. Justifica-se, portanto, a impossibilidade de o infrator que comete alguma contravenção penal cumprir sua pena em um mesmo ambiente daqueles que cometem crimes. As penas de reclusão devem ser cumpridas inicialmente em regime fechado, semiaberto ou aberto, são as penas previstas para os crimes mais graves. Pois bem, o art. 33 no parágrafo 2º 11 , do Código Penal (C.P.), diz que “As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado (...)”. 10 Art. 32º - As penas são: I - privativas de liberdade; II - restritivas de direitos; III - de multa. 11 Art. 33º - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado. § 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso; 6 Para tanto, devem ser observados os seguintes critérios: (a) Para a condenação a uma pena superior a 8 anos, o regime inicial para o cumprimento é em estabelecimento fechado (regime fechado); (b) Caso o apenado não seja reincidente e obtiver uma pena entre 4 e 8 anos deverá cumprir, desde o princípio, em regime semiaberto; (c) Já se a pena for inferior ou igual a 4 anos e o condenado não for reincidente, poderá cumpri-la em regime aberto. A fixação da pena se dá pelo juiz de acordo com o art. 59 12 do C.P. (art. 33, § 3º, C.P.). Por outro lado, nos casos em que o condenado for reincidente inicia-se o cumprimento da pena sempre em regime fechado. Porém, para Fernando Capez (2011, p.387): O Supremo Tribunal Federal permitiu que, embora reincidente, o sentenciado anteriormente condenado a pena de multa pudesse iniciar o cumprimento da sanção em regime aberto, desde que sua pena fosse inferior ouigual a 4 anos. (...) O Superior Tribunal de Justiça também flexibilizou o rigor da regra que impõe regime inicial fechado ao reincidente, independentemente da quantidade da pena de reclusão fixada, ao editar Súmula 269, publicada no DJU de 29 de maio de 2002, estabelecendo que, mesmo no caso de reincidente, o juiz poderá fixar o regime inicial semiaberto, e não o fechado, quando a pena privativa de liberdade imposta na sentença condenatória não exceder 4 anos. Essa decisão suaviza em muito a vida do apenado, pois para o art. 33, § 2º, alíneas ‘b’ e ‘c’ 13 , do C.P, o início do cumprimento da pena é em regime semiaberto ou aberto, apenas para não reincidentes. Para os reincidentes é previsto de início de cumprimento da pena o regime fechado. Essa maleabilidade aproximou à detenção, conforme análises seguintes. Por conseguinte, a pena de detenção deverá ser cumprida inicialmente somente em regime aberto ou semiaberto, a qual está reservada para os crimes mais leves. Nesse sentido, Greco (2015, p. 547), leciona que “[...] caso a pena estipulada tenha sido superior a 4 anos, o regime inicial de cumprimento da pena é no regime semiaberto. Se foi igual ou inferior a 4 anos, inicia-se em regime aberto. Entretanto, caso o condenado seja reincidente, o regime inicial é no semiaberto”. Ressalte-se, porém, que nos termos do caput do art. 33, do C.P., não há previsão legal para o início de cumprimento da pena o regime inicial fechado para detentos, visto que inicia- se obrigatoriamente em regime semiaberto ou aberto. Porém, pode haver regressão de regime de cumprimento da pena, por descumprimento de alguma condição imposta, o detento poderá se submeter ao regime fechado. 12 Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: 13 Art. 33 [...] b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto; c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto. 7 Neste sentido, Luís Francisco Carvalho Filho (2002, p. 43) esclarece ainda que: [...] foram criadas duas penas privativas de liberdade. Para crimes mais graves, a reclusão, de no máximo 30 anos, sujeitava o condenado a isolamento diurno por até três meses e, depois, trabalho em comum dentro da penitenciária ou, fora dela, em obras públicas. A detenção, de no máximo três anos, foi concebida para crimes de menor impacto: os detentos deveriam estar separados dos reclusos e poderiam escolher o próprio trabalho, desde que de caráter educativo. A ordem de separação nunca foi obedecida pelas autoridades brasileiras, e as diferenças práticas entre reclusão e detenção desapareceriam com o tempo, permanecendo válidas apenas as de caráter processual. Vale esclarecer, porém, que somente depois de atribuída a pena privativa de liberdade, seja ela reclusão ou detenção, é que o juiz deve fixar o regime inicial de cumprimento da pena a partir do quantum da pena aplicada ao condenado. Portanto, pode-se notar que as penas privativas de liberdade, conforme sua própria natureza recolhe o criminoso ou contraventor ao cárcere, retirando seu direito a liberdade. Feitas essas considerações sobre o contexto histórico da pena, o seu conceito, os tipos de penas e os regimes de cumprimento, cabe agora delinear sua(s) finalidade(s) frente ao ordenamento jurídico brasileiro. Nesse sentido, cabe ressaltar inicialmente que, conforme o art. 59 do C.P., as penas devem ser “[...] necessárias e suficientes à reprovação e prevenção do crime”. Nesse sentido, veja-se a seguir, o posicionamento de alguns dos doutrinadores sobre esse tema. Para Greco (2015, p. 537) “[...] de acordo com nossa legislação penal, entendemos que a pena deve reprovar o mal produzido pela conduta praticada pelo agente, bem como prevenir futuras infrações penais”. Segundo o autor, são duas as teorias que explicam as finalidades das penas: teoria absoluta e relativa, as quais compõem como objeto de estudo das finalidades da pena. “As teorias tidas como absolutas advogam a tese da retribuição, sendo que as teorias relativas apregoam a prevenção” conclui o autor. A teoria absoluta, na visão de Claus Roxin (apud GRECO, 2008, p. 489), a reprovação reside o caráter retributivo da pena, senão veja-se: A teoria da retribuição não encontra o sentido da pena na perspectiva de algum fim socialmente útil, senão em que mediante imposição de um mal merecidamente se retribui, equilibra e expia a culpabilidade do autor pelo fato cometido. Se fala aqui em uma teoria ‘absoluta’ porque para ela o fim da pena é independente, ‘desvinculado’ de seu efeito social. A concepção da pena como retribuição compensatória realmente já é conhecida desde a antiguidade e permanece viva na