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Inventário Participativo Inventários como Instrumento de Preservação do Patrimônio Cultural no Brasil ......4 Tipos de Inventários e a Proteção do Patrimônio Cultural ......................................16 Os Inventários nas Recomendações Internacionais de Proteção ao Patrimônio Cultural ...............................................................................................19 Inventários Participativos das Referências Culturais ..............................................24 Compartilhando Experiências de Inventário Participativo .......................................28 Museu do Patrimônio Vivo da Grande João Pessoa – PB ....................................31 Ponto de Memória da Terra Firme (Belém, PA) ......................................................33 Ponto de Memória Museu do Taquaril (Belo Horizonte, MG) ................................34 Encerramento do Módulo 2 ....................................................................................38 Referências ...........................................................................................................39 Sumário 3 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural Olá! Até aqui vimos as várias nuances do patrimônio cultural e percebemos como o con- ceito sofreu profundas transformações ao longo das últimas décadas. Neste segundo módulo, vamos refletir sobre como trabalhar as diferentes dimensões desse patrimônio por meio de práticas participativas de preservação que priorizam sua importância e seu significado para as comunidades. Nas últimas décadas, houve um crescente interesse de amplos setores da sociedade brasileira pelo uso de inventários culturais como ferramenta na produção de conheci- mento sobre os bens culturais e como suporte para o desenvolvimento da educação patrimonial. Os inventários culturais se estabeleceram também como uma importante estratégia para a inclusão de valores e sentidos dos diferentes segmentos sociais nas ações de patrimonialização e musealização de territórios e referências culturais não consagra- das historicamente pelas instituições de preservação. É importante notar que o uso dos inventários como instrumento de preservação do patrimônio cultural é bastante antigo e sua utilização esteve presente no cotidiano de praticamente todas as instituições criadas para a preservação do patrimônio. Conforme vimos no módulo 1, o conceito de inventário se transformou ao longo do tempo, produzindo mudanças na sua definição, nos seus usos e em suas finalidades. Neste módulo, vamos conhecer mais sobre inventários no contexto da trajetória das políticas de preservação. Vamos lá? 4 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural Inventários como Instrumento de Preservação do Patrimônio Cultural no Brasil A expressão inventário deriva de inventorium, do latim clássico, que corresponde a encontrar ou descobrir. Há pelo menos dois séculos, a palavra é utilizada na lingua- gem jurídica e contábil com uma significação muito precisa: relação dos bens deixa- dos por alguém que já morreu para sua posterior partilha entre os herdeiros e suces- sores do falecido. No campo da cultura e nas práticas de preservação do patrimônio, desde o século XVIII, a palavra ganhou outro sentido: o de levantamento sistemático das caracterís- ticas e particularidades dos bens culturais visando à sua identificação, conhecimen- to, documentação, promoção e proteção. No Brasil, o uso de inventários está presente desde a concepção dos primeiros ór- gãos estaduais de proteção do patrimônio, na década de 1920 (AZEVEDO, 1998, p. 64). Criado pela Lei nº 378, de 13 de janeiro de 1937, com a finalidade de “promover em todos país e de modo permanente, o tombamento, a conservação, o enriquecimento e conhecimento do patrimônio histórico e artístico nacional” o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-SPHAN1, foi instituído como órgão oficial de preserva- ção do patrimônio cultural brasileiro. “[...] a tarefa principal que o legislador brasileiro cometeu ao Serviço incumbido da proteção àqueles bens é o seu tombamento. Mas como não se conhecem pre- viamente todas as coisas de excepcional valor histórico ou artístico existentes no Brasil, para tombar as que tenham esses requisitos torna-se necessário proceder pelo país inteiro a um inventário metódico dos bens que pareçam estar nas con- dições estabelecidas para o tombamento e, em seguida, realizar os estudos re- queridos para deliberar sobre a respectiva inscrição (ANDRADE, 1987, p. 51-52). ” 1 Em 1946, o SPHAN tem o seu nome alterado para Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DPHAN). Em 1970, o DPHAN é transformado em Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). 5 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural Diante das contingências do recém-criado SPHAN, das limitações financeiras para o envio de técnicos à campo e das dificuldades de acesso a muitas localidades do Bra- sil, diversos tombamentos realizados neste período fundamentaram-se na análise dos registros produzidos pelos denominados inventários de identificação (MOTTA; REZENDE, 2016, p.17). Estes, buscavam ser documentos objetivos, continham informações primárias e le- vantamentos fotográficos de bens móveis e imóveis realizados por fotógrafos con- tratados e/ou por servidores das próprias instituições de preservação. Possuíam uma função precisa: identificar os bens que apresentavam características de excep- cionalidade para o tombamento, conforme previsto no Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. Algumas iniciativas de inventários produzidas na primeira metade do século XX se destacaram pela sistematicidade de dados e informações de natureza técnico-artís- tica. Destacam-se, por exemplo, o inventário de bens imóveis e móveis no estado do Ceará, desenvolvido pelo artista João José Rescala, na década de 1940; e o inventário da cidade de Ouro Preto, desenvolvido entre 1949 e 1950. A partir da década de 1970, a preservação do patrimônio cultural passou a constar na agenda de desenvolvimento econômico nacional formulada pela Ditadura Militar. O turismo foi considerado um vetor importante para a valorização do patrimônio cultu- ral regional e novos investimentos para a produção de inventários surgiram em meio a uma conjuntura que buscava estabelecer uma relação entre o valor cultural e o valor econômico do patrimônio. Alinhado a esta perspectiva política, foi criado o Programa das Cidades Históricas – o PCH, e por meio dele estabelecidas parcerias entre o IPHAN, a então Secretaria de Planejamento do Governo Federal e governos estaduais, visando o financiamento de inventários regionais que resultassem em ações de planejamento e de proteção dos acervos. (MOTTA; REZENDE, 2016, p.22). Em 1979, ocorreu a fusão entre o IPHAN e o Centro Nacional de Referência Cultural – CNRC2, resultando em uma ampliação e “ressemantização das noções de patrimô- nio e de proteção e também a introdução de conceitos novos, como referência e bem cultural” (FONSECA, 2005, p. 215). 2 O Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC), criado por meio de convênio entre o Ministério da Indústria e Comércio e o governo do Distrito Federal, em 1975, visava construir um sistema referencial básico para a descrição e análise da dinâmica cultural brasileira. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0025.