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58 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 Unidade II Unidade II 5 ARTE GERMÂNICA E OS PERÍODOS DAS INVASÕES Abordamos nesta obra que vários foram os povos que invadiram as fronteiras do Império Romano do Ocidente. Mas quem foram esses povos? De onde vieram? Quais as suas principais características? Durante a existência do Império Romano do Ocidente, em diversos momentos as nações do leste e do norte da Europa chegaram em ondas migratórias que se locomoveram do leste para o oeste. A partir do século III, porém, algumas dessas comunidades se instalaram nas fronteiras do Império Romano. Inicialmente, vários foram os que estabeleceram acordos de paz com o Império e então foram incorporados ao exército. Entretanto, as constantes migrações do século V marcaram o fim do Império Romano e o início da chamada Idade Média. Em 410, os visigodos, ao amparo do rei Alarico, saquearam a capital Roma antes de entrar na Gália; ao mesmo tempo, outras tribos germânicas, como os francos, os vândalos, os alanos e os burgúndios, invadiram as fronteiras estabelecidas pelo Império. Posteriormente, iniciaram-se as migrações dos vikings, que, subindo os rios com seus barcos, pilhavam cidades e monastérios. Figura 59 – Império Bizantino (destaque verde) e os reinos bárbaros (destaque amarelo) 59 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 ARTES VISUAIS NA IDADE MÉDIA Os estudiosos não chegam a um consenso sobre as origens desses povos. Para um grupo de pesquisadores, seriam oriundos de regiões orientais da Rússia. Outras investigações indicam sua gênese nas regiões escandinavas e que teriam sofrido influências de outras nações europeias. O que podemos afirmar é que esses povos eram nômades ou seminômades, sendo o pastoreio e a caça a base de seu sustento. Como migravam constantemente, sua agricultura era rudimentar. Além disso, eram guerreiros e politeístas, o que religiosamente era o oposto do cristianismo. Essa população germânica possuía uma organização política que se apoiava na família (patriarcal), nas aldeias e nas tribos, que eram comandadas pelos chefes. Cada tribo era independente e possuía seus próprios líderes, mas em tempos de guerra todas se reuniam. As relações políticas eram marcadas pela reciprocidade e pela temporalidade definidas por obrigações mútuas de serviço e lealdade, também chamadas de comitatus. Esses encargos mútuos teriam profunda influência nas relações sociais durante o feudalismo, como veremos mais adiante. Como explicado, esses povos eram politeístas, e o cristianismo seria o grande ponto de integração entre eles. Com o tempo, eles fixaram-se nos territórios do antigo Império Romano e formaram diversos reinos. Assim, as invasões permitiram a formação das características básicas comuns em toda a Idade Média. Com a ocupação territorial da Europa Ocidental por diversas nações, houve substancial fragmentação política. Essa regionalização, marcada pela insegurança criada pela ameaça de constantes invasões, propiciou condições para a formação de reinos estruturados, sendo que alguns constituíram verdadeiros impérios como o Carolíngio. Em relação aos aspectos econômicos e sociais, a Europa Ocidental viveu um processo de ruralização. Com a migração, a maioria da população do Império migrava para o campo a fim de garantir segurança e melhores condições de sobrevivência. Assim, o mundo urbano conhecido e o comércio perdem importância nesse período, e as atividades rurais ligadas à subsistência predominam. Além disso, com a influência dos vínculos de dependência e obrigações mútuas, a sociedade passa por um processo de estratificação social cada vez maior. Destacando-se a arte, cada uma das regiões europeias dominadas por povos específicos apresenta sua produção cultural. A Europa Medieval se caracterizou pela presença de elementos culturais romanos, germânicos e cristãos. Esses povos germânicos “levaram consigo, em forma de bens de nômades, que eram uma tradição artística antiga e muito difundida: o chamado animalismo” (JANSON, 1996, p. 103), ou seja, como o nome sugere, a principal característica desse estilo é o uso decorativo de motivos animais, porém de forma abstrata. Uma combinação de formas abstratas e orgânicas, disciplina formal e liberdade imaginativa, tornou-se um importante elemento da arte celto- germânica da Idade Trevas [...] Faixas entrelaçadas, como recurso ornamental, 60 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 