consciência dos profanos com certa naturalidade: a pena deve ser justa e isso pressupõe que se corresponda em sua duração e intensidade com a gravidade do delito, que o compense. Note-se que, para os adeptos dessa teoria, a absoluta, a pena não possui um fim social útil, para eles, a pena se reflete apenas com uma retribuição ao mal produzido, ou seja, não se ocupa meramente em castigar o autor do injusto penal e é esse caráter de castigo, pura e 8 simplesmente, que a teoria absoluta atribui à pena, é que causa entre os populares a sensação de que a justiça “cumpriu seu papel”. Nesse sentido, nos ensinamentos de Greco (2015, p. 537), se o infrator não for punido com uma pena mais severa instaura-se entre a sociedade uma sensação de impunidade por parte do Estado, desse modo: A sociedade, em geral, contenta-se com esta finalidade, porque tende a se satisfazer com essa espécie de “pagamento” ou compensação feita pelo condenado, desde que, obviamente, a pena seja a privativa de liberdade. Se ao condenado for aplicada uma pena restritiva de direitos ou mesmo a de multa, a sensação, para a sociedade, é a de impunidade, pois o homem, infelizmente, ainda se regozija com o sofrimento causado pelo aprisionamento do infrator. Ainda segundo o autor, a teoria relativa se fundamenta no critério da prevenção, que ainda se divide em: (a) prevenção geral – negativa e positiva; (b) prevenção especial – negativa e positiva. Em suma, para Greco na prevenção geral negativa a pena aplicada ao autor de infração penal tende a ser exemplo e fazer com que a sociedade reflita de praticar qualquer infração penal observando a reprimenda de um dos seus pares. Na prevenção integradora ou positiva, por outro lado, Paulo de Souza Queiroz (2000, p. 40) defende que: [...] a pena presta-se não a prevenção negativa de delitos, demovendo aqueles que já tenham incorrido na prática de delito; seu propósito vai além disso: infundir, na consciência geral, a necessidade de respeito a determinados valores, exercitando a fidelidade ao direito; promovendo, em última análise, a integração social. A prevenção especial, por sua vez, também pode ser concebida em dois sentidos, negativa e positiva. Segundo o sentido negativo, para Greco (2015, p.474), “existe uma neutralização daquele que praticou a infração penal, neutralização que ocorre com sua segregação no cárcere”. Pelo sentido positivo, segundo Roxin (apud GRECO, 2015, p.474), “a missão da pena consiste unicamente em fazer com que o autor desista de cometer futuros delitos”. Para Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 379) a finalidade da pena é: [...] é a retribuição ao delito perpetrado e a prevenção a novos crimes. O caráter preventivo da pena desdobra-se em dois aspectos,geral e especial, que se subdivide em outros dois. Temos quatro enfoques: a) geral negativo, significando o poder intimidativo que ela representa a toda a sociedade, destinatária da norma penal; b) geral positivo, demonstrando e reafirmando a existência e eficiência do Direito Penal; c) especial negativo, significando a intimidação ao autor do delito para que não torne a agir do mesmo modo, recolhendo-o ao cárcere, quando necessário e evitando a prática de outras infrações penais; d) especial positiva, que consiste na proposta de ressocialização do condenado, para que volte ao convívio social, quando finalizada a pena ou quando, por benefícios, a liberdade seja antecipada. 9 Conclui-se que Nucci (2009, p. 379), está intimamente ligado a doutrina unitário eclética, pois se apoia na concepção de retribuição e prevenção, assim como adotado no sistema normativo penal brasileiro, senão veja-se: Conforme o atual sistema normativo brasileiro, a pena não deixa de possuir todas as características exposta: é castigo + intimidação ou reafirmação do Direito Penal + recolhimento do agente infrator e ressocialização. O art 59 do Código Penal menciona que o juiz deve fixar a pena de modo a ser necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime. Além disso, não é demais citar o dispositivo no art 121, §5º, do Código Penal, salientando que é possível ao juiz aplicar o perdão judicial, quando as consequências da infração atingirem o próprio agente de maneira tão grave que a sanção penal se torne desnecessária, evidenciando o caráter punitivo que a pena possui. Sob outro prisma, asseverando o caráter reeducativo da pena, a Lei de Execução Penal preceitua que, “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”. Ademais, o art. 22, da mesma Lei, dispõe que “assistência social tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepara-los para o retorno a liberdade”. Merece destaque, também, o disposto no art. 5°, item 6, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos: “As penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados”. Impossível, então, desconsiderar o tríplice aspecto da sanção penal. Os defensores dessa teoria, assim como Nucci (2009, p. 379), buscaram combinar todas as teses apresentadas pelas teorias anteriores, visto que, mesmo que por visões diferentes, todos abordavam a concepção sobre a pena. Para Francesco Carnelutti (2006, p.103), a pena não tem a finalidade, pura e simples, de punir o criminoso, mas constitui-se também de um aviso para impedir o cometimento de futuros crimes, desse modo: Dizem, facilmente, que a pena não serve somente para a redenção do culpado, mas também para a advertência dos outros, que poderiam ser tentados a delinquir e por isso deve os assustar; e não é este um discurso que deva se tomar por chacota; pois ao menos deriva dele a conhecida contradição entre função repressiva e a função preventiva da pena: o que a pena deve ser para ajudar o culpado não é o que deve ser para ajudar os outros; e não há entre esses dois aspectos do instituto, possibilidade de conciliação. Pode-se concluir, nesse sentido, que Carnelutti (2006, p.103) diverge dos fins buscados pela aplicação da pena. Para ele ainda que se recupere da sua pretensão criminosa, o condenado deve permanecer no cárcere, para que sirva de exemplo para o restante da sociedade e resume dizendo que: O mínimo que se pode concluir dele é que o condenado, o qual, ainda tendo caído redimido antes do término fixado para a condenação, continua em prisão porque deve servir de exemplo aos outros, é submetido a um sacrifício por interesse alheio; este se encontra na mesma linha que o inocente, sujeito a condenação por um daqueles erros judiciais que nenhum esforço humano jamais conseguirá eliminar. Bastaria para não assumir diante da massa dos condenados aquele ar de superioridade que infelizmente, mais ou menos, o orgulho, tão profundamente aninhado ou mais íntimo de nossa alma, inspira a cada um de nós, ninguém verdadeiramente sabe, no meio deles, quem é ou não é culpado e quem continua ou não sendo. 