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0025.htm http://portal.iphan.gov.br/dicionarioPatrimonioCultural/detalhes/33/programa-de-cidades-historicas-pch http://portal.iphan.gov.br/dicionarioPatrimonioCultural/detalhes/33/programa-de-cidades-historicas-pch 6 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural Embora grande parte dos inventáriosproduzidos nessa época tenham priorizado os bens imóveis e sítios urbanos tombados pelo IPHAN, notou-se uma “tendência de se abordar de forma integrada vários tipos de bens – móveis, imóveis, fazeres cul- turais, modos de morar” e, de forma incipiente, “de se incluir a consulta ou promover o envolvimento das comunidades na identificação desses bens” (MOTTA; REZENDE, 2016, p.22). Dentre os trabalhos desenvolvidos neste período, podemos citar: § O Mapeamento do Artesanato Brasileiro, que inovava ao lançar um novo olhar sobre os processos culturais; § Os Levantamentos Socioculturais; § O Programa História da Ciência e Tecnologia no Brasil, que resultou no tom- bamento da fábrica de vinho de caju Tito Silva, cuja particularidade advém do objetivo do acautelamento que não era propriamente a proteção do imóvel ou dos equipamentos, mas do saber fazer advindo do processo de fabricação do vinho; § Os levantamentos de documentação sobre o Brasil, dentre outros. Fábrica de Vinhos de Caju Tito Silva Fundada pelo jornalista Tito Henrique da Silva, em 1892, na cidade de João Pessoa, Paraíba, a Fábrica de Vinhos de Caju Tito Silva era a mais antiga e a maior produtora nacional do vinho de caju, bebida bastante po- pular no Nordeste por um longo período. A fábrica, ao longo da sua histó- ria, ganhou diversos prêmios de reconhecimento pela qualidade dos seus produtos, dentre eles, um em Bruxelas, em 1911, e outro na Exposição do Centenário do Brasil, em 1922, no Rio de Janeiro. Na Tito Silva, o processo de produção do vinho de caju era bastante artesanal, a manufatura era caseira e somente a família trabalhava na linha de produção, sendo que, até 1917, seus únicos empregados eram a mulher e o filho. Curiosidades 7 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural Somente a partir dos anos 1940, devido à importação de máquinas da Inglaterra e dos Estados Unidos, o processo deixou de ser artesanal, po- rém, preservando a forma tradicional de processamento. Nessa primeira metade do século XX, a fábrica chegou a produzir vinte toneladas diá- rias de vinho de caju, o produto ganhou grande aceitação no mercado, e chegou a ser comercializado em várias regiões do país, e até mesmo na Alemanha e nos Estados Unidos. A produção subiu ao seu índice máximo, e chegou a consumir de 25 a 30 toneladas de caju por dia. Antigamente, encontrado nos arredores da fábrica, graças tanto ao aumento da produ- ção quanto aos cortes de cajueiros para produção de carvão vegetal, as plantações desapareceram e fizeram com que os proprietários recorres- sem às plantações de caju de outras cidades da Paraíba e do Rio Grande do Norte, aumentando os custos com a produção. É importante destacar que a Tito Silva & Cia. não apenas comercializava o famoso vinho de caju, com diversas marcas, como Lágrima de Ouro e Restaurador, mas também comercializava produtos oriundos de outros estados, como vinhos e vinagres. A Tito Silva disponibilizava no mercado local de João Pessoa, além do vinho de caju, o vinho de uva e o de jabu- ticaba, vinagre, álcool, aguardente e genebra, néctares de frutas, como jenipapo e, naturalmente, do próprio caju. Por volta de 1964, a fábrica entrou em um processo de decadência fi- nanceira. O volume de capital exigido para manter e ampliar o nível de produção ultrapassava os lucros obtidos com a venda do produto. Além disso, a alta carga tributária, que chegava a incidir em 46% da produção, trouxe muitos problemas financeiros, tanto para a Tito Silva, quanto para as pequenas manufaturas espalhadas pelo Nordeste. 8 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural Foi então que, nos anos 1970, o importante papel desempenhado pelo caju no contexto socioeconômico e cultural brasileiro, especialmente no Nordeste, fez com que o Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC) descobrisse a Tito Silva num estudo que objetivava mapear a represen- tatividade que o caju tinha para a cultura brasileira. O estudo mostrou a importância da técnica de produção do vinho de caju como um forte elemento identitário. Aloísio Magalhães, nessa época à frente do CNRC, lançou novos rumos nas políticas patrimoniais brasileiras buscando, pela primeira vez, reconhecer como patrimônio nacional os valores de um sa- ber fazer. A ideia de preservar uma técnica ligada a um produto de consu- mo das camadas populares demonstrava o grande interesse do governo em se aproximar das manifestações culturais de cunho popular. Por fim, em 1984, o edifício da fábrica foi tombado, sendo esse também o ano no qual a fábrica encerrou suas atividades de forma definitiva. Após o fechamento da fábrica, a Fundação Joaquim Nabuco recebeu um importante acervo relacionado a ela: a coleção de rótulos comerciais dos produtos vendidos pela Tito Silva & Cia. Maria Olga Silva, uma das herdei- ras da fábrica, doou à Fundaj, em 1985, uma coleção onde, além de rótulos comerciais, ainda encontramos outros materiais gráficos pertencentes à empresa, como propagandas e materiais de expediente, num total de 676 documentos. O projeto de revitalização da fábrica e de valorização de suas técnicas, pensado em 1984, não obteve êxito, e a Tito e Silva ficou abandonada até 1997, quando teve início um processo de restauração do prédio que foi concluído somente em 2003. Atualmente, esse prédio é ocupado pela Oficina Escola de João Pessoa, projeto social que capacita jovens e adultos para atuarem na conservação e restauração do Centro Histórico de João Pessoa. Fonte: CANTARELLI, Rodrigo. Fábrica Tito Silva (João Pessoa, PB). Pes- quisa Escolar Online, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em: <http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/>. http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/ 9 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural A partir da década de 1980, as políticas públicas de preservação foram norteadas por uma concepção ampla do conceito de patrimônio cultural. A Constituição Federal de 1988 contemplou a pluralidade étnica e social formadora da sociedade brasileira. O artigo 216 atribui ao Estado, em colaboração com a sociedade civil, o papel de agente na preservação compartilhada do patrimônio cultural e estabelece o registro e o in- ventário como instrumentos de salvaguarda (IPHAN, 2006, p.16). O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tom- bamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. (Art. 216 § 1º da CF) Como podemos observar, o parágrafo primeiro do Artigo 216 elevou o inventário a instrumento jurídico de preservação do patrimônio cultural, ao lado do tombamento, da desapropriação, dos registros, da vigilância, bem como outras formas de acaute- lamento e preservação. A década de 1990 inaugura um período de consolidação das práticas de pesquisa e de documentação no IPHAN. O inventário e a documentação dos bens culturais pas- saram a ser uma das diretrizes da política de preservação (SILVA, 2014). Foi criado um setor específico para tratar do assunto, o Setor de Inventários e Pesquisa do De- partamento de Identificação e Documentação. Após a criação deste setor, houve uma intensificação dos trabalhos para elaboração de instrumentais e metodologias de inventariação que resultou em diversas expe- riências de inventários. Dentre eles, destacamos: Inventário Nacional de Bens Imóveis em Sítios Urbanos Tombados - INBI-SU Inventário de Bens Arquitetônicos - IBA Inventário Nacional de Material de Artilharia - INMA Inventário Nacional de Bens Imóveis - INBI Inventário de Configuração de Espaços Urbanos – INCEU Inventário Nacional de Coleções Arqueológicas – INCA Por diversos motivos (mudanças contínuas de gestão, contingenciamento de recur- sos, demandade investimentos continuados etc.) muitas dessas iniciativas tiveram duração efêmera e outras foram aplicadas apenas como teste ou projetos pilotos. 10 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural A partir dos anos 2000, alastrou-se em diversas áreas do conhecimento a informatização e digitalização de dados e informações. Neste contex- to, em 2007, foi desenvolvido o Sistema Integrado de Conhecimentos e Gestão – SICG. Em decorrência desse processo, as fichas para cadas- tro de bens materiais passaram a ser acessíveis via internet e inventários como o INBI-SU, o INBI, o IBA e o INCEU foram substituídos, desde 2009, por essa nova metodologia de organização da informação. (SILVA, 2014). Acesse: http://sicg.iphan.gov.br/sicg/pesquisarBem Importante Apesar das distintas ações realizadas, um ponto de convergência merece ser res- saltado: o objeto de investigação dos inventários mencionados se destina, principal- mente, aos bens móveis e imóveis, como as obras de arte, os prédios e sítios urbanos, que já eram protegidos por meio do tombamento. Apenas no início dos anos 2000, houve a implementação de um conjunto de políticas públicas, inclusive de inventários, voltadas para o reconhecimento e proteção dos sa- beres, ofícios, festas, lugares, rituais, expressões artísticas e lúdicas dos diferentes grupos e camadas sociais. Como vimos no módulo anterior, por meio do Decreto Nº 3.551, de 4 de agosto de 2000, o IPHAN instituiu o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial e criou o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI), o Inventário Nacional de Referên- cias Culturais (INRC) e os Planos de Salvaguarda, ferramentas inovadoras no tocante à identificação, valorização, construção de conhecimento, documentação e melhoria das condições socioambientais de produção, reprodução e transmissão de bens cul- turais imateriais. Em 2010, a Coordenação de Educação Patrimonial (CEDUC), do IPHAN, realizou uma parceria com o Ministério da Educação, no âmbito do Programa Mais Educação, para o desenvolvimento do “Inventário Pedagógico”, uma adaptação didática do INRC para ser aplicada nas escolas públicas do Brasil. http://sicg.iphan.gov.br/sicg/pesquisarBem http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3551.