Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 FARMACOLOGIA I RAUL BICALHO – MEDUFES 103 Transmissão Metabotrópica INTRODUÇÃO Existem milhares de receptores metabotrópicos. Em termos de variedade, poucos receptores podem competir com os metabotrópicos. Por exemplo, acredita-se que só os receptores olfativos sejam cerca de 1000 receptores, provavelmente os mais numerosos do nosso organismo. Os receptores metabotrópicos basicamente funcionam assim: o transmissor se liga ao receptor (uma única molécula proteica com 7 domínios transmembrânicos) e, por alterações termodinâmicas, essa proteína muda de forma, ação que repercute nas proteínas G, que estão ligadas a ela. Essas proteínas G (subunidade α, β, γ) são as proteínas de ligação aos nucleotídeos da guanosina. Quando ocorre a mudança conformacional do receptor, o GDP é liberado e o GTP associa-se à subunidade α da proteína G. Essa subunidade α é liberada e se difunde até se ligar a uma enzima de membrana (no exemplo: Adenilato Ciclase), ativando ela. Essa enzima de membrana (efetor primário), então, quando ativada, vai formar uma molécula pequena, que é o segundo mensageiro (no exemplo: a Adenilato Ciclase converte o ATP em AMPc, que é o 2º mensageiro). SUBUNIDADE α DA PROTEÍNA G Em um esquema linear da subunidade α da proteína G, podemos perceber diferentes regiões que representam proporcionalmente as regiões de afinidade dessa subunidade com as diferentes moléculas envolvidas na neurotransmissão metabotrópica. No esquema, portanto, é possível diferenciar a região da subunidade que se liga ao receptor (vermelha), as que se ligam à Adenilato Ciclase ou outra enzima de membrana (amarelas), a que se liga às outras subunidades da proteína G (azul claro) e várias regiões que se ligam ao GDP e ao GTP (em azul escuro). O fato da subunidade α da proteína G ter vários sítios que se ligam ao GDP e ao GTP é um fator de proteção natural. Essa proteína foi selecionada exatamente devido a essa qualidade, porque o GTP/GDP pode se ligar em várias porções dela e possivelmente todas elas levem à ativação e liberação dessa subunidade para a ativação do efetor primário (enzima de membrana). Note que esses sítios de ligação ao GTP/GDP também são sítios de ligação da toxina do Cholera Morbus. Então, a toxina dessa bactéria se liga nessa região e inativa mecanismos extremamente importantes, por isso a cólera é uma infecção tão letal. Já o sítio de ligação ao receptor também é sítio de ligação da toxina da Bordatella pertusis. Essas 2 toxinas bacterianas, portanto, afetam diretamente a fisiologia da subunidade α dos receptores metabotrópicos. OBS.: Os receptores metabotrópicos também são chamados de receptores de ligação às proteínas G. PROF. SCHENBERG 2 FARMACOLOGIA I RAUL BICALHO – MEDUFES 103 PRINCIPAIS RECEPTORES METABOTRÓPICOS Existem milhares de receptores metabotrópicos, iremos mencionar pelo menos alguns que são mais importantes do ponto de vista clínico e de medicamentos. RECEPTORES MUSCARÍNICOS Os receptores muscarínicos, por exemplo, têm 5 tipos diferentes (M1 a M5). Lembrar de não confundir com as α- hélices M1-M4 das subunidades dos receptores ionotrópicos, porque são completamente diferentes. Todos os muscarínicos possuem 7 regiões transmembrânicas, seguindo o padrão dos receptores metabotrópicos. RECEPTORES α-ADRENÉRGICOS Os receptores α-Adrenérgicos são divididos em 4 subtipos de α1 (α1A-D), que são receptores pós-sinápticos envolvidos, por exemplo, na vasoconstrição, na broncodilatação e em outros efeitos. Além disso, existem outros 4 subtipos de α, os α2 (α2A-D), que são receptores pré-sinápticos noradrenérgicos, que, entre outras coisas, regulam a atividade dos receptores noradrenérgicos. Por exemplo, se você estimula o receptor α2 de um neurônio noradrenérgico, ele reduz a frequência dos potenciais de ação. RECEPTORES β-ADRENÉRGICOS Os receptores β-Adrenérgicos, também muito importantes, são encontrados no SNC e na periferia. Os receptores β1 são os adrenérgicos cardíacos, então, na periferia, eles são predominantemente do miocárdio, logo são importantes na função cardíaca. Os receptores β2 são receptores que estão nos brônquios e nos vasos e que