10 Para Capez (2012, p. 384), a pena é definida como prevenção especial porque, esta objetiva à readaptação e a segregação sociais do criminoso como meios de impedi-lo de voltar a delinquir. A prevenção geral é representada pela intimidação dirigida ao ambiente social, pois acaba por intimar as pessoas para que não pratiquem crime, devido receio de ser punida. De acordo com Paulo Queiroz (2008, p. 88) a pena tem finalidade de prevenção geral de novos delitos por meio de uma coação psicológica exercida sobre seus destinatários, distinguindo-se dois momentos da pena: o da cominação e o da sua aplicação. No primeiro, o objetivo da pena é a intimidação de todos como possíveis protagonistas de lesões jurídicas; no segundo, o fim da norma é dar fundamento efetivo a cominação legal, dado que, sem a aplicação da cominação, se tornaria ineficaz. Cada teoria estudada se faz presente em momentos distintos na aplicação da pena, a cominação pelas mãos do legislador, a retribuição na sentença e, finalmente, a prevenção especial na execução penal, assim verifica Roxin (apud RAIZMAM, 2011, p.33). Sobre essa ideia principal, foi observado que cada uma das teorias da pena concentra seu enfoque em algum dos aspectos que interessam ao Direito Penal: a matriz preventivo-geral estará presente ao tempo da cominação penal; a retribuição, com a sentença; e a teoria da prevenção especial julgará o momento da execução da pena. O fato é que não constitui tarefa fácil afirmar qual das teorias que justificam a finalidade da pena é a mais completa, ao analisá-las ver-se-á que elas trazem a ideia do próprio Direito Penal conforme conclusão de Jorge de Figueiredo Dias (1999, p. 89): [...] É sabido como o problema dos fins (...) da pena criminal é tão velho quanto a própria história do Direito Penal (...). A razão de um tal interesse e da sua persistência ao longo do tempo está em que, à sombra do problema dos fins das penas, é no fundo toda a teoria do Direito Penal que se discute e, com particular incidência, as questões fulcrais da legitimação, fundamentação, justificação e função da intervenção penal estatal. Por isso se pode dizer, sem exagero, que a questão dos fins da pena constitui, no fundo, a questão do destino do Direito Penal. Nesse sentido, a pena deve ser justa e adstrita à culpabilidade do autor do fato punível. Entretanto, a pena é enxergada pela sociedade mais com o fim de retribuição ao injusto penal, devido ao sentimento de vingança próprio do individuo. Essa percepção é, deveras, fácil de notar na medida em que, uma vez atingido um bem jurídico eleito como valoroso pela sociedade, é natural que surja o desejo pela máxima punição ao infrator, sem se importar, com a prevenção. Portanto, tudo que foi estudado nesse primeiro tópico, deixa claro que a presença do Estado com o seu poder de punir é essencial para proporcionar paz e tranquilidade para a sociedade. É indispensável para a real proteção de bens jurídicos, a qual é a missão primordial do Direito Penal, sendo que este, por outro lado, é uma necessidade social que deve ser 11 utilizado em último caso “ultima ratio legis” 14 . A seguir, no segundo tópico, demonstrar-se-á o conceito, estrutura e a forma de implantação do princípio numerus clausus como ferramenta para diminuição da superlotação carcerária no sistema penitenciário brasileiro. 2 PRINCÍPIO NUMERUS CLAUSUS O termo numerus clausus, segundo Rafael Gonçalves Figueiredo (2018, p. 2), tem origem no latim, significa “número fechado”, começou a ser pensado em 1989, na França, quando o então deputado do Partido Socialista Francês Gilbert Bonnemaison sugeriu aoMinistério da Justiça da França sua implantação no sistema penitenciário do país como forma de controle, evitando assim a superlotação carcerária e visando o respeito aos direitos humanos dos presos. Assim defendeu o deputado: [...] a adoção do referido instituto, que significa, em termos simples, a inclusão de um preso, no sistema prisional, na medida em que houvesse nova vaga. Portanto, se um presídio tem lotação de 1000 pessoas, por exemplo, e houvesse necessidade de encarcerar o 1001º, este deveria aguardar, numa espécie de lista de espera (essa é uma das opções como se verá a seguir). A aplicação desse princípio permitiria que houvesse um controle do Estado quanto à quantidade de presos inseridos no sistema carcerário, permitindo-se que só ingressasse com um novo condenado à medida que se disponibilizasse uma vaga na proporção 1=1 (um para um), ou seja, um novo preso para uma nova vaga. Corroborando com o tema, Rodrigo Duque Estrada Roig (2014, p. 105), escreveu que em 1989, Bonnemaison encaminhou ao Ministro da Justiça relatório contendo uma série de propostas destinadas à modernização do serviço público penitenciário da França dentre elas, apresentou a ideia do numerus clausus: [...] foi apresentada a ideia do numerus clausus, que consistia na obrigatoriedade de que o número de presos em um estabelecimento penal atendesse ao número exato (fechado) de vagas disponíveis, de modo que, uma vez ultrapassada a capacidade máxima do estabelecimento, deveriam ser escolhidos os presos com melhor prognóstico de adaptabilidade social, impondo-lhes a detenção domiciliar com vigilância eletrônica. Ainda segundo Roig (2014, p. 105), os critérios de escolha dos presos que deveriam deixar a vaga desocupada para que novos presos pudessem ocupá-la sem superlotar as prisões – prognóstico de adaptabilidade social – e a medida de controle adotada – vigilância eletrônica – sofreram duras críticas à época. Estava surgindo, portanto, um novo método para 14 Diz-se que o Direito Penal é a