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50 LIÇÕES DE FILOSOFIA 10º ANO

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LIÇÕESDEFILOSOFIA
10.° ANO
AIRES ALMEIDA
CÉLIA TEIXEIRA
DESIDÉRIO MURCHO
LIÇÕESDEFILOSOFIA
|
10.° ANO
AIRES ALM
EIDA |
CÉLIA TEIXEIRA |
DESIDÉRIO M
URCHO
M
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MANUAL DIGITAL (oferta ao professor)
Porquê um manual organizado por lições? Em pri meiro lugar, porque
é precisamente para isso que serve um manual escolar: para lecionar.
Essa foi uma das razões que nos levou a optar pela estrutura que melhor
pode servir os professores na sua tarefa de ensinar. Em segundo lugar,
porque um manual ser ve também para os alunos aprenderem e estuda-
rem. Um manual organizado por lições facilita igualmente o estudo e a
aprendizagem dos alunos. 
Os professores dispõem, assim, de um manual estruturado em função
das suas necessidades concretas, com a planificação das aulas facilitada
no que diz respeito às matérias a lecionar, à sua distribuição temporal e
aos recursos a utilizar. Quanto aos alunos, dispõem de um guia simples
de apoio às aulas, com as matérias arrumadas de acordo com elas, per-
mitindo-lhes encontrar facilmente o que procuram.
E porquê 50 lições? Este não foi um número encontrado ao acaso.
Na verdade, é o número de lições (de 90 minutos) indicado no programa
da disciplina. Assim, o professor tem a garantia de que, ao seguir as li-
ções do manual, estará a cumprir integralmente o programa da disci-
plina, obedecendo também à distribuição de horas indicada para cada
tema. É certo que o programa tem algumas opções que nem todos os
professores lecionam, mas isso apenas contribui para deixar espaço
para cada professor usar como bem entender: promovendo o debate
nas aulas, recorrendo a textos, a filmes ou a outras estratégias.
Capítulo 10
Religião, Razão e Fé
Lição 37 | Fideísmo: fé sem provas
Lição 38 | A prova do desígnio
Lição 39 | A prova cosmológica
Lição 40 | A prova ontológica
Lição 41 | Críticas à perspetiva religiosa
A dimensão
religiosa4
Opção B
178
Percurso do capítulo 10
Prova
cosmológica.
Prova do
desígnio.
Prova
ontológica.
Ónus
da prova.
Problema
do mal.
Fideísmo: fé
sem provas.
Provas da
existência
de Deus.
Mal moral. Mal natural.
Deus
existe?
Sim. Não.
1 O professor pode desejar
esclarecer as propriedades
da divindade teísta, apre-
sentadas mais à frente na
caixa da pág.181. Contu -
do, o capítulo está escrito
sem pressupor que só está
em causa a divindade teís -
ta.
2 O professor pode desejar
discutir brevemente com
os alunos o próprio con-
ceito de fé.
3 O professor pode recorrer
ao filme Contacto, de Ro-
bert Zemeckis. Na parte
final, a protagonista acre-
dita em algo devido à ex-
periência que teve, mas é
incapaz de o provar.
4 O termo «fideísmo» deriva
do termo latino «fides», que
significa fé. 
5 O professor pode tornar ví-
vida a ideia de uma vida
re ligiosa usando o filme Ba -
raka, de Ron Fricke.
Espaço do Professor
CapítuloReligião, Razão e Fé 10
179
Lição 37
Fideísmo: fé sem provas
Sem risco não há fé. A fé é precisamente a contradição
entre a paixão infinita da interioridade do indivíduo
e a incerteza objetiva. Se eu for capaz de apreender
Deus objetivamente, não acredito; mas precisamente
porque não posso fazer isto, tenho de acreditar.
Søren Kierkegaard
Considere-se a questão de saber se há ou não oxigénio na atmosfera de Marte. Isto
é algo que estabelecemos observando, fazendo experiências científicas e racioci-
nando com base nelas. Caso não tenhamos provas suficientes, suspendemos o juízo,
ou seja, nem acreditamos que há nem que não há oxigénio na atmosfera de Marte.
Será que devemos fazer o mesmo quanto à existência de Deus? Devemos nós sus-
pender o juízo quanto à sua existência, a menos que tenhamos provas? Há quem
pense que não. Estas pessoas pensam que a existência de Deus1 é uma questão de
fé2. Não se trata de decidir com base em provas e argumentos, mas antes de ter fé.
Será razoável ter fé na existência de Deus na ausência de provas?3
Fideísmo
Alguns filósofos consideram que os métodos comuns de justificação, por meio de
provas e argumentos, são inadequados para justificar a fé na existência de Deus; ape-
sar disso, consideram legítimo ter fé em Deus. A esta teoria chama-se fideísmo.4 Deste
ponto de vista, a falta de boas razões para pensar que Deus existe não é uma boa ra-
zão para deixar de ter fé.
Considere-se o que acontece se tentarmos ouvir as cores. Como é evidente, a au-
dição não é um meio adequado para detetar cores. Contudo, isso não significa que
devemos abandonar a nossa crença nas cores; significa apenas que o sentido da au-
dição é inadequado para as detetar. Do mesmo modo, o fideísta pensa que os méto-
dos comuns de justificação são inadequados para detetar Deus. Isto porque Deus é
uma entidade sobrenatural. Só a fé nos pode pôr em contacto com Deus; os métodos
comuns de justificação não podem fazer tal coisa.
O argumento da fé
O filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard (1813-1855) foi um dos mais importantes
defensores do fideísmo. Kierkegaard defendeu que é inadequado exigir provas e ar-
gumentos a favor da existência de Deus porque, ao fazê-lo, estamos a eliminar o que
há de especial na vida religiosa, que se funda na fé; ora, do seu ponto de vista, a fé é
incompatível com provas e argumentos.5
1 É possível ter fé em Deus,
mesmo que tenhamos pro-
vas inequívocas da sua exis -
tência, mas no sentido de
ter confiança em Deus: con -
fiar que ele não nos en-
gana, nos ajuda, etc. Mas
ter fé em Deus, no sentido
da confiança, é diferente de
ter fé de que Deus existe.
2 O problema de saber se é
correto crer sem provas é
desenvolvido no Capítulo
11. 
3 Pascal explicitamente rejei -
ta a suspensão da cren ça
como uma terceira al ter -
nativa viável, mas não jus-
tifica adequadamente esta
rejeição. Quem o faz de
maneira mais plausível é
William James. Veja-se o
Capítulo 11. 
4 Veja-se o Texto 36. 
Espaço do Professor
PARTE 4 A dimensão religiosa | (opção B)
180
Imagine-se, por exemplo, que Deus se revelava de maneira inequívoca, ou que tí-
nhamos razões inequívocas para pensar que existe. Seria possível continuar a ter fé em
Deus? O fideísta responde que não. A fé religiosa é precisamente uma crença numa
divindade quando não há boas razões para acreditar na sua existência; quando há
boas razões para acreditar na sua existência, não só não é preciso ter, como não é se-
quer possível tê-la.1
Objeção ao argumento da fé
Aceitemos que faz parte da natureza da fé crer sem provas. O que queríamos saber
era se é correto crer sem provas. Agora, imagine-se que não é correto crer sem provas.