são inibitórios, levando ao relaxamento da musculatura. Existem, ainda, os receptores β3, que existem no fígado e nos adipócitos, então estão envolvidos em mecanismos energéticos (lipólise nos adipócitos / glicogenólise no fígado). RECEPTORES DOPAMINÉRGICOS Os receptores dopaminérgicos são divididos em 2 classes: os receptores similares ao tipo D1, que são os receptores D1 e D5; e os receptores similares ao tipo D2, que são os receptores D2, D3 e D4. São receptores importantes, fundamentais no tratamento de Parkinson e esquizofrenia. RECEPTORES SEROTONÉRGICOS Os receptores serotonérgicos são divididos em 5HT1 a 5HT7. Os 5HT1, ainda, são divididos em 5HT1A,B,D,E,F, existia um 5HT1C, mas ele era tão diferente dos outros, visto que é excitatório e os outros 5HT1 são inibitórios, que ele virou o 5HT2. Os 5HT1 são importantes no tratamento da enxaqueca e na própria regulação do sistema serotonérgico em transtornos psiquiátricos. Lembrando que eles são inibitórios, enquanto os 5HT2A-C são excitatórios. A melatonina, que é um metabólito da serotonina, age em receptores MT1 e MT2. RECEPTORES HISTAMÍNICOS Os receptores histamínicos são importantes nos processos inflamatórios, visto que a liberação de histamina é fundamental nesse processo. Existem 3 tipos de receptores histamínicos (H1-3). RECEPTORES GLUTAMATÉRGICOS Dos receptores glutamatérgicos, já vimos 3 (ionotrópicos), mas existem outros 8 glutamatérgicos (metabotrópicos), os mGLU1-8. RECEPTOR GABAÉRGICO-B Dos receptores gabaérgicos, já vimos 1, o Gabaérgico-A, que é ionotrópico e permeável ao cloro. Existe um receptor glutamatérgico metabotrópico, que é o Gabaérgico-B (GABAB). RECEPTORES OPIOIDES Os receptores opioides têm uma nomenclatura específica: os receptores μ (mi), que são ativados pela morfina; os receptores δ (delta), que foram primeiramente observados no rim; e os receptores κ (kappa), que são ativados pela cetazocina (ketazocine). 3 FARMACOLOGIA I RAUL BICALHO – MEDUFES 103 RECEPTORES CANABINOIDES Os canabinoides são os receptores para a tetrahidrocanabinol (THC) e para o canabidiol. São divididos em 2 tipos, CB1 e CB2. Cada vez mais são descobertas mais funções importantes das substâncias que agem nesses receptores, além de funções clínicas de drogas para controle principalmente de epilepsia, mas também de dores (da esclerose múltipla, por exemplo). RECEPTORES DE ANGIOTENSINA E BRADICININA Exemplos de receptores para hormônios importantes são os de Angiotensina (AT1-2) e de Bradicinina (B1-2). Eles são fundamentais na função cardiovascular, além da bradicinina ser importante na dor e na inflamação. RECEPTORES DE QUIMIOCINAS Os receptores metabotrópicos das quimiocinas são divididos nos tipos CCR1-10 e CXC1-6. Existem cerca de 250 quimiocinas diferentes, que envolvem interleucinas, quimiotactinas e grande parte humoral do sistema imune. Uma boa parte deles (50 ou mais) possuem receptores metabotrópicos, o restante (maioria) possui receptores tirosina- cinase. Essas quimiocinas regulam o tráfego de elementos celulares da resposta imune. RECEPTORES DE TAQUICININAS As taquicininas (Substância-P, Substância-K e Neurocinina B) possuem 3 tipos de receptores excitatórios (NK1-3). Lembrando que a substância-P é muito importante na transmissão dos impulsos dolorosos e está presente em grade quantidade na substância gelatinosa da medula espinhal, que é onde estão os terminais das aferências dolorosas e os neurônios de projeção central que transmitem os impulsos dolorosos. OUTROS RECEPTORES METABOTRÓPICOS Alguns outros receptores metabotrópicos importantes são os de vasopressina (V1A-B e V2), de ocitocina (OT), de fator liberadorde corticotrofina (CRF1-2), de somatostatina (SST1-5), de colecistocinina (CCKA-B), de polipeptídeo intestinal vasoativo (VIP1-2), de neuropeptídeo Y (Y1-2, 4-6), de endotelinas (ETA-B), de purinas (P2Y), de fator natriurético atrial (ANF) etc. VIAS COLINÉRGICAS Grande parte das vias foi estudada em cérebros de rato, visto que há pouco acesso ao cérebro humano para esse tipo de estudo. As informações que temos hoje são mistas, algumas vieram de estudos do cérebro humano, algumas do rato e outras do macaco. Na anatomia do