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PAULO RODINEI PAIXÃO A ADOÇÃO NO RELACIONAMENTO SOCIOAFETIVO E SUAS IMPLICAÇÕES NO ORDENAMENTO JURÍDICO BELO HORIZONTE JULHO/ 2016 PAULO RODINEI PAIXÃO A ADOÇÃO NO RELACIONAMENTO SOCIOAFETIVO E SUAS IMPLICAÇÕES NO ORDENAMENTO JURÍDICO Monografia apressentada ao curso de Direito da Faculdade Minas Gerais – FAMIG – como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientação: Profa. Ms. Roberta Salvático BELO HORIZONTE JULHO/ 2016 AGRADECIMENTOS A Deus, que nos fortalece com seu amor e pela graça de ter nos permitido concluir este trabalho, porque nada nos é possível se não for de sua vontade; A minha mãe, pela compreensão e amor por lhe furtar o convívio; A meus colegas, pela parceria e cumplicidade; A minha orientadora, sem a qual este trabalho não teria se concluído com êxito; Aos leitores. Este é mais um momento vitorioso em minha vida! Agradeço a Deus pela dádiva de vivê-lo! “O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim, esquenta e esfria, aperta e depois afrouxa, aquieta e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. O que Deus quer é ver a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre e amar, no meio da alegria. E ainda mais no meio da tristeza. Todo o caminho da gente é resvaloso, mas cair não prejudica demais, a gente levanta, a gente sobe, a gente volta”. (João Guimarães Rosa em “Grande Sertão Veredas”, 1956). “Para tudo há um tempo, para cada coisa há um momento debaixo dos céus.” (Ecl.3:1). RESUMO Esse trabalho tem por objetivo estudar a adoção por casais homoafetivos e verificar se existe legislação específica que a regule. Inicialmente, apresenta o instituto da família no direito brasileiro, tendo em vista que no relacionamento familiar foi concebida a noção de filho, fazendo uma abordagem do Código Civil de 1916, do Código Civil de 2002, até o que temos atualmente. A seguir, apresenta a adoção no sistema jurídico brasileiro, os entraves enfrentados por casais heterossexuais e casais homoafetivos quando pretendem adotar e o posicionamento dos tribunais acerca do assunto. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica. Abstraiu-se de toda a pesquisa, que a regularização da adoção realizada por casais homoafetivos ainda enfrenta dificuldades por causa do preconceito ainda existente quanto às famílias formadas por pessoas do mesmo sexo. E que é urgente normatizar a questão com lei específica para por fim à decisões preconceituosas. Palavras-chave: Família. Adoção. Relacionamento Socioafetivo. ABSTRACT This work aims to study the adoption by homosexual couples and see if there is specific legislation to regulate. Initially, it presents the family institute in Brazilian law, given that the family relationship is designed to son notion of making an approach to the 1916 Civil Code, the Civil Code of 2002, to which we currently have. The following presents the adoption of the Brazilian legal system, the barriers faced by heterosexual couples and homosexual couples when they want to adopt and positioning of the courts on the subject. The methodology used was literature. Abstracted is all the research, the regulation of adoption granted by homosexual couples still faces difficulties because of prejudice still exists as to the families formed by same sex. And it is urgent to regulate the issue with specific law to end the biased decisions. Keywords: Family. Adoption. Socio-affective relationship. SUMÁRIO INTRODUÇÃO...........................................................................................................................08 2 A FAMÍLIA NO DIREITO BRASILEIRO............................................................................10 2.1 A família no Código Civil de 1916.........................................................................................11 2.2 A família no Código Civil de 2002.........................................................................................12 2.3 A família hoje..........................................................................................................................14 3 A ADOÇÃO NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO.......................................................16 3.1 Conceito de adoção.................................................................................................................16 3.2 Procedimento..........................................................................................................................19 3.3 Quem pode adotar..................................................................................................................24 3.4 Procedimentos pós doção.......................................................................................................26 3.5 Efeitos da adoção....................................................................................................................26 4 ENTRAVES NA ADOÇÃO POR CASAIS HETEROSSEXUAIS X CASAIS HOMOAFETIVOS.......................................................................................................................28 4.1 Adoção por casais heterossexuais..........................................................................................28 4.2 Adoção por casais homoafetivos............................................................................................29 4.3 Influência na orientação sexual do adotado por casais homoafetivos...............................36 4.4 Atualidades concernentes à adoção homoafetiva................................................................39 5 POSICIONAMENTO DOSTRIBUNAIS ...............................................................................42 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................................50 REFERÊNCIAS............................................................................................................................52 8 INTRODUÇÃO Este trabalho tem como escopo a adoção, delimitando o universo de análise para as questões que envolvem a filiação sócio-afetiva. Pretende discutir os reflexos do seu reconhecimento no ordenamento jurídico brasileiro, bem como a desnecessidade do moroso processo de adoção para reconhecimento da paternidade ou maternidade do filho socioafetivo, e defende a urgência do reconhecimento legal desse instituto para legalizar esse tipo de filiação. O interesse pela temática foi motivado porque, no momento atual, novos modelos de relacionamento surgiram. A sociedade pós-moderna apresenta características peculiares que até então não existiam no que diz respeito aos relacionamentos afetivos e conjugais. Essas particularidades que hoje existem trouxeram um novo conceito de família, consequentemente isso refletiu no direito de família, principalmente no que diz respeito à legalização dos novos modelos de relações familiares e as possibilidades de adoção. O instituto da adoção de crianças por casais homoafetivos no direito brasileiro ainda causa polêmica no meio jurídico, e não há lei que regule a matéria. Como a existência desse modelo familiar na sociedade atual tem aumentado consideravelmente, carece urgentemente de reconhecimento e normatização, para que os casais homoafetivos possam ter a mesma proteção que goza as famílias tradicionais, oferecendototal segurança aos filhos que vierem a ter, bem como para que gozem dos mesmos direitos quando desejarem adentrar no moroso processo de adoção. Para tornar o estudo mais didático, optou-se por fazer o estudo em quatro capítulos. No primeiro capítulo será apresentado o instituto da família no direito brasileiro, numa perspectiva histórica, filosófica e jurídica, tendo em vista que no relacionamento familiar foi concebida a noção de filho, fazendo uma abordagem do Código Civil de 1916, do Código Civil de 2002, até o que temos atualmente. No segundo capítulo tratar-se-á da adoção no sistema jurídico brasileiro na mesma perspectiva abordada no primeiro capítulo. No terceiro capítulo serão colocados os entraves na adoção por casais heterossexuais x casais homoafetivos. Por fim, no quarto capítulo, trar-se-á para discussão o posicionamento dos tribunais acerca do assunto. 9 Deve-se, porém, ter bem claro, que não se tem a pretensão de esgotar o assunto, mas demonstrar em que bases se firmaram e ainda estão se firmando tais institutos. Utiliza-se, além do estudo de matéria doutrinária que aborda essa temática, da leitura, estudo e apresentação de jurisprudências, a fim de se estabelecer o estudo na perspectiva prática exemplificativa, além da legislação já vigente que regula a matéria. O objetivo geral pretende estudar a adoção por casais homoafetivos e verificar se existe legislação específica que a regule. Este estudo torna-se relevante na medida em que conduz a compreensão e conhecimento da família e da filiação por adoção para além do Código Civil, e a repercussão das normas que regulam tal instituto, contextualizando com o que a sociedade atual vivencia e necessita. 