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3551.htm 11 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural A aplicação da ferramenta em unidades de ensino de diversas regiões do país fez com que organizações da sociedade civil se apropriassem deste instrumento para além do espaço escolar. Percebendo o crescimento da demanda e o uso espontâneo da metodologia por mo- vimentos sociais, organizações populares, comunidades indígenas, quilombolas, dentre outros, o IPHAN fez nova adaptação e lançou, em 2016, uma versão atualizada da ferramenta sob a denominação de Educação Patrimonial: Inventários Participati- vos (IPHAN, 2016a). Educação Patrimonial: Inventários Participativos O manual elaborado pelo IPHAN constitui-se numa ferramenta de Educação Patrimonial com objetivos principais de fomentar no leitor a dis- cussão sobre patrimônio cultural, assim como estimular que a própria comunidade busque iden- tificar e valorizar as suas referências culturais. Nessa perspectiva, considera a comunidade como protagonista para inventariar, descrever, classifi- car e definir o que lhe discerne e lhe afeta como patrimônio, numa constru- ção dialógica do conhecimento acerca de seu patrimônio cultural. Alinha, ainda, o tema da preservação do patrimônio cultural ao entendi- mento de elementos como território, convívio e cidade como possibilidades de constante aprendizado e formação, associando valores como cidadania, participação social e melhoria de qualidade de vida. Acesse: http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/inventariodopa- trimonio_15x21web.pdf Saiba mais Buscando a constituição de uma política específica para a salvaguarda da diversi- dade linguística brasileira, os Ministérios da Cultura, da Educação, do Planejamento e Gestão, da Justiça e da Ciência Tecnologia e Inovação promulgaram o Decreto Nº 7.387, de 9 de dezembro de 2010, que instituiu o Inventário Nacional da Diversidade http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/inventariodopatrimonio_15x21web.pdf http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/inventariodopatrimonio_15x21web.pdf http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decreto/d7387.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decreto/d7387.htm http://portal.iphan.gov.br/indl/pagina/detalhes/139 12 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural Linguística (INDL) como instrumento oficial de identificação, documentação, reco- nhecimento e valorização das mais de 250 línguas faladas pelos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. O artigo 3º do Decreto afirma que a língua incluída no Inventário Nacional da Diver- sidade Linguística receberá o título de “Referência Cultural Brasileira”, expedido pelo Ministério da Cultura. Mapa Etno-histórico do Brasil e Regiões Adjacentes Elaborado artesanalmente, o Mapa Etno-histórico do Brasil Regiões Adja- centes é uma espécie de síntese definitiva de uma vida inteira dedicada ao estudo das línguas e culturas indígenas. Este documento/monumento está inscrito pela Unesco no Programa Me- mória do Mundo, destinado a reconhecer como patrimônio da humanida- de acervos e/ou documentos arquivísticos e bibliográficos que possuem grande valor cultural, histórico e de memória. Os exemplares originais se encontram, atualmente, nos acervos do Museu Nacional (no Rio de Janei- ro) e do Museu Paraense Emílio Goeldi (em Belém). Assista: Processo de reedição do Mapa Etno-histórico do Brasil e Regiões Adjacen- tes de Curt Nimuendajú https://www.youtube.com/watch?time_continue=68&v=mqzy722O_V4 Saiba mais Outra iniciativa importante de democratização da memória e do patrimônio cultural no âmbito do Ministério da Cultura foi a criação do Programa Pontos de Memória pelo Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM/MinC). Com ações iniciadas em 2009, o Programa reúne um conjunto de iniciativas de re- conhecimento e valorização da memória social, de modo que os processos museais protagonizados e desenvolvidos por povos, comunidades, grupos e movimentos so- ciais, em seus diversos formatos e tipologias, sejam reconhecidos e valorizados como parte integrante e indispensável da memória social brasileira. http://portal.iphan.gov.br/indl/pagina/detalhes/139 https://www.youtube.com/watch?time_continue=68&v=mqzy722O_V4 http://www.museus.gov.br/acessoainformacao/acoes-e-programas/pontos-de-memoria/programa-pontos-de-memoria/ 13 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural Dentre as etapas da metodologia proposta para o desenvolvimento dos Pontos de Memória, destaca-se a realização de inventários participativos como ferramenta metodológica para que os grupos e comunidades possam assumir os processos de identificação, registro e promoção das referências culturais locais. Pontos de Memória: Metodologia e Práticas em Museologia Social “Nos últimos anos, experimentamos um desenvolvimento excepcional das atividades museológicas, sobretudo o crescimento da Museologia Comu- nitária, que traz como foco sua fun- ção social, ressignificando os museus como espaços não apenas educativos e de convivência, pesquisa, exposição de acervos e coleções, mas também de formação política dos indivíduos e de comunidades engajadas no pro- cesso de forjar suas próprias narrativas museais. Trata-se de um movi- mento amplo e diverso, composto por uma grande diversidade de atores e instituições em um diálogo rico e estimulante, aos quais temos orgulho de somar nossos esforços.” (Carlos Roberto F. Brandão, Ex-Presidente do InstitutoBrasileiro de Mu- seus). O principal objetivo desta publicação é apresentar a construção da meto- dologia do Programa Pontos de Memória e sua avaliação sob a perspecti- va dos 12 primeiros Pontos de Memória que surgiram ou foram potencia- lizados, com suporte do Governo Federal, a partir de 2009. A elaboração das narrativas da experiência de uma das etapas da metodologia foi pro- duzida separadamente, por cada um dos Conselhos Gestores dos Pontos, mas a avaliação do processo foi feita em um encontro em Brasília, em de- zembro de 2013, com a presença de um de seus representantes. Para acessar o conteúdo completo: https://www.museus.gov.br/wp-con- tent/uploads/2017/01/Pontos-de-Mem%C3%B3ria-Portugu%C3%AAs.pdf Saiba mais https://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2017/01/Pontos-de-Mem%C3%B3ria-Portugu%C3%AAs.pdf https://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2017/01/Pontos-de-Mem%C3%B3ria-Portugu%C3%AAs.pdf 14 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural A diversidade dos instrumentos de inventariação surgidos nas últimas décadas, bem como a emergência do debate sobre se os inventários são constituídos ou não en- quanto instrumentos de proteção legal dos bens culturais, impulsionou a necessida- de de regulamentação de seus usos e finalidades. Instituiu-se, assim, a Portaria nº 160, de 11 de maio de 2016, que dispõe sobre os instrumentos de Inventários do Patrimônio Cultural no âmbito do IPHAN. Seu Art. 1º busca definir os objetivos e usos dos inventários com vistas a subsidiar a tomada de decisão nos vários campos de ação institucional do IPHAN: Art. 1° Caracterizar os objetivos e elementos necessários à produção de inventários como instrumentos voltados para a identificação, documentação, produção de conhecimento e informação sobre os bens culturais, com vistas a subsidiar a tomada de decisão nos vários campos de ação institucional do IPHAN. § 1º Os inventários a serem produzidos em decorrência dessa portaria não se configuram, de per se, como instrumentos de