sistema nervoso central do rato podemos observar o bulbo olfatório, o córtex, o hipocampo, os colículos superior e inferior, o cerebelo, o bulbo, o mesencéfalo, o diencéfalo etc. Então, são regiões semelhantes à anatomia humana, o que facilitou os estudos. Os neurônios colinérgicos estão em grande parte no núcleo laterodorsal tegumentar (LDT) e no núcleo tegumentar pedúnculo-pontino (PPT), que se encontram na transição mesopontina. O núcleo LDT fica próximo ao aqueduto cerebral, onde ao redor é encontrada uma massa compacta de neurônios (massa cinzenta periaquedutal) e o núcleo PPT fica na extremidade do pedúnculo cerebelar superior (vias do cerebelo em direção ao tálamo/Th). Além disso, existem muitos desses neurônios no diencéfalo, na base do cérebro. Por exemplo, na banda diagonal de broca (DB), nos braços horizontal e vertical. Essas vias são importantes e se projetam, por exemplo, para o córtex e para o hipocampo (Hi). Esses neurônios colinérgicos se degeneram no início do Mal de Alzheimer. Então, aquela perda de memória que os pacientes apresentam (dificuldade em memorizar fatos recentes 4 FARMACOLOGIA I RAUL BICALHO – MEDUFES 103 no início da doença) é ocasionada pela perda dos neurônios na DB, no Núcleo Basal de Meynert (BM) e outros neurônios da base do prosencéfalo. Há, ainda, a habênula (Ha), que faz a ligação entre estruturas do prosencéfalo e estruturas do mesencéfalo, que também é bastante rica em neurônios colinérgicos. O septo medial (MS), que no rato é bem desenvolvido, é outro local com bastante desse tipo de neurônio. Algumas drogas para o tratamento de Alzheimer inibem a colinesterase, que gera um aumento dos níveis de acetilcolina no cérebro. Então, esses medicamentos que têm efeitos benéficos, pelo menos no início da doença, são medicamentos que aumentam a atividade da acetilcolina. SÍNTESE DAS CATECOLAMINAS As catecolaminas formam a outra classe fundamental de neurotransmissores que agem em receptores metabotrópicos. O primeiro passo para a síntese das catecolaminas é a hidroxilação da tirosina (adição da hidroxila) pela tirosina hidroxilase (TH), que vai formar a L-DOPA (L-diidroxifenilalanina). A L-DOPA, por meio da descarboxilase do aminoácido aromático (DAA), é convertida em dopamina. A dopamina é fundamental em diversos sistemas, como por exemplo o de prazer (está relacionada a alguns compostos de drogas que causam dependência como cocaína). A falta de dopamina causa o Mal de Parkinson e acredita-se que também a depressão. Já o excesso de dopamina em algumas vias do SNC causa a esquizofrenia. A dopamina, por meio da dopamina-β-hidroxilase (DBH), é convertida em noradrenalina com a adição de uma hidroxila no carbono β. Por fim, a noradrenalina é convertida em epinefrina (adrenalina). Isso é feito pela feniletanolamina-N-metiltransferase (PNMT) com a adição de um terminal metil na noradrenalina. Então, se um neurônio é dopaminérgico é porque ele não expressa as enzimas posteriores à dopamina (DBH e PNMT). Isso porque se ele expressa, por exemplo, a DBH, ele deixa de ser um neurônio dopaminérgico para ser noradrenérgico. Caso ele expresse também a PNMT, ele deixa de ser noradrenérgico e se transforma em neurônio adrenérgico (secreta adrenalina/epinefrina). Dopamina, noradrenalina e epinefrina são 3 neurotransmissores importantes do organismo, muitas drogas agem sobre seus receptores, sendo que todos eles agem sobre receptores metabotrópicos. VIAS NORADRENÉRGICAS E ADRENÉRGICAS A noradrenalina possui neurônios em poucos lugares do SNC, sendo concentrados no bulbo. Porém, desses neurônios parte uma rede tão vasta de projeções que fazem com que seja encontrada noradrenalina no cérebro inteiro. OBS.: Essa L-DOPA é uma droga de primeira linha no tratamento do Mal de Parkinson, isto é, o paciente é tratado com o precursor da dopamina. 