10 2 A FAMÍLIA NO DIREITO BRSILEIRO O conceito de família, instituto regulado pelo Direito, tem experimentado mutações em seu conceito ao longo dos anos, existindo algumas etapas históricas em que essas transformações são mais evidentes. Para Juiz de Direito Luciano Silva Barreto, a família, “primeira célula de organização social é formada por indivíduos com ancestrais em comum ou ligada pelos laços afetivos, surgiu há aproximadamente 4.600 anos.” (BARRETO, 2016, p.206). Nas variadas passagens históricas diferentes modelos conceituais se destacam. Ressaltam- se apenas aqueles modelos e conceitos considerados mais importantes para a compreensão dos modelos atualmente existentes. Desde tempos imemoriais, uma família se forma pelo casamento, instituto concebido pelo envolvimento afetivo entre um casal que gera o desejo de constituir uma família, lugar onde este casal cultivará seus sentimentos e construirá seu projeto pessoal de felicidade, incluindo nesse projeto, além do afeto e do amor conjugal, seu patrimônio econômico. O sacramento matrimonial era a única forma de se dar início a uma família, sendo esta indissolúvel. Era uma entidade severa, e os vínculos de afeto sequer eram conhecidos como uma forma de se estender os laços familiares às pessoas sem vínculo de sangue direto. Todavia, o conceito de família foi evoluindo, e ganhou novos rumos na sociedade de hoje. O casamento não é mais a única maneira de constituição de uma entidade familiar. Significativas foram as mudanças do Código Civil de 1916 ao Código Civil de 2002, e até o ano de 2016. Hoje, não importa se a família se formou pelo casamento ou não, mas a dignidade daqueles que compõem o núcleo familiar, merecendo especial proteção do Estado, pois segundo o artigo 226 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, (CRFB/88), a família é a base da sociedade. Nesse sentido leciona Gonçalves: A família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social; sem sombra de dúvidas trata-se de instituição necessária e sagrada para desenvolvimento da sociedade como um todo, instituição esta merecedora de ampla proteção do Estado. (GONÇALVES, 2005, p. 1). 11 Ainda sobre essa questão, assevera Gonçalves: O Código Civil de 1916 e as leis posteriores, vigentes no século passado, regulavam a família constituída unicamente pelo casamento, de modelo patriarcal e hierarquizada, ao passo que o moderno enfoque pelo qual é identificada tem indicado novos elementos que compõem as relações familiares, destacando-se os vínculos afetivos que norteiam a sua formação. (GONÇALVES, 2005, p. 16). Dias aduz: O Código Civil procurou atualizar os aspectos essenciais do direito de família, instituído com base em nossa atual Carta Magna, garantidora de nossos direitos, preservando a estrutura anterior do Código Civil, todavia, com a devida incorporação as mudanças legislativas ocorridas por meio da legislação esparsa. (DIAS, 2009, p. 31). Diante dessas premissas, julga-se relevante pontua-se qual a concepção de família trazida no Código Civil de 1916, no Código Civil de 2002 e nos dias hodiernos. 2.1 A família no Código Civil de 1916 O Código Civil de 1916, (Lei nº 3.071/16), no que se refere à família, trazia o conceito de família patriarcal, em que o homem era considerado o chefe da família, e a mulher casada era incluída no rol das pessoas relativamente incapazes. Esta legislação consagrou o casamento como o único instituto jurídico formador da família. Sendo assim, este conceito era um óbice a adoção. O reconhecimento de filhos só era legítimo quando nascidos após o matrimônio. Filhos adulterinos ou incestuosos não eram considerados filhos juridicamente falando. (WALD, 2002. p. 22). Este conceito de filiação era pautado na presunção pater is est, sendo considerados filho e detentor de todos os direitos e deveres inerentes à filiação, apenas aqueles nascidos na constância do casamento. O vínculo afetivo e biológico não era sequer mencionado, sendo que aqueles que fossem concebidos fora do casamento não eram considerados filhos, muito menos aqueles chamados de “filhos de criação”, hoje chamados de filho socioafetivo. Para Fugie, Na restrita visão do Código Civil de 1916, a finalidade essencial da família era a continuidade. Emprestava-se juridicidade apenas ao relacionamento matrimonial, 12 afastadas quaisquer outras formas de relações afetivas. Expungia-se a filiação espúria e proibiam-se doações extraconjugais. (FUGIE, 2002, p. 133). Durante décadas a legislação brasileira protegeu a instituição da família e os laços sanguíneos entre os parentes, vedando e criando impedimentos para a dissolução da relação conjugal e para a adoção, negando-se a aceitar a importância do afeto nesses relacionamentos. Dias coloca que: A negativa de reconhecer os filhos fora do casamento possuía nítida finalidade sancionatória, visando a impedir a procriação fora dos “sagrados laços do matrimônio”. Igualmente afirmar a lei que o casamento era indissolúvel servia como verdadeira advertência aos cônjuges de que não se separassem. Também negar a existência de vínculos afetivos extramatrimoniais não almeja outro propósito senão o de inibir o surgimento de novas uniões. O desquite – estranha figura que rompia, mas não dissolvia o casamento – tentava manter a todos no seio das famílias originalmente constituídas. Desatendida a recomendação legal, mesmo assim era proibida a formação de outra família. (DIAS, 2004, p. 34-35). Prossegue-se demonstrando as mudanças ocorridas com o advento do Código Civil de 2002. 2.2 A família no Código Civil de 2002 O Código Civil brasileiro, Lei nº. 10.416, de 10 de janeiro de 2002, recebeu a influência histórica do Código anterior, mas absorveu as ideias Constitucionais, portanto, avançou no reconhecimento quanto ao reconhecimento do afeto como formador de relacionamentos familiares e inovou o conceito de família, trazendo a regulamentação da união estável comoentidade familiar. Este Código reconheceu a família moderna brasileira, que nasce a partir da valorização do elo do afeto. Segundo Theodoro Júnior: A Constituição de 1988 realizou enorme progresso na conceituação e tutela da família. Não aboliu o casamento como forma ideal de regulamentação, mas também não marginalizou a família natural como realidade social digna de tutela jurídica. Assim, a família que realiza a função de célula provém do casamento, como a que resulta da “união estável entre o homem e a mulher” (art. 226, §3º), assim como a que se 13 estabelece entre “qualquer dos pais e seus descendentes”, pouco importando a existência, ou não, de casamento entre os genitores (art. 226, §4º). (THEODORO JÚNIOR, apud GOMES, 1998, p. 34). O novo Código passou a reconhecer os filhos adotivos, em seu artigo 1596, a união estável, em seu artigo 1723, os direitos advindos das relações concubinas, em seu art igo 1727, reafirmou a igualdade entre os cônjuges, em seu artigo 1.511, e trouxe a possibilidade da dissolução do vínculo conjugal, pela da separação e do divórcio, em seu artigo 1.571, III e IV, consagrando as mudanças trazidas pela Magna Carta. Dentre essas mudanças trazidas pelo Código Civil de 2002 está a expressa igualdade dos cônjuges no seio familiar, extinguindo-se o poder patriarcal, bem como a atualização da dissolução do vínculo conjugal, por meio da separação e do divórcio; a atualização da adoção, sem qualquer distinção entre os filhos de sangue e os adotados; a regulamentação da união estável entre o homem e a mulher, bem como o reconhecimento de direitos decorrentes das relações concubinas. Assim leciona Fiuza: Com a constituição de 1988, atentou-se para um fato importante: não existe apenas um modelo de família, como queriam crer o Código Civil de 1916 e a Igreja Católica. A ideia de família plural, que sempre foi uma realidade, passou a integrar a pauta jurídica constitucional e, portanto, de todo o sistema. Reconhecem-se hoje não só a família modelar do antigo Código, formada pelos pais e filhos, mas, além dela, a família monoparental, constituída pelos filhos e por um dos pais; a família fraterna, consistente na vida comum de dois ou mais irmãos; até mesmo as famílias simultâneas, dentre outras, são reconhecidas. (FIUZA, 2007, p. 946). Sobre a visão afetiva familiar nos dias hodiernos, tem-se já firmado que “o afeto que se origina espontânea e profundamente, com significado de amizade autêntica, de reciprocidade profunda entre companheiros, vem sendo a principal motivação para o estabelecimento de uma união entre os seres humanos.” (MARIANO, 2009, p. 5). De acordo com Dias: A nenhuma espécie de vínculo que tenha por base o afeto se pode deixar de conferir o status de família, merecedora da proteção do Estado, pois a Constituição Federal, no inc. III do art. 1º, consagra, em norma pétrea, o respeito à dignidade da pessoa humana. (DIAS, 2010, p. 2). 14 A paternidade ou a maternidade socioafetiva veio a surgir como sendo aquela emergente da construção afetiva, através da convivência diária, do carinho e cuidados dispensados à pessoa. Surge dentro do conceito mais atual de família, ou seja, de família sociológica, unida pelo amor, onde se busca mais a felicidade de seus integrantes. Segundo Luciano Silva Barreto: A família contemporânea caracteriza-se pela diversidade, justificada pela incessante busca pelo afeto e felicidade. Dessa forma, a filiação também tem suas bases no afeto e na convivência, abrindo-se espaço para a possibilidade da filiação não ser somente aquela que deriva dos laços consanguíneos, mas também do amor e da convivência, como é o caso da filiação socioafetiva. (BARRETO, 2016, p. 208). Todavia, não obstante as evoluções legislativas trazidas pelo Código Civil de 2002, com tantas modificações, este não conseguiu abarcar todas as mudanças que se mostram necessárias na sociedade atual. Dentre as relações extramatrimoniais onde, hoje em dia, abstrai-se que o núcleo familiar pode ser formado pela união estável, pela união de um dos pais com seus descendentes (famílias monoparentais), e até mesmo pela união homoafetiva, e no que diz respeito à união homoafetiva trata-se de tema ainda omisso na lei, embora seja muito discutida pela doutrina e jurisprudência devido à sua própria existência na sociedade. Desta forma, merece que nossa legislação pátria venha regular a matéria, e se consolide as orientações jurisprudenciais a favor dessa pequena parte dos cidadãos brasileiros. Em capítulos posteriores, essa questão será levantada. 