proteção, mas integram iniciativas voltadas à produção de conhecimento que podem ou não redundar em medidas de proteção. § 2º O inventário será considerado um instrumento de proteção e/ou acautela- mento apenas quando expressamente definido em norma própria, que deverá estabelecer os efeitos sobre os bens inventariados. O artigo 4º vai tratar de especificar detalhadamente as finalidades dos inventários. Vamos conferir? http://www.in.gov.br/web/guest/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/21520489/do1-2016-05-12-portaria-n-160-de-11-de-maio-de-2016-21520397 15 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural ART. 4° O IPHAN realizará inventários com as seguintes finalidades: I - identificar a presença de elementos e valores orientadores da política de proteção e promoção da diversidade cultural brasileira; II - produzir informação, documentação e conhecimento sobre os ambientes socioculturais relacionados aos bens identificados; III - produzir conhecimento e documentação como subsídios para a instrução de processos de acautelamento do patrimônio cultural; IV - subsidiar a gestão do patrimônio cultural e a definição de políticas públicas de preservação; V - promover a articulação institucional com diferentes níveis de governo e sociedade civil para a implantação de políticas públicas de preservação do patrimônio cultural; VI - mobilizar e promover articulação de grupos sociais para o conhecimento, documentação e valorização do seu patrimônio cultural. Como podemos observar, ao longo da trajetória das políticas de preservação, houve diversas tentativas de inovar e imprimir novos valores e sentidos aos bens em processo de inventariação. Ainda hoje, são muitos os desafios postos ao órgão federal de preservação no traba- lho com o patrimônio a partir de uma perspectiva indissociável entre as dimensões tangíveis e intangíveis, bem como na incorporação da participação ativa dos deten- tores e grupos sociais nos processos de patrimonialização. 16 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural Entrevista com Jurema Machado, ex-presidente do Iphan, sobre o reco- nhecimento da Roda de Capoeira com o título de Patrimônio Cultural Ima- terial da Humanidade. https://www.youtube.com/watch?v=pGmHmAE8CHw Assista Tipos de Inventários e a Proteção do Patrimônio Cultural A depender dos objetivos políticos e ou técnicos, da concepção de patrimônio que fundamenta a constituição da metodologia de pesquisa, dos bens que se deseja in- ventariar, dos territórios abrangidos e das instituições, sujeitos e grupos sociais que participam do processo, os inventários podem apresentar diferentes métodos e tipo- logias. As tipologias dizem respeito, em grande medida, às concepções de inventário adota- das pelas instituições de preservação do patrimônio cultural, nas quais os inventários são suportes que auxiliam no processo de reconhecimento do valor cultural do bem com vistas à sua proteção, gestão e ou salvaguarda. Vamos conhecer a classificação tipológica proposta por Guillermo Trimmiño Aran- go, no final de década de 1970, quando esteve no Brasil para tratar do tema: Inventários de identificação Os inventários de identificação são aqueles destinados à produção de registros fotográficos e informações primárias acerca dos bens culturais, tais como: “a localização, o proprietário, a época de construção” etc.; https://www.youtube.com/watch?v=pGmHmAE8CHw 17 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural Inventários de proteção Os inventários de proteção são aqueles cujas pesquisas sistematizam um conjunto de dados que podem auxiliar tecnicamente “à tomada de decisões sobre a pro- teção dos bens”; Inventários científicos Os inventários científicos são aqueles cujas investigações objetivariam “levantar e produzir informações necessárias a um conhecimento profundo para a iden- tificação dos valores a serem preservados” (GUEDES, 1987, p. 87 apud MOTTA; REZENDE, 2016, p.12). No contexto museológico, o uso dos inventários também segue uma longa tradição e sua origem está vinculada às ações internas, orientadas para o registro e o controle dos acervos e coleções. Em muitos casos, os inventários museológicos representam, juntamente com os livros de tombo e as fichas catalográficas, o primeiro estágio da documentação sistemática de um acervo, uma ferramenta de gestão e fonte de produção de conhecimento que permite uma visão global e integrada sobre os objetos que compõem determinada coleção. Na publicação do Ibram “Subsídios para a Criação de Museus Municipais”, o inventá- rio museológico é definido como: [...] metodologia de pesquisa que constitui o primeiro passo na atividade de co- nhecimento, salvaguarda e valorização dos bens culturais de um acervo, consis- tindo na sua descrição individual, padronizada e completa, para fins de identifica- ção, classificação, análise e conservação. (CHAGAS, NASCIMENTO, 2009, p. 31). 18 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural A publicação “Subsídios para a Criação de Museus Municipais” apresenta um conjunto bastante simplificado de conceitos, reflexões e sugestões, que poderão ser utilizados como ferramenta básica para os projetos de criação de museus. http://www.museus.gov.br/wp-content/ uploads/2013/09/manual-subsidio-para- -criacao-de-museu.pdf Saiba mais Às tipologias mencionadas acresceríamos outra, fruto do processo de democratiza- ção do patrimônio e de sua apropriação por diferentes sujeitos e organizações so- ciais: o inventário participativo. Nos inventários participativos, a produção do conhecimento se dá de maneira dialó- gica e participativa, onde as próprias comunidades locais são protagonistase reali- zam um “autoinventário” das referências culturais que lhes são mais significativas. É uma ferramenta pedagógica que valoriza e incorpora os saberes tradicionais no pro- cesso de inventariação, potencializa a autoestima dos detentores e o fortale cimento dos vínculos comunitários em relação ao patrimônio, à memória e ao território em que os bens culturais (materiais, imateriais e naturais) então inseridos. http://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2013/09/manual-subsidio-para-criacao-de-museu.pdf http://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2013/09/manual-subsidio-para-criacao-de-museu.pdf http://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2013/09/manual-subsidio-para-criacao-de-museu.pdf 19 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural Documentário produzido a partir do Inventário Nacional de Referências Culturais do bairro do Bom Retiro. O bairro do Bom Retiro é o território do bom retiro de vários grupos que buscam as condições e uma base para a sua sobrevivência material e simbólica, para sua permanência como grupo específico e distinto ou a sua integração com os demais. Ao mesmo tempo, é a partir do Bom Retiro que se estabelece uma intensa troca de mercadorias e de culturas com a metrópole. O multiculturalismo do Bom Retiro não é apenas um conjunto pitoresco e turístico que representa a São Paulo dos mil povos, mas a marca distinti- va de uma metrópole globalizada do século XXI, acolhendo identidades e conflitos em meio ao burburinho do comércio e de outros negócios. Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=HVg56upd6JI Assista Os Inventários nas Recomendações Internacionais de Proteção ao Patrimônio Cultural As recomendações para a realização de inventários como medida de proteção esti- veram presentes desde os primeiros fóruns internacionais do patrimônio. A Carta de Atenas (1931), reconhecida como primeira carta patrimonial, por exemplo, preconiza a utilidade e a importância do inventário e recomenda que “cada Estado, ou as instituições criadas ou reconhecidamente competentes para esse trabalho, publique um inventário dos monumentos históricos nacionais, acompanhado de fotografia e de informações”. Em 1968, o Conselho de Cooperação Cultural da Europa apresentou uma série de diretrizes metodológicas para realização do Inventário de Proteção Cultural Europeu. Promulgada em 1972, a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – Unesco, determina que cada estado signatário da convenção deve “estabelecer e https://www.youtube.com/watch?v=HVg56upd6JI http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta%20de%20Atenas%201931.pdf https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000133369_por https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000133369_por 20 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural manter em dia, tendo como fim um inventário nacional da propriedade do patrimônio protegido, uma lista do patrimônio cultural público e privado importante, cuja expor- tação constituirá uma perda considerável do patrimônio nacional” (UNESCO, 1970 apud SILVA, 2014, p. 10). O Dicionário de Patrimônio Cultural do IPHAN traz um conjunto de citações presen- tes em recomendações e cartas patrimoniais oriundas desses organismos interna- cionais, nelas é possível apreender os diferentes usos e finalidades dos instrumentos de inventariação. UNESCO, 1964 Inventários de identificação dos bens culturais visando ao controle do tráfico ilícito. UNESCO, 1968 Inventários relativos a bens ameaçados pela execução de obras públicas. UNESCO, 1972 Inventários de bens suscetíveis de serem inscritos como patrimônio mundial, si- tuados nos Estados que subscreveram a Convenção para a Proteção do Patrimô- nio Mundial, Cultural e Natural da Unesco. OEA, 1974 Inventários referentes a monumentos em território americano, que tenham um significado para o patrimônio da humanidade. http://portal.iphan.gov.br/dicionarioPatrimonioCultural 21 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural CONSELHO DA EUROPA, 1975 Inventários para a administração e planejamento de áreas urbanas e físico terri- toriais. UNESCO, 1976 Inventários para a salvaguarda dos conjuntos históricos e sua função na vida contemporânea. CONSELHO DA EUROPA, 1985 Inventários que são considerados como uma das medidas mínimas para o estabelecimento de ações para proteção de bens culturais. A concepção predominante, pelas citações que fazem referência direta à realização de inventários, está associada principalmente aos bens móveis e imóveis; e os ob- jetivos, na maioria dos casos, estão relacionados à produção de conhecimento para apoiar medidas de preservação e prevenção, e para definir critérios de conservação e gestão dos bens de natureza material. Recomendações que propõem o uso de inventários para salvaguarda do patrimônio imaterial só passaram a constar em documentos internacionais a partir da Conven- ção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial da Unesco ocorrida na cida- de de Paris, em 2003. Esta convenção representou um passo importante na afirmação da participação social nos processos de patrimonialização e o começo de uma ruptura com a pers- pectiva hierárquica do patrimônio cujo enfoque eurocêntrico, monumental e elitista paulatinamente perde espaço para uma visão antropológica de cultura que considera os componentes materiais e imateriais como indissociáveis nos processos de atri- buição de valor dos bens culturais. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000132540_por https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000132540_por 22 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural Os Textos Básicos, publicados em março de 2009, foram concebidos como um instrumento prático à disposição de todos os envolvidos, que proporciona acesso rápido e melhor compreensão dos dispositi- vos da Convenção de 2003. Acesse: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/ pf0000230504_por Saiba mais No seu artigo 2º, a Convenção define “patrimônio cultural imaterial”. No que se refere aos instrumentos de salvaguarda, o artigo 12º estabelece o inventário como a ferra- menta primordial na preservação dos bens culturais imateriais. O artigo 15º enfatiza a necessidade da “participação das comunidades, grupos e indivíduos” nas ativida- des de salvaguarda e gestão do patrimônio cultural imaterial. Artigo 2º: Definições [...] as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associa- dos – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhe- cem como parte integrante de seu patrimônio cultural. Esse patrimônio cultural imaterial, que se transmite de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e de conti- nuidade e contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana. (UNESCO, 2003, art. 2º). https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000230504_por https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000230504_por 23 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural Artigo 12º: Inventários Para assegurar a identificação, com fins de salvaguarda, cada Estado Parte esta- belecerá um ou mais inventários do patrimônio cultural imaterial presente em seu território, em conformidade com seu próprio sistema de salvaguarda do patri- mônio. Os referidos inventários serão atualizados regularmente (UNESCO, 2003, art. 12). Artigo 15º: Participação das comunidades, grupos e indivíduos No quadro de suas atividades desalvaguarda do patrimônio cultural imaterial, cada Estado Parte deverá assegurar a participação mais ampla possível das comunidades, dos grupos e, quando cabível, dos indivíduos que criam, mantêm e transmitem esse patrimônio e associá-los ativamente à gestão do mesmo. (UNESCO, 2003, art. 15) Destacamos a importância especial atribuída à participação das comunidades e grupos na definição dos diferentes elementos do patrimônio cultural que irão integrar a elaboração desses inventários. Mesmo sem fazer uso do conceito de inventário participativo, a inventariação com a participação ativa dos detentores e fazedo res culturais é o objetivo primordial do instrumental proposto pela Unesco. Nas metodologias para elaboração e realização desses inventários, é dada liberda- de total aos Estados Partes. Embora se configurem como diretrizes gerais de orienta- ção, as recomendações da Unesco apontam para precauções e cuidados fundamen- tais no tocante às ações que visam fazer do inventário um instrumento primordial para salvaguarda do patrimônio imaterial. 24 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural Inventários Participativos das Referências Culturais Inventários participativos são instru- mentos de estímulo para que os pró- prios grupos e comunidades locais possam, em primeira pessoa, assumir os processos de identificação, sele- ção, registro e promoção das referên- cias culturais mais significativas para suas memórias e histórias sociais. Surgem enquanto expressão e exer- cício de igualdade entre poderes es- tabelecidos no seio de um território e metodologia de produção colaborati- va de conhecimentos elaborados por diferentes agentes ao longo do pro- cesso de patrimonialização e/ou mu- sealização. (VIEIRA NETO, 2011, p. 25) Na realização dos inventários participativos, o bem, acervo ou a coleção a ser inven- tariada é o próprio patrimônio cultural integral de determinado território, historica- mente compartilhado por uma coletividade ou grupo social. Foto: Oliver Kornblihtt/ MinC. VI Aldeia Multiétnica no XV Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros. Fonte: https://www.flickr.com/ photos/ministeriodacultura/20027538450/in/ album-72157656245967699/ https://creativecommons.org/licenses/by/2.0/ https://www.flickr.com/photos/ministeriodacultura/20027538450/in/album-72157656245967699/ https://www.flickr.com/photos/ministeriodacultura/20027538450/in/album-72157656245967699/ https://www.flickr.com/photos/ministeriodacultura/20027538450/in/album-72157656245967699/ https://creativecommons.org/licenses/by/2.0/ 25 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural Nesta modalidade de inventário, partimos da premissa de que não se pode decidir de fora o que é importante ou não para uma dada comunidade. Uma construção co- laborativa da noção de patrimônio é o método mais eficiente de preservação, pois as pessoas cuidam melhor daquilo que reconhecem como delas e que possui significa- do para si ou para o grupo social ao qual pertence. Buscando contribuir nas discussões referentes à elaboração do inventário participa- tivo, Hugues de Varine nos diz que: No essencial, trata-se de escutar os habitantes e de lhes pedir para designar aqui- lo que consideram como sendo o patrimônio de sua comunidade e de fornecer o maior número de informações sobre o assunto. Isto para que se constitua a base de um corpus patrimonial que poderá, em seguida, mas somente em seguida, ser enriquecido por pesquisas científicas, históricas ou administrativas mais apro- fundadas. (VARINE, 2012, p. 54). Nesse sentido, a ideia de participação transcende a questão do “acesso à cultura”. Não se trata mais de criar artifícios para preservar o que especialistas decidiram que era relevante, possibilitando o acesso a tais “obras relevantes”. Mas de um pro- cesso de apropriação cultural, de decisão coletiva, compartilhada, da abertura de ins- tâncias de diálogo que permitam contar uma história sensível aos sentidos cotidia- nos. Norteados por uma concepção ampla do conceito de patrimônio cultural, que busca reconhecer novas categorias de bens, mais próximas do cotidiano dos diversos gru- pos sociais, os inventários participativos buscam atribuir sentido ao vivido, ao cons- truído e ao aprendido, estabelecendo vínculos duradouros entre identidades, memó- rias e cidadanias. 