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91 Seleção em Plantas Autógamas A seleção é o meio pelo qual indivíduos com características superiores, em populações geneticamente variáveis, são favorecidos para a reprodução, deixando, portanto, maior número de descendentes. Este processo se dá tanto no âmbito da evolução (seleção natural) como no trabalho do melhorista. A seleção artificial, executada pelo homem nos programas de melhoramento genético, aplica-se às plantas autógamas e alógamas. Serão feitas considerações sobre a seleção como método de melhoramento, ressaltando-se as diferenças particulares relativas ao seu emprego, em função da estrutura genotípica diferente desses dois grupos de plantas. Consideram-se, basicamente, dois atributos da seleção, a saber: a) A seleção não cria variabilidade. Apenas atua na variação existente; b) A seleção somente age e é efetiva quando estão presentes diferenças hereditárias, ou genéticas. 8.1. PRÁTICAS ANTIGAS DE SELEÇÃO A prática de seleção como um processo empírico, baseado unicamente na sutileza e capacidade humana de percepção de certas diferenças entre plantas, é um procedimento muito antigo. Muitos conhecimentos sobre as técnicas de seleção foram se acumulando durante séculos, como conseqüência das práticas agrícolas. Entretanto, foi somente no final do século XVIII que o melhoramento de plantas tornou-se mais metódico, evidenciando a eficiência da seleção. Muito contribuíram para isso os trabalhos de Van Mons na Bélgica, Knight na Inglaterra, e Cooper nos Estados Unidos. No Século XIX apareceram informações com base mais sólida sobre o assunto. John le Couteur, um fazendeiro da Ilha de Jersey, verificou a diversidade de tipos encontrados em uma plantação de trigo, demonstrando a capacidade de perceber a uniformidade da progênie de plantas individuais, assim como as diferenças, em valor agronômico, entre as várias seleções 92 Melhoramento Genético de Plantas: Princípios e Procedimentos efetuadas. Segundo Allard (1971), seu trabalho, cujos resultados foram publicados em 1843, constituiu a primeira contribuição sobre a seleção individual de plantas no melhoramento de cereais (o trigo é uma planta autógama, e, portanto, a população original deveria constar de uma mistura de genótipos, ou linhas). Mais ou menos na mesma época, o escocês Patrick Sheriff, utilizando o mesmo procedimento, conseguiu desenvolver algumas variedades de trigo e aveia. A contribuição mais significativa para esclarecer os efeitos da seleção foi dada por Louis de Vilmorin, ainda no século XIX, concebendo um método de seleção de linhagens com teste de progênie, que passou a ser conhecido como Método de Vilmorin ou Princípio do Isolamento de Vilmorin . Durante muito tempo esse pesquisador trabalhou com trigo, não obtendo resultado algum, certamente por se tratarem de variedades puras. Todavia, seu método foi eficaz no aumento do teor de açúcar em beterraba açucareira, que é uma planta de fecundação cruzada. Isso vem corroborar as informações sobre as diferenças do processo seletivo plantas autógamas ou alógamas. O método de Vilmorin foi empregado de modo aprimorado pela Associação Sueca de Sementes, no final do Século XIX. Nessa época a seleção de linhagens puras passou a ser um método de melhoramento organizado e bem fundamentado. Todavia, somente no início do século seguinte os geneticistas puderam esclarecer a origem da variação, base da seleção. Nessa mesma ocasião, Johannsen (1903), botânico dinamarquês, estabeleceu as bases genéticas da teoria das linhas puras. 8.2. A TEORIA DAS LINHAS PURAS Johannsen (1903), com a conceituação de linhas puras e descrição do fundamento genético de sua formação, proporcionou sólida base científica para a seleção em plantas de autofecundação. Em seus experimentos, estudou os efeitos da seleção para o caráter peso das sementes de feijão, que é uma espécie essencialmente autógama. Iniciou o trabalho com um lote de sementes da cultivar Princess , que continha grãos de vários tamanhos e observou que as progênies de sementes mais pesadas, em geral, apresentavam maior peso médio de grãos, enquanto as derivadas de sementes mais leves tinham peso médio menor. Através da semeadura de progênies derivadas de dezenove diferentes sementes do lote original, obteve dezenove