2.3 A família hoje Hoje em dia não há que se falar apenas em família fundada sobre as bases do casamento civil e religioso. A solidez dos relacionamentos afetivos na atualidade não se constrói apenas sobre a égide deste instituto, que embora ainda exista, coexiste, ainda que não totalmente de forma harmoniosa, com outros modelos de união. Sobre núcleo familiar, Venosa (2008, p. 1), assevera que “o Direito Civil moderno apresenta como regra geral, uma definição restrita, considerando membros da família as pessoas unidas por relação conjugal ou de parentesco”. (VENOSA, 2008, p. 1). 15 Todavia, não mais se cogita que a família se funda apenas em uniões biológicas, de filhos nascidos de pai e mãe casados civilmente, nem de filhos nascidos de um casal heterossexual, com a mistura de sangue e genes de um pai e de uma mãe, mas também de famílias formadas sob as bases psicológicas e sociológicas, todos merecendo se regulados pelo direito. Muito embora, nos primórdios da história da evolução do conceito de família, a sociedade só aceitasse a família formada pelos enlaces do matrimônio, e a lei trouxesse regulação acerca do casamento e das relações de filiação e parentesco que havia entre os nascidos desse enlace, hoje esse modelo não é o único existente. Várias foram as mudanças ocorridas ao longo dos séculos, e variados modelos de agrupamento familiar surgiram, cabendo ao Estado o dever jurídico constitucional de proteger esses novos modelos de agrupamento familiar. Na constituição e desenvolvimento das famílias, a sociedade moderna viu nascer as relações extramatrimoniais, e não há motivos éticos, nem morais, nem religiosos, que os façam vedar os olhos para o reconhecimento destas uniões como legítimas. Nas relações extramatrimoniais o núcleo familiar se forma pela união estável, pela união de um dos pais com seus descendentes (famílias monoparentais), pela união homoafetiva, e nessas uniões surge a figura dos filhos de casais concebidos na união estável, dos filhos das famílias monoparentais e dos filhos de casais homoafetivos. Aos filhos de casais em união estável a lei não mais se omite na regulação dos direitos e deveres do pai e da mãe, e do relacionamento de ambos. Aos filhos das famílias monoparentais também já não há omissão legal. Mas para com os filhos de casais homoafetivos, apesar de ser impossível negar sua existência na sociedade, a lei ainda é omissa, muito embora seja uma celeuma já discutida pela doutrina e jurisprudência. Se não há proteção legal reconhecida ainda para esses filhos, mais grave ainda é quando o assunto é a adoção de crianças por casais homoafetivos. Para alcançar o objetivo maior que norteia essa pesquisa, deter-nos-emos nas linhas subsequentes, ao estudo da adoção no sistema jurídico brasileiro. 16 3 A ADOÇÃO NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO 3.1 Conceito de adoção A palavra „adoção‟, vem do latim, adaptio, e tem o sentido de escolher. Adotar é a maneira legal de recebimento da criança e do adolescente no seio de uma família substituta. É um ato jurídico pelo qual se criam relações que se assemelham àqueles advindos do parentesco natural, qual seja, de pessoas ligadas pelo vínculo de sangue ou vínculo biológico. O filho adotadopossui direitos e deveres recíprocos para com aquele que o adotou. Nos dizeres de Caio Mário Pereira, a “adoção é o ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outro como filho, independentemente de existir entre elas qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afinidade”. (PEREIRA, 2007, p. 392). Conceituando adoção sob o aspecto subjetivo, Hália Pauliv de Souza leciona: “A adoção envolve vocação, vontade interior de desenvolver a maternidade e a paternidade instintivas, pelo real desejo de se ter um filho. Reflete o desejo de constituir família, por decisão madura, dialogada e refletida.” (SOUZA, 2001, p. 24). “[...] Adoção é um ato pelo qual um pater famílias recebe sob seu pátrio poder uma pessoa (adotada) que pertence à outra família.” (SZNIK, 1999, p. 28). O surgimento da adoção remonta aos tempos bíblicos e entre os hebreus já havia o instituto da adoção. Em Gênesis, capítulo 16, versículos, 1 e 2 e capítulo 30, versículos 1e 3, fala que a mulher estéril poderia adotar os filhos da serva que ela havia conduzido ao tálamo de seu marido. Temos também a história de Moisés, que foi encontrado em um cesto às margens do Rio Nilo e foi adotado por Termulus, a filha do Faraó. Num primeiro momento, a adoção relacionava-se a anseios de ordem religiosa, posto que os filhos fossem a garantia da continuidade do culto familiar. Desta maneira, objetivava atender unicamente aos interesses do adotante. A esse respeito: [...] a adoção surgiu da necessidade, entre os povos antigos, de se perpetuar o culto doméstico, estando assim ligada mais à religião que ao próprio direito. Havia, entre os antigos, a necessidade de manter o culto doméstico, que era a base da família, sendo 17 assim, a família que não tivesse filhos naturais, estaria fada à extinção. (BANDEIRA, 2001, p. 17) Com o passar dos anos, essa visão mudou, variando desde sua finalidade até o procedimento para sua efetivação e as sucessivas leis trouxeram em seus textos modificações que ampliaram a sua utilização. Paulatinamente, percebeu-se que tanto adotantes como adotados se beneficiam com a sua efetivação e “a adoção deixou de ser vista como um ato de caridade, passando a ser uma forma de se ter filhos pelo método não biológico.” (PACHI, 2003, p. 165). Hoje está pacificado na doutrina e jurisprudência que “apenas será admitida a adoção que constituir efetivo benefício para o adotado.” (DINIZ, 2005, p. 208). E a Constituição Federal dispõe que entre o filho legítimo e o adotado não deve haver discriminação, tendo este último os mesmos direitos que aquele quanto ao uso do patronímico familiar e na sucessão em seu artigo 227. O Código de Hamurabi, escrito aproximadamente em 1772 a.C, é considerado a primeira codificação jurídica sobre o instituto da adoção. Este trazia nove dispositivos sobre a adoção (185 a 193) no capítulo XI, intitulado “Adoção, ofensas aos pais, substituição de criança.” Naquele tempo, o ato de dar o nome a uma criança e a criar como filho lhe ensinando uma profissão, era suficiente para que a adoção se efetivasse. E esta criança não poderia mais ser reclamada pelos pais biológicos. Código de Hamurabi, artigo 185º: “Se alguém dá seu nome a uma criança e a cria como filho, este adotado não poderá mais ser reclamado.” Isso não impedia que o adotando regressasse à casa dos pais biológicos. Caso ele se insurgisse contra o seu pai ou mãe adotivos, restituído seria à sua origem. As hipóteses que possibilitavam aos pais biológicos reivindicarem o filho de volta estavam previstas nos artigos 186, 189, 190: Código de Hamurabi, artigo 186º: “Se alguém adota como filho um menino e depois que o adotou ele se revolta contra seu pai adotivo e sua mãe, este adotado deverá voltar à sua casa paterna.” Código de Hamurabi, artigo 189º: “Se ele não lhe ensinou o seu ofício, o adotado pode voltar à sua casa paterna.” 18 Código de Hamurabi, artigo 190º: “Se alguém não considera entre seus filhos aquele que tomou e criou como filho, o adotado pode voltar à sua casa paterna.” Já naquela época a adoção era um contrato em que adotante e adotando tinham deveres um para com o outro. A forma como é utilizada nos dias atuais teve sua origem em Roma. Foi introduzida no direito brasileiro com as características do direito português, porque as Ordenações do Reino vigoram no Brasil, até a entrada em vigor do Primeiro Código Civil, em 1917, que sistematizou o instituto da adoção em sua Parte Especial, livro I (Direito de Família), Capítulo V, nos artigos 368 a 378. Com o advento da Lei 8.069de 13 de junho de 1990, Estatuto da Criança e Adolescente - ECA -, inspirado no artigo 227, caput, da Constituição Federal, de1988, este instituto passou a ser disciplinado por este Estatuto, em seus artigos 39 à 52, tendo como regra que toda a criança e adolescente têm direito à convivência familiar, seja ela em sua família biológica (ou consanguínea), seja em família substituta conforme se estatui do artigo 19 in verbis: Toda a criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes. (BRASIL, ECA 1990) Do artigo 39 do ECA, em seu parágrafo único, depreende-se que a adoção é ato personalíssimo e não deve ser vista como um ato de caridade, ou uma forma de se ter filhos por meios não naturais, mas, sim, como um ato de amor, de doação. Também no Estatuto supracitado, no artigo 41, em consonância com o artigo 227 da Constituição Federal, atribui a condição de filho ao adotado com os mesmos direitos e deveres, inclusive os sucessórios, rompendo-se qualquer vínculo com a família e parentes naturais, salvo os impedimentos matrimoniais. O artigo 43 do Estatuto da Criança e Adolescente, em igualdade com o Código Civil de 2002, em seu artigo 1625, dispõe que a adoção só será deferida se trouxer reais vantagens para o adotado. Eduardo Pachi, Juiz de Direito do Estado de São Paulo, leciona que a adoção não deve ser vista como um ato de caridade, mas sim como uma forma de se ter filhos por outro método que não o biológico. (PACHI, 2006, p. 34). 