Nesse caso, isso significa que não é correto ter fé. Defender que é correto crer sem
provas porque essa é a natureza da fé seria como defender que é correto enganar os
outros porque essa é a natureza da mentira. Se não for correto enganar os outros, não
é correto mentir; se não for correto crer sem provas, não é correto ter fé. Assim, a ob-
jeção é que o argumento em defesa da crença sem provas é circular.2
A aposta de Pascal
O matemático, físico e filósofo francês Blaise Pascal (1623-1662) usou um argu-
mento que se tornou célebre, hoje denominado «aposta de Pascal». O argumento é
o seguinte: aceitemos que não conseguimos provar que Deus existe, nem que não
existe. Os vários argumentos a favor da existência de Deus não são bons, mas também
não temos argumentos bons a favor da inexistência de Deus. Aceitando que há um
empate da razão quanto à existência de Deus, o que será melhor fazer? Acre di tar ou
não?3
Pascal defendia que temos uma boa razão para acreditar em Deus, nessa circuns-
tância. Pois, se considerarmos todas as alternativas, vemos que temos tudo a ganhar
se Deus existir e formos crentes, ao passo que nada perdemos de importante se for-
mos crentes e Deus não existir. Por outro lado, se não acreditarmos e Deus realmente
não existir, nada ganhamos de importante; mas temos tudo a perder se nãoacreditar-
mos e Deus afinal existir. Logo, o mais razoável a fazer é acreditar em Deus.4
Deus existe Deus não existe
Somos crentes
Não somos crentes
Tudo a ganhar.
Tudo a perder.
Nada a perder.
Nada a ganhar.
1 Além disso, se Deus casti-
gasse os descrentes hones -
tos, não seria sumamente
bom. 
2 O professor pode explorar
outras objeções com os
alunos; por exemplo: tal-
vez Deus castigue pessoas
calculistas, que acreditam
na sua existência só por-
que fazem um cálculo do
que têm mais a ganhar. 
Espaço do Professor
CapítuloReligião, Razão e Fé 10
181
Objeção à aposta de Pascal
Uma objeção à aposta de Pascal é que o argumento pressupõe que se Deus existir
e não formos crentes, temos tudo a perder. Mas como sabe Pascal que isto é verda-
deiro? Talvez, pelo contrário, Deus castigue as pessoas crédulas, que acreditam nele
sem provas, e recompense as pessoas cuidadosas, que, na ausência de provas, não
acreditam. Afinal, Deus é bondoso e não vingativo;1 por isso, não irá castigar quem
não acreditar em Deus, desde que sejam boas pessoas. Assim sendo, é falso que te-
nhamos tudo a perder se não acreditarmos em Deus.2
Revisão
1. O que é o fideísmo?
2. Apresente uma objeção ao argumento fideísta.
3. Formule o argumento da aposta de Pascal.
Discussão
4. Será inadequado ter fé em Deus na ausência de provas? Porquê?
A divindade teísta
Ao longo da história da humanidade, muitas foram as divindades a que os seres hu-
manos prestaram culto. As divindades da antiguidade egípcia eram diferentes das di-
vindades da antiguidade grega e romana, que por sua vez eram diferentes das divinda-
des chinesas e indianas. Todas estas religiões eram politeístas porque prestavam culto
a várias divindades.
Nas religiões monoteístas presta-se culto a uma só divindade. É o caso do cristia-
nismo, do judaísmo e do islamismo. Chama-se «teísmo» à religião monoteísta que atri-
bui a Deus cinco caraterísticas, entre outras: omnipotência, omnisciência, suma bon-
dade, ser criador do universo e ser uma pessoa. 
A omnipotência é a capacidade para fazer tudo o que é logicamente possível fazer.
A omnisciência é a capacidade para saber tudo o que é logicamente possível saber.
A suma bondade é a perfeição moral: Deus só faz o que é correto fazer e faz tudo o que
é correto fazer. Ser criador do universo significa que Deus criou o universo físico em
que nos encontramos. E ser uma pessoa significa que Deus não é uma força da natu-
reza, mas antes um ser capaz de agir, como nós.
1 Em contraste, o argumen to
cosmológico baseia-se, não
na ordem do universo, mas
na sua existência.
2 Também conhecido como
«argumento teleológico». 
3 Outro exemplo é dado por
Paley, imaginando que al-
guém descobre um reló-
gio numa praia deserta.
4 Recorrendo a documentá-
rios científicos, o professor
poderá apresentar vários
outros exemplos aos alu-
nos, dependendo do con-
texto de turma.
5 Talvez se justifique o pro-
fessor esclarecer os alunos
que um artefacto é um ob-
jeto criado ou produzido
por alguém (por contraste
com coisas naturais, como
um seixo ou um trovão).
Espaço do Professor
PARTE 4 A dimensão religiosa | (opção B)
182
Lição 38
A prova do desígnio
Quando nos damos conta do ímpeto e incrível
velocidade do movimento dos céus, completando
com absoluta regularidade as suas mudanças anuais
e preservando toda a criação em perfeita segurança,
hesitaremos em reconhecer que isto é o resultado,
não apenas da racionalidade, mas de uma
racionalidade eminente e divina?
Cícero
Tudo no universo está cuidadosamente organizado, harmonizando-se cada parte
numa totalidade complexa. Há quem considere que Deus existe porque de outro modo
não poderíamos explicar esta ordem.1 Esta é a base do argumento do desígnio.2
Será a ordem que observamos no universo uma boa razão para pensar que Deus
existe?
A versão da semelhança
Imaginemos que descobrimos em Marte um objeto estranho. Quando o estudamos
com cuidado, descobrimos que é muito semelhante aos nossos telemóveis. Tem várias
partes interligadas entre si, permitindo fazer ligações telefónicas. Qual é a nossa con-
clusão? Que está ali uma marca da presença de seres inteligentes, mesmo que nunca
os tenhamos visto. Porquê? Porque esse objeto só pode ter sido criado por seres in-
teligentes. Mas, de novo, porquê? Porque todos os outros objetos semelhantes a esse
de que temos conhecimento nunca surgiram espontaneamente: foram sempre criados
por nós. Nunca vimos surgir espontaneamente um telemóvel, nem qualquer outro
objeto semelhante a um telemóvel.3
Ora, o universo também é feito de partes incrivelmente complexas, interligadas en-
tre si. Por exemplo, o Sol permite a existência de vida na Terra. As plantas permitem
a existência de animais herbívoros. Os herbívoros permitem a existência dos predado-
res e assim por diante. E, mesmo quando observamos as partes que constituem um
certo animal, podemos ver que estão organizadas de tal modo que possibilitam uma
determinada função. Por exemplo, cada uma das partes que constituem os nossos
olhos está organizada de tal modo que permitem a visão.4
O que isto significa é que o universo é semelhante a um artefacto:5 ambos são
constituídos por muitas partes interligadas entre si, que permitem várias funções. Ora,
se no caso do telemóvel concluímos que foi criado por seres inteligentes, devemos
concluir o mesmo relativamente ao universo: também este foi criado por um ser inte-
ligente. Esse ser inteligente é Deus.