linhagens (linhas puras). Duas 93 Seleção em Plantas Autógamas observações importantes seguiram-se a essa primeira fase. Em primeiro lugar, constatou-se que cada lote tinha um peso característico. A linha no 1, a mais pesada, produziu sementes com peso médio de 68 cg. Foram observados valores intermediários desde esta média até 35 cg, que foi o peso médio da linhagem no 19. Johannsen concluiu, então, que o lote de sementes comerciais era constituído por uma mistura de linhas puras. Uma linha pura ficou definida como toda a descendência ou progênie obtida da autofertilização de um só indivíduo homozigoto. Em segundo lugar, observou-se a existência de sementes de diversos tamanhos dentro de cada progênie. Essa variação era, entretanto, muito menor do que aquela observada no lote original. Johannsen certificou-se de que tal variabilidade não era de natureza genética, mas sim devida a pequenas diferenças ambientais que afetavam cada planta com intensidade diferente. Inicialmente, as sementes de cada linha pura foram agrupadas em classes de 10 cg. Em seguida, cada conjunto foi semeado separadamente. Observou- se logo que as diferentes classes da mesma linha pura produziam progênies cujas sementes tinham o mesmo peso médio. As categorias de 20, 30, 40 e 50 cg, por exemplo, ocorreram na linhagem no 13. O peso médio das respectivas progênies foi de 47,5, 50,0, 45,1 e 45,5 cg. Deduz-se, então, que as sementes de uma linha pura, mesmo sendo de diferentes tamanhos, produzem progênies cujo peso médio é aquele que caracteriza a linhagem, ou seja, não importa o tamanho das sementes, se essas possuem a mesma constituição genética. Os resultados foram ainda confirmados pela seleção sucessiva de feijões grandes e pequenos, em cada linhagem, o que se observa no Quadro 8.1. Após seis gerações de seleção na linhagem número 1, o peso médio das sementes provenientes de feijões mais pesados foi 69 cg e das sementes de feijões mais leves, 68 cg. Assim, verificou-se que o peso médio permanecia constante em cada linhagem, produzida tanto a partir da semente mais pesada quanto da mais leve. Estes experimentos proporcionaram as bases para esclarecer os atributos fundamentais da seleção. Sendo o feijão uma planta autógama e como autofecundações sucessivas conduzem à homozigose, pode concluir-se que o lote original de sementes era constituído por uma mistura de linhagens homozigotas. Portanto, a descendência de uma semente não deveria mostrar qualquer segregação genética. As variações observadas dentro de uma linhagem, conseqüentemente, deveriam ter apenas o componente ambiental. A 94 Melhoramento Genético de Plantas: Princípios e Procedimentos seleção dentro das linhagens não produziu resultado algum, porque dentro de qualquer linha os indivíduos tinham exatamente o mesmo genótipo e, portanto, respondiam às influências do meio ambiente semelhantemente aos progenitores ou a outro indivíduo da mesma linhagem. Na população original, todavia, a seleção foi eficiente porque a variação tinha também um componente hereditário. A correção da interpretação dada por Johannsen a esses resultados precisos possibilitou estabelecer claramente a diferença entre fenótipo e genótipo e criou uma base científica sólida para a seleção. QUADRO 8.1. Efeitos da seleção durante seis gerações na linhagem número 1 da variedade Princess (Allard, 1971). Peso Médio das Sementes Paternais Peso Médio das Sementes Filiais Ano de Colheita Sementes de Peso Menor Sementes de Peso Maior Dif. Sementes de Peso Menor Sementes de Peso Maior Dif. 1902 60,00 70,00 10,00 63,15 64,85 +1,70 1903 55,00 80,00 25,00 75,19 70,88 -4,31 1904 50,00 87,00 37,00 54,59 56,68 +2,09 1905 43,00 73,00 40,00 63,55 63,64 +0,09 1906 46,00,84,00 38,00 74,38 73,00 -1,38 1907 56,00 81,00 25,00 69,07 67,66 -1,41 Em que pesem as considerações feitas a respeito do trabalho de Johannsen, sabe-se que a variação genética manifesta-se novamente em linhagens puras, às vezes com intensidade suficiente para ser considerada em programas de melhoramento de plantas. A grande diversidade de tipos existentes nas coleções mundiais de plantas autógamas é uma clara evidência da magnitude e importância, a longo prazo, das variações genéticas espontâneas. Tais variações se originam de mutações; sua dispersão pelas populações e sua combinação com outros mutantes se efetuam por meio de hibridação natural e suas conseqüências mendelianas. O conhecimento desses processos é da maior importância para o melhorista, pois as variações naturais em populações de plantas autógamas constituem as bases fundamentais para o seu melhoramento (Allard, 1971). Também podem ocorrer cruzamentos indesejáveis no campo e misturas mecânicas, em sacarias, máquinas, etc., inadvertidamente, que ampliam a variabilidade nas cultivares comerciais. 