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1 Faculdade de Letras e Ciências Sociais Departamento de Arqueologia e Antropologia Licenciatura em antropologia 2˚ Ano, 1˚ Semestre, 2019 Cadeira: Formação do Pensamento Antropológico Docente: Jonas Mahumane Discente: Carlitos Romão Tomé Referência bibliográfica Eriksen, Thomas Hylland & Nielsen, Sinn Sivert. 2001. “Quatro Pais Fundadores; Expansão e Institucionalização”. In: História da Antropologia. Brasil. Petrópolis: Vozes. Pp: 35-54 e 55-80. 1. Introdução A presente ficha de leitura, aborda principais realizações que marcaram na história da antropologia, sobretudo aspectos que foram desenvolvidos a partir do final do século XIX e no início do século XX, que permitiram o surgimento e a institucionalização da antropologia como campo científico. Deste modo, a primeira parte do desenvolvimento desta ficha aborda o terceiro capítulo do livro de Eriksen e Nielsen (2001), que diz respeito “quatro pais fundadores” como Franz Boas (1858-1942) de origem alemã, o polonês Bronislaw Malinowski (1884-1942), Radcliffe-Brown (1881-1955) e o francês Marcel Mauss (1872-1950). Na segunda parte da ficha, trata-se da expansão e institucionalização da disciplina antropológica como campo científico, em diferentes regiões do mundo tendo como foco as grandes realizações dos quatro teóricos acima mencionados, e por fim a síntese conclusiva de ambos capítulos do mesmo livro. 2 2. Quatro pais fundadores A transição para uma ciência social moderna, em grande parte não-evolucionista, ocorreu de modos diferentes nos três países como na Grã-Bretanha, a ruptura com o passado foi radical. Radcliffe-Brown e Malinowski proclamaram uma revolução intelectual e criticaram acerbamente alguns dos seus professores. Nos Estados Unidos e na França houve uma continuidade maior. 2.1.Boas e o particularismo histórico De acordo com Eriksen e Nielsen (2001), nos Estados Unidos Boas foi o mentor respeitado por todos e o ponto de referência da antropologia académica ao longo de toda a transição. Entretanto, a partir da definição ampla de cultura enunciada por Tylor que consiste em tudo o que os seres humanos criaram, inclusive a sociedade - fenómenos materiais, condições sociais e significado simbólico, Boas admitia que ninguém teria condições de contribuir de modo igual com todas as ramificações dessa matéria e defendia uma “abordagem de quatro campos” que dividia a antropologia em linguística, antropologia física, arqueologia e antropologia cultural. Ao realizar o trabalho de campo, Boas trabalhava com assistentes que colectavam materiais sobre muitos outros povos indígenas. Durante os trabalhos de campo ele frequentemente recorria à colaboração de membros linguisticamente proficientes da tribo em estudo, os quais registavam, discutiam e interpretavam as palavras dos informantes (Eriksen e Nielsen 2001: 41). Em substituição ao evolucionismo, propôs o princípio do particularismo histórico e manteve a antropologia física e a arqueologia como partes do empreendimento antropológico holístico. Sustentava que cada cultura continha em si seus próprios valores e sua própria história única, ou seja, a cultura havia sido criada num ponto difusor único e que os laços difundidos eram réplicas (Eriksen e Nielsen 2001: 42). 2.1. Bronislaw Malinowski De acordo com Eriksen e Nielsen (2001), Malinowski foi quem sistematizou o método de trabalho de campo, que ele denominou por observação participante que consistia em viver com as pessoas que estavam sendo estudadas e em aprender a participar o máximo possível de suas vidas e actividades. Para Malinowski, era essencial permanecer tempo 3 suficiente no campo para familiarizar-se totalmente com o modo de vida local e capacitar-se a usar o idioma local como instrumento de trabalho. O etnógrafo devia participar do fluxo contínuo da vida do dia-a-dia, evitando questões específicas que pudessem desviar o curso dos eventos e sem restringir a atenção a partes específicas da cena (Eriksen e Nielsen 2001: 43). Segundo os autores, a posição teórica de Malinowski era basicamente ecléctica, mas seguindo os padrões correntes ele denominou seu programa de funcionalismo. Todas as práticas e instituições sociais eram funcionais no sentido de que se ajustavam