1 Veja-se o Texto 38.
2 O professor pode estimu-
lar os alunos a ler o roman -
ce de Eça de Queirós, que
conta no último capítulo
com uma breve discussão
sobre o fatalismo, relaciona -
do com a discussão do de -
terminismo do Capítulo 2.
3 Outro exemplo bom para
estudantes é o de um bebé
de seis meses que se senta
ao computador e, ao brin-
car com as teclas, escreve
o romance todo de Eça de
Queirós. 
4 Veja-se o Texto 37.
Espaço do Professor
CapítuloReligião, Razão e Fé 10
183
Objeção à versão da semelhança
Imaginemos que descobrimos outro objeto em Marte. Mas é de tal modo estranho,
que não sabemos o que é, nem para que serve, se é que serve para alguma coisa.
Vemos que é muito complexo, com várias partes interligadas entre si, mas é total-
mente diferente de qualquer artefacto ou objeto natural que nós conheçamos. O que
concluímos, neste caso? Que o objeto foi feito por seres inteligentes? Não. Ficamos
sem saber se o objeto surgiu naturalmente, ou se foi feito por seres inteligentes. Isto
porque não conhecemos outros objetos semelhantes. O mesmo acontece no caso do
universo: é uma coisa única. Por isso, nada podemos concluir a partir da sua comple-
xidade.
Assim, uma objeção ao argumento anterior é que há uma diferença muito impor-
tante entre os artefactos e o universo. No que respeita aos primeiros, a nossa conclu-
são é correta porque já vimos vários; e, em todos esses casos, os artefactos foram fei-
tos por seres inteligentes. No caso do universo, contudo, não vimos vários. Só vimos
um universo. Por isso, não sabemos se foi ou não feito por seres inteligentes.1
A versão da ordem
Imaginemos que estamos a olhar a formação das nuvens, num dia de verão glo-
rioso. De repente, damo-nos conta de que as nuvens estão a formar letras no céu.
A pouco e pouco, começamos a ler: «A casa que os Maias vieram habitar em Lisboa,
no outono de 1875, era conhecida na vizinhança da rua de S. Francisco de Paula, e em
todo o bairro das Janelas Verdes, por casa do Ramalhete ou simplesmente o Rama -
lhete.»2
Ficamos muito surpreendidos. Esta é a primeira frase do romance Os Maias, de Eça
de Queirós. Depois dessa frase, as nuvens formam a segunda frase do romance… e
depois disso a terceira, e assim por diante sem parar, acabando por escrever todo o
romance de Eça de Queirós, sem errar.3
Será este estranho fenómeno fruto do acaso? A resposta é que isso nos parece in-
crivelmente improvável; tão improvável que é quase impossível. Seria uma coincidên-
cia inacreditável. O que suspeitamos é que algum cientista está a fazer experiências
com tecnologiasque desconhecemos. Dificilmente acreditamos que é um mero
acaso. Contudo, o universo, e nós mesmos e os nossos corpos, somos ainda mais
complexos do que Os Maias. Assim, uma versão do argumento do desígnio é a se-
guinte:
Se Deus não existe, o acaso é responsável pela ordem que observamos no uni-
verso. 
Mas o acaso não pode ser responsável por tal ordem, tal como as nuvens não
podem escrever por mero acaso Os Maias.
Logo, Deus existe.4
1 Recorrendo a documentá-
rios científicos, o professor
pode mostrar vários exem-
plos destes fenómenos no
mundo natural.
2 Veja-se o Texto 38.
Espaço do Professor
PARTE 4 A dimensão religiosa | (opção B)
184
Objeção à versão da ordem
Imaginemos que temos vários organismos num dado meio. Estes organismos ali-
mentam-se e reproduzem-se. Por mero acaso, alguns nascem com uma cor esver-
deada. Com essa cor, escapam mais facilmente aos predadores, escondendo-se en-
tre a folhagem. Com o tempo, deixam mais descendentes esverdeados do que os
outros, que morrem mais cedo devido aos predadores e por isso deixam menos des-
cendentes. Depois de muito tempo, todos os descendentes daqueles organismos
são verdes.1
Quando olhamos para os organismos, vemos uma ordem: os organismos são verdes
para melhor escaparem aos predadores. Por isso, parece-nos que esta ordem não
pode ser natural; alguém teve de a conceber e criar. Mas isso não aconteceu. Pro cessos
puramente naturais e do acaso dão, ao longo de um lento processo de adaptação e
ajustes sucessivos, origem à ordem. Esta é a base da teoria da evolução, de Charles
Darwin (1809-1882). Esta teoria prova que em muitos casos a ordem tem origem no
mero acaso.2
Assim, esta objeção põe em causa a segunda premissa do argumento do desígnio
anterior, mostrando que o acaso é muitas vezes responsável pela ordem.
Revisão
1. Formule a versão da semelhança do argumento do desígnio.
2. Formule a versão da ordem do argumento do desígnio.
Discussão
3. Concorda com o argumento do desígnio? Porquê?
1 Os argumentos cosmoló-
gicos baseiam-se na ideia
de que a existência do uni-
verso só pode ser expli-
cada recorrendo a outra
entidade, como Deus. 
2 A lógica de predicados per -
mite mostrar que este ar-
gumento é uma falácia: da
inversão dos quantificado-
res. 
3 O professor pode desafiar
os alunos a encontrarem
exem plos de acontecimen-
tos ou coisas cuja existên-
cia não tenha uma causa.
As entidades abstratas, co -
mo os números e os triângu-
los, não parecem ter causa.
4 O professor pode explorar
com os alunos várias ca-
deias causais que condu-
zem ao Big Bang, com a
ajuda de documentários
científicos. 
Espaço do Professor
CapítuloReligião, Razão e Fé 10
185
Lição 39
A prova cosmológica
Por mais que recuemos nos estados anteriores
[do mundo], nunca encontraremos neles uma razão
completa de por que existe mundo em vez de nada.
[…] Essa razão temos de a procurar fora do mundo.
G. W. Leibniz
De onde veio o mundo? Como começou a existir? Por que há mundo, em vez de
nada? Há quem considere que Deus existe porque de outro modo não conseguimos
explicar a existência do mundo.
Haverá algo de errado nesta maneira de pensar?
Versão da causa primeira
A primeira versão do argumento cosmológico1 que iremos discutir parte da ideia
de que se todas as coisas têm uma causa, então há uma causa para todas as coisas.2
Essa causa é Deus.