Unidade II tinham existido na arte romana [...], mas sua combinação com o estilo animalista [...] parece ter sido uma invenção da Idade das Trevas (JANSON, 1996, 103). Figura 60 – Tampo esmaltado e com fecho em ouro de uma bolsa. Barca funerária de Sutton-Hoo (ano 655) Na figura anterior encontramos o tampo de esmalte de uma bolsa encontrada na sepultura de um rei em East Anglia, que apresenta a existência de trocas entre saxões e vikings e a combinação das faixas entrelaçadas com os motivos animalistas. Os materiais mais comuns utilizados por esses povos eram a madeira e o metal, mas podemos encontrar a influência desse estilo até mesmo em iluminuras. Obviamente, a maior parte da produção em madeira não sobreviveu, porém há vários exemplos na produção escandinava. Figura 61 – Cabeça de animal do século IX. Museu de Antiguidades da Universidade de Oslo 61 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 ARTES VISUAIS NA IDADE MÉDIA Dessa forma, a arte se desenvolve de uma maneira única, em que se fundem elementos clássicos e germânicos, além da presença bizantina e islâmica, mas com pouca influência do cristianismo. Inicialmente, a arte apresenta formas particulares em cada região da Europa Ocidental. Isso ocorreu, principalmente, graças à formação de diversos reinos “bárbaros” e de acordo com o grau de romanização dessas nações. Assim, encontramos estilos bem diferentes, como o visigodo, o merovíngio, o ostrogodo e o hibérnico- saxão. Apesar das diferenças, o sentido unificador dessa arte era dado pelo cristianismo. A Igreja impôs uma política cultural e artística, assumindo um papel de formação religiosa e social e apresentando, portanto, a liderança no incentivo à produção artística, uma vez que se tornou o verdadeiro poder político e econômico desse mundo medieval. Isso ocorreu com a apropriação da arte como forma de evangelização. 5.1 A arte dos visigóticos Os visigóticos, pressionados pelos hunos, cruzaram o Danúbio e invadiram o território do Império Romano no fim do século IV, estabelecendo-se definitivamente na região da atual Espanha nos primórdios do século V. Na primeira etapa da invasão visigótica, estes se instalaram na Gália e fundaram o Reino Visigótico de Toulouse. Porém, quando os francos invadem essa região, vencem os visigodos e estes migram para a Espanha, onde se iniciou o segundo reino, em Toledo. No governo de Recaredo I, houve o fortalecimento da unificação territorial e religiosa, com a sacralização do poder ligado ao cristianismo. A Igreja Católica é declarada oficial e a arte mescla elementos da arte romana com influências germânicas. Esse reino unificado duraria até o século 711, período da invasão muçulmana. A arquitetura visigótica é sóbria e caracterizada pelo uso de uma planta basílica, ou seja, com uma nave central maior do que as laterais, comum nas construções paleocristãs. A cruz latina e a de cruz grega também eram empregadas. Nas construções visigóticas, também são encontradas a abóbada de berço, que constitui em um semicírculo simples, conhecido como arco pleno, apoiado em dois pilares de pedra. A principal desvantagem dessa arquitetura era a pouca luminosidade, haja vista possuir pequenas janelas. Além disso, o seu peso muitas vezes provocava desmoronamentos. Outra marca desse projeto era o arco em ferradura. O edifício por excelênciadesse período é a igreja, cuja decoração interior não é muito rica. Destaque para as igrejas de São João Batista (Baños de Cerrato), Santa Comba de Bande e São Pedro de la Nave. A imagem a seguir mostra a fachada da Igreja de São João Batista de Baños. Nela, podemos observar a presença das pedras como o principal material utilizado na construção. Além disso, o arco em forma de ferradura acima da porta de entrada também tem destaque. 62 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 Unidade II Figura 62 – Fachada da Igreja de São João Batista de Baños Essa Igreja de São João Batista de Baños, localizada em Palência, foi construída em 661 e contém três naves, sendo a central a mais larga e alta. Figura 63 – Igreja de São João Batista de Baños, século VII 63 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 ARTES VISUAIS NA IDADE MÉDIA As naves laterais são separadas por arcos apoiados em colunas com capitéis coríntios como pode ser observado na imagem anterior. É importante ressaltar que essas colunas possuem uma função construtiva, e não decorativa, uma vez que os arcos apoiam-se nelas. Figura 64 – Interior