ultima ratio, ou seja, é o último recurso ou último instrumento a ser usado pelo Estado em situações de punição por condutas castigáveis, recorrendo-se apenas quando não seja possível a aplicação de outro tipo de direito, por exemplo, civil, trabalhista, administrativo, etc. 12 evitar a superlotação carcerária e começa-se a olhar o preso como sujeito de direito que deve ter a sua dignidade respeitada, completa o autor que: [...] a par das críticas quanto ao critério de escolha dos presos – prognóstico de adaptabilidade social – e quanto à medida proposta pelo relatório Bonnemaison – vigilância eletrônica –, fato é que estava lançada uma proposta concreta de contenção da presença de mais presos do que a capacidade de vagas no cárcere. Conforme Roig (2014, p. 105), em junho de 2000, quando em discurso à Comissão de Inquérito da Assembleia Nacional Francesa 15 sobre a situação do sistema carcerário daquele país, Gilbert Bonnemaison voltou a defender sua aplicação e externar sua crença no princípio: [...] direi-lhes antes de mais nada a minha crença, forte ontem, mais forte ainda hoje, que esvaziar as prisões de sua superlotação e criar os meios para proibir a sua reprodução pelo numerus clausus é a única maneira de resolver o problema das prisões. Nesse sentido, Roig (2014, p. 107) conclui que apesar da ideia do numerus clausus não ter sido consagrada pela lei, ela não foi esquecida. Em 2006, o Conselho Econômico e Social da França 16 também recomendou a adoção do princípio: [...] a proposta de introduzir um numerus clausus, isto é, de aplicar estritamente o princípio de somente colocar uma pessoa onde só houver uma vaga e de fixar sobre esta base uma taxa de ocupação máxima, deveria ser considerada. Nesse mesmo ano 2006, ressurgiu a ideia do numerus clausus entre os juristas franceses, organizada por Bernard Bolze, um dos fundadores do Observatório Internacional de Prisões, com o nome de “Trop c’est trop! Pour un numerus clausus en prison” (Demais é demais! Por um numerus clausus na prisão!), e contou com o apoio de mais de trinta organizações da sociedade civil, registra Roig (2014, p. 107). No Brasil, o crescente aumento da população carcerária tem gerado déficit de vagas e, consequentemente, um sistema carcerário superlotado. As energias de trabalho dispensadas 15 O relatório final da referida comissão de inquérito francesa, emitido em 28 de junho de 2000, constatou: “A proposta de instaurar um numerus clausus estabelecendo um número máximo de pessoas encarceradas implica uma revolução completa na gestão da administração penitenciária. Trata-se de não mais se considerar a capacidade dos estabelecimentos penitenciários como infinitamente adaptável e ajustável, mas de impô-la, pelo contrário, como uma constante invariável (...).(...) devemos ter a coragem de considerar que a capacidade atual dos estabelecimentos penitenciários constitui um limite inultrapassável, a se impor às autoridades judiciárias e penitenciárias. Caberá aos magistrados a responsabilidade de gerir este limite, decidindo de encarcerar certo delinquente e, por encarcerar esse delinquente, liberar um outro. Muitos dentre os entrevistados pela comissão de inquérito se declararam favoráveis ao numerus clausus ou pelo menos consideraram que se trataria de uma interessante linha de pensamento”. Por fim, concluiu pela necessidade de introdução do princípio, estabelecendo que “(...) não parece oportuno, hoje, construir novas vagas de prisão nem novos estabelecimentos. De fato, a superlotação carcerária é principalmente devida à presença, nas casas de detenção, de pessoas que não têm nada que fazer lá (...). É por isso que é necessário, provavelmente mais por razões de ordem prática do que por razões de princípio jurídico, consagrar na lei um numerus clausus de vagas nas celas, a não se exceder. Hoje, parece ser o único meio de remediar o encarceramento sistemático, obrigando a administração a recorrer a outros meios”. 16 França. Les conditions de la réinsertion socioprofessionnelle des détenus en France. Avis du Conseil économique et social sur le rapport présenté par M. Donat Decisier au nom de la section des affaires sociales. Paris:Conseil Économique et Social, p. 26, fev. 2006. Tradução livre do autor. 13 pelos governos, para geração de novas vagas a partir da construção de novos presídios, não devem ser mais tidos como política pública fundamental, é só mais um componente, dentro de um mosaico bem mais amplo. Na visão de Werner Engbruch e Bruno Morais di Santis (2012, p. 6): O surpreendente é a extensão do problema, que não é recente, ele sempre esteve presente no sistema penitenciário nacional. Esses problemas vão desde a falta de vagas e consequente superlotação das prisões, como a falta de estrutura básica nos estabelecimentos, má-condição do preso dentro da prisão, violência praticada pelos agentes do Estado contra os presos, e a falta dos estabelecimentos adequados para o cumprimento das penas definidas pela lei. Por várias vezes se vê uma tentativa do legislador de inovar em matéria de pena, mas esse avanço acaba sendo freado pela realidade do sistema carcerário, que não acompanha esse desenvolvimento. Quase diariamente vemos nos noticiários rebeliões em presídios, em que presos são mortos de forma cruel pelos seus próprios pares. Em alguns casos, inocentes se tornam reféns, em outros, fugas cinematográficas realizadas por criminosos, e por fim, há ineficiência das políticas públicas que não são capazes de conter as organizações criminosas, cada vez mais presentes nos estados brasileiros. Sobre esse aspecto, o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, em entrevista à BBC Brasil 17 defende que a construção denovos presídios não será a solução para a crise carcerária: “Até porque um presídio para ser construído vai levar três, quatro anos, com todos os incidentes que ocorrem, licitações e tudo o mais”, afirmou Mendes (2017, p. 6). Na entrevista, o Ministro aponta medidas para reduzir a população carcerária, dentre elas, a promoção de mutirões judiciais nos presídios para julgar processos dos detentos em regime provisório e descriminalizar o uso de drogas. “Se você tem um fluxo de entrada enorme e não tem saída, a tendência é a superlotação”, conclui o ministro (2017, p. 2). Segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN) 18 relativos a junho de 2017 (2019, p. 8), o Brasil possui uma população carcerária de 726.354 presos distribuídos em 423.242 vagas por todo Brasil gerando um déficit de 303.112 vagas. Ainda de acordo com o Ministério da Justiça, a taxa de ocupação é de 171,61%, destes 32,39% são presos sem condenação o que corresponde a 235.241 presos. 