Se olharmos à nossa volta, verificamos que tudo o que acontece e tudo o que
existe tem sempre alguma causa. Por exemplo, a causa da nossa existência foram os
nossos pais; e a causa da existência dos nossos pais foram os pais deles. A causa do
planeta Terra foram vários acontecimentos anteriores que incluíam o nosso Sol. E a
causa do nosso Sol foram vários outros acontecimentos anteriores. Na verdade, fica-
ríamos muito surpreendidos se encontrássemos uma coisa qualquer ou um aconteci-
mento que não tivesse uma causa.3
Quando continuamos a recuar, procurando as causas das coisas, chegamos ao Big
Bang: o início do universo.4 Contudo, também o Big Bang tem uma causa, se aceita-
mos que tudo tem uma causa. Essa causa é Deus.
O argumento é então o seguinte:
Tudo tem uma causa.
Logo, o universo tem uma causa, que é Deus.
Objeção à versão da causa primeira
A principal objeção é que a conclusão contradiz a premissa do argumento. A pre-
missa do argumento é que tudo tem uma causa. Com base nesta premissa, conclui-se
que Deus é a causa do universo. Contudo, qual é a causa de Deus? A ideia é que Deus
não tem causa alguma. Nesse caso, porém, a conclusão contradiz a premissa, que afir-
mava que tudo tem uma causa. Por isso, este argumento é incoerente. 
dmurcho
dmurcho
dmurcho
dmurcho
dmurcho
dmurcho
1 O argumento é original -
men te apresentado por
Lei bniz em termos de ra-
zões suficientes e das no-
ções de existente contin-
gente e existente necessá-
rio. A versão aqui apresen-
tada é uma simplificação
didática. Veja-se o Texto 39.
2 O professor pode organi-
zar uma discussão de cada
uma das hipóteses.
3 A ideia é que o Big Bang é
um acontecimento contin-
gente, e não necessário, ao
passo que Deus é um exis-
tente necessário.
4 Uma vez mais, a ideia é a
de que a sequência existe
con tin gentemente, e não
necessariamente, ao passo
que Deus existe necessaria -
men te.
5 O argumento é dedutiva-
mente válido.
Espaço do Professor
PARTE 4 A dimensão religiosa | (opção B)
186
Versão da sequência de causas
A segunda versão do argumento cosmológico começa com esta pergunta simples:
por que há algo em vez de nada?1 Por exemplo, por que existe a Joana, em vez de
não existir? A resposta óbvia é que ela existe porque os pais dela a conceberam. Caso
os pais dela não a tivessem concebido, ela não existiria. Mas isto significa que temos
de perguntar agora por que existem os pais dela. E a resposta óbvia é que eles exis-
tem devido aos pais deles. E assim por diante.
Ora, ou esta sequência de seres responsáveis pela existência dos outros para num
dado ponto ou continua para sempre. Vamos explorar estas duas hipóteses, uma de
cada vez.2
Imaginemos então que a sequência de seres responsáveis pela existência dos ou-
tros para num dado ponto. Que ponto poderá ser esse? Imaginemos que é o Big
Bang. Poderá o Big Bang explicar por que existe a Joana? Não. Isto porque o Big
Bang aconteceu, mas poderia não ter acontecido. Temos de supor que foi Deus quem
criou o Big Bang, sendo responsável pela existência da Joana e de tudo o resto.3
Exploremos agora a segunda hipótese: a sequência de seres responsáveis pelos
outros continua para sempre. Neste caso, conseguimos explicar a existência da
Joana? Não. Porque ainda não explicámos por que razão existe essa sequência infinita
de seres responsáveis pela existência uns dos outros. Afinal, essa sequência existe,
mas poderia não ter existido. Por que razão existe? Uma vez mais, temos de supor que
foi Deus quem criou essa sequência infinita de seres, sendo responsável pela existên-
cia da Joana e de tudo o resto.4
Assim, o argumento é o seguinte:
Ou a sequência de seres para no Big Bang ou continua para sempre.
Se para no Big Bang, temos de supor que foi Deus quem o criou.
Se não para no Big Bang, temos de supor que foi Deus quem criou essa sequên-
cia infinita. 
Logo, em qualquer dos casos, Deus existe.5
A existência necessária de Deus
Uma maneira de defender que a versão da causa primeira não é incoerente é insistir
que Deus é causa de si mesmo; deste modo, a conclusão não contradiz a premissa,
pois é verdade que tudo tem uma causa, incluindo Deus. Nesse caso, contudo, por
que não dizer que o universo é causa de si mesmo? Se o universo puder ser causa de
si mesmo, é inválido concluir que Deus existe. 
O que isto significa é que precisamos de outro argumento a favor da ideia de que o
universo não pode ser causa de si mesmo, mas Deus pode sê-lo. Isto dá origem a outra
versão do argumento cosmológico, baseada nas noções de existentes necessários e
1 Os desenvolvimentos mais
sofisticados do argumento
cosmológico respondem
pre cisamente a estas obje-
ções.2 Veja-se o Texto 40. 
Espaço do Professor
CapítuloReligião, Razão e Fé 10
187
Duas objeções à versão da sequência de causas
A primeira objeção a esta versão do argumento cosmológico rejeita a segunda pre-
missa. A ideia da segunda premissa é a de que, se a sequência de seres para no Big
Bang, temos de supor que foi Deus quem o criou. Mas por que razão temos de supor
tal coisa? Talvez, pelo contrário, o Big Bang tenha surgido do nada; ou talvez seja um
acontecimento necessário, algo que não poderia deixar de acontecer. A objeção a essa
premissa é que pressupõe sem justificação que caso o Big Bang seja a origem de tudo,
não há outra maneira de o explicar exceto recorrendo a Deus. Mas parece haver ou-
tras maneiras. Logo, a premissa é pelo menos duvidosa.1
A segunda objeção rejeita a terceira premissa. Se a sequência de seres não para no
Big Bang, se é infinita, temos mesmo de supor que Deus a criou? Isto pressupõe sem
justificação que não há outras maneiras de explicar a sua existência. Con tudo, parece
haver outras maneiras. Talvez a sequência seja eterna e seja impossível que não exista.
Ou talvez tenha surgido do nada. Assim, a premissa é pelo menos duvidosa.2
Revisão
1. Formule a versão da causa primeira do argumento cosmológico.
2. Formule a versão da sequência de causas do argumento cosmológico.
Discussão
3. Concorda com alguma das versões do argumento cosmológico? Porquê?
existentes contingentes. Nós somos existentes contingentes, porque poderíamos não
ter existido. Para explicar a existência de seres contingentes, como nós, precisamos
de uma causa: nós existimos porque os nossos pais nos conceberam. 
Os seres necessários, contudo, não precisam desse tipo de explicação, precisamente
porque não poderiam não ter existido. Assim, se Deus for um existente necessário, é
verdade que, num certo sentido, é causa de si mesmo. O que significa que afinal a
versão causal do argumento cosmológico não é incoerente.