5 FARMACOLOGIA I RAUL BICALHO – MEDUFES 103 Em particular, há o Locus coeruleus - LC (A6) - que significa local celeste (no cérebro fresco possui uma cor azulada pelo pigmento neuromelanina). Nesse local, existem cerca de 1600 neurônios de cada lado, que são responsáveis por grande parte das fibras ascendentes noradrenérgicas. Algumas poucas vias vão para os núcleos paraventricular e supraóptico do hipotálamo. Existem também alguns outros neurônios e vias descendentes, como por exemplo o núcleo A1/C1 (A1 = noradrenalina / C1 = adrenalina), que fica no bulbo rostoventrolateral, região importantíssima para o controle cardiovascular (baroreflexo). Ali ficam os neurônios que se projetam para a medula espinhal, especificamente para a coluna intermédio lateral (onde ficam os neurônios pré- ganglionares simpáticos). Então, esse conjunto de neurônios noradrenérgicos e principalmente adrenérgicos parecem ter uma importância fundamental na regulação cardiovascular. Há, ainda, o A2/C2, que é o núcleo do trato solitário (NTS), também chamado de núcleo noradrenérgico dorsal. Acredita-se, então, que parte dos neurônios do NTS são noradrenérgicos. Uma outra estrutura, que fica sobre o NTS, é a área postrema (última área do 4º ventrículo), que também é muito rica em noradrenalina. VIAS DOPAMINÉRGICAS Existem 2 principais sistemas, um deles é o tuberoinfundibular (A12), os neurônios desse núcleo estão na região tuberal do hipotálamo e vão para a hipófise (haste hipofisária / infundíbulo). A dopamina é um neurohormônio liberado pelo sistema porta-hipofisário, as veias levam esse neurotransmissor para a hipófise, que controla os lactotrofos. A dopamina, então, é o principal hormônio controlador desses lactotrofos, inibindo a produção de prolactina. Por isso que, antigamente, a dopamina era chamada de PIF (Fator Inibidor da Prolactina). Resumindo, a dopamina, como todos os neurohormônios, é liberada na eminência media, é captada por uma rede venosa, que é o sistema porta e é transportada para a adenohipofise, onde tem uma função de inibir secreção de prolactina. Existem, também, nas vias dopaminérgicas, outros sistemas com menor importância, como o do núcleo arqueado - ARC (A14) - e o do bulbo olfatório etc. Porém, em termos de importância nas vias dopaminérgicas, também temos um sistema que sai da parte compacta da substância negra - SN (A9) - e se projeta para os gânglios da base (caudado e putâmen). É o principal sistema envolvido no Mal de Parkinson, isto é, a degeneração desse sistema leva a essa doença. Então, as drogas que atuam no Mal de Parkinson pretendem aumentar a atividade/função dos neurônios sobreviventes dessa região. Sendo assim, os pacientes tratados com levodopa (remédio) produzem mais dopamina que os não tratados. 6 FARMACOLOGIA I RAUL BICALHO – MEDUFES 103 Já essa área 10 (A10) é um outro sistema, que é a área ventral tegumentar do Tsai (VTA). Ela é muito importante, porque ela se projeta também para o corpo estriado (caudado e putâmen), mas para a parte ventral dele, que controla emoções (o estriado dorsal é mais um órgão de memória de rotinas motoras, como costurar, parafusar, tocar piano etc.). O estriado ventral está envolvido com prazer e com gratificação por exemplo. Então, essas vias da área ventral tegumentar do Tsai estariam envolvidas exatamente com esse prazer, com, por exemplo, a dependência das drogas (cocaína, opioides, entre outros).Logo, a disfunção dessa região pode estar envolvida na depressão, quando o indivíduo perde o prazer pela vida e pelas coisas. SÍNTESE DE SEROTONINA E MELATONINA A serotonina é uma indolamina. Sua síntese ocorre a partir do triptofano. A triptofano hidroxilase (TPH) adiciona uma hidroxila ao triptofano e isso já forma a 5-hidroxitriptofano (5-HTP). Em seguida, a descarboxilase do aminoácido L-aromático (DAA) remove uma carboxila (assim como na síntese das catecolaminas) desse 5-HTP, levando à formação da serotonina (5-HT ou 5- hidroxitriptamina). A serotonina na glândula pineal é convertida em melatonina, que é muito importante nos mecanismos do sono, assim como a serotonina. A serotonina é a "menina dos olhos" da psiquiatria, inúmeras doenças psiquiátricas são tratadas com drogas serotonérgicas. VIAS SEROTONÉRGICAS No sistema serotonérgico, os neurônios se localizam bem na linha medial, em alguns núcleos da rafe. O núcleo dorsal da rafe - DR (B7) - possui um contingente enorme de vias serotonérgicas, que vão para o córtex, hipocampo, hipotálamo. O núcleo mediano da rafe - MR (B8) - também é muito importante. Além disso, existem vias descendentes, que estão envolvidas com sistemas de analgesia (autoanalgesia), como é o caso do núcleo magno da rafe - RM (B2) e vários outros da região, que se projetam para a medula espinhal. 