17 Entrevista com o Ministro Gilmar Mendes, do STF, à BBC Brasil publicada em janeiro de 2017. 18 O INFOPEN é um sistema de informações estatísticas do sistema penitenciário brasileiro. O sistema, atualizado pelos gestores dos estabelecimentos desde 2004, sintetiza informações sobre os estabelecimentos penais e a população prisional. Em 2014, o DEPEN reformulou a metodologia utilizada, com vistas a modernizar o instrumento de coleta e ampliar o leque de informações coletadas. Pela primeira vez, o levantamento recebeu o formato de um relatório detalhado. O tratamento dos dados permitiu amplo diagnóstico da realidade estudada, mas que não esgotam, de forma alguma, todas as possibilidades de análise. Assim, convidamos todos os interessados a criticar e debater os resultados, com vistas à melhoria da gestão da informação e da política penal brasileira. 14 Para o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) 19 a situação só se agrava ao longo do tempo. Na década de 90 o número de presos no Brasil era de 90 mil, esse número hoje significa um aumento de 707,06% em relação ao total registrado em 1990. Para Benigno Núñez Novo (2017, p. 2), antes da sanção da nova Lei de Drogas, em 2006, o país tinha 47 mil presos por tráfico de entorpecentes. “O crescimento de detentos nesse período teria relação com a nova legislação” concluiu. As causas das superlotações dos presídios brasileiros, os efeitos da lei antidrogas, o excesso de prisões provisórias, o uso de regime fechado mesmo quando há penas alternativas e as prisões não cumprem papel de ressocialização e fortalecem o crime. Segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias divulgado em dezembro de 2017 (2017, p. 43), 62% da população carcerária é formada por crimes ligados as drogas, seguido por roubo (11%), furto (8%) e homicídio (6%). Ainda no entendimento de Novo (2017, p.3) a prisão provisória tem sido usada mais como regra do que exceção e completa: [...] ela se tornou uma forma de antecipar a execução da pena. Vale notar que o número de presos provisórios brasileiros é semelhante ao déficit de vagas. Evidentemente, não é possível dar liberdade a todos os detentos nessa condição, mas a revisão desses casos poderia significar um alívio no problema. Essa análise nos remete ao entendimento de que, para o autor, a prisão provisória está deixando de ser transitória, ou seja, o preso em prisão provisória vai ficando “esquecido” pelo Estado. Segundo o autor, as prisões provisórias correspondem exatamente ao déficit de vagas no sistema, em outras palavras esse déficit é causado justamente pela manutenção de presos provisórios no sistema carcerário, é relação de causa e efeito. Para Alfredo José Dantas (2018, p.4), a própria Lei de Execuções Penais é incompatível com a realidade brasileira, deste modo: A incoerência torna-se ainda mais gritante quando recorremos à legislação específica, ou seja, a LEP – Lei de Execução Penal. Nesta, especificamente o artigo 88 é bem claro quanto às condições de acomodação dos presos: “O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório”. Ora, em primeiro lugar, as celas individuais são apenas para presos em circunstâncias especiais – políticos e autoridades -. Para a grande e esmagadora maioria, não só a cela não é individual, como é excessivamente coletiva, muitas vezes ultrapassando o número de trinta, quarenta condenados, testando os limites de 19 O DEPEN é o órgão executivo que acompanha e controla a aplicação da Lei de Execução Penal e das diretrizes da Política Penitenciária Nacional, emanadas, principalmente, pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP). Além disso, o Departamento é o gestor do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN), criado pela Lei Complementar n° 79, de 07 de janeiro de 1994 e regulamentado pelo Decreto n° 1.093, de 23 de março de 1994. O DEPEN é responsável pelo Sistema Penitenciário Federal, cujos principais objetivos são isolamento das lideranças do crime organizado, cumprimento rigoroso da Lei de Execução Penal e custódia de: presos condenados e provisórios sujeitos ao regime disciplinar diferenciado; líderes de organizações criminosas; presos responsáveis pela prática reiterada de crimes violentos; presos responsáveis por ato de fuga ou grave indisciplina no sistema prisional de origem; presos de alta periculosidade e que possam comprometer a ordem e segurança pública; réus colaboradores presos ou delatores premiados. https://emporiododireito.com.br/perfil/benigno-nunez-novo-1508589190 15 acomodação, e de sobrevivência dos condenados. Mesmo em situações assim, é mantido o padrão de um único aparelho sanitário/lavatório, fator que contribui para a ausência de higiene, e até a contaminação e contágio dos detentos por bactérias e outros elementos característicos da imundície que se torna este espaço. A Lei de Execuções Penais (LEP) constitui grande avanço legislativo, pois ela é ferramenta norteadora quando o assunto é o tratamento da população carcerária. Entretanto, segundo a análise do autor a LEP não é aplicada na prática, ou por conta do Estado não ter condições gerais de se adequar a ela ou porque a LEP está há anos luz do sistema penitenciário nacional a uma situação considerada irreversível. Frise-se que o Poder Judiciário também possui sua parcela de responsabilidade na superlotação das cadeias. Enquanto o Código Penal prevê que nas penas menores de oito anos de reclusão, o agente pode iniciar o cumprimento da pena no regime semiaberto ou aberto, em muitos casos os presos são inseridos no regime fechado, o que ocasiona uma ocupação sem necessidade, apesar das possibilidades dadas pela lei. Vê-se, portanto, no princípio numerus clausus, uma saída para a superlotação carcerária brasileira. Assim como apresentado por Gilbert Bonnemaison, na França, para se inserir um apenado no sistema carcerário, necessariamente, deve haver uma vaga disponível, em outras palavras, é inimaginável um presídio com capacidade de 1000 (mil vagas), comportar 1001 (mil e uma) pessoas. A pena deve cumprir o seu papel ressocializador, mas para isso, devem-se haver ambientes em que se possam garantir os direitos não atingidos pela condenação. Deste modo, o terceiro tópico deste trabalho, visa demonstrar que já existe a aplicação do princípio numerus clausus no Brasil, ainda que de forma tímida e sem resultados práticos visíveis, através da atuação de diversos órgãos do Executivo e do Judiciário. 