19 Nas situações omissas do ECA, pelos artigos 1618 a 1629 do Código Civil, Lei nº 10.406, de janeiro de 2002.Também se aplicam subsidiariamente ao Estatuto da Criança e Adolescente as regras do Código de Processo Penal. A esse respeito, tecer-se-á comentários no procedimento para a adoção. Modernamente falando, a adoção pode ser entendida como uma forma de procriação. “A filiação adotiva neste final de século pode ser entendida como uma procriação juridicamente assistida. Ela busca uma família para a criança, não o contrário [...]”. (NABINGER, 1997, p. 83). Pela adoção, o adotado torna-se filho, por um ato de amor protegido juridicamente, sem o elo biológico ou heteroparental. 3.2 Procedimento A adoção é um processo, e como tal deve obedecer ao procedimento legal, que vai desde a visita de assistentes sociais e psicólogos aos adotandos, o laudo pericial obrigatório, a oitiva dos adotantes e, em alguns casos, do adotado, até à sentença prolatada pelo magistrado e seus efeitos. Recursos cabíveis e em que momento estes deverá ser interposto. Questões processuais propriamente ditas, destacando-se o perfil do adotante e do adotado, idade de ambos, situação conjugal, bem como, e os requisitos que devem ser obedecidos ao formular o pedido de adoção. Todavia, os artigos 1618 à 1629 do Código Civil não tratam do procedimento da adoção. O artigo 1623 dispõe que: “a adoção obedecerá ao processo judicial, observando os requisitos estabelecidos neste código.” O ECA também não traz um procedimento específico para a adoção. Em sua Seção IV, Capítulo III, Título VI do Livro III intitulado: “Colocação em Família Substituta”dispõe sobre os institutos da guarda, tutela e adoção. Mas há que se observar que o instituto da adoção tem suas peculiaridades procedimentais próprias, posto que é um instituto que difere em muito dos institutos de guarda e tutela. A questão processual rege-se sob a égide dos artigos 141 e parágrafos, artigo 206, 148 inciso III e artigo 147 do ECA. Quanto à formalidade do pedido de adoção, deve ser observado o que traz o artigo 50 do Estatuto que assim dispõe: “a autoridade judiciária manterá, em cada comarca ou foro regional um registro de crianças e adolescentes em condições de serem adotadas e outros de pessoas interessadas na adoção”. 20 Sobre esse registro tem-se que: Conforme previsto pelo artigo 50 do Estatuto da Criança e Adolescente, será mantido em cada comarca ou foro regional um registro de crianças e adolescentes em condições de serem adotadas e outro de pessoas interessadas na adoção. A inscrição dar-se-á após a prévia consulta aos órgãos técnicos do juízo, ouvido o Ministério Público e não será deferida se o interessado não satisfizer os requisitos legais ou se presentes qualquer das hipóteses do artigo 29, ou seja, se o interessado revelar, por qualquer modo, incompatibilidade com a natureza da medida ou não oferecer ambiente familiar adequado. Refere-se o artigo 50 aos chamados cadastros de pessoas interessadas em adoção e de crianças ou adolescentes aptas à adoção. (GUIMARÃES, 2000, p.40). Um requisito essencial para quem possui o desejo de adotar é a prévia habilitação. O artigo 197 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA -, Lei nº 8.069/90, com as alterações da Lei 12.010, de 03 de novembro de 2009 elenca as etapas para que o adotante se habilite à adoção: Seção VIII. Da Habilitação de Pretendentes à Adoção Art. 197-A. Os postulantes à adoção, domiciliados no Brasil, apresentarão petição inicial na qual conste: I - qualificação completa; II - dados familiares; III - cópias autenticadas de certidão de nascimento ou casamento, ou declaração relativa ao período de união estável; IV - cópias da cédula de identidade e inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas; V - comprovante de renda e domicílio; VI - atestados de sanidade física e mental; VII - certidão de antecedentes criminais; VIII - certidão negativa de distribuição cível. Art. 197-B. A autoridade judiciária, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, dará vista dos autos ao Ministério Público, que no prazo de 5 (cinco) dias poderá I - apresentar quesitos a serem respondidos pela equipe interprofissional encarregada de elaborar o estudo técnico a que se refere o art. 197-C desta Lei; II - requerer a designação de audiência para oitiva dos postulantes em juízo e testemunhas; III - requerer a juntada de documentos complementares e a realização de outras diligências que entender necessárias. Art. 197-C. Intervirá no feito, obrigatoriamente, equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, que deverá elaborar estudo psicossocial, que conterá subsídios que permitam aferir a capacidade e o preparo dos postulantes para o exercício de uma paternidade ou maternidade responsável, à luz dos requisitos e princípios desta Lei. § 1o É obrigatória a participação dos postulantes em programa oferecido pela Justiça da Infância e da Juventude preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar, que inclua preparação psicológica, orientação e estímulo à adoção inter-racial, de crianças maiores ou de adolescentes, com necessidades específicas de saúde ou com deficiências e de grupos de irmãos. § 2o Sempre que possível e recomendável, a etapa obrigatória da preparação referida no § 1º deste artigo incluirá o contato com crianças e adolescentes em regime de 21 acolhimento familiar ou institucional em condições de serem adotados, a ser realizado sob a orientação, supervisão e avaliação da equipe técnica da Justiça da Infância e da Juventude, com o apoio dos técnicos responsáveis pelo programa de acolhimento familiar ou institucional e pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar. Art. 197-D. Certificada nos autos a conclusão da participação no programa referido no art. 197-C desta Lei, a autoridade judiciária, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, decidirá acerca das diligências requeridas pelo Ministério Público e determinará a juntada do estudo psicossocial, designando, conforme o caso, audiência de instrução e julgamento. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009). Parágrafo único. Caso não sejam requeridas diligências, ou sendo essas indeferidas, a autoridade judiciária determinará a juntada do estudo psicossocial, abrindo a seguir vista dos autos ao Ministério Público, por 5 (cinco) dias, decidindo em igual prazo. Art. 197-E. Deferida a habilitação, o postulante será inscrito nos cadastros referidos no art. 50 desta Lei, sendo a sua convocação para a adoção feita de acordo com ordem cronológica de habilitação e conforme a disponibilidade de crianças ou adolescentes adotáveis. § 1o A ordem cronológica das habilitações somente poderá deixar de ser observada pela autoridade judiciária nas hipóteses previstas no § 13 do art. 50 desta Lei, quando comprovado ser essa a melhor solução no interesse do adotando. § 2o A recusa sistemática na adoção das crianças ou adolescentes indicados importará na reavaliação da habilitação concedida. (BRASIL, ECA 1990) Após concluso o cadastro, obedece-se a ordem cronológica da inscrição para se contemplar este ou aquele habilitado. Porém, se comprovado prejuízo à criança a ser adotada, esta ordem poderá ser desconsiderada. “Sendo assim, existindo uma criança ou adolescente em condições de ser adotada, caberá ao Juiz da Infância e Juventude verificar no seu cadastro aquele que mais se adapte às necessidades do adotando, independentemente da ordem de inscrição.” (PACHI, 2002, p.167). Deferida a inscrição de que trata o artigo 50, parágrafos1º e 2º, do ECA, inicia-se o processo de adoção. Sendo assim, o primeiro passo é procurar o Fórum da Comarca da residência do adotando e a Vara da Infância e Juventude, com os documentos elencados no artigo 197 e com requerimento dirigido ao Juiz que responde pela Vara da Infância e da Juventude. Existe ainda a Ficha de Cadastro de Pretendentes a adoção disponível na Vara da Infância, com os dados necessários para posterior inclusão no Cadastro Nacional de Adoção - CNA. A habilitação para adoção é um processo, portanto deve ser registrado no Sistema utilizado na comarca do adotando, SAIPRO, SAJ ou PjE. Somente a autoridade judiciária tem capacidade para conhecer de pedidos de habilitação para adoção. 