7 FARMACOLOGIA I RAUL BICALHO – MEDUFES 103 PRINCIPAIS SISTEMAS DE NEUROTRANSMISSÃO METABOTRÓPICA Existem milhares de receptores metabotrópicos, mas poucos sistemas de neurotransmissão para os segundos mensageiros. Segue esquema geral/genérico: Basicamente há um sinal externo que é o 1º mensageiro, ele age no receptor de membrana e através de um transdutor, que é um intermediário (proteínas G), ele vai ativar um efetor primário, que é uma enzima da membrana plasmática. Esse efetor primário vai sintetizar o 2º mensageiro, que vai agir no efetor secundário. SISTEMA DO AMPc O exemplo mais importante do sistema do AMPc é quando a norepinefrina age no receptor β-adrenérgico e, através da proteína Gs (estimulatória), ativa a Adenilato-ciclase, o que vai levar à formação do AMPc e, com isso, a ativação da fosfocinase proteica A (PKA). Lembrando que uma fosfocinase é aquela molécula que move radicais fosfato de uma proteína para outra. SISTEMA DO IP3-DAG O sistema inositol trifosfato e diacilglicerol é o sistema de acetilcolina agindo no receptor muscarínico. Esse receptor metabotrópico, através de uma proteína G específica (Go), vai ativar a fosfolipase C (PLC). A PLC vai levar à formação de 2 segundos mensageiros, o inositol trifosfato (IP3) e o diacilglicerol (DAG). O IP3 é uma molécula de inositol (carboidrato cíclico com 6 carbonos) e 3 radicais fosfato. Ele vai agir no retículo endoplasmático promovendo a liberação de cálcio (Ca2+). Então, o cálcio, em determinadas situações, é sequestrado pelo retículo endoplasmático (no músculo, retículo sarcoplasmático) e sobre ação do IP3 ele pode ser liberado novamente ao citoplasma. Já o DAG vai ativar a fosfocinase proteica C (PKC). SISTEMA DO ÁCIDO ARAQUIDÔNICO No sistema do ácido araquidônico/aracdônico, a histamina age no receptor histamínico, que, através das proteínas G (Go), vai ativar a fosfolipase A2 (PLA2). Essa PLA2 vai liberar, então, ácido aracdônico, o qual vai ativar diversas enzimas, todas importantes nos processos inflamatórios (ciclooxigenases, lipooxigenases etc.). Macete: Sistema do AMPc = Noradrenalina > Receptor β-Adrenérgico > Adenilato Ciclase > AMPc > PKA Macete: Sistema IP3-DAG = ACh > Muscarínico > PLC > IP3-DAG > PKC Macete: Sistema do Ác. Aracdônico = Histamina > Receptor Histamínico > PLA2 > Ácido Aracdônico > Enzimas 8 FARMACOLOGIA I RAUL BICALHO – MEDUFES 103 OBSERVAÇÕES OBS. 1: A fosfolipase C (PLC) vai agir sobre os fosfolipídios de membrana, clivando ela e formando de um lado o IP3 e o DAG. O PLA2 também age nos fosfolipídios de membrana, só que cliva em outra posição, formando o Ácido Aracdônico. OBS. 2: Observe um neurônio sensorial da Aplysia californica (lesma do mar), que foi ativado por serotonina. Essa cor laranja é um marcador para AMPc. É possível observar, então, que esse AMPc é produzido e vai até o corpo celular e possivelmente até o núcleo da célula, mesmo existindo uma concentração dessa molécula no próprio dendrito. OBS. 3: Observando o receptor glutamatérgico metabotrópico, a primeira coisa que se repara é que ele não tem aquela coroa externa (alças de cisteína). Ele possui 7 regiões transmembrânicas, são 7 α-hélices em 1 só proteína, com o carboxi-terminal fica no meio intracelular e o aminoterminal no meio extracelular. Em uma representação de volume desse receptor, é possível perceber uma bolsa molecular, que é uma região em que o agonista (Ex.: malvoglurant) entra perfeitamente. Por ser uma passagem muito estreita, deve ser uma droga específica. 