1 Dos argumentos a favor e
contra a existência de Deus,
o único que é a priori é o
ontológico. Um argumento
é a priori quando recorre
exclusivamente a premissas
a priori, não se apoiando
em qualquer informação
empírica; um argumento é
a posteriori se pelo menos
uma das suas premissas é
a posteriori, apoiando-se
por isso em alguma infor-
mação empírica.
2 O nome deste argumento
foi dado por Kant; anterior-
mente, era conhecido ape-
nas como «o argumento de
Ansel mo». A ideia de Kant
parece ter sido que este
argumento é ontológico
porque parte da natureza
do próprio ser hipotético
que é Deus. O argumento
cosmológico par te da exis -
tência do universo e o ar-
gumento do desígnio da
ordem patente no univer -
so.
3 Veja-se o Texto 41.
4 O termo de Anselmo é ape-
nas «maior», mas o argu-
mento torna-se mais com-
preensível usando o con-
ceito de grandiosidade;
daí que mais tarde outros
filósofos tenham usado o
conceito de perfeição, nou-
tras versões do argumento
ontológico.
Espaço do Professor
PARTE 4 A dimensão religiosa | (opção B)
188
Lição 40
A prova ontológica
Se aquilo mais grandioso do que o qual nada pode ser
pensado existisse apenas no espírito, este mesmo ser mais
grandioso do que o qual nada pode ser pensado seria algo
mais grandioso do que o qual algo pode ser pensado. Mas
isto é obviamente impossível. Logo, não há qualquer dúvida
de que aquilo mais grandioso do que o qual nada pode ser
pensado existe tanto no espírito como na realidade.
Santo Anselmo
Não será contraditório pensar que Deus não existe? Há quem considere que sim.
Se compreendermos bem o conceito de Deus, vemos que a sua inexistência é impos-
sível. Do mesmo modo, se compreendemos bem o conceito de triângulo, vemos que
é impossível que tenha quatro lados. 
Afinal, Deus é um ser perfeito. O mais perfeito que pudermos imaginar. Contudo,
como poderá o ser mais perfeito que pudermos imaginar não existir? Se não existisse,
não seria assim tão perfeito.
Haverá algo de errado nesta maneira de pensar?
O argumento ontológico1
Um dos argumentos a favor da existência de Deus é o ontológico.2 Este argumento
parte do conceito de Deus com o objetivo de estabelecer a sua existência. A primeira
versão influente do argumento ontológico, e uma das mais importantes, foi proposta
pelo filósofo e teólogo medieval, Santo Anselmo (1033-1109).
Ao refletir sobre o conceito de Deus, Santo Anselmo define-o como aquele ser
mais grandioso do que o qual nada pode ser pensado. Santo Anselmo pergunta-se
então se tal ser poderia existir apenas no pensamento. E conclui que não, pois, se exis-
tisse apenas no pensamento, poderíamos pensar noutro ser mais grandioso do que
ele: um ser grandioso que existisse na realidade e não apenas no pensamento. Logo,
Deus existe.3
Há dois aspetos importantes para compreender o argumento.
O primeiro é a distinção entre existir no pensamento e existir na realidade. Algo
existe no pensamento quando é pensado por nós. Mas algumas das coisas que exis-
tem no pensamento não existem na realidade: é o caso do Pai Natal. Outras coisas
existem no pensamento e também na realidade: é o caso de Marte. 
O segundo aspeto importante do argumento ontológico é a ideia de grandiosi-
dade.4 Santo Anselmo define Deus como o ser mais grandioso do que o qual nada
1 Do ponto de vista de An-
selmo, «Deus existe» é
uma verdade necessária,
tal como «Os triângulos
têm três lados». E Anselmo
considerava que só Deus
era um existente necessá-
rio: todos os outros exis-
tentes eram contingentes. 
2 Veja-se o Texto 42.
Espaço do Professor
CapítuloReligião, Razão e Fé 10
189
pode ser pensado. Mas em que sentido é um ser ou um objeto mais grandioso do que
outro? Não está em causa a grandeza física, mas antes a superioridade. Por exemplo,
qualquer automóvel é fisicamente maior do que um ser humano; mas os seres huma-
nos são superiores aos automóveis. Os automóveis, por exemplo, são mais rápidos do
que os seres humanos; mas os seres humanos sabem decidir se é melhor ir depressa
ou devagar. A ideia de Santo Anselmo é que Deus é um ser de tal modo superior, que
é inconcebível que exista outro que seja superior a ele.1
Objeção ao argumento ontológico
A primeira pessoa a reagir ao argumento de Santo Anselmo foi o seu contemporâ-
neo, o monge Gaunilo de Marmoutier (século XI). Gaunilo defendeu que se o argu-
mento de Anselmo fosse bom, poderíamos provar a existência do que nos apetecer.
Dado que não podemos provar a existência do que nos apetecer, o argumento onto-
lógico não é bom.
Por exemplo, se o argumento ontológico fosse bom, poderíamos provar a existên-
cia da ilha perfeita. Bastaria definir a ilha perfeita como aquela ilha mais grandiosa do
que a qual nenhuma pode ser pensada. Usando um argumento parecido ao ontoló-
gico, concluiríamos que tal ilha existe na realidade, pois se existisse apenas no pensa-
mento não seria a ilha mais grandiosa do que a qual nenhuma pode ser pensada.2
E, claro, podemos multiplicar os exemplos. Podemos definir o amigo mais gran-
dioso, o país mais grandioso, o bolo de chocolate mais grandioso e até o manual de
filosofia mais grandioso. Mas do facto de definirmos algo como a coisa mais grandiosa
não faz essa coisa passar a existir. Do mesmo modo, também não parece correto con-
cluir que Deus existe só porque o definimos como o ser mais grandioso.
Revisão
1. Formule o argumento ontológico.
2. Formule a crítica ao argumento ontológico.
Discussão
3. Concorda com o argumento ontológico? Porquê?
1 Apesar de atribuído a Epi-
curo por David Hume e ou-
tros autores, trata-se na
verdade das palavras de
Lactâncio (240-320 d. C.),
que as atribui a Epicuro.
Não sabemos se as pala-
vras são realmente de Epi-
curo.
2 Por exemplo, não se infere
corretamente que temos
boa justificação para crer
na inexistência de extrater-
restres só porque não te -
mos boa justificação para
crer que eles existem.
3 O professor pode neste
passo recorrer a casos que
no momento sejam objeto
de discussão pública.
4 Outra questão é se é pos-
sível provar proposições
ne gativas de existência (por
exemplo,que Deus não
existe ou que não exis te
éter).
Espaço do Professor
PARTE 4 A dimensão religiosa | (opção B)
190
Lição 41
Críticas à perspetiva religiosa
Ou Deus quer impedir o mal e não pode, ou pode
mas não quer. Se quer mas não pode, é impotente.
Se pode, mas não quer, é malévolo. Mas se ele
quer e pode, de onde vem então o mal?