num todo operante, ajudando a mantê-lo. Diferentemente de outros funcionalistas que seguiam Durkheim, porém, para Malinowski o objectivo último do sistema eram os indivíduos, não a sociedade. As instituições existiam para as pessoas, não o contrário, e eram as necessidades das pessoas, em última análise suas necessidades biológicas, que constituíam o motor (Eriksen e Nielsen 2001: 44). De acordo com Eriksen e Nielsen (2001: 45), Alfred Reginald Radcliffe-Brown foi outro funcionalista que pertencia à geração de Malinowski, e ele realizou trabalho de campo de 1906-1908, nas Ilhas Andaman, a leste da índia, e publicou um relatório de campo, muito bem recebido, no estilo difusionista. Radcliffe-Brown foi seguidor de Durkheim ao considerar o indivíduo principalmente como produto da sociedade, ora, enquanto Malinowski estava preocupado com as necessidades biológicas humanas, Radcliffe-Brown estava preocupado em descobrir princípios estruturais abstractos e mecanismos de integração social. Para ele a sociedade se mantém coesa por força de uma estrutura de regras jurídicas, estatutos sociais e normas morais que circunscrevem e regulam o comportamento. A estrutura social pode ser ainda mais desdobrada em instituições discretas ou subsistemas, como os sistemas para distribuição e transmissão da terra, para a solução de conflitos, para a socialização, para a divisão do trabalho na família, etc. os quais contribuem todos para a manutenção da estrutura social como um todo. Na visão dele, arranjos contemporâneos existiam porque eram funcionais no presente, certamente não como “sobreviventes” de épocas passadas (Eriksen e Nielsen 2001: 47). Todavia, Eriksen e Nielsen (2001: 49) afirmam que Mauss, baseado no conceito de sociedade como um todo organicamente integrado, dividiu o estudo da antropologia em três níveis de pesquisa etnográfica, o estudo detalhado de costumes, crenças e da vida 4 social; etnologia, o estudo empírico da comparação regional; e antropologia, o esforço teórico-filosófico de generalizar sobre a humanidade e a sociedade fundamentado nas descobertas feitas pelos dois estudos anteriores. Seu objectivo era de classificar sociedades e descobrir características estruturais comuns a diferentes tipos de sociedades, com o fim de desenvolver uma compreensão geral da vida social. Mauss está particularmente interessado numa forma de troca que ele detecta em sociedades tradicionais e antigas e que chama “prestações totais”. Esses presentes são manifestações simbólicas de todo, um conjunto de relações. 2.2. A antropologia em 1930: convergências e divergências De acordo com os autores, os fundadores da antropologia moderna tinham muito em comum apesar de suas muitas diferenças, um aspecto muito importante, em que todos eles procuravam assentar a antropologia num “estudo detalhado de costumes em relação à cultura total da tribo que os praticava”. Ou seja, os traços culturais não podiam mais ser estudados isoladamente. Um ritual não pode ser reduzido a um “sobrevivente” separado de um passado hipotético. Ele precisa ser visto em relação à sociedade total de que ele faz parte aqui e agora, e precisa ser estudado no contexto. Entretanto, as diferenças entre as tradições nacionais eram marcantes nos métodos, na teoria e na organização institucional (Eriksen e Nielsen 2001: 53). 3. Expansão e institucionalização Segundo os autores, os anos 1930 foram uma década produtiva, quando os primeiros alunos dos fundadores começaram a deixar sua marca no campo e os próprios fundadores ainda estavam em actividade, portanto, nem a guerra de 1939-1945 prejudicouseriamente essa escalada. Nos Estados Unidos a vida universitária prosseguiu normalmente e na Grã-Bretanha os pesquisadores continuaram trabalhando. Na própria França ocupada a situação era tolerável, e os países mais afectados pelo conflito, a Alemanha e a União Soviética, eram de qualquer modo marginais à nova antropologia. Os autores afirmam que, os fundamentos metodológicos, teóricos e institucionais da disciplina revigorada haviam sido lançados. Os programas de pesquisa estavam definidos, os recursos assegurados, e as parcerias profissionais, as inimizades e as alianças estratégicas estavam estabelecidas. A tarefa agora consistia em mostrar