3 O NUMERUS CLAUSUS NO BRASIL Atualmente, a questão da superlotação de presos no sistema prisional brasileiro é público e notório, o que tem gerado séria crise no sistema penitenciário. No entanto, essa realidade vai de contramão ao que prevêa Lei de Execução Penal (LEP). Nesse sentido, o direito a que dispõe os presos de manter-se com sua integridade física e moral além de assegurado pela Constituição, (art. 5º, XLIX) e na LEP, está previsto no Código Penal (art. 38) 20 e em diversas outras leis e é de responsabilidade do Estado, proporcionar, em linhas gerais, essa integridade. 20 Art. 38 - O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral. 16 Percebe-se a aplicação do princípio numerus clausus no Brasil através de várias ações de diversos órgãos dos três poderes a exemplo do Conselho Nacional de Política Criminal de Penitenciária (CNPCP) 21 , órgão gestor das políticas criminais e penitenciárias no Brasil subordinado ao Ministério da Justiça, o qual emitiu em 2011, a Resolução nº 02 22 , de 03 de maio, através da qual “Fixa, em caráter excepcional e precário, o limite de vagas por cela coletiva nos casos que especifica”. A qual, em seu art. 1º determina que: Art. 1º. Fica, em caráter excepcional e precário, refixada a existência de seis para oito vagas por cela coletiva, especificamente nos casos de projetos a serem recepcionados pelo Departamento Penitenciário Nacional, que objetivem a construção de Cadeias Públicas, desde que sejam levados em consideração os parâmetros e proporções construtivas pactuadas nas Regras de Elaboração de Projetos Específicos do Anexo IV, Item 3, da Resolução n. 3, de 23 de setembro de 2005. A emissão da Resolução foi uma forma de limitar o número de presos distribuídos em cada cela para novos presídios públicos a qual a quantidade máxima deve ser de oito vagas em celas coletivas. Em 2016, o CNPCP emitiu nova Resolução n.º 05 23 , em 25 de novembro, que “Dispõe sobre os indicadores para fixação de lotação máxima nos estabelecimentos penais numerus clausus” pela qual, dentre outros objetivos, dispunha que: CONSIDERANDO que o estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade, pois a superlotação não é compatível com o processo de ressocialização e que os cárceres brasileiros – prova da ineficiência da política de segurança pública – implicam no aumento da criminalidade, inclusive, com a elevação das taxas de reincidência. Novamente o CNPCP atua na tentativa de dar qualidade de vida ao preso, pois um dos embaraços impeditivos para um processo de ressocialização bem sucedido é a superlotação e esta deve ser combatida. Ressalte-se porém, que a mesma Resolução em seu art. 1º 24 , dispõe que o critério universal da proporcionalidade de vagas no sistema prisional, seja o número de presos por 100.000 (cem mil) habitantes. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal (STF), já se posicionou através do julgamento do RE 641.320/RS, pelo qual tratou a falta de vagas com repercussão geral, que resultou na edição da Súmula Vinculante n.º 56. Segundo o STF, a falta de vagas viola aos princípios da individualização da pena (art. 5º, XLVI) e da legalidade (art. 5º, XXXIX) e 21 O primeiro dos órgãos da execução penal é o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, com sede na Capital da República e subordinado ao Ministro da Justiça. Já existente quando da vigência da lei (foi instalado em junho de 1980), o Conselho tem proporcionado, segundo consta da exposição de motivos, valioso contingente de informações, de análises, de deliberações e de estímulo intelectual e material às atividades de prevenção da criminalidade. 22 Resolução CNPCP n.º 02, de 03 de maio de 2011. 23 Resolução CNPCP n.º 05, de 25 de novembro de 2016. 24 Art. 1º. Recomendar que a capacidade total de vagas no sistema prisional, por unidade federativa, observe o critério universal de proporcionalidade do número de presos por 100.000 habitantes; 17 conclui dizendo que “A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso”. O Min. Marco Aurélio, também do STF, quando do julgamento da ADPF 347, reconheceu grave violação a vários direitos fundamentais no sistema penitenciário brasileiro, veja-se: [...] a conclusão deve ser única: no sistema prisional brasileiro, ocorre violação generalizada de direitos fundamentais dos presos no tocante à dignidade, higidez física e integridade psíquica. A superlotação carcerária e a precariedade das instalações das delegacias e presídios, mais do que inobservância, pelo Estado, da ordem jurídica correspondente, configuram tratamento degradante, ultrajante e indigno a pessoas que se encontram sob custódia. As penas privativas de liberdade aplicadas em nossos presídios convertem-se em penas cruéis e desumanas[...]