95 Seleção em Plantas Autógamas As mutações, certamente, proporcionaram a matéria-prima para as modificações ocorridas na evolução e na obtenção de novos e diferentes tipos de plantas, tendo contribuído muito mais do que a maior parte das aberrações cromossômicas, à exceção da poliploidia que teve importância significativa no processo evolutivo das plantas. Allard (1971) considera que a mutação é um processo recorrente, isto é, qualquer mutação que se observa hoje já ocorreu, provavelmente, muitas vezes na história do organismo, podendo supor-se que a maioria das mutações nas espécies cultivadas já tenha ocorrido durante os milhares de anos em que estas estiveram sob cultivo e que, devido à seleção natural e artificial, a maioria dos alelos hoje existentes tenha boa adaptação. Assim, não se espera que novas mutações venham a contribuir, na prática, para o cultivo de plantas. 8.3. SELEÇÃO DE LINHAS PURAS E SELEÇÃO MASSAL A seleção em plantas autógamas é um método antigo de melhoramento. Todavia, o conhecimento de suas bases científicas, como visto, é mais recente. A dispersão dos alelos mutantes nas populações depende de taxas de hibridação natural seguida de recombinação gênica através de muitas gerações. Como conseqüência do sistema reprodutivo natural dessas espécies, o melhorista pode estar razoavelmente seguro de que qualquer planta que selecione deverá ser homozigota e, portanto, originará uma linha pura que se reproduz com grande precisão. Essa é a base da seleção de linhas puras e da seleção massal em espécies autógamas. A seleção, como método, não é mais utilizada nos países ou regiões de agricultura avançada onde praticamente não existem mais as chamadas variedades antigas . A maioria das cultivares usadas, quando mantidas por instituições especializadas na produção de sementes comerciais, como as sementes certificadas, é constituída por linhas puras. Daí serem preferidos os métodos que envolvem hibridação, com os quais podem ser obtidos novos e valiosos genótipos (variedades puras). Todavia, a seleção como método de melhoramento ainda é viável em países ou regiões de agricultura menos desenvolvida. Os métodos de seleção de linhas puras e massal diferem entre si apenas quanto ao número de linhagens puras selecionadas que caracterizará a nova variedade. Na seleção de linhas puras, ou seleção de plantas individuais com 96 Melhoramento Genético de Plantas: Princípios e Procedimentos teste de progênie, a nova variedade é constituída por uma única linha pura. No método massal, as progênies de muitas linhas puras são combinadas para formar a nova variedade. 8.4. SELEÇÃO DE LINHAS PURAS Este método basicamente se desenvolve em três fases complementares: a) Na primeira fase seleciona-se um grande número de plantas da população ou variedade original que é geneticamente variável. Este processo inicial de seleção individual, com base em características aparentes de valor agronômico, é muito importante, pois é entre as progênies descendentes que ocorrerão diferenças genéticas e muito pouca ou nenhuma variação ocorrerá dentro de uma mesma progênie. Não se pode determinar qual o número de indivíduos a serem selecionados e que seja aquele adequado para todas as situações. Admite-se, no entanto, que esse número deva ser o maior possível, dependendo dos recursos disponíveis de tempo, mão-de-obra, existência de outros programas, etc. Em geral, várias centenas ou alguns milhares de indivíduos poderão ser selecionados, dependendo muito das diferenças fenotípicas aparentes. Uma seleção cuidadosamente feita é muito importante quando o espaço e outras limitações restringem o número de linhagens que podem ser cultivadas nas gerações subseqüentes. b) A segunda fase compreende o cultivo das progênies das plantas selecionadas em linhas, para que possam ser observadas