26 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural Inventário Nacional de Referências Culturais do Jongo no ES-2014 Produzido no âmbito do Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) do Jongo no Espírito Santo, realizado entre 2013 e 2014, este cur- ta-metragem tem como foco grupos no Espírito Santo praticantes do Jongo/Caxambu, forma de expressão verificada nos quatro estados da região Sudeste do Brasil e que foi registrada no ano de 2005 como Patri- mônio Cultural pelo Iphan. https://www.youtube.com/watch?v=gPjPt826Q6o Kusiwarã – as marcas e criaturas de Cobra Grande O documentário, produzido com o apoio do Edital de Apoio à Produção de Documentários Etnográficos sobre o Patrimônio Cultural Imaterial, trata das formas de criação e recriação dos padrões gráficos que cons- tituem um dos saberes valiosos – juntamente com cantos, danças e di- versas tecnologias – apropriados pelos Wajãpi em seus contatos com os donos da água e da floresta. https://www.youtube.com/watch?v=UletLd8GQis Assista Mais que um mecanismo de escuta, o inventário participativo é um mecanismo de elaboração conjunta que permite uma relação mais horizontal e mais dialógica entre saberes técnicos e saberes locais. O conhecimento de métodos e técnicas previamente desenvolvidos é essencial, mas não para que sejam simplesmente aplicados, de fora para dentro. Uma abertura efetiva aos saberes locais trará sempre novas questões, permitindo que os métodos de pesquisa e as formas de comunicação sejam aperfeiçoadas e reinventadas no decorrer do processo. As categorias que organizam um inventário participativo podem fazer uso das clas- sificações já utilizadas pelas instituições de preservação do patrimônio, no entan- to, uma abertura metodológica para inclusão das denominadas “categorias nati- vas” (formas próprias pelas quais os grupos organizam e classificam sua realidade), https://www.youtube.com/watch?v=gPjPt826Q6o https://www.youtube.com/watch?v=UletLd8GQis 27 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural torna-se fundamental para que sejam incorporados os sentidos e valores dos dife- rentes sujeitos envolvidos no processo de inventariação. Como já mencionamos neste módulo, em 2016, foi lançado pelo IPHAN o manual de aplicação “Educação Patrimonial: Inventários Participativos”, com finalidade de propiciar aos seus usuários “o contato com princípios de uma pesquisa de campo, técnicas básicas de levantamento documental, sistematização e interpretação de dados e difusão de informações” (IPHAN, 2016a, p. 6). O instrumental vem auxiliando e estimulando o desenvolvimento de várias iniciati- vas de inventários participativos no país. No entanto, cada processo é único e os dife- rentes contextos socioculturais dos territórios e referências culturais que se pretende inventariar exigem pensar sempre em novas estratégias de mobilização comunitária, adaptações metodológicas dos instrumentais, incorporações de novas categorias que dialoguem com a realidade local e planejamento próprio. http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/inventariodopatrimonio_15x21web. pdf Projeto Inventário Participativo - Sobral O projeto Inventário Participativo, desde novembro de 2017, mobiliza os jovens das comunidades dos bairros Terrenos Novos e Vila União para discutir questões como memórias, identidade, patrimônio cultural e tam- bém registrar os bens culturais, fazerese expressões destas comunida- des. O evento de encerramento contou com a presença da população local e recebeu as apresentações dos trabalhos e das pesquisas desenvolvi- das pelos jovens do projeto, como exposições fotográficas e apresenta- ções locais. O Projeto Inventário Participativo foi realizado pela Prefeitura de Sobral, por meio da Secretaria da Cultura, Juventude, Esporte e Lazer (SECJEL) e Instituto ECOA. https://www.youtube.com/watch?v=8Ri9D7IExwI Assista http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/inventariodopatrimonio_15x21web.pdf http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/inventariodopatrimonio_15x21web.pdf https://www.youtube.com/watch?v=8Ri9D7IExwI 28 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural Compartilhando Experiências de Inventário Participativo Elaborado com a participação ativa das comunidades, o inventário participativo cons- titui-se em importante ferramenta para a identificação e promoção do patrimônio não consagrado ao fomentar e dar visibilidade às referências culturais de importantes setores da população que não encontravam na história oficial e nos meios de divulga- ção da cultura o reconhecimento amplo das suas histórias, memórias e identidades. Com intuito de demostrar a diversidade de objetivos, metodologias e resultados re- lacionados ao processo de inventariação, compartilharemos a seguir algumas expe- riências de inventários participativos realizados em diferentes localidades do país. https://projetohistoriando.wordpress.com/about/ Projeto Historiando: inventário participativo, educação patrimonial e musealização do patrimônio cultural em comunidades indígenas e tradicionais no Ceará Entre os anos de 2009 e 2011, construiu-se no Ceará uma parceria entre três organi- zações: Projeto Historiando, Instituto Terramar e Rede Cearense de Turismo Comu- nitário, que culminou no projeto “Historiando a Rede Tucum”. Essa ação teve como mote principal o fortalecimento das organizações locais a partir da apropriação de suas memórias e patrimônio cultural, como instrumentos de luta e articulação comu- nitária. Muitas das comunidades envolvidas no projeto, ainda nos dias atuais, fazem parte da Rede Tucum e estão localizadas no litoral Cearense. São elas: Curral Velho (Acaraú), Batoque (Aquiraz), Canto Verde (Beberibe), Caetanos de Cima (Amontada) e Jenipapo- Kanindé (Aquiraz). O primeiro contato do Projeto com as comunidades se deu com a mediação do Ins- tituto Terramar, que já possuía vínculos com as lideranças locais. A partir deste con- tato, foi definido o calendário de ação com as seguintes etapas: formação, pesquisa https://projetohistoriando.wordpress.com/about/ 29 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural em história local e inventário participativo, e, por último, a difusão e devolutivas para as comunidades. Também se definiu o perfil do grupo participante do Projeto, que foi composto por jovens e lideranças, que protagonizavam o turismo de base comunitá- ria na localidade pertencente. Nas etapas de formação, pesquisa e inventário, utilizou-se da experiência do Proje- to Historiando, que reúne um conjunto de metodologias para o desenvolvimento de habilidades investigativas, úteis na constituição de um inventário de histórias e bens culturais da própria localidade. O processo formativo no Projeto Historiando a Rede Tucum aconteceu a partir de três oficinas: Oralidade na qual entrevista-se os guardiões da memória local; Objetos que propicia a formação e a identificação de acervos; Lugares de memória que realiza um levantamento da memória presente em importantes locais para a história local. A segunda etapa, a de pesquisa e inventário, consistiu na realização de uma investi- gação in loco, pelos participantes. As categorias investigadas insurgiram das oficinas e foram organizadas a partir de uma concepção antropológica e plural do conceito de cultura, patrimônio e memória. Entre os exemplos de categorizações do inventário participativo nessas comunida- des, destacaram-se: patrimônio natural, manifestações culturais, lugares de memó- ria, saberes e modos de fazer, histórias e lendas, lutas e resistências, guardiões da memória e celebrações. 