22 A competência para se conhecer do pedido de adoção, é do juízo especial, nesse caso, o da Justiça da Infância e da Juventude, conforme dicção do artigo 148, inciso III do Estatuto da Criança e Adolescente: A justiça da Infância e da Juventude é competente para: III – conhecer dos pedidos de adoção e seus incidentes. Neste caso, a competência será em razão da matéria-ratione materiae, que é absoluta, podendo ser alegada de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, independente de exceção. (BRASIL, ECA 1990) A petição inicial deverá ser instruída por advogado, observando-se os requisitos gerais previstos do artigo 282 do Código de Processo Civil e dos requisitos específicos do artigo 165 do Estatuto da Criança e Adolescente. O artigo 166 do Estatuto da Criança e Adolescente traz uma exceção a esse regramento para os casos de pais falecidos, ou se esses forem destituídos ou suspensos do pátrio poder, ou, ainda, quando houverem aderido expressamente ao pedido de colocação do menor em família substituta. Apenas para essas situações, a petição poderá ser formulada diretamenteem cartório, assinada pelos requerentes. Por requisição do magistrado, os adotantes serão avaliados nos aspectos sociais e psicológicos por profissionais das áreas de Serviço Social e Psicologia. Há também a possibilidade de nomeação de peritos para a realização dos estudos social e psicológico nos processos de habilitação para adoção por meio do Programa de Apoio aos Órgãos Jurisdicionais na Realização de Perícias Judiciais, criado pela Resolução nº 01 do Conselho da Magistratura, de 24.01.2011. Juntados os Relatórios de Avaliação Psicossocial, o Ministério Público os examinará e enunciará parecer, em seguida, o Juiz proferirá sentença. Depois de concluído o Processo de Habilitação, com sentença proferida pelo Juiz, transitada em julgado, realizar-se-á a inclusão do adotando no Cadastro Nacional de Adoção - CNA, por magistrado ou servidor autorizado. Incluído o adotando habilitado na comarca, no Cadastro Nacional de Adoção, este estará habilitado a adotar, tanto no estado em que reside quanto a nível nacional. Lembrando que o adotando só pode habilitar-se na comarca de sua residência. Os documentos necessários para Habilitação para Adoção, de acordo com art. 197 do ECA são: cópias autenticadas de Certidão de Nascimento ou Casamento, ou declaração relativa ao período de união estável; cópias da cédula de identidade e inscrição no Cadastro de Pessoas 23 Físicas ( CPF);comprovante de renda e de domicílio; atestados de sanidade física e mental ( Atestados Médicos);certidão de antecedentes criminais e certidão negativa de distribuição cível. O Novo Código Civil, Lei nº 10.406, de janeiro de 2002 trata do instituto da adoção no Capítulo VI, “Da Adoção”, Livro IV, Do Direito de Família, nos artigos 1618 a 1629. Novas regras devem ser observadas de acordo o Código Civil, se surgirem dúvidas sobre a colocação dos dispositivos do ECA. Segundo Sílvio Rodrigues: “Omissa a lei, só devem ter por revogados os dispositivos incompatíveis com a nova legislação. No mais, ainda se preservarão os critérios estabelecidos pelo Estatuto da Criança e Adolescente, para a adoção nele prevista.” (RODRIGUES, 2003, p.389). No que tange ao requisito de natureza subjetiva, a vontade de adotar uma criança, reconhecendo-a como seu próprio filho, oferecendo-lhe saúde, lazer, família educação e amor. Apesar de que a Lei n° 12.010, de 03 de agosto de 2009, “Lei Nacional da Adoção”, foi elaborada com o objetivo de desburocratizar o processo de adoção, todo o processo de adoção no Brasil ainda é extremamente burocrático e moroso, abrangendo um lapso temporal bem extenso. A seguir será apresentado quem são as pessoas que podem adotar. 3.3 Quem pode adotar A primeira consideração que se deve fazer a respeito de quem pode adotar é de natureza subjetiva, pois que pode adotar é aquela pessoa imbuída do desejo de fazer seu filho o filho de outrem, ainda que não tenha sido concebido por ele. Imbuído desse desejo, dessa vontade, há que se observar, em primeira mão, a idade do adotando, que, de acordo com o artigo 42do Estatuto da Criança e Adolescente: “Artigo 42. Podem adotar os maiores de 18 anos, independentemente do estado civil.” O parágrafo único do artigo 1618 reza que, quando a adoção for requerida por ambos os cônjuges ou companheiros, poderá ser formalizada, desde que um deles tenha completado dezoito anos. A idade de dezoito anos é requisito para o casal, bastando que somente um dos companheiros tenha a idade acima de dezoito anos. Outra questão que merece ser levantada diz respeito ao enfoque sobre a diferença etária entre adotante e adotado. O artigo 1619 do Novo Código Civil e o artigo 42, parágrafo segundo 24 do Estatuto da Criança e Adolescente, dispõem que o adotante deverá ser 16 anos mais velho do que o adotado. Mas, por ser o escopo da adoção trazer vantagens para o menor, a jurisprudência interpreta estes dispositivos de forma mais flexível, como se observa na decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: Adoção-Inobservância de requisito do § 3º do artigo 42 do Estatuto da Criança e Adolescente-Vantagem para o menor-Atenuação do rigorismo formal da lei. –Se a adoção é vantajosa para o menor, é de ser deferido seu pedido, ainda que não ocorra a diferença etária entre adotante e adotado, requisito constante do § 3º do artigo 42 do Estatuto da Criança e Adolescente, tendo em vista que, diante da finalidade precípua da adoção, que é o bem-estar do adotando, deve ser atenuado o rigorismo formal da lei. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS, Apelação Cível nº 4779/5-Comarca de Ponte Nova-Relator: Dês. CAETANO CARELOS-DJ de 4-11-94) A Constituição Federal, em seu artigo 226, § 3º, confere à união estável entre homem e mulher o status de identidade familiar. “Artigo 226, § 3º: Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.” Abstrai-se desse artigo que não há vedação legal para adotar nos casos de adotantes que vivem em união estável não legitimada legalmente. O § 4º deste artigo atribui essa adjetivação à família monoparental. A esse respeito tem-se: Não foge a lei do seu compromisso de considerar a adoção como uma das espécies de colocação em lar substituto, ao permitir que o adotante não seja casado, porque em consonância com o disposto no artigo 226 parágrafo 4º da Constituição Federal, que considera como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. (OLIVEIRA, 2000, p.180). Como o instituto da adoção tem como objetivo trazer vantagens para a criança e adolescente e, se essas vantagens forem adquiridas com a adoção do menor em uma família monoparental, esta é bem aceita no ordenamento jurídico. O artigo 1622 do Novo Código Civil e 42, parágrafo 4º do Estatuto da Criança e Adolescente torna legítima a adoção por casais separados judicialmente ou divorciados. A esse respeito, a doutrina adiciona o concubinato, aduzindo que: 25 Questão não resolvida pela lei é saber se os concubinos que, depois de iniciado o estágio de convivência, vêm a se separar, podem adotar conjuntamente. Não vemos impedimento, se atendidos os mesmos requisitos para os divorciados e separados judicialmente. Isto é, estabelecimento de guarda e do regime de visitas. (OLIVEIRA, 2000, p.183) A única exigência legal é que o casal separado esteja de acordo quanto a guarda e regime de visitas e que a convivência tenha sido iniciado na constância da sociedade conjugal. Resumindo, independentemente do estado civil, solteiro, casado, divorciado, ou vivendo em concubinato, se maior legalmente falando, pode haver adoção. Qualquer pessoa que seja pelo menos 16 anos mais velha que a criança a quem pretende adotar. Os menores de 18 anos não podem adotar. Os avós ou irmãos da criança pretendida também não podem adotar. Cabe a estes últimos o pedido de guarda ou tutela, a ser ajuizado na Vara de Família da cidade onde residem. O tutor também não pode adotar tutelado. Ainda não há adoção por homossexuais prevista em lei, ficando a decisão para estes casos a critério do Juiz responsável pelo processo, cabendo a este decidir se a união estável homossexual preenche os requisitos para a adoção. A lei se omitiu quanto à essa possibilidade de adoção conjunta por casais homossexuais. O legislador perdeu a oportunidade de regular a adoção de casais homossexuais. Este tema ainda é bastante polêmico no Brasil e a previsão legal acabaria de uma vez por todas com o preconceito que cerceia essa possibilidade de adoção. Adiante, os procedimentos pós adoção serão trazidos à baila. 3.4 Procedimentos pós adoção Após sentença judicial, o vínculo da adoção se constitui, e esta será inscrita no Registro Civil, mediante mandado. Concomitante a esse ato, o registro original do adotadoserá cancelado. De acordo com o artigo 47 do ECA, as certidões de registro não poderão conter nenhuma observação sobre a adoção. Sobre a oitiva do adotando, o prenome deste poderá ser modificado, conforme dicção do artigo 47 em seu § 6º, do ECA: “§6 º Caso a modificação de prenome seja requerida pelo adotante, é obrigatória a oitiva do adotando, observado o disposto nos §§ 1o e 2o do art. 28 desta Lei”. 26 3.5 Efeitos da adoção Os efeitos da adoção na legislação atual garantem aos filhos adotivos os mesmos direitos dos filhos naturais. Na atualidade: “[...] não há mais filho adotivo, mas adoção entendida como meio de filiação, que é única. A partir do momento em que a adoção se conclui, com a sentença judicial e o registro de nascimento, o adotado se converte integralmente em filho.” (LÔBO, 2008, p. 247). O filho adotivo é integrado à nova família com os mesmos direitos que são garantidos a qualquer outro filho, de qualquer origem. Sendo assim, os efeitos da adoção são de natureza pessoal e patrimonial. Sobre o parentesco entre o adotante e o adotado, efeito pessoal da adoção, que é a transferência do poder familiar: Somente o pátrio poder é que fica, durante a adoção, transferido do pai natural-legítimo- para o pai adotivo-fictício; pois o único resultado sério da adoção é, por assim dizer, gerar um herdeiro com direitos de filho às pessoas que não tem descendentes. (CARVALHO, 1999, p. 133). No artigo 227 da Constituição Federal e no artigo 42 do Estatuto da Criança e Adolescente, está escrito que com a adoção, todos os laços de parentesco com a família biológica se desfazem, e a única exceção são os impedimentos para se contrair o matrimônio. De acordo com o artigo 1626 do Código Civil, o adotado se torna filho legítimo do adotante rompendo-se os vínculos com a família consanguínea, excetuando-se os impedimentos para o casamento. O dever de alimentar e a sucessão, efeito patrimonial da adoção, também vão existir na adoção, posto que seja uma obrigação da relação de filiação e paternidade. Outro efeito patrimonial da adoção diz respeito à administração dos possíveis bens do adotado pelos pais adotivos que passa a ser uma obrigação do pai adotivo. Quanto aos direitos sucessórios para com o filho adotivo, no que diz respeito à herança do adotante, reza o artigo 41 do Estatuto da Criança e Adolescente: Art. 41. A adoção atribui a condição de filho ao adotando com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com os pais e parenta, salvo os impedimentos matrimoniais. 