criteriosamente. Essa qualificação visual pode ser feita em alguns anos, porque as condições ambientais costumam variar de ano para ano. Às vezes, faz-se a disseminação artificial de doenças, e outros auxílios à seleção que permitem a eliminação adicional de tipos inferiores. As progênies selecionadas são cultivadas por alguns anos, continuando- se a fazer as eliminações necessárias, que devem ser drásticas nesse período, reduzindo o número de linhagens a um tamanho manejável, pois a etapa final do programa é trabalhosa e geralmente de alto custo financeiro. Recomenda-se que nessa fase sejam instalados ensaios preliminares em locais e épocas de plantio usuais na região para a qual o material está sendo melhorado, mesmo que o número de 97 Seleção em Plantas Autógamas repetições e o tamanho das parcelas sejam limitados. c) A terceira fase começa quando o melhorista não pode mais selecionar apenas pelas observações, para isolar as melhores linhagens. É necessário, a partir daí, recorrer a experimentos com repetições, para que as linhagens remanescentes sejam comparadas entre si e também com as variedades comerciais, quanto à produção e outras características importantes para a cultura. Para isso o programa é conduzido em diferentes ambientes, durante três anos, pelo menos. Durante todas as fases do programa as avaliações dependem, evidentemente, do tipo de cultura, pois cada espécie tem as suas características botânico-agronômicas e fisiológicas específicas. Seguindo um processo natural e rigoroso procede-se então à produção de sementes genéticas, básicas, registradas ou certificadas. Finalmente, após multiplicação das sementes, novas cultivares são distribuídas aos agricultores. 8.5. SELEÇÃO MASSAL No método de seleção massal, a maioria das linhagens selecionadas são incluídas na população. Inicialmente, esse método foi utilizado com duas finalidades básicas: a) Obter cultivares locais melhoradas de modo rápido e seguro. Estas cultivares foram, em alguns casos, a base da agricultura em regiões ou países menos desenvolvidos e incluem linhagens diferentes quanto ao ciclo (muito precoces ou muito tardias), resistência a doenças, etc. As de qualidade inferior, obviamente, contribuem para a redução da produtividade da cultivar. Observa-se que, após a eliminação dessas linhagens e com a uniformização do ciclo, o material restante evidencia uma representação melhorada da cultivar, resultando um produto que pode ser distribuído aos agricultores sem muita experimentação. O tamanho da população inicial não é estabelecido com rigor. Pode iniciar- se o programa com algumas centenas ou dois ou três milhares de plantas. É importante considerar que se o número de plantas (linhagens) eliminadas for muito pequeno, ou muito grande, a variedade final poderá não atender aos objetivos básicos a que se destina. A eliminação não deve alterar as características agronômicas básicas essenciais da variedade original. Tal 98 Melhoramento Genético de Plantas: Princípios e Procedimentos procedimento permite que o melhorista não tenha que testar exaustivamenteo produto resultante, o que lhe possibilita dar mais atenção a outros programas de melhoramento; além disso, a variedade melhorada pode ser distribuída aos agricultores em tempo relativamente curto. b) Purificar cultivares para a produção de sementes. Para isso, algumas centenas de plantas são selecionadas em campos representativos da cultivar. As progênies obtidas dessas plantas individuais são cultivadas no ano seguinte, sendo inspecionadas nos primeiros estádios de desenvolvimento, permitindo que progênies com mutantes, híbridos naturais e misturas varietais, sejam eliminadas. As remanescentes, geralmente, são colhidas em conjunto e misturadas, originando um tipo de semente pura. Trata-se, nesse caso, de uma seleção inversa. Acredita-se que o cultivo de uma única linha pura pode induzir a alguns problemas, dada a sua uniformidade. Isto é válido especialmente quando há ataque de patógenos. A mistura de várias linhagens aparentadas proporciona uma flexibilidade conveniente às variedades de espécies autógamas, nesse caso. Assim, durante a purificação de sementes, procuram-se excluir somente os tipos ou progênies que visivelmente estão fora do padrão.
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