9 FARMACOLOGIA I RAUL BICALHO – MEDUFES 103 PRINCIPAIS AÇÕES DOS SEGUNDOS MENSAGEIROS Os segundos mensageiros podem ter diversas ações nas células, listaremos as principais. AMPLIFICAÇÃO DO SINAL ORIGINAL Uma das ações é a amplificação do sinal original. Uma molécula que age num receptor metabotrópico, a exemplo do receptor β-adrenérgico, vai ativar a adenilato ciclase, que é uma enzima que age no limite da difusibilidade, ou seja, praticamente toda molécula de ATP que esbarra nela é convertida imediatamente em AMPc (velocidade da enzima de catálise é muito alta). Então, se uma molécula age no receptor, a adenilato ciclase acaba sendo ativada e convertendo dezenas de milhares de moléculas de ATP em AMPc, que vão ter um efeito bastante amplo na célula. ALTERAÇÃO DA CONFORMAÇÃO DE ENZIMAS Outra ação é a alteração da conformação de enzimas. Em particular, nós vimos que o AMPc vai ativar a fosfocinase proteica A (PKA), sendo necessárias 2 moléculas de AMPc, que se ligam à enzima e causam a dissociação de subunidades reguladoras inibitórias, ativando ela. ALTRAÇÃO DE UMA SUBUNIDADE DE CANAL IÔNICO Os segundos mensageiros também podem fazer a alteração de uma subunidade de canal iônico. Eles podem afetar uma subunidade e fazer com que esse canal se torne mais permeável a algum íon ou que ele permaneça aberto por mais tempo. Por exemplo, canais de potássio são ativados pela ação da acetilcolina em receptores muscarínicos, isso acontece porque os receptores muscarínicos levam à formação de segundos mensageiros, IP3 e DAG, que levam à ativação de canais de potássio que vão hiperpolarizar a célula. Então, embora a transmissão metabotrópica não aja diretamente em canais iônicos, ela pode agir indiretamente. As fosfocinases proteicas podem fosforilar segmentos desses canais, alterando sua função. Logo, o fato do receptor em si não possuir um canal iônico não significa que ele não possa ter efeitos sobre eles, devido aos segundos mensageiros (ativam fosfocinases que fosforilam o canal, ativando ou inibindo ele). ALTERAÇÃO DO CITOESQUELETO Outra ação importante é a alteração do citoesqueleto. Todas células têm actina, não na proporção do tecido muscular, mas apenas mantendo o formato da célula. Esse citoesqueleto pode ser alterado pelos segundos mensageiros, o que pode causar alterações bruscas. Por exemplo, as Células de Purkinje do cerebelo são células gigantescas que têm uma copa de dendritos que se parece com uma antena parabólica olhando de frente, mas bem fina se olhando de lado. Os axônios do córtex cerebelar são perpendiculares a essa "antena", significa que ela recapta todo sinal desse córtex e envia para os núcleos cerebelares profundos. Isso demonstra como o formato do neurônio é importante para ele cumprir uma determinada função. Então, se você altera esse formato, por exemplo atrofia esse formado através de segundos mensageiros, há alteraçãoda função dessa célula. Sendo assim, a Célula de Purkinje deixaria de ser essa "antena parabólica" para ser uma antena de radinho/de pilha. Resumindo, o citoesqueleto é muito importante para a função dos neurônios. Por isso, existem neurônios de diversos tipos (piramidais, estrelados etc.). ALTERAÇÃO DE FATORES TRANSCRICIONAIS Por fim, outra ação importante dos segundos mensageiros é a alteração de fatores transcricionais. Isso é muito importante porque, em alguns medicamentos, o efeito clínico só aparece 15 dias depois do indivíduo iniciar o tratamento, é o caso dos antidepressivos, dos agentes antienxaqueca e outros. No caso dos antidepressivos, que são inibidores na recaptura de noradrenalina ou serotonina, eles inibem a recaptura em 30 minutos, mas o efeito clínico só aparece depois de 10-15 dias porque a alteração dos níveis intracelulares de segundos mensageiros terá efeitos muito mais lentos sobre a transcrição nuclear/genômica. Então, os segundos mensageiros vão alterar mecanismos transcricionais, que vão alterar a densidade de receptores de um ou outro tipo. Então, um indivíduo entra, por exemplo, com 20% de receptores do tipo A e quando termina o 10 FARMACOLOGIA I RAUL BICALHO – MEDUFES 103 tratamento ele está com 40% de receptores desse tipo. Esse aumento da transcrição dos receptores demanda tempo, além do transporte desses receptores, que também demanda muito tempo. TRANSMISSÃO ATÍPICA: ENDOCANABINOIDES A anandamida (AEA), que é um endocanabinoide (substância endógena que tem efeitos similares ao THC), é produzida no terminal pré-sináptico e pode agir no terminal pós-sináptico. Mas, por exemplo, o 2-araquidonoilglicerol produzido no terminal pós-sináptico pode agir no terminal