27 Sendo assim, deve haver igualdade do filho adotivo com os descendentes biológicos do adotante. Findados os apontamentos sobre a adoção, prossegue-se, nas linhas subsequentes, apresentando os entraves na adoção por casais heterossexuais x casais homoafetivos. 28 4 ENTRAVES NA ADOÇÃO POR CASAIS HETEROSSEXUAIS X CASAIS HOMOAFETIVOS 4.1 Adoção por casais heterossexuais Conforme já explanado no capítulo 2, a habilitação para a adoção encontra-se no artigo 197 do ECA, com as alterações da Lei 12.010, de 03 de novembro de 2009. O magistrado que estiver com a incumbência de acompanhar e analisar o processo de adoção, dentre outras providências, requisitará aos profissionais da área de Serviço Social e Psicologia, ou nomeará Peritos por meio do Programa de Apoio aos Órgãos Jurisdicionais na Realização de Perícias Judiciais, para que os adotantes sejam avaliados nos aspectos sociais e psicológicos. Somente depois de realizada a avaliação Psicossocial supra, e juntados os Relatórios dessa Avaliação, o Ministério Público os examinará e enunciará parecer, para em seguida, o Juiz proferir a sentença. De acordo com o artigo 42do ECA, “Podem adotar os maiores de 18 anos, independentemente do estado civil”. O $ 2º desse artigo dispõe que “Para a adoção conjunta é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou que mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família”. E ainda, o $ 4º desse mesmo artigo elenca as condições para que os divorciados, os judicialmente separados e os ex-companheiros possam adotar conjuntamente. Sendo assim, solteiros, casados civilmente, vivendo em união estável, divorciados, judicialmente separados, ex-companheiros, se maior legalmente falando, ou seja, se completos os dezoito anos, estas pessoas podem adotar. Veja que em nenhum momento a lei menciona que estes casais devam ser de sexos opostos. Na verdade, toda a legislação é silente ao tratar da adoção conjunta de casais homossexuais casados ou vivendo em união estável. Como o artigo 226, § 3º, da CF/1988, confere o status de entidade familiar à união estável entre homem e mulher (grifo nosso), excluem-se os casais homossexuais do rol do conceito de entidade familiar, muito embora, nos dias hodiernos, essa seja uma realidade frequente. Isso reflete na habilitação para adoção. “Artigo 226, § 3º: Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.” Como se percebe, o dispositivo traz a expressão homem e mulher para se elevar à condição de família a 29 união estável. Daí se depreende que a adoção por casais heterossexuais não encontra nenhum óbice legal, a não ser aqueles que impedem qualquer pessoa de adotar, qual seja, a menoridade civil, o laudo negativo da avaliação psicossocial, dentre outros. Os casais hétero têm sido beneficiados na habilitação, ferindo os princípios da igualdade e da equidade disciplinada pela Magna Carta de 1988. 4.2 Adoção por casais homoafetivos Embora a contemporaneidade seja contemplada com um momento ímpar na história com relação ao conceito do instituto da família, pois a realidade social impôs o enlaçamento das relações afetivas pelo Direito de Família, e hoje, o conceito de família já não pode ser o mesmo de alguns séculos atrás, posto que, novos modelos de relacionamento familiares surgiram e convivem paralelamente aos modelos tradicionais, a Constituição prevê somente três tipos de família: a decorrente do casamento (Artigo 226, §§ 1º e 2º);a decorrente da união estável (Artigo 226, §3º) e a decorrente da entidade familiar monoparental (Artigo 226, §4º). Isso tem provocado intensos debates e acirrado a discussão em defesa do igual reconhecimento dos dois tipos de relacionamento interpessoal: as uniões heteroafetivas e as uniões homoafetivas, já que casais homossexuais vivendo juntos como uma entidade familiar é bastante comum na atualidade. O não reconhecimento em lei dessas uniões como uma entidade familiar, tem trazido reflexos negativos para estes casais quando desejam aumentar sua família pela adoção, o que não se justifica, pois vive-se hoje o advento da diversidade no contexto do pluralismo do direito de família. Nos dizeres de Grisard Filho (2003), presencia-se hoje o advento da diversidade dos modelos familiares, vivemos numa época de mudanças que não acaba com o modelo clássico de família da era moderna, mas que também não pode mais ser usado como o único modelo para a sociedade atual e para as futuras gerações, pois atualmente novas estruturas familiares estão surgindo, saindo da família nuclear e entrando em uma sociedade que sinaliza a pluralidade de novas organizações familiares. Na verdade, é como se a sociedade nadasse contra a maré, aparentemente aceita e convive bem com esse pluralismo, mas não pôs fim ao paradigma clássico de família. A família formada 30 por um pai (sexo masculino) e uma mãe (sexo feminino), com os filhos biológicos nascidos dessa união, é o modelo tido como ideal. Quanto à família formada por dois pais (sexo masculino), ou duas mães (sexo feminino), a estes o direito de ter filhos pela adoçãoé quase sempre negado, sendo limitado pelo preconceito da sociedade e daquele que está à frente do processo de adoção. Como a lei é silente sobre esta celeuma, cabe ao julgador decidir. Já foi mencionado nas linhas supra que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, arrola diversas formas de entidades familiares, porém, como o texto legal traz os vocábulos “homem e mulher” ao se referir ao reconhecimento da união estável como entidade familiar, percebe-se que os preceitos canônicos ainda prevalecem sobre as normas estatais, e resquícios da doutrina da igreja católica, que defende como família legítima apenas a que é constituída sob as bases do casamento civil e religioso, formada por um homem e uma mulher, com fins de procriação, ainda prevalece como modelo a ser seguido. É o que aduz Dias: “Toda atividade sexual com uma finalidade diversa da procriação constitui pecado, infringindo o mandamento „crescei e multiplicai-vos” (DIAS, 2000, p. 65). Esse raciocínio conduz à condenação da homoafetividade. As modificações sociais forçaram o surgimento da sociedade homofóbica na metade do século XVII diante da fraqueza dos laços entre o Estado e a Igreja. Durante a segunda guerra mundial, tanto judeus quanto homossexuais foram cruelmente assassinados pelos nazistas. Houve uma época em que a homoafetividade era considerada uma anomalia. A intolerância a homossexualidade e a homoafetividade diminuiu no final do século XX, e os movimentos Gays surgiram buscando o rompimento do preconceito. Quanto ao Movimento Gay este: [...] passou a considerar como seu insight mais importante a constatação de que muito mais prejudicial do que a homossexualidade em si é o avassalador estigma social de que são alvo gays, lésbicas e travestis. Trata-se de indivíduos que, se experimentam alguma forma de sofrimento, originado pela intolerância e injustificado preconceito social. (DIAS, 2000, p. 65) O século XXI trouxe uma nova postura em relação a esses pares afetivos, e a homoafetividade passou a ser encarada como uma “mistura de fatores, resultado de influências biológicas, psicológicas e socioculturais, sem peso maior para uma ou para outra – nunca uma determinação genética ou uma opção racional.” (DIAS, 2009, p. 75). 31 Na contramão dessa nova postura introduzida pelo XXI, o Vaticano ainda declara sua contrariedade à homossexualidade e à adoção de crianças por pares homoafetivos, e ainda há um grande número de pessoas que consideram a homossexualidade como uma ameaça à sociedade e à família. Tudo isso reflete na adoção por casais homoafetivos, que enfrentam inúmeras dificuldades de cunho religioso, sociais e jurídicas, quando desejam adotar um filho. Isso porque, os relacionamentos homossexuais são tidos como uma afronta à moral, a ética, e ao que se consideram como bons costumes. Os homossexuais são estigmatizados. Esse estigma causa discrepância entre a identidade social virtual (preconcepções sobre um indivíduo) e a identidade social real (atributos que a pessoa realmente possui). O estigma é algo que transforma uma pessoa comum em uma pessoa vista como diminuída e menos capaz. (GOFFMAN, 1988.) Como se não bastasse o enfrentamento ao preconceito, o texto da Magna Carta de 1988, quando trata do reconhecimento da união estável como uma entidade familiar, os vocábulos “homem e mulher”, que são os detonadores da interpretação restritiva que esconde o preconceito, rejeitando os novos modelos familiares. Os princípios como os da igualdade e dignidade são menosprezados quando se parte dessa interpretação restritiva do texto legal, para disfarçar o preconceito que ainda reprime a sociedade brasileira e boa parte dos legisladores e juristas. Embora já seja reconhecida a existência