30 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural A terceira etapa, difusão e devolutiva às comunidades dos resultados obtidos nas etapas anteriores, ocorreu nessas localidades a partir da criação do Museu Indígena Jenipapo Kanindé; de cinco exposições museológicas (uma em cada comunidade); e da confecção de quatro cartilhas sobre patrimônio cultural e quatro inventários participativos das referências culturais locais. Dos resultados sociais obtidos, destacaram-se a construção de espaços de compar- tilhamento da memória local e implantação de acervos comunitários organizados, planejados, construídos e geridos pelas próprias comunidades. Atualmente, todas estas comunidades integram a Rede Cearense de Museus Comunitários. Rede Tucum: uma história de colaboração e resistência Assista: https://www.youtube.com/watch?time_continue=71&v=ISS_YvXMkU8 Acesse: http://viajarverde.com.br/rede-tucum-colaboracao-e-resistencia/ Saiba mais http://museudopatrimoniovivo.blogspot.com/p/o-projeto.html https://www.youtube.com/watch?time_continue=71&v=ISS_YvXMkU8 http://viajarverde.com.br/rede-tucum-colaboracao-e-resistencia/ 31 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural Museu do Patrimônio Vivo da Grande João Pessoa – PB O Museu do Patrimônio Vivo é resultado de um processo de inventariação partici- pativa de bens culturais imateriais. Esse trabalho se deu a partir da formação de um coletivo de 18 agentes culturais comunitários moradores de alguns bairros da capital e, posteriormente, o projeto foi expandido. A primeira edição se deu entre 2012 e 2013 e abrangeu seis bairros da capital paraibana. A segunda ocorreu entre os anos de 2013 e 2014, e teve como público alvo 13 comunidades de cinco municípios paraibanos: Cabedelo, Conde, Lucena, Santa Rita e João Pessoa. O trabalho teve como motivação a percepção de que saberes, fazeres e práticas cul- turais encontradas em bairros e cidades expressavam e representavam em si um acervo vivo do patrimônio cultural local. O acervo museológico do Museu Vivo da Grande João Pessoa é composto de pes- soas, lugares, narrativas, calendários festivos e expressões culturais. De modo geral, foi consolidado por meio dos resultados do inventário realizado pe- los agentes culturais comunitários, que foram selecionados pela própria comunidade a partir da escuta dos mestres da cultura e dos moradores das localidades. Eles participaram de cursos e oficinas de língua portuguesa, direito cultural, educação pa- trimonial, elaboração de projetos, economia da cultura, sistematização de dados e fo- tografia. Durante a formação, tiveram como referencial metodológico para pesquisa o Inventário Nacional das Referências Culturais (INRC), do IPHAN. Após as idas a campo e realização das pesquisas nas comunidades, os jovens apre- sentavam os dados coletados, que discutidos em grupo, com a equipe de coorde- nação e monitores das oficinas, justificavam a motivação das escolhas dos bens selecionados. Posteriormente, eram preenchidas as fichas e instrumentais estabele- cidos pelo INRC e os bens classificados em suas respectivas categorias. Nesse processo, foram entrevistados mestres e lideranças locais. As pesquisas ocorreram em prefeituras, postos de saúde, acervos privados e de familiares. Fizeram uso da observação participativa, ocasião em que tiveram a oportunidade de experi- enciar o que seria posteriormente, por eles, inventariado. 32 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural No percurso deelaboração do inventário participativo ocorreram alguns percalços e dificuldades em sistematizar os dados coletados. Diante disso, foi necessário re- inventar os instrumentais de registro dos bens culturais objetivando contemplar ao máximo as informações coletadas pelos agentes. O trabalho impulsionou a criação de uma rede entre os agentes culturais comunitá- rios, que puderam compartilhar experiências sobre os bens culturais existentes em seus territórios, bem como fomentar o interesse e a participação na construção de políticas públicas para suas localidades. Como resultado do inventário participativo, foram elaborados diversos produtos, dentre eles: as fichas sobre as localidades; um mapeamento dos bens culturais iden- tificados; as fichas sobre os bens culturais imateriais; a publicação em formato de livro de um catálogo dos bens culturais imateriais; um projeto de salvaguarda para um dos bens identificados; uma exposição fotográfica; e também um site, onde todo o material foi disponibilizado, incluindo as datas festivas, de ensaios, os contatos de lideranças culturais e de grupos para apresentações, assim como um conjunto de fotografias e roteiros de visitas aos lugares inventariados. Assista: Vídeo produzido pelo Iphan/Prêmio Rodrigo Melo Franco de An- drade - 2013 https://www.youtube.com/watch?v=3hVfTLoY0lw Para mais informações sobre o projeto, acesse o site do Museu do Patri- mônio Vivo da Grande João Pessoa: http://museudopatrimoniovivo.blogs- pot.com/ Saiba mais https://www.youtube.com/watch?v=3hVfTLoY0lw http://museudopatrimoniovivo.blogspot.com/ http://museudopatrimoniovivo.blogspot.com/ 33 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural Ponto de Memória da Terra Firme (Belém, PA) Na realização do Inventário Participativo da Terra Firme, foi adotado o método do registro das histórias de vida, no qual as comunidades constroem, organizam e socializam suas me- mórias e histórias a partir do relato dos próprios moradores. Para a execução do inventário, foram selecionados 10 jovens residentes do bairro com faixa etária de 18 a 29 anos. Estes jovens passaram por uma formação para aplicação da referi- da metodologia e na ocasião construíram alguns instrumen- tos para auxiliar o desenvolvimento da pesquisa, dentre eles citamos: Claquete de identificação; Ficha de Identificação; Ficha de Foto; Ficha de Objetos; Autorização de depoimento e imagem; Roteiro de Entrevista. Para o trabalho de campo, os participantes se dividiram em duplas e cada equipe ficou responsável por realizar pesquisas bibliográficas e entrevistas com moradores que vivem há muito tempo no bairro sobre as seguintes temáticas: 1) Cotidiano; 2) História do bairro da Terra Firme; 3) Lutas sociais que o bairro da Terra Firme participou ou vem participando; 4) Cultura popular; e 5) Instituições de pesquisa presentes no bairro. A pesquisa durou aproximadamente três meses. Neste período, conseguiram coletar 59 histórias de vida com moradores e/ou pessoas atuantes no bairro da Terra Firme. O registro dessas histórias compõe agora o acervo do Ponto de Memória da Terra Firme. Objetivando consolidar a pesquisa junto aos moradores do bairro, foram organiza- das algumas “rodas de memória” e encontros temáticos com a finalidade de ampliar e validar as informações obtidas durante a realização do inventário participativo. Por fim, grupos culturais que desenvolvem manifestações socioculturais diversas no território foram mobilizados para participarem do Cortejo cultural do Ponto de Memó- ria da Terra Firme, com o objetivo de socializar os resultados da pesquisa com todos os moradores do bairro. (MOURA, 2012). 34 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural Foto: Lavínia Cavalcanti. Acervo do Programa Pontos de Memória Assista: https://www.youtube.com/watch?v=dzIWtgSJNpk Ponto de Memória Museu do Taquaril (Belo Horizonte, MG) Para realização do seu inventário participati- vo, o Ponto de Memória do Taquaril fez uso da metodologia de história oral/história de vida do Museu da Pessoa para “inventariar os lo- cais de referência, fatos e acontecimentos im- portantes, pessoas etc., que de alguma ma- neira participaram ativamente da formação da comunidade.” (SILVA, 2012, p. 9). Como estratégia para coleta das entrevistas foram realizadas diferentes atividades visando à mobilização da comunidade em torno da proposta. Dentre os eventos realizados, destaca-se o “Varal de Memórias”. Nesta atividade, buscou-se provocar a memória dos participantes a partir da mon- tagem de uma exposição de imagens que rememoravam fatos e períodos marcantes da história do bairro. 