pré-sináptico. Então, é possível ter tanto uma neurotransmissão anterógrada (no sentido do potencial de ação / pré>pós), quanto uma neurotransmissão retrógada (pós>pré). Os endocanabinoidses, então, agem por via anterógrada ou por via retrógrada. Neste caso, a ativação dos receptores pré-sinápticos (CB1) inibe os canais de cálcio voltagem-dependentes (VGCC), bloqueando a exocitose. SÍNTESE DOS ENDOCANABINOIDES A fosfolipase A2 (PLA2) leva a formação do ácido aracdônico, das ciclooxigenases, das prostaglandinas, dos tromboxanos etc. A Diacilglicerol lipase vai levar a formação da 2AG. E, também dos fosfolipídios de membrana, vai haver a formação da anandamida. Nesse contexto, é possível perceber que os fosfolipídios de membrana estão continuamente sendo utilizados como substrato para formação de substâncias sinalizadoras, que vão agir em receptoras. FITOCANABINOIDES E ENDOCANABINOIDES Dos fitocanabinoides, o tetrahidrocanabinol (THC) é o princípio alucinógeno da maconha, mas o canabidiol (CBD) corta as ações alucinógenas dessa molécula. 11 FARMACOLOGIA I RAUL BICALHO – MEDUFES 103 Os endocanabinoides são parentes do Ácido Araquidônico, que é um ácido graxo com 20 carbonos. A partir dele é formado a Anandamida (AEA) e o 2-araquidonoilglicerol (2-AG). Os fitocanabinoides os endocanabinoides, então, são os canabinoides do nosso organismo que agem sobre os receptores CB1 e CB2. TRANSMISSÃO ATÍPICA: ÓXIDO NÍTRICO (NO) O óxido nítrico é chamado de neurotransmissor, mas na verdade ele é um segundo ou terceiro mensageiro. A descoberta do óxido nítrico elucidou diversos problemas na fisiologia. Por exemplo, sabia-se que os nitratos são agentes hipotensores, então as pessoas se tratavam com nitrato para reduzir a pressão arterial, porém não se sabia como eles agiam. Outro mistério que envolvia o óxido nítrico era de como a metacolina (agente colinérgico que não seja degradado pela colinesterase) causava uma vasodilatação acentuada. A dúvida era gerada porque os receptores colinérgicos muscarínicos não estão no vaso e sim no endotélio. Supuseram, então, que o endotélio produz um fator que relaxa o vaso, mas por muito tempo não se soube que era o óxido nítrico esse fator, já que os estudos buscavam sempre um fator sólido (substância dissolvida). Além desses, outro mistério era como ocorria o relaxamento do bulbo cavernoso durante o processo de ereção do pênis. Descobriu-se que o óxido nítrico vai ativar a guanilato ciclase solúvel (enzima que está no citoplasma), para formar GMPc, que vai agir no bulbo cavernoso, promovendo o relaxamento e intumescimento dele. Daí foram criadas drogas como o Viagra, que simplesmente inibem a fosfodiesterase-5, que é a enzima que hidrolisa o GMPc. O óxido nítrico (NO) não pode ser confundido com o óxido nitroso (N2O). O óxido nítrico é um radical livre, ou seja, é uma molécula altamente reativa. Logo, é um gás tóxico. Já o óxido nitroso é um gás anestésico. É impossível fazer imunohistoquímica de um gás, então ao lado vemos a imunohistoquímica da enzima responsável pela síntese, a sintetase do óxido nítrico (NOS) no cérebro do rato. Nesse caso, é o óxido nítrico cerebral (NO constitutivo), mas esse gás também é produzido no endotélio e nas células do sistema imune, macrófago principalmente (NO induzido). Na figura, podemos observar áreas mais claras, que são as áreas mais ricas em sintetase do óxido nítrico. No hipotálamo, então, é perceptível uma faixa de maior concentração dessa sintetase, além de altas concentrações no bulbo olfatório, no cerebelo (córtex cerebelar), no colículo inferior (camada mais externa) e no colículo superior (primeira camada = OBS.: Um dos medicamentos para dores da esclerose múltipla (EM) é uma mistura de canabidiol e tetrahidrocanabinol, que é tomado por meio de um spray nasal. 