Epicuro1
Todos os argumentos que estudámos a favor da existência de Deus enfrentam
objeções importantes. Além disso, também há objeções poderosas à ideia de que é
correto acreditar em Deus sem provas. Talvez possamos concluir que não temos boas
justificações para pensar que Deus existe. Nesse caso, teremos boas justificações para
pensar que Deus não existe?2
O ónus da prova
Um ónus é um custo que temos de pagar. Por exemplo, quando compramos um li-
vro, somos nós que arcamos com o ónus de o pagar, e não quem o escreveu.
No caso da existência de Deus, quem tem o ónus da prova? Se for o crente, é ele
quem tem de apresentar provas; quem não acredita em Deus só tem de mostrar que
nenhuma dessas provas é boa. Mas se o descrente tiver o ónus da prova, não lhe basta
mostrar que nenhuma das provas da existência de Deus é boa; terá de apresentar
boas razões para não acreditar que Deus existe.
Compare-se com o que acontece num tribunal. Quando alguém acusa a Joana de
ter cometido um crime em Paris no dia 2 de abril de 2013 às 21 horas, ela não tem de
provar que é inocente. Tudo o que ela ou o seu advogado de defesa têm de fazer é
mostrar que as provas da acusação não são boas.3 Contudo, em alguns casos, ela pode
provar a sua inocência: basta apresentar boas provas de que nesse dia e a essa hora
estava em Lisboa.4
Do mesmo modo, quem não acredita em Deus talvez não tenha o ónus da prova;
mas pode, mesmo assim, argumentar a seu favor. Uma maneira de o fazer baseia-se
no problema do mal.
1 Ou seja, sabe tudo o que é
logicamente possível saber;
isto significa que Deus não
sabe o que a Joana fará
amanhã, porque, admitin -
do que ela tem livre-arbí-
trio, é logicamente impos-
sível saber o que ela fará
amanhã. 
2 Ou seja, pode fazer tudo o
que é logicamente possí-
vel fazer; isto significa que
Deus não pode criar seres
com livre-arbítrio que nun -
ca façam o mal, por exem-
plo.
3 Em termos mais rigorosos,
é logicamente impossível
que Deus crie um mundo
no qual não há mal moral
e, no entanto, há livre-arbí-
trio. Esta ideia é discutível,
mas é a base da defesa do
li vre-arbítrio.
4 É importante chamar a
atenção do aluno para a
ideia seguinte: para as nos -
sas escolhas serem moral-
mente significativas, não
podemos ter uma espécie
limitada de livre-arbítrio,
em que pudéssemos esco-
lher só coisas banais e sem
muita importância.
5 Veja-se o Texto 43.
Espaço do Professor
CapítuloReligião, Razão e Fé 10
191
O problema do mal
O problema do mal é a ideia de que o mal é incompatível com a existência de
Deus. A ideia é que Deus é sumamente bom, e por isso não quer o mal. Além disso,
é omnisciente,1 e por isso sabe que existe o mal. Como é também omnipotente,2
pode eliminar o mal. Assim, parece razoável pensar que se Deus existisse, não haveria
mal. No entanto, o mal existe: há homicídios, doenças, guerras e roubos. Por isso, pa-
rece que podemos concluir que Deus não existe:
Se Deus existisse, não existiria mal.
Mas o mal existe.
Logo, Deus não existe.
Dado que o argumento é válido e as premissas parecem verdadeiras, temos de
aceitar a conclusão: afinal, Deus não existe.
A defesa do livre-arbítrio
As guerras, roubos e homicídios são males morais porque resultam das ações hu-
manas; os terramotos, doenças e inundações são males naturais porque resultam de
acontecimentos naturais.
A defesa do livre-arbítrio é uma objeção à primeira premissa do argumento do mal,
e aplica-se mais facilmente ao caso do mal moral. A ideia é que Deus é compatível com
o mal moral. Porquê? Porque permitir o mal moral é a única maneira3 que Deus tem de
possibilitar a existência de outra coisa muito importante: o livre-arbítrio humano. 
Deste ponto de vista, um mundo com seres dotados de livre-arbítrio, como nós, é
melhor do que um mundo sem livre-arbítrio. E isto apesar de todo o mal que fazemos
com o livre-arbítrio, pois, se não tivéssemos livre-arbítrio, o bem que fizéssemos não
seria tão significativo.
A ideia é que criar-nos com livre-arbítrio era a única maneira que Deus tinha de tornar
as nossas escolhas moralmente significativas. Por exemplo, se não tivéssemos livre-arbí-
trio, não poderíamos escolher entre mentir e dizer a verdade; por isso, não seria moral-
mente significativo da nossa parte não mentir.4
Em conclusão, o mal moral existe porque os seres humanos têm livre-arbítrio. Deus
não poderia criar seres humanos moralmente significativos a menos que lhes desse li-
vre-arbítrio. Mas, a partir do momento em que temos livre-arbítrio, podemos escolher
entre o bem e o mal. Infelizmente, muitas pessoas escolhem o mal.5
Fu
ng
o,
 d
e 
Bi
lly
 A
le
xa
nd
er
.
1 Veja-se o Texto 43.
Espaço do Professor
PARTE 4 A dimensão religiosa | (opção B)
192
Resposta ao mal natural
Imaginemos que não há mal natural. Seria esse mundo realmente melhor do que
é? Há filósofos que insistem que não. E porquê? Porque não haveria coragem para en-
frentar a morte e a doença, não haveria heroísmo para salvar pessoas inocentes de ter-
ramotos e não daríamos o melhor de nós mesmos para curar as doenças.
Assim, um mundo com mal natural permite a existência de bens que de outro
modo não poderiam existir. Ao permitir o mal natural, Deus está a promover bens im-
portantes e significativos que não é possível promover por outros meios.
Em conclusão, deste ponto de vista, não há incompatibilidade entre Deus e o mal
natural.1
Revisão
1. O que é o ónus da prova?
2. Formule o argumento do mal.
3. Formule as objeções ao argumento do mal.
Discussão
4. Pensa que Deus existe? Porquê?
CapítuloReligião, Razão e Fé 10
193
Texto 36
A aposta de Pascal
Blaise Pascal
Consideremos a questão, dizendo «Ou Deus existe, ou não existe». Mas qual das al-
ternativas havemos de escolher? A razão nada pode determinar: há um caos infinito
que nos divide. Uma moeda que irá sair cara ou coroa é atirada ao ar no ponto extremo
desta distância infinita. Qual é a tua aposta? Se te apoias na razão, não podes decidir
por nenhuma delas, nem defender qualquer dessas posições.
Não acuses por isso de falsidade aqueles que fizeram a sua escolha, pois nada sabes
sobre isso.