a 5 viabilidade sustentável da disciplina. Era preciso formar alunos, editar revistas, encontrar editores para as monografias, organizar conferências, entrar em contacto com os meios de comunicação, convencer políticos e planeadores (Eriksen e Nielsen 2001: 53). Na Inglaterra, Radcliffe- Brown e seus alunos assumiram a direcção; nos Estados Unidos, Benedict, Mead, Kroeber e outros asseguraram a continuação do programa disperso de Boas, e na França a antropologia se manteve vigorosa e criativa nessas décadas sob outros aspectos sombrios. A nova antropologia teve uma identidade marginal desde o início. Os pais fundadores eram eles próprios “forasteiros”, e muitos dos seus sucessores desde então também foram, como Radcliffe-Brown, “pesquisadores globais”, nómades, que se movimentavam incansavelmente entre universidades e entre casas e sítios de pesquisa. Surpreendentemente, muitos eram também marginais pessoalmente. Alguns eram de origem estrangeira, como Malinowski e Boas - ou Kroeber, Sapir e Lowie, que também haviam nascido em países germânicos. Alguns vieram das colónias, como Fortes, Gluckman e Schapera (África do Sul), Firth (Nova Zelândia) e Srinivas (índia). Mauss, Sapir ou Alexander Goldenweiser, eram judeus (Eriksen e Nielsen 2001: 56). A antropologia do século vinte era também marginal no sentido de que colocava “estrangeiros desprezíveis” em situação de igualdade com ocidentais de classe média. O método de campo holístico de Malinowski, o relativismo cultural de Boas e a busca de Radcliffe-Brown das leis universais da sociedade sugeriam que todas as sociedades, ou culturas, tinham o mesmo valor. O estudo “de baixo para cima” já havia-se tomado a marca distintiva do trabalho de campo antropológico. Contrariamente às outras ciências sociais, que muitas vezes trabalhavam com grandes grupos e populações agregadas, os antropólogos assumiam o ponto de vista das pessoas com quem trabalhavam e eram cépticos com relação a decisões tomadas “de cima” por políticos e burocratas que não faziam ideia de como a vida era realmente na cena dos acontecimentos (Eriksen e Nielsen 2001: 59). De acordo com os autores, o aperfeiçoamento institucional mais importante na antropologia da Inglaterra no início da década de 1930 foi certamente a fundação do Instituto Rhodes-Livingstone, em Livingstone, Rodésia do Norte actual (Zâmbia), por um grupo de jovens estudiosos sob a liderança de Godfrey Wilson. Entre os primeiros 6 pesquisadores estava um sul-africano, Max Gluckman (1911-1975), que nas décadas seguintes dirigiria uma série de estudos pioneiros de mudança social na África do Sul (Eriksen e Nielsen 2001:59). A estada de Radcliffe-Brown em Chicago na década de 1930 foi muito fecunda no sentido de que estimulou a formação de um grupo de antropólogos não-boasianos numa excelente universidade americana. Em 1930 ele terminara de preparar seu segundo grupo de alunos. Do primeiro grupo, formado pelos que obtiveram o doutorado entre 1901 e 1911, o alemão Kroeber e o austríaco Lowie haviam saído de Colúmbia para criar o Departamento de Antropologia em Berkeley. O ucraniano Alexander Goldenweiser havia sido contratado pela New School of Social Research em Nova York. O quarto, Edward Sapir, nascido na Alemanha, havia fundado a etno-linguística e se tornado professor em Chicago e o quinto, o polonês Paul Radin, passou de universidade em universidade e escreveu etnografias inovadoras (admiradas por Lévi- Strauss, entre outros). A antropologia francesa passou por uma distorção temporal entre The Gift em 1923- 1924 e o notável livro de Lévi-Strauss sobre o parentesco em 1949. De fato, a antropologia francesa estava prosperando, e de muitos modos ela era mais divertida e intelectualmente aventureira do que suas correspondentes anglo-saxônicas. Em 1931 a Assembleia Nacional Francesa havia decidido destinar recursos para uma expedição de Dakar a Djibuti com o objectivo de estimular pesquisas etnográficas na região e também colectar objectos para o museu etnográfico de Paris. A expedição, que durou 22 meses entre 1931-1933, incluiu vários antropólogos franceses que mais tarde dariam contribuições importantes (Eriksen e Nielsen 2001:66). De acordo com os autores, os franceses empregavam rotineiramente assistentes