da Igreja de São João de Baños A Igreja de Santa Comba de Bande, em Orense, foi construída no fim do século VI. Sua estrutura é em forma de cruz grega, ou seja, os quatro braços possuem o mesmo tamanho e acaba em uma cabeceira de formato retangular. Lembrete Relacionado à arquitetura, o termo cabeceira designa o lado oposto da fachada principal. Ela pode apresentar diversos formatos, por exemplo, semicircular ou retangular. Nos ângulos formados pela cruz, existem pequenas habitações que se comunicam com os braços da igreja. Construída em pedra, seus pilares sustentam abóbodas de berço ou de arestas (quando abóbadas de berço se cruzam formando dois ângulos retos e um vão quadrado de quatro arcos: dois semicirculares e dois elípticos). As diferentes alturas da nave e a abertura de pequenas janelas possibilitam a luminosidade. Santa Comba de Bande era uma igreja do tipo monacal. Situada próximo a estradas, era habitada por uma una pequena comunidade de monges, que proporcionavam ajuda para os peregrinos e viajantes. Tudo parece indicar que as estâncias junto à varanda, semelhantes a um claustro, eram reservados para os peregrinos. 64 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 Unidade II Figura 65 – Igreja de Santa Comba de Bande, século VII Figura 66 – Igreja de Santa Comba de Bande Acredita-se que a construção atual passou por interferências ao longo dos séculos, e que é provável que a abóboda de aresta existente tenha sido acrescentada depois de erigida. A decoração interna é sóbria, e a decoração concentra-se no arco em forma de ferradura, que separa a capela principal do cruzeiro. Os elementos decorativos teriam grande influência romana: com uvas, flores e outros elementos vegetais. 65 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 ARTES VISUAIS NA IDADE MÉDIA Figura 67 – Interior da Igreja de Santa Comba de Bande Saiba mais Para saber um pouco mais sobre a Igreja de Santa Comba de Bande e ainda visualizar imagens de sua abóbada de aresta, acesse: <http://www. artehistoria.com/v2/monumentos/234.htm>. Acesso em: 24 jan. 2015. A Igreja de São Pedro de Nave foi construída no século VII, e sua planta tem formato de cruz latina com outra em forma de cruz grega. As diferentes partes da igreja se separam, mas sem existir um sentido espacial. O destaque vai para a escultura. A escultura visigótica foi singular entre todos os povos germânicos, com exceção dos francos. É um trabalho em relevo que decora as construções, principalmente nas igrejas. A ornamentação é abstrata e geométrica. São significativos os capitéis, as colunas e frisos, assinalando a separação entre a parte inferior e superior. 66 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 Unidade II Figura 68 – Interior da Igreja de São Pedro de la Nave. Destaque para o friso e o capitel Os capitéis de São Pedro de Nave estão cheios de cenas retiradas da Bíblia, com Daniel na cova dos leões e o sacrifício de Isaac. Figura 69 – Capitel da Igreja de São Pedro de Nave Na cena do sacrifício de Isaac, aparecem os elementos fundamentais dessa história: a mão de Deus sobre a figura de Isaac, seu pai armado para o sacrifício e o Cordeiro. Nessa representação, como em outras, nota-se que não há a preocupação com a proporção e o estilo e, apesar de sua simplicidade, é muito expressiva. Além da arquitetura e escultura, a arte visigótica, seguindo a tradição nômade, destaca-se na ourivesaria. Encontramos fíbulas, coroas, cinturões e objetos litúrgicos, como vasos e cruzes, de inspiração bizantina, que simbolizam o poder e o prestígio. As cruzes votivas do chamado tesouro de 67 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 ARTES VISUAIS NA IDADE MÉDIA Guarrazar são ótimos exemplos dessa arte. Esse tesouro, composto por um conjunto de cruzes votivas e coroas, elaboradas basicamente em ouro e com incrustações de pedras preciosas, foi encontrado no fim do século XIX, em Guarrazar, na região de Toledo. Acredita-se que as peças foram doadas pelo Rei e pessoas da elite visigótica à Igreja Católica como uma demonstração de fé e respeito. Figura 70 – Cruz votiva do tesouro de Guarrazar Uma das peças mais representativas desse tesouro é a coroa do rei Recesvinto. Ela é composta por quatro correntes de ouro, trabalhadas com motivos naturais e circulares de origem clássica. O aro central é decorado com pedras preciosas (safiras e pérolas), separadas entre si por desenhos de palmas. Na parte inferior existem correntes penduradas com as letras do