. Nesse contexto, diversos dispositivos, contendo normas nucleares do programa objetivo de direitos fundamentais da Constituição Federal, são ofendidos: o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III); a proibição de tortura e tratamento desumano ou degradante de seres humanos (artigo 5º, inciso III); a vedação da aplicação de penas cruéis (artigo 5º, inciso XLVII, alínea “e”); o dever estatal de viabilizar o cumprimento da pena em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e sexo do apenado (artigo 5º, inciso XLVIII); a segurança dos presos à integridade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX); e os direitos à saúde, educação, alimentação, trabalho, previdência e assistência social (artigo 6º) e à assistência judiciária (artigo 5º, inciso LXXIV). (ADPF 347, rel. Min. Marco Aurélio. J. 09/09/2015). Observa-se que o órgão maior do Poder Judiciário, reconhece que o sistema penitenciário brasileiro é falido e aponta várias causas dessa falência, entre elas a precariedade das instalações das delegacias e presídios brasileiros. Nesse sentido, é clara a violação de direitos fundamentais, segundo Aurélio. O ministro do STF, Luiz Edson Fachin, ao conceder liminar em Habeas Corpus Coletivo, aplicando o princípio numerus clausus mandou uma unidade de internação para menores do Estado do Espírito Santo reduzir a sua taxa de ocupação para 119%. Segundo Fachin: 7. Para consecução do escopo almejado neste writ coletivo, a impetrante pede a aplicação do princípio do numerus clausus, limitando o número de socioeducandos que cumprem a medida socioeducativa de internação à capacidade máxima da UNINORTE, próxima a 119%. Conforme sustentado na inicial, o princípio do numerus clausus possui recente aplicação em âmbito internacional, e na ação civil pública envolvendo outra unidade de internação (UNAI), a decisão do juízo singular que estabeleceu, dentre outras medidas, a observância do número máximo de internos, num total de 68 adolescentes, sob pena de multa diária, fora mantida no STF, na Suspensão de Liminar 823/ES, Relator Min. Lewandowski. Com efeito, não há como desconsiderar a questão de fundo, socioeducandos internos da UNINORTE de Linhares/ES, ou seja, grupo de pessoas determinadas ou determináveis, que estão a sofrer constrangimento ilegal, porque convivem em ambiente degradante de superlotação. A solução apontada, qual seja, aplicação do princípio do numerus clausus, para o momento, é a que melhor se ajusta para minimizar e estabilizar o quadro preocupante. O percentual de 119% é extraído da taxa média de ocupação dos internos de 16 estados, aferido pelo CNMP em 2013. Por ora, por ausência de outros parâmetros, compreendo razoável o índice informado na exordial como a fixação de limite de internos que cumprem a medida socioeducativa de internação na 18 UNINORTE de Linhares/ES. (HC 143.988, rel. Min. Luiz Edson Fachin. J. 16/08/2018). De igual modo, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) 25 possui ações e institui programasque buscam a melhoria da qualidade do sistema carcerário brasileiro. Dentre esses programas destaca-se o Mutirão Carcerário 26 que desde 2008 objetiva garantir e promover os direitos fundamentais na área prisional. Esses Mutirões possuem dois eixos de atuação: (1) a garantia do devido processo legal com a revisão das prisões de presos definitivos e provisórios; e (2) a inspeção nos estabelecimentos prisionais do Estado. Na prática, juízes das execuções penais visitam os Estados para analisar a situação processual das pessoas que cumprem pena, inspecionando unidades carcerárias, visando evitar irregularidades e o cumprimento da Lei de Execuções Penais (LEP). Após o início do programa, segundo o CNJ, ao visitar todos os Estados brasileiros, os juízes analisaram cerca de 400 mil processos de presos e mais de 80 mil benefícios, entre eles progressão de pena, liberdade provisória e direito a trabalho externo. Como resultado, segundo registrado pelo CNJ, pelo menos 45 mil presos foram libertados. Nesse contexto, o CNJ busca parcerias com outros órgãos, a exemplo do “Acordo de Cooperação Técnica Internacional para o Fortalecimento da Fiscalização e do Monitoramento dos Sistemas Carcerário e Socioeducativo” 27 firmado pelo CNJ, pelo Ministério de Relações Exteriores e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) 28 , com o objetivo de desenvolver estratégias para o enfrentamento da crise no sistema prisional e socioeducativo. O ministro Dias Toffoli, Presidente do CNJ, relata, em seu discurso durante a cerimônia de assinatura do acordo (2018, p. 2): [...] as cadeias superlotadas, espaços degradantes sem oferta de condições mínimas de dignidade, resultam no aumento da violência no país. Nosso modelo de implementação da justiça penal só tem contribuído para o fortalecimento do crime organizado, dentro e fora das cadeias. [...] com essa e outras iniciativas, o CNJ entra em campo com ações concretas para mudar essa realidade. 25 Conselho Nacional de Justiça – CNJ, instituído através da EC 45/2004 que alterou o art. 92, incluindo o inciso I-A. Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário: I-A o Conselho Nacional de Justiça; O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é uma instituição pública que visa aperfeiçoar o trabalho do sistema judiciário brasileiro, principalmente no que diz respeito ao controle e à transparência administrativa e processual. Possui a Missão: desenvolver políticas judiciárias que promovam a efetividade e a unidade do Poder Judiciário, orientadas para os valores de justiça e paz social e almeja ser reconhecido como órgão de excelência em planejamento estratégico, governança e gestão judiciária, a impulsionar a efetividade da Justiça brasileira. 26 O Programa Multirão Carcerário é conduzido pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF). 27 Acordo de Cooperação Técnica Internacional para o Fortalecimento da Fiscalização e do Monitoramento dos Sistemas Carcerário e Socioeducativo. 28 O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) é a agência líder da rede global de desenvolvimento da ONU e trabalha principalmente pelo combate à pobreza e pelo Desenvolvimento Humano. O PNUD está presente em 166 países do mundo, colaborando com governos, a iniciativa privada e com a sociedade civil para ajudar as pessoas a construírem uma vida mais digna. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm 19 Ainda segundo Presidente do CNJ o termo estabelece a implantação de “centrais de vagas” nos tribunais conforme explica (2018, p. 4-5): Na prática, as centrais serão instâncias de controle efetivo das portas de entrada e saída do sistema carcerário, garantindo uma ocupação mais racional dos espaços prisionais. Há ainda o fomento às práticas de Justiça Restaurativa, uma alternativa de solução de conflito que pode ser utilizada em qualquer etapa do processo criminal. O Senado Federal, por sua vez, também atua, conforme sua função, na tentativa de diminuir a superlotação de presídios e garantir direitos individuais aos condenados. Nesse sentido, o Senado, a exemplo, aprova reformas na Lei de Execução Penal (Lei 7.210, de 1984) no sentido de dar maior qualidade aos presídios e à vida dos internos enquanto presos. As reformas objetivam atacar, principalmente, as causas da superlotação dos presídios, entre elas o excesso de presos provisórios e a falta de vagas para cumprimento de pena. Determina, por exemplo, que as celas devam ser individuais e equipadas com camas, vaso sanitário e lavatório (art. 88, LEP) 29 . Em que pese iniciativas de órgãos do judiciário a exemplo do STF, CNJ, CNPCP entre outras instituições, como já demonstrado, na tentativa de reduzir o número de encarcerados, os dados do INFOPEN mostram que o crescimento da população carcerária só aumenta. Nesse sentido, portanto, a solução mais viável é a aplicação prática e efetiva do princípio ou sistema numerus clausus, a fim de garantir os direitos fundamentais das pessoas presas bem como proporcionar a reinserção do condenado na sociedade. Entretanto, para uma melhor visualização de uma resposta mais rápida e eficaz à sociedade sobre a aplicação desse princípio seria necessário uma mudança de comportamento social e uma série de revisões e adequações de ordem físicas (nas penitenciárias) e de políticas públicas no sentido de que todos os atores desse processo possam contribuir para que as prisões (e as penas) possam realmente ressocializar para reinserir na sociedade um individuo de fato restaurado e decidido a nunca mais delinquir. CONSIDERAÇÕES FINAIS No entendimento de Durkheim (2006, p. 84) “o crime é fato social de uma sociedade sã”. Em outras palavras a existência de crime é uma característica de uma sociedade que opera dentro da normalidade. 29 Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7210.htm 20 Partindo-se desse pressuposto, conclui-se que o crime existiu, existe e sempre existirá. Em algumas sociedades em menor número e, em outras, em maior número. O fato é que trata- se que desde as épocas mais remotas já se percebia que tratava-se de um de um problema social e busca-se, desde então, resolver esse problema. Daí começou-se a pensar nas penas e sua função social. Nesse contexto, nas primeiras comunidades os crimes e ofensas eram punidos pela própria vítima, por um de seus familiares ou por membros da comunidade ao qual estavam inseridos. Assim eram aplicadas penas cruéis, de maneira desproporcional, sem critério e sem razoabilidade. Era a fase do “olho por olho e dente por dente” conhecida como fase da vingança privada. Depois passou a ser do rei, do príncipe ou do regente o dever se punir (vingança pública), chegando-se ao ponto de realizarem-se espetáculos de tortura em vias públicas. As sociedades evoluíram, porém não deixaram de delinquir. Os índices de criminalidade não param de aumentar e esse crescimento não é proporcional às atuais políticas públicas que tem como objetivo ressocializar os indivíduos, ou seja, as políticas públicas, ao que parece, não consegue barrar o crescimento da criminalidade nem tampouco diminuir a superlotação carcerária. Atualmente o sistema penitenciário nacional encontra-se em decadência, falido e ineficaz, pois dentre os problemas encontrados destaca-se a superlotação carcerária o que resulta em condições degradantes e subumanas, os presídios acabam se tornando depósitos de seres humanos. Logo, a melhor solução, dentre as já implantadas, não reside no fato da lei impor uma pena com o intuito de intimidar a sociedade para que esta pare de delinquir. Jáque o crime é intrínseco a sociedade, o mais eficaz seriam ações voltadas para os seus membros, ao invés de intimidá-los com uma tipificação penal. O Estado, ao que parece, não tem mais forças para promover uma reação a atuação de grupos e facções criminosas que agem, principalmente, de dentro das penitenciárias, capazes de, literalmente, parar uma metrópole como São Paulo, por exemplo, coibindo os cidadãos a saírem à rua e exercerem sua liberdade sem colocar em risco sua própria vida. Outro meio de diminuir a superlotação dos presídios, seria a revisão das penas, bem como das normas de entrada e a saída do preso das penitenciárias. Porém, essa iniciativa, só seria eficaz se popularizasse as penas alternativas como serviços comunitários e uso de tornozeleira eletrônica bem como a realização mais frequente de audiências de custódia. 21 Nesse sentido, defende o Ministro do STF Gilmar Mendes (2017, p. 5), que juízes e promotores devem atuar nesse sistema, visto que não se trata somente de direitos humanos, mas também de segurança pública, “o tema é Federal, o tema é Estadual [...] na verdade, o tema é de todos, do Judiciário, do Executivo”, conclui. É impossível, portanto, se pensar em ressocialização enquanto existir cadeias superlotadas e com violação de direitos dos presos. Assim, o sistema carcerário deve proporcionar meios de apoio, de acesso à sua família, precisa ainda da sociedade e do Estado, a fim de ressocializar-se, pois só a reclusão, nos moldes atuais, não resolve os problemas dos crimes. No tocante a função e finalidade da pena muito discutiu-se sobre o tema em sede doutrinária. Basicamente são duas as teorias que tentam explicar os fins a que se destinam as penas: absoluta e relativa. Em outras palavras as penas devem retribuir o mal praticado, incentivar o agente infrator para que este nunca mais volte a delinquir e, ao mesmo tempo, servir de alerta para os demais membros da sociedade no sentido de que, caso cometa crimes, irá se submeter ao cumprimento de uma pena. Por fim, o cárcere não pode ser visto como um depósito de seres humanos. A lei precisa ser respeitada e praticada tal e qual imaginou o legislador originário o que passa pela limitação do numero de pessoas dentro de uma cela de penitenciária. Assim como defendeu Gilbert Bonnemaison, em 1989, na França, o Estado brasileiro precisa agir, e rápido, no sentido de resolver, ao menos diminuir o sofrimento de presos e de suas famílias. 22 REFERÊNCIAS BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica ao Direito Penal. 3.ed. p.1, Rio de Janeiro: Revan, 2002. BATISTA, Nilo. 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