e intérpretes nativos e se relacionavam com seus informantes de uma forma mais formal do que os ingleses e americanos, cujo ideal era participar o máximo possível da vida quotidiana. Os antropólogos haviam começado a usar filme e fotografia em suas análises num estágio bem inicial. Haddon e Boas foram pioneiros na utilização do filme etnográfico, e Mead e Bateson realizaram um estudo fotográfico complexo em Bali. Todavia, Mead e Benedict, alunas de Boas deram os primeiros passos efectivos para instituir uma antropologia psicológica, depois seguidos por muitos antropólogos (especialmente americanos). O mesmo aconteceu com o interesse das duas pela 7 educação de crianças e pela socialização, temas que na concepção dos antropólogos ingleses não constituíam matéria de estudo. Em Patterns of Culture Benedict desenvolveu a ideia de que a cultura pode ser analisada como um padrão macropsicológico. Em vez de catalogar a substância das culturas, ela procurava identificar a configuração da “personalidade” colectiva da cultura, o “estilo emocional” ou a “estética” com que ela permeava a acção, a emoção e o pensamento. Benedict referia-se à “personalidade cultural” como ethos. No que toca a história cultural, os autores afirmam que vários colaboradores e alunos mais próximos de Boas tiveram interesses diferentes dos de Benedict e Mead. Um exemplo relevante disso foi Kroeber, filho de uma família judia alemã, de classe média alta de Nova York, e primeiro aluno de Boas. Depois de criar um dos grandes departamentos de antropologia americanos em 1901 e de fundar um dos museus etnográficos mais importantes do mundo, Kroeber continuou a trabalhar na Universidade da Califórnia em Berkeley até 1946. Como Boas, Kroeber era um faz-tudo antropológico, mas seu principal interesse era a história cultural, e ele escreveu vários estudos históricos volumosos sobre civilizações europeias e não-europeias. Outro ramo do tronco boasiano foi a síntese entre linguística e antropologia realizada por Edward Sapir. Sapir era mais um imigrante judeu-alemão nos Estados Unidos, embora chegasse ainda criança. Ele estudou várias línguas indígenas americanas, passou 15 anos trabalhando no Museu Nacional do Canadá em Ottawa e foi responsável pelas colecções etnográficas na Universidade de Chicago (Eriksen e Nielsen 2001:72). 4. Conclusão A abordagem referente aos quatro pais fundadores como Franz Boas, Bronislaw Malinowsky, Radcliff-Brown e Marcel Mauss, diz respeito a contribuição metodológica e sistemática na antropologia como campo científico. Os quatro teóricos, fizeram grandes realizações que marcaram na história da antropologia como ciência, no tocante método etnográfico que consiste na colecta de dados no campo como princípio da pesquisa antropológica antes da síntese comparativa. Entretanto, suas realizações tornaram marcadamente na história da antropologia até aos nossos dias a partir das quatroteorias como o funcionalismo, o particularismo histórico, o estruturalismo e estrutural-funcionalismo desenvolvidas por estes teóricos, pondo ruptura com o pensamento evolucionista social do século XIX. 8 No entanto, as grandes realizações destes quatro teóricos no tocante trabalho de campo contribuíram para a expansão e a institucionalização da antropologia como campo de produção de conhecimento científico bem detalhado. A expansão deu-se graças a formação de alunos por estes fundadores, onde desenvolveram suas pesquisas em diferentes campos de interesse e em diferentes regiões da Europa, América, África e Ásia. Sumarizando, a principal contribuição de Boas foi o método comparativo usado na antropologia e o particularismo histórico que defende que cada sociedade ee uma cultura e deve ser compreendida no seu contexto histórico. A contribuição de Malinowski reside pelo facto de ter-nos mostrado como se realiza o verdadeiro trabalho de campo; Radcliff-Brown, foi quem nos mostrou a ideia de compreender a sociedade no seu todo, incluindo todos aspectos que estruturam uma sociedade; e por fim, o contributo de Mauss foi a preocupação em descobrir características estruturais comuns a diferentes tipos de sociedades, com o fim de desenvolver uma compreensão geral da vida social.
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