«Não, eu não os culpo pela escolha que fizeram, pois tanto quem escolhe cara como
quem escolhe coroa é culpado do mesmo erro, ambos estando errados: o curso correto
de ação é não apostar». «Sim, mas temos de apostar. Não és um agente livre; estás ob-
rigado a apostar. Qual irás então escolher? Vamos lá: dado que és obrigado a escolher,
Estudo complementar
Kolak, Daniel e Martin, Raymond (2002) Sabedoria sem Respostas. Trad. Célia Teixeira. Lis -
boa: Temas e Debates, 2004, Cap. 6. Uma introdução imaginativa e que faz pensar sobre
alguns temas centrais da filosofia da religião.
Rowe, William L. (2000) Introdução à Filosofia da Religião. Trad. Vítor Guerreiro. Lisboa:
Verbo, 2011, Caps. 2-4, 6-7. Uma introdução à filosofia da religião muito completa e didá-
tica.
Swinburne, Richard (1996) Será Que Deus Existe? Trad. Desidério Murcho et. al. Lisboa:
Gradiva, 1998. Um testemunho pessoal de um dos mais importantes filósofos contemporâ-
neos da religião, numa linguagem simples. 
Warburton, Nigel (1992) Elementos Básicos de Filosofia. Trad. Desidério Murcho. Lisboa: Gra -
diva, 1998, Cap. 1. Uma introdução muito esquemática aos principais argumentos da área.
Filmes
Baraka, de Ron Fricke (EUA, 1992). Um filme em busca da espiritualidade pelo poder das
ima gens e da música apenas.
Cloud Atlas, de Tom Tykwer e Andy & Lana Wachowski (Alemanha, 2012). O mal que uns fa-
zem é a oportunidade de outros para o bem. 
Contacto, de Robert Zemeckis (EUA, 1997). Quando tivemos uma experiência que não pode
ser comunicada, será irracional aceitá-la?
Bl
ai
se
 Pas
ca
l.
PARTE 4 A dimensão religiosa | (opção B)
194
vejamos o que te interessa menos. Podes perder duas coisas: o verdadeiro e o bem; e há
duas coisas que arriscas: a tua razão e vontade, o teu conhecimento e beatitude; e a tua
natureza tem duas coisas das quais escapar: o erro e a infelicidade. A tua razão não será
mais profundamente afetada por escolher uma em vez da outra porque está obrigada a
escolher. Isto dá conta de uma das questões. Mas que dizer da tua beatitude? Compare -
mos os ganhos e perdas dizendo «Se sair cara, Deus existe». Comparemos os dois casos;
se ganhares, ganhas tudo; se perderes, nada perdes. Não hesites, pois. Aposta na exis-
tência de Deus.»
Blaise Pascal, Pensamentos, 1669, trad. Desidério Murcho, § 343
Texto 37
A prova do desígnio
Cícero
Suponha-se que depois de uma eternidade de escuridão viéssemos subitamente à luz
do dia, que aparência teriam os céus para nós? Tal como as coisas são, porque rotinei-
ramente as vemos todos os dias e nos são familiares, os nossos espíritos ficam acostu-
mados, e por isso não ficamos maravilhados, nem tentamos explicar o que está perante
os nossos olhos. É como se fosse a novidade mas não a majestade da criação a levar -
-nos a investigar as causas do universo. Quem consideraria um ser humano digno desse
nome se, depois de observar os movimentos dos céus, as disposições prescritas das es-
trelas e a conjunção e inter-relação de toda a criação, ele negasse a existência de racio-
nalidade em tudo isso, afirmando que era o acaso o responsável pelas obras criadas com
um grau de sabedoria tal que a nossa própria sabedoria não consegue compreender
completamente? Quando observamos que o mesmo objeto – um planetário, por exem-
plo, ou um relógio, ou muitas outras coisas – é posto em movimento por um meca-
nismo, não temos dúvida de que a razão está por detrás de tais artefactos; assim,
quando nos damos conta do ímpeto e incrível velocidade do movimento dos céus,
completando com absoluta regularidade as suas mudanças anuais, e preservando toda
a criação em perfeita segurança, hesitaremos em reconhecer que isto é o resultado não
apenas da racionalidade, mas de uma racionalidade eminente e divina?
Cícero, A Natureza dos Deuses, 45 a. C., trad. Desidério Murcho, p. 26
C
íc
er
o.
Lu
z,
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A
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Br
ud
a.
CapítuloReligião, Razão e Fé 10
195
Texto 38
Objeção à prova do desígnio
David Hume
Se vemos uma casa, concluímos com a maior das certezas que teve um arquiteto ou
construtor, porque este é precisamente o género de efeito que vimos proceder daquele
género de causa. Mas, certamente não irás afirmar que o universo se parece de tal modo
com uma casa que podemos com a mesma certeza inferir uma causa similar ou que a
analogia é aqui completa e perfeita. A dissemelhança é tão impressionante que o má-
ximo a que podes aspirar neste ponto é a uma suposição, uma conjetura, uma presun-
ção a respeito de uma causa semelhante. […]
A ordem, arranjo ou ajustamento das causas finais, a menos que tenhamos verificado
por intermédio da experiência que têm origem nesse princípio, não constituem por si
uma prova de desígnio. Pois tanto quanto podemos saber a priori, a matéria – tal como
a mente – pode conter originariamente em si a fonte ou origem da ordem; e imaginar
que, devido a uma causa interna ou desconhecida, os diversos elementos se possam dis-
por segundo o mais admirável arranjo não é mais difícil do que imaginar que, devido
a uma causa interna desconhecida semelhante, as ideias se disponham segundo esse ar-
ranjo na grande mente universal. Tem de se admitir que ambas as suposições são igual-
mente possíveis.
David Hume, Diálogos sobre a Religião Natural, 1779,
trad. Álvaro Nunes, p. 33
Texto 39
A prova cosmológica
G. W. Leibniz
Suponhamos que o livro Elementos de Geometria era eterno, e que cada exemplar ti-
nha sido sempre copiado de um exemplar anterior. É evidente que apesar de se poder
dar uma razão para a existência do livro atual, com base no anterior, nunca se chega a
uma razão completa correndo um número qualquer de livros em sucessão, em direção
ao passado. Pois pode sempre perguntar-se por que razão tais livros sempre existiram;
por que razão foram escritos; e por que razão foram escritos como foram. O que se diz
dos livros pode igualmente dizer-se dos estados do mundo. Pois o que se segue é de al-
gum modo copiado do precedente (apesar de o ser de acordo com certas leis da mu-
dança). E portanto, por mais que recuemos para estados anteriores do mundo, nunca
se encontra nesses estados uma razão completa para a questão de saber por que há
mundo em vez de nada, nem por que razão o mundo é como é. 
G. W. Leibniz, «Sobre a Origem Última das Coisas», 1697, trad. Desidério Murcho, p. 149 
D
av
id
 H
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G
. W
. L
ei
bn
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.