12 FARMACOLOGIA I RAUL BICALHO – MEDUFES 103 camada de processamento de informação visual). Em uma quantidade um pouco menor é possível perceber uma concentração de sintetase no hipocampo, no corpo estriado e no tálamo anterior (tálamo límbico). Sendo assim, o óxido nítrico é uma molécula sinalizadora, sendo que ele não está distribuído homogeneamente (como por exemplo o ATP). SÍNTESE DE ÓXIDO NÍTRICO DO SNC O óxido nítrico é sintetizado a partir da Arginina, um aminoácido, e pelo sinal promovido pelo Ácido Glutâmico no receptor NMDA, que promove a entrada de cálcio. Esse cálcio é captado pela calmodulina, que é uma proteína do tipo das proteínas envolvidas na contração muscular (tropomiosina). Então, a calmodulina, o cálcio fornecido pelo receptor NMDA, o dinucleotídeo fosfato da adenina e da nicotinamida (NADPH), a sintetase do óxido nítrico (NOS) e o oxigênio molecular (O2) convertem a Arginina em Citrulina com a liberação do óxido nítrico. O óxido nítrico tem 2 destinos. Ele pode atravessar livremente a membrana celular para agir no terminal pré-sináptico glutamatérgico e aumentar a liberação de Ác. Glutâmico (sinalização retrógrada). O outro destino é o NO agir sobre a guanilciclase solúvel (está no citoplasma), que vai levar à formação de GMPc, que vai ativar a fosfocinase proteica G (PKG). SÍTIOS DE AÇÃO NA SINAPSE Para finalizar, vamos observar um esquema de forma geral da sinapse. O primeiro passo importante é a captura do percursor, tirosina para as catecolaminas e triptofano para a serotonina ou endolamina. Esses processos podem ser bloqueados ou diminuídos pela falta de percursor. O segundo passo é o passo da síntese do neurotransmissor pelas enzimas (TH, DAA, DBH, TPH etc.), passo que também pode ser bloqueado. Por exemplo, os inibidores AMPT (α-metil-p- tirosina) bloqueiam a síntese de catecolaminas e os PCPA (para-clorofenilalanina) bloqueiam a síntese de serotonina. Formado o neurotransmissor (noradrenalina, dopamina, epinefrina, serotonina), ele pode ser armazenado, o que é chamado de captura (passagem para dentro da vesícula). Essa etapa pode ser bloqueada, por exemplo, por reserpina e guanetidina. Nesse caso, o neurotransmissor não entra na vesícula e fica exposto à ação da monoaminaoxidase(MAO), que está ligada às mitocôndrias e metaboliza as monoaminas, as OBS.: O cerebelo é o único local do SNC em que a fosforilação de proteínas é feita principalmente pela PKG (que é ativada pelo GMPc), visto que há uma quantidade enorme de sintetase de óxido nítrico nesse órgão. Nas outras regiões, a fosforilação de proteínas é feita principalmente pela PKA (que é ativada pelo AMPc). O2 13 FARMACOLOGIA I RAUL BICALHO – MEDUFES 103 indolaminas etc. O armazenamento em vesículas, então, protege os neurotransmissores do metabolismo celular. Nesse sentido, por exemplo, os inibidores da MAO são importantes no tratamento da depressão (hoje nem tanto). O outro passo é a exocitose, isto é, a liberação do neurotransmissor na fenda sináptica. Etapa que pode ser aumentada pela anfetamina e bloqueada pelo bretílio. O neurotransmissor na fenda sináptica pode agir em um receptor pré- sináptico metabotrópico, produzindo um segundo mensageiro, que, em geral, vai inibir a síntese do neurotransmissor. É como se fosse um feedback, se está produzindo muito, inibe a síntese. Alguns exemplos são os receptores Adrenérgicos α2, os Dopaminérgicos D2 e os 5HT1B,D,F. Porém, o efeito mais esperado do neurotransmissor é ele agir em um receptor pós-sináptico, que pode ser ionotrópico ou metabotrópico. No metabotrópico, há a ativação do efetor primário para a produção de segundos mensageiros, que pode agir em um efetor secundário (Ex.: enzima), o qual pode agir, por exemplo, na fosforilação de um canal iônico ou na alteração da transcrição genômica (mecanismo responsável pela longa latência dos medicamentos). Ainda, pode existir um fenômeno de recaptura, que é quando o neurotransmissor liberado volta para dentro do botão pré-sináptico. Os inibidores de recaptura das monoaminas (antidepressivos tricíclicos - ADT), os inibidores seletivos da recaptura de serotonina (ISRS) e os inibidores seletivos da recaptura de noradrenalina (ISRN) são agentes fundamentais na psiquiatria. Por fim, o neurotransmissor também pode ser metabolizado por uma enzima extracelular, como a COMT (em menor quantidade intracelular), ou, simplesmente, a molécula de neurotransmissor é excretada, principalmente pela urina. OBS.: INTERAÇÕES ENTRE RECEPTORES METABOTRÓPICOS, IONOTRÓPICOS E CANAIS IÔNICOS VOLTAGEM- DEPENDENTES
Compartilhar