35 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural O Varal de Memórias serviu ainda como momento preparatório para a formação dos chamados grupos focais, responsáveis por realizar a pesquisa, por meio de entrevis- tas, aos moradores do bairro. Divididos em grupos, os participantes do Ponto de Memória foram a campo e a partir de um roteiro semiestruturado realizaram diversas entrevistas com o objetivo de contar a história da comunidade por meio da história de vida de seus moradores. Foi desenvolvida também a campanha “Uma foto, uma história”, que convidava morado- res, ex-moradores e ou pessoas que pos- suíssem algum envolvimento com o Taqua- ril para contarem uma história a partir de alguma fotografia que possuíam do bairro. Os depoimentos eram gravados em formato audiovisual e hoje fazem parte do acervo do Ponto de Memória Taquaril. Para complementar as pesquisas realizadas nos grupos focais, foi contratado um pesquisador que ficou responsável por “mapear o acervo jornalístico pertencente ao Centro Comunitário Pró Construção e Desenvolvimento do Taquaril, com reportagens sobre lutas e resistências das comunidades Taquaril e Conjunto Taquaril.” (SILVA, 2012, p.14) Posteriormente, foram desenvolvidas outras ações de mapeamento de lugares, festas, pessoas com importância representativa na comunidade, para o desenvol- vimento do plano de ação visando trabalhar a memória local a partir das seguintes temáticas: “memória de criação/ocupação; memória de resistência/luta/conquista; memória cultural.” (SILVA, 2012, p.14) Recomendamos que, antes de passar para o próximo módulo, você busque conhe- cer mais sobre outras experiências de inventários participativos. A partir delas, bus- que elaborar um esboço de algumas etapas necessárias para a elaboração de um inventário participativo. Foto: Wellington Pedro. Acervo do Programa Pontos de Memória 36 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural Um maravilhoso exemplo de compartilhamento dos resultados de um inventário participativo é o projeto TUPI VIVO – Cartografia Afetiva. O traba- lho é fruto de uma copesquisa junto com o movimento indígena Tupinam- bá. Acesse: Tupi Vivo – Cartografia Afetiva “Nas nuvens das raízes profundas” http://www.tupivivo.org/ Tiririca dos Crioulos: um quilombo-indígena. Do buraco ao mundo: segredos, rituais e patrimônio de um quilombo indígena. Desde 2014, uma pesquisa-ação permanente denominada “Do Buraco ao Mundo”, realizada por pesquisadores(as) locais do quilombo indígena Tiriri- ca dos Crioulos, desenvolveu um inventário participativo dos bens culturais de sua comunidade. Os esforços culminaram na produção de um material didático composto por um “documento sonoro”, vídeos e livro. Para saber mais sobre essa iniciativa leia a reportagem: https://cidadeseducadoras. org.br/experiencias/buraco-ao-mundo/ Visite o canal Do Buraco ao Mundo /Tiririca dos Crioulos no youtube: ht- tps://www.youtube.com/channel/UCqVp9sQDN9PQYus_T9mvi_g Saiba mais http://www.tupivivo.org/ https://cidadeseducadoras.org.br/experiencias/buraco-ao-mundo/https://cidadeseducadoras.org.br/experiencias/buraco-ao-mundo/ https://www.youtube.com/channel/UCqVp9sQDN9PQYus_T9mvi_g https://www.youtube.com/channel/UCqVp9sQDN9PQYus_T9mvi_g 37 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural LEITURA COMPLEMENTAR Os inventários estão na origem da constituição do campo da preservação do patrimônio, devendo ser considerados conceitos-chave, porque reme- tem à própria conceituação do que seja o patrimônio cultural. Neste artigo, Lia Motta e Maria Beatriz Rezende analisam as origens dos inventários de bens culturais, a sua importância nos documentos internacionais, a traje- tória dessa prática no Brasil e suas potencialidades atuais, discutindo, por fim, a proposta de torná-los instrumentos jurídicos. (MOTTA, Lia; REZENDE, Maria Beatriz. Inventário. In: GRIECO, Bettina; TEI- XEIRA, Luciano; THOMPSON, Analucia (Orgs.). Dicionário IPHAN de Patri- mônio Cultural. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro, Brasília: IPHAN/DAF/Co- pedoc, 2016. (termo-chave Inventário). Acesse: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Invent%- C3%A1rio%20pdf.pdf http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Invent%C3%A1rio%20pdf.pdf http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Invent%C3%A1rio%20pdf.pdf 38 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural Encerramento do Módulo 2 Parabéns! Chegamos ao final do segundo módulo. De maneira bastante densa, estudamos o contexto histórico do processo de adoção de inventários participativos, os tipos de inventários e as recomendações internacio- nais para elaboração de inventários. Aprendemos como criar inventários participativos do patrimônio cultural e comparti- lhamos experiências. Agora vamos para o módulo 3, que trata do uso da história oral na elaboração dos inventários participativos! 39 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural Referências BRASIL. Decreto nº. 7.387. Institui o Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL). 9 de dezembro de 2010. Brasília/DF: 2010. Disponível em: http://portal.iphan. gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Decreto%207387%20-%202010.pdf. Acesso em: março de 2019. CAMPOS, Yussef Daibert Salomão de. O inventário como instrumento de preservação do patrimônio cultural: adequações e usos (des)caracterizadores de seu fim. Revista CPC, São Paulo, n. 16, p. 001-208, maio/out. 2013. CHAGAS, Mário de Souza e NASCIMENTO JUNIOR, José do (organizadores). Subsídios para a criação de Museus Municipais. Rio de Janeiro, RJ: Ministério da Cultura/ Instituto Brasileiro de Museus e Centros Culturais/Departamento de Processos Museais, 2009. 40p. FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. 2ª edição, Rio de Janeiro: Editora UFRJ; MINC- IPHAN, 2005. FONSECA, Lucas Valladão Nogueira. Tombamento versus inventário. A eficácia na proteção do patrimônio cultural: análise a partir de entendimento jurisprudencial. Jusbrasil, 2015. IPHAN. Educação Patrimonial: inventários participativos. Manual de aplicação / Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Brasília-DF, 2016a. ______. Portaria nº 160, de 11 de maio de 2016. Dispõe sobre os instrumentos de Inventários do Patrimônio Cultural no âmbito do IPHAN. Disponível em: <http://www. jusbrasil.com.br/diarios/115616111/dou-secao-1-12-05-2016-pg-39>. Acesso em: março de 2016b. MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. O inventário como instrumento constitucional de proteção ao patrimônio cultural brasileiro. De Jure – Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte: Ministério Público do Estado de Minas Gerais /Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional /Diretoria de Produção Editorial, v. 10, n. 17, jul./dez. 2011. 40 Módulo 2 – Inventário Participativo: metodologias de identificação, registro e difusão do patrimônio cultural MOTTA, Lia; REZENDE, Maria Beatriz. Inventário. In: GRIECO, Bettina; TEIXEIRA, Luciano; THOMPSON, Analucia (Orgs.). Dicionário IPHAN de Patrimônio Cultural. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro, Brasília: IPHAN/DAF/Copedoc, 2016. (termo-chave Inventário). MOURA, Camila de Fátima Simão. Produto 2 - Relatório de Inventário Participativo do Ponto de Memória da Terra Firme, de Belém, PA. Belém /Brasília, Ibram/OEI, 2012. Mímeo. SILVA, Carolina Di Lello Jordão. Inventário do Patrimônio Cultural no IPHAN: instrumentalização do discurso na política nacional de preservação. Dissertação de Mestrado. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 2014. UNESCO. Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, Paris, 17 de outubro de 2003, art. 2°. SILVA, Wellington Pedro da. Relatório de Inventário Participativo do Ponto de Memó- ria Museu do Taquaril. Belo Horizonte/Brasília, Ibram/OEI, 2012. Mímeo. VARINE, Hugues de. As raízes do futuro: patrimônio a serviço do desenvolvimento local. Trad. Maria de Lourdes Parreiras Horta. Porto Alegre: Medianiz, 2012. VIEIRA NETO, João Paulo. Inventários Participativos do Patrimônio Cultural: partici- pação social e mobilização comunitária nos processos de musealização dos pontos de memória e iniciativas de museologia social no Brasil. Relatório Final do Curso de Doutoramento em Museologia. Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnolo- gias /FCSEA / Departamento de Museologia. Lisboa, 2015. Mímeo. _GoBack Inventários como Instrumento de Preservação do Patrimônio Cultural no Brasil Tipos de Inventários e a Proteção do Patrimônio Cultural Os Inventários nas Recomendações Internacionais de Proteção ao Patrimônio Cultural Inventários Participativos das Referências Culturais Compartilhando Experiências de Inventário Participativo Museu do Patrimônio Vivo da Grande João Pessoa – PB Ponto de Memória da Terra Firme (Belém, PA) Ponto de Memória Museu do Taquaril (Belo Horizonte, MG) Encerramento do Módulo 2 Referências
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