PARTE 4 A dimensão religiosa | (opção B)
196
Texto 40
Objeção à prova cosmológica
David Hume
Ao percorrer uma sucessão eterna de objetos, parece absurdo inquirir por uma causa
geral ou primeiro Autor. Como pode uma coisa que existe desde a eternidade ter uma
causa, uma vez que essa relação implica uma prioridade no tempo e um começo da
existência?
Além disso, numa tal cadeia ou sucessão de objetos, cada parte é causada por aquela
que a precede e causa aquela que lhe sucede. Onde está, então, a dificuldade? Mas o
todo, dizeis, carece de uma causa. Respondo que a união destas partes num todo, como
a união de vários condados distintos num reino ou de vários membros distintos num
corpo, é realizada por um mero ato arbitrário da mente e não tem qualquer influência
na natureza das coisas. Se eu te tivesse mostrado as causas particulares de cada indiví-
duo numa coleção de vinte partículas de matéria, consideraria muito pouco razoável
que me perguntasses a seguir o que era a causa do conjunto das vinte. Isto é suficien-
temente explicado ao explicar a causa das partes.
David Hume, Diálogos sobre a Religião Natural, 1779, trad. Álvaro Nunes, p. 95
Texto 41
A prova ontológica
Santo Anselmo
Uma coisa é um objeto existir no espírito, e outra coisa é compreender que um objeto
realmente existe. Assim, quando um pintor planeia com antecedência o que vai execu-
tar, ele tem-no no seu espírito, mas ainda não pensa que isso existe realmente pois
ainda não o executou. Contudo, depois de tê-lo efetivamente pintado, tem-no simul-
taneamente no seu espírito e compreende que existe porque o fez. Mesmo o insensato,
pois, é forçado a concordar que algo mais grandioso do que o qual nada pode ser pen-
sado existe no espírito, dado que o compreende quando o ouve, e o que é compreen-
dido está no espírito. E com certeza que aquilo mais grandioso do que o qual nada pode
ser pensado não pode existir apenas no espírito. Pois se existisse apenas no espírito, po-
der-se-ia pensar que existia também na realidade, o que seria mais grandioso. Assim, se
aquilo mais grandioso do que o qual nada pode ser pensado existisse apenas no espí-
rito, este mesmo mais grandioso do que o qual nada pode ser pensado seria algo mais
grandioso do que o qual algo pode ser pensado. Mas isto é obviamente impossível.
Logo, não há qualquer dúvida de que aquilo mais grandioso do que o qual nada pode
ser pensado existe tanto no espírito como na realidade.
Santo Anselmo, Proslogion, Cap. II, 1077-78, trad. Desidério Murcho
D
av
id
 H
um
e.
Sa
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o 
A
ns
el
m
o.
CapítuloReligião, Razão e Fé 10
197
Texto 42
Objeção à prova ontológica
Gaunilo de Marmoutiers
Diz-se que algures no oceano há uma ilha a que, por causa da dificuldade (ou antes,
da impossibilidade) de encontrar o que não existe, foi dado o nome «Perdida». E se-
gundo reza a história esta ilha é abençoada com todo o género de riquezas e deleites
sem preço e em abundância, muito mais do que as Ilhas Felizes e, não tendo dono nem
habitantes, é em tudo superior, na abundância de riquezas, a todas aquelas terras que
os homens habitam. Ora, se alguém me disser que é assim, facilmente compreendo o
que se diz, dado que não há qualquer dificuldade nisto. Mas se depoisme disserem,
como se fosse uma consequência lógica disto: Não podes duvidar que esta ilha, que é
mais excelente do que todas as outras terras, verdadeiramente existe algures na reali-
dade, tal como não podes duvidar que existe no teu espírito; e dado que é maior a ex-
celência de existir não apenas no espírito mas também na realidade, tem necessaria-
mente de existir. Pois se não existisse, qualquer outra terra existente na realidade seria
mais excelente do que ela, e assim esta ilha, que já concebes como mais excelente do
que as outras, não seria a mais excelente. Se alguém quiser persuadir-me de que esta
ilha existe realmente para lá de qualquer dúvida, irei pensar que está a brincar ou terei
dificuldade em decidir qual de nós é mais insensato – eu, se concordasse com ele, ou
ele, se pensar que demonstrou a existência desta ilha com alguma certeza, a não ser que
me tivesse convencido primeiro de que a sua própria excelência existe no meu espírito
precisamente como uma coisa que existe verdadeiramente e indubitavelmente e não
apenas como uma coisa irreal ou duvidosamente real.
Gaunilo de Marmoutiers, Em Defesa do Insensato, Sec. 6, 1077, trad. Desidério Murcho.
A
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di
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.
PARTE 4 A dimensão religiosa | (opção B)
198
Texto 43
A defesa do livre-arbítrio
Richard Swinburne
Um mundo no qual os agentes possam beneficiar-se mutuamente mas não prejudi-
car-se é um mundo no qual só têm uma responsabilidade muito limitada uns pelos ou-
tros. Se a minha responsabilidade por si se limitar à questão de saber se lhe darei ou
não uma máquina de filmar e não lhe puder causar dor, tolher o seu desenvolvimento
ou limitar a sua formação, não terei uma grande responsabilidade relativamente a si.
Um deus que se limitasse a dar aos agentes esse tipo de responsabilidades limitadas pe-
los seus semelhantes não teria dado muito. Deus teria reservado para si a escolha su-
mamente importante quanto ao tipo de mundo a existir, permitindo apenas aos seres
humanos a pequena escolha de completar os pormenores. Seria como um pai que pe-
disse ao filho mais velho para olhar pelo mais novo e acrescentasse que estaria atento
a tudo o que o mais velho fizesse e que interviria mal este fizesse qualquer coisa errada.
[…]
Poderia, no entanto, sugerir-se que a ocorrência do mal moral forneceria oportunida-
des adequadas para podermos praticar essas grandes ações sem ser preciso que o sofri-
mento fosse causado por processos naturais. Tanto podemos mostrar coragem quando
somos ameaçados por um homem armado, como quando somos ameaçados pelo can-
cro; e tanto podemos ser compreensivos relativamente aos que estão em risco de mor-
rer às mãos de um homem armado como em relação aos que enfrentam o cancro.
Imagine, no entanto, que se elimina de uma vez todo o sofrimento mental e corpóreo
causado pelas doenças, terramotos e acidentes que os seres humanos não podem evitar.
Imagine que não existiriam doenças nem luto em consequência da morte prematura
dos jovens. Muitos de nós teriam então uma vida de tal modo fácil que não teríamos
pura e simplesmente muitas oportunidades de mostrar coragem nem, na verdade, de
nos manifestarmos de maneira muito bondosa. Precisamos desses insidiosos processos
de declínio e dissolução que nem o dinheiro nem o esforço podem evitar durante
muito tempo para termos as oportunidades, de outro modo tão fáceis de evitar, de nos
tornarmos heróis.
Richard Swinburne, Será Que Deus Existe?, 1996, 
trad. Desidério Murcho et al., pp. 108, 119
Ri
ch
ar
d 
Sw
in
bu
rn
e.

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