da família constituída pela união estável, a família mononuclear, a família definida somente pela presença de um vínculo de afeto, o texto constitucional não tratou das uniões homoafetivas de forma direta. Não há como negar que inexista preconceito quando o casal que pleiteia a adoção foge ao modelo tradicional de família, um homem (pai) e uma mulher (mãe) como tronco familiar. Sobre a questão, o Estatuto da Criança e do Adolescente que autoriza a adoção por uma única pessoa, ou por pares que convivem em família, mas em momento algum se menciona sobre a orientação sexual de quem pretende adotar. O artigo 43 do ECA dispõe que: “A adoção poderá ser deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos”. E ainda, a Lei nº 12.010 de 03 de agosto de 2009, que deu nova roupagem ao sistema de adoção, visando proteger o melhor interesse da criança e do adolescente. A lei nada impõe como possibilidade jurídica da adoção à orientação sexual dos adotantes, ou qualquer proibição expressa da adoção por casais do mesmo sexo. A lei 32 simplesmente permite a adoção por solteiros e casais, formados pelo casamento ou união estável. Desta forma, a possibilidade jurídica da adoção por homossexuais depende tão somente da interpretação e dos valores do julgador. Na lei falta reconhecer a possibilidade do casal de adotantes ser homossexual, todavia, na análise do ordenamento como um todo, não há que se falar em tal impedimento. O magistrado que busca nos costumes, princípios e analogia, de acordo com o art. 4º, LICC, e outros métodos de integração, confere a seu julgamento efetividade aos princípios e normas existentes no ordenamento jurídico. Assim dispõe o artigo 4º da LICC: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.” Aqueles que se baseiam nas lacunas da lei, as utilizam apenas para legitimar o preconceito que, infelizmente, ainda cerceia o assunto. Se feita uma análise gramatical do artigo 226, § 3º e § 4ºda CF/88, chega-se a conclusão que a união homossexual não pode ser equiparada à união estável porque envolve duas pessoas do mesmo sexo, logo, também não pode ser uma entidade familiar. Todavia, se feita uma análise contextualizada com as condições históricas, ideológicas, culturais e políticas, com o escopo de conferir à lei um sentido que abranja todo o contexto sociopolítico-econômico para que a mesma atinja a sua eficácia plena, a interpretação tomará outro viés. Sobre essa visão analítica ampla da norma constitucional: [...] as cláusulas constitucionais, por seu conteúdo aberto, principiológico e extremamente dependente da realidade subjacente, não se prestam ao sentido unívoco e objetivo que uma certa tradição exegética lhes pretende dar. O relato da norma, muitas vezes, demarca apenas uma moldura dentro da qual se desenham diferentes possibilidades interpretativas. À vista dos elementos do caso concreto, dos princípios a serem preservados e dos fins a serem realizados é que será determinado o sentido da norma, com vistas à produção da solução constitucionalmente adequada para o problema a ser resolvido. (BARROSO; BARCELLOS, 2004, p. 222). E ainda: O argumento jurídico mais consistente, contrário à natureza familiar da união civil entre pessoas do mesmo sexo, provém da interpretação do Texto Constitucional. Nele encontram-se previstas expressamente três formas de configurações familiares: aquela fundada no casamento, a união estável entre um homem e uma mulher com ânimo de constituir família (art. 226, §3º), além da comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226, § 4º). Alguns autores, em respeito à literalidade da dicção constitucional e com argumentação que guarda certa coerência lógica, entendem que „qualquer outro tipo de entidade familiar que se queira criar, terá que ser feito via emenda constitucional e não por projeto de lei. O raciocínio jurídico implícito a este posicionamento pode ser inserido entre aqueles que compõem a chamada teoria da 33 „norma geral exclusiva‟ segundo a qual, resumidamente,uma norma, ao regular um comportamento, ao mesmo tempo exclui daquela regulamentação todos os demais comportamentos. Como se salientou em doutrina, a teoria da norma geral exclusiva tem o seu ponto fraco no fato de que, nos ordenamentos jurídicos, há uma outra norma geral (denominada inclusiva), cuja característica é regular os casos não previstos na norma, desde que semelhantes a ele, de maneira idêntica. De modo que, frente a uma lacuna, cabe ao intérprete decidir se deve aplicar a norma geral exclusiva, usando o argumento a contrario sensu, ou se deve aplicar a norma geral inclusiva, através do argumento a símile ou analógico. (BODIN, 2006, P. 89/112). Sobre invocar o artigo 4ª da LICC para a solução de lides que tratam dessa adoção, Maria Berenice Dias, Desembargadora aposentada do Tribunal de Justiçado Rio Grande do Sul, em seus estudos jurídicos, trouxe a expressão relação homoafetiva, adverte: “A interpretação, portanto, deve ser axiológica, progressiva, na busca daqueles valores, para que a prestação jurisdicional seja democrática e justa, adaptando-se às exigências e mutações sociais”. (DIAS, 2005). Ainda de acordo com a desembargadora: “A falta de previsão específica nos regramentos legislativos não pode servir de justificativa para negar prestação jurisdicional ou ser invocada como motivo para deixar de reconhecer a existência de direito merecedor de tutela.” (DIAS, 2005, p.11-12). Sobre não existir o reconhecimento expresso sobre a união estável homoafetiva, o Tribunal Gaúcho considerou-a análoga à união entre pessoas de sexos diferentes, aduzindo que sobre estas deve ser dado tratamento igualitário, em termos patrimoniais, às relações heterossexuais e homossexuais, com amparo no artigo 4º da LICC. Seguindo esse raciocínio, ignorar a existência de entidades familiares formadas por pessoas do mesmo sexo e deixar de conceder-lhes o amparo jurídico que é conferido às uniões heteroafetivas, seria o mesmo que ocultar partes do texto constitucional, encobrindo-o com o véu do preconceito. E sendo reconhecidas como união estável, terá o direito à adoção. A lei, em toda a sua essência e plenitude, por vezes explicitamente, outras implicitamente, enaltece o Princípio da Isonomia ou Princípio da Igualdade, e em nenhum momento lê-se sobre a proibição expressa da lei com relação à homoafetividade e as possibilidades de relacionamento advindas dessa forma de amar, logo, também não lemos nada a respeito da vedação legal quanto à adoção por conviventes homoafetivos ou homossexuais. E ainda que houvesse, essa vedação seria inconstitucional, porque estaria ferindo de morte o Princípio da Isonomia. Portanto, devem ser aplicados os mesmos direitos conferidos à união heterossexual àqueles de mesmo sexo que comprovem ter uma convivência duradoura. Se aos casais heterossexuais é conferido o direito de 34 adotar, aos casais homossexuais também ser estendidos os mesmos direitos, posto que todos sejam iguais perante a lei. Este é o entendimento da E. Desembargadora Maria Berenice Dias, do Tribunal de Justiça gaúcho: A homossexualidade é um fato social que se perpetua através dos séculos, não mais podendo o Judiciário se olvidar de emprestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de sexos. É o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações homoafetivas constitui afronta aos direitos humanos por ser forma de privação do direito à vida, violando os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. (ap. cível nº. 70012836755, j. 21/12/2005). E nos dizeres de Mônaco da Silva: O que impedirá, pois, o acolhimento do pedido de colocação em família substituta será, na verdade, o comportamento desajustado do homossexual, jamais a sua homossexualidade. Assim, se ele cuidar e educar a criança dentro dos padrões aceitos pela sociedade brasileira, a sua homossexualidade não poderá servir de pretexto para o juiz indeferir a adoção [...] pleiteada. (MÔNACO DA SILVA, 1995, p. 117). Mariana de Oliveira Farias e Ana Cláudia Bortolozzi colocam: Ora, se o que se busca com a adoção é o bem-estar da criança, como prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente, poderíamos dizer que o não reconhecimento das famílias compostas por pais/mães homossexuais e, assim, a impossibilidade da adoção por ambos os (as) parceiros (as) iria contra os princípios legais, já que facilitaria o fato de a criança se sentir diferente e discriminada. Assim, a criança poderia se sentir estigmatizada não por ser adotada por pessoas homossexuais, mas pela lei de seu país não considerar sua família como tal. (FARIAS; MAIA, 2005, p. 217). Caio Mário da Silva Pereira assim leciona: A adoção conjunta por duas pessoas do mesmo sexo foi objeto de reconhecimento pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, tendo como relator o Desembargador Luis Felipe Brasil Santos. A Sétima Câmara Cível, por unanimidade, confirmou a sentença de primeira instância proferida pelo Juiz Júlio César Spoladore Domingos, da Comarca de Bagé, concedendo a adoção de dois irmãos, à companheira da mãe biológica. A decisão reconheceu como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Não identificando os estudos especializados qualquer inconveniente para que crianças fossem adotadas, e comprovado o saudável vínculo de afeto existente entre as crianças e as adotantes, destacou o ilustre Relator: “é hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227, CF)”. Não se pode 35 usar como argumento contrário à adoção por casal homoafetivo a impossibilidade do registro do filho. O art. 54 da Lei nº 6.015, de 1973, conhecida como “Lei de Registros Públicos”, dentre os elementos de identificação, indica os nomes e prenomes dos pais, e os nomes e prenomes dos avós paternos e maternos. Nada impede a simples menção dos “pais”, atendida a ordem alfabética e respectiva filiação biológica (PEREIRA, 2007, p. 422). Pelo exposto, pode-se afirmar que há qualquer vedação legal para o reconhecimento de qualquer união. O que deve ser respeitado é a observância dos requisitos legais. A lei traz em seu bojo a possibilidade de união estável entre homem e mulher que preencham os requisitos de convivência pública, duradoura e contínua, sem mencionar proibição ou restrição de união entre dois homens ou duas mulheres. O seu escopo maior é conferir aos companheiros os direitos e deveres trazidos pelo artigo 2º da Lei 9.278/96, não se mencionando em momento alguma vedação expressa para que esses efeitos alcancem uniões entre pessoas do mesmo sexo. Se não se menciona nada a respeito, é porque não é proibida, apenas a matéria em si ainda não está expressamente regulada. A formação da família moderna não-consanguínea tem sua base na afetividade e nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade, sendo assim, não há porque negar a adoção a pessoas do mesmo sexo, se estas manifestam desejo de adotar, e vivem como uma família. O que deve observar é a imprescindibilidade da prevalência dos interesses dos menores sobre quaisquer outros, o direito de filiação é que deve ser sacramentalizado, pois deste decorrem inúmeras consequências que refletem por toda avida de qualquer indivíduo. Em julgado da Vara Judicial da Comarca de São Francisco de Assis/RS, analisado pela assessoria de comunicação do IBDFAM(2013), a juíza, que presidia o processo, em decisão favorável à coexistência de dois vínculos maternos de uma criança, asseverou que “afinal, não são os fatos que se amoldam às leis, mas sim, estas são criadas para regular as consequências que advêm dos fatos, objetivando manter a ordem pública e a paz social”. E que “é preciso amadurecimento da sociedade para que se exija uma conduta ativa dos legisladores a ponto de regulamentarem matérias polêmicas”. Essa assertiva contempla a questão aqui levantada, podendo até se considerar tardia a atuação dos legisladores no sentido de regulamentar a adoção de crianças por pares homossexuais. Isso acabaria de vez com o preconceito que ronda esses casais, além de por fim à discussão de alguns que aduzem que crianças adotadas por pais ou mães homossexuais sofrem 36 influencia (os tem como exemplo a ser seguido) em sua orientação sexual. Sobre essa posição serão traçadas alguns apontamentos. “O Direito é (...) uma força de transformação da realidade. É sua a tarefa “civilizatória”, reconhecida através de uma intrínseca função promocional, ao lado da tradicional função repressiva, mantenedora do status quo.” (BODIN DE MORAES, 2003, p. 71). 4.3 Influência na orientação sexual do adotado por casais homoafetivos A homossexualidade, segundo DURKHEIN, é um fato social que existe desde que o mundo é mundo. Leciona Rodrigo da cunha pereira: A homossexualidade existe desde que o mundo é mundo. Em algumas culturas são mais rechaçadas, em outras, menos. Desde a Grécia antiga os registros são vários e apontam, naquela civilização, um comportamento em padrões de normalidade. (CUNHA PEREIRA, 1997, p. 43.) É sabido que a homossexualidade sempre existiu, logo, não há como associar a homossexualidade de uns, ao fato da adoção por casais homossexuais. Isso não reflete nem mais nem menos na propensão à homossexualidade. A homossexualidade dos pais, por si só não determina a identidade do gênero e orientação sexual da criança. Toda essa discussão preconceituosa nasceu das religiões, em especial, a católica. A religião prega a procriação, como entre os homossexuais há a impossibilidade de gerar descendência, esse relacionamento é tido como pecaminoso. A Psicologia já tem firmado que: [...] os filhos de pais ou mães homossexuais não apresentam comprometimento e problemas em seu desenvolvimento psicossocial quando comparados com filhos de pais e mães heterossexuais. O ambiente familiar sustentado pelas famílias homo e heterossexuais para o bom desenvolvimento psicossocial das crianças parece ser o mesmo. (FARIAS; MAIA, 2009, pp.75/76). Paulo Nader, citando Paulo Luiz Netto Lobo, ensina: Não há fundamentação científica para esse argumento (de que a criança pode sofrer alterações psicológicas porque é criada por homossexuais), pois pesquisas e estudos nos 37 campos da psicologia infantil e da psicanálise demonstram que as crianças que foram criadas na convivência familiar de casais homossexuais apresentaram o mesmo desenvolvimento psicológico, mental e afetivo das que foram adotadas por homem e mulher casados. (NADER, 2006, p. 391). Mas na contramão há aqueles que entendem de forma diversa. [No caso de dois homossexuais que vivam juntos,] muito embora não haja nenhum impedimento legal, entendemos que essa adoção não deveria ser possível, pois o adotado teria um referencial desvirtuado do papel de pai e de mãe, além de problemas sociais de convivência em razão do preconceito, condenação e represália por parte de terceiros, acarretando um risco ao bem-estar psicológico do adotado que não se pode ignorar. (BRITO, 2000, p. 55) [...] se de um lado não há impedimento contra o impotente, não vale o mesmo quanto aos travestis, aos homossexuais, às lésbicas, às sádicas, etc., sem condições morais suficientes. A inconveniência e a proibição condiz mais com o aspecto moral, natural e educativo. (MARMITT, 1993, p. 112/113). Todavia, não há nada que comprove esses argumentos. Pelo contrário, de acordo com a Psicóloga Tereza Maria Machado Lagrota Costa (apud. NAHAS, 2008) já está comprovado que a homossexualidade é fruto de relações entre heterossexuais em sua constante maioria, no entanto, tiveram uma orientação sexual diferente da dos seus pais, o que ratifica que o fato dos pais serem homossexuais não define nem interfere na orientação sexual dos filhos, nem causa transtornos psicológicos na criança, visto que papeis sociais desempenhados por homens e mulheres é um paradigma que já vem sendo quebrado há muitas décadas. A diferença é sempre num primeiro momento rejeitada, seja ela física, mental, ou mesmo de orientação sexual, o que é extremamente repugnante, não aceitarmos as pessoas como elas são. São milhares de crianças que anseiam por um lar e a discussão sobre a orientação sexual de seus pais não tem a menor importância. Sobre a necessidade de duplo gênero no desenvolvimento psicossocial dos filhos, as Psicólogas Mariana de Oliveira Farias e Ana Cláudia Bortolozzi Maia, ensinam: No entanto, segundo Zambrano, os conceitos da Psicanálise deveriam ser interpretados como funções e não como o sexo biológico das pessoas. Considera-se, socialmente, que aquela pessoa que impõe as regras à criança e se ocupa dos fatores objetivos estaria associada ao masculino, enquanto aquela que cuida da criança e dos cuidados da casa estaria mais ligada ao sexo feminino. Sabemos que é importante que a criança tenha 38 acesso às duas funções (masculina e feminina), mas estas não precisam estar associadas ao sexo biológico das pessoas que a acercam. (FARIAS; MAIA, 2009, pp.75/76.) As características pessoais dos pais (ou dos candidatos à adoção), sua capacitação, sua habilidade nos âmbitos emocional e patrimonial é o que deve ser levado em conta. As autoras afirmam ainda que: Não há diferenças significativas no desenvolvimento físico e psicossocial entre filhos criados por pessoas gays e lésbicas e filhos criados por pessoas heterossexuais. Além disso, possíveis diferenças podem até ser identificadas, mas não são atribuídas às características da orientação sexual dos cuidadores e sim, às condições diversas como: orgânicas, econômicas, educacionais, sociais, etc. (FARIAS; MAIA, 2009, pag.88). Segundo Maria Berenice Dias: Existe grande resistência em aceitar a possibilidade de homossexuais ou parceiros do mesmo sexo habilitar-se para adoção. Há a equivocada crença de que a falta de referências comportamentais de ambos os sexos possa acarretar sequelas de ordem psicológica e dificuldade na identificação sexual do adotado. Também causa apreensão de o filho ser alvo de repúdio no meio que frequenta ou preconceito por parte de colegas ou vizinhos, o que poderia lhe acarretar perturbações psicológicas ou problemas de inserção social. Segundo estudo das famílias homoafetivas com prole, as evidências trazidas pelas pesquisas não permitem vislumbrar a possibilidade de ocorrência de distúrbios ou desvios de conduta pelo fato de alguém ter dois pais ou duas mães. Não foram constatados efeitos danosos ao normal desenvolvimento ou a estabilidade emocional decorrentes do convívio de crianças com pais do mesmo sexo. (DIAS, 2001, p. 54). Pelo exposto, percebe-se que o que na verdade existe, são falácias sem embasamento científico ou psicológico. Se as pesquisas já feitas sobre tais assertivas provam o contrário, o que ainda se fala se fundamenta apenas em preconceitos. Oportuno colocar: A adoção por homossexuais, os que criticam a possibilidade defendem que a adoção por casais homossexuais permitiria a influência na formação da personalidade da criança, contudo jamais se provou de fato alguma influência no comportamento das crianças adotadas por homossexuais, não prevalecendo estudos psicológicos nesse sentido. (JUSBRASIL,