nome do rei Recesvinto. Figura 71 – Coroa de Recesvinto, século VII 68 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 Unidade II É importante ressaltar que essas coroas não foram criadas para serem utilizadas por uma pessoa, mas sim como oferendas para o altar das igrejas. Além das cruzes e coroas, as fíbulas eram muito comuns na ourivesaria visigótica. Usadas como broches, eram normalmente trabalhadas em ouro e bronze, com incrustações de vidro colorido. Na figura a seguir temos a fíbula de Alovera, aproximadamente do século VII, que apresenta formato de águia. É feita de ouro, bronze e vidros coloridos. Encontrada em uma escavação arqueológica próxima de Alovera, situa-se atualmente no acervo do Museu Arqueológico Nacional de Espanha. 5.2 A arte dos ostrogodos e lombardos Os ostrogodos se fixaram em Ravena após o período das grandes invasões ocorridas no século V. Teodorico, líder desses povos, fixa-se nessa região com a aceitação do Papa e do Império Bizantino, que demonstrava interesse em reconstruir territorialmente o Império Romano. A conquista dessa cidade evidenciava os desejos de Teodorico em estabelecer um reino com influências romanas. Este governante viveu durante dez anos em Constantinopla, e possuía grande respeito pela cultura romana. Dessa forma, restaurou um grande número de obras romanas, como aquedutos, estradas e anfiteatros. De fato, graças a tais arranjos, muitas obras ainda se encontram em bom estado. Lembrete Em Ravena, durante o Império Romano do Ocidente, o Império Bizantino manteve a prática comum de forjar alianças políticas e militares com os chefes germânicos. Assim, os ostrogodos governaram essa região com a aprovação do Imperador de Bizâncio. Apesar da cristianização dos germânicos, muitas foram as nações que seguiam a doutrina chamada arianismo. Proposta por Ário, suas principais ideias podem ser resumidas da seguinte forma: Deus eterno identificado com o Pai e sendo a Palavra nada mais que um poder ou qualidade do Pai, e dito que o Pai criou-seantes mesmo do tempo, e o Filho foi criado por Sua Palavra para ser Seu agente na Criação. Isto posto, o Filho não era mais identificado com o Deus, o era apenas em sentido derivativo, já que houve um tempo em que não existira, portanto, não poderia ser eterno como o Pai. Aí estaria a capacidade do Filho em sofrer e ter uma vida humana já que era proveniente da Deidade, mas não era ela (SOARES, 2006, p. 11). De forma simplificada, o arianismo questionava a Santíssima Trindade. Essa doutrina será seguida pelos visigóticos e ostrogodos e, segundo Perry Anderson (1998, p. 114), “o arianismo germânico não era fortuito nem agressivo: era uma insígnia de separação dentro de uma certa unidade aceita”. 69 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 ARTES VISUAIS NA IDADE MÉDIA Seguidor do arianismo, Teodorico constrói uma igreja dedicada a São Apolinário. Do ponto de vista religioso, a Igreja de São Apolinário Nova, de culto ariano, corresponde à tradição basílica, pois apresenta três naves separadas por dois intercolúnios, ou seja, por espaços entre as colunas. Uma das grandes obras ostrogodas propriamente dita foi o palácio de Teodorico em Ravena, que, apesar de passar depois por diversas reformas, conserva a sua estrutura original. Inspirado nos palácios romanos, essa construção apresenta dois andares: o inferior, que é consagrado à parte administrativa; e o superior, com janelas que se ligam com grandes salões, dedicados a festas e às aparições do soberano. Figura 72 – Palácio de Teodorico O mausoléu de Teodorico possui uma planta centralizada com cúpula, influência romana, mas também apresenta elementos ostrogodos como as paredes grossas feitas de pedra. Nesse edifício, podemos identificar antecedentes da arte românica como a construção maciça, feita para evitar incêndios. Em 568, os lombardos invadiram a Península Itálica, acabando definitivamente com a Itália romana reconstruída por Justiniano. Conservaram-se apenas restos de sua tradição arquitetônica, que provavelmente se caracterizou por certo afastamento da influência greco-romana. A economia da Itália lombarda era basicamente agrícola e de pastoreio. A sociedade era composta por um rei cercado de duques para auxiliá-lo no governo. O fim do Reino dos Lombardos ocorre já no século VIII, com o domínio dos francos, especificamente com Carlos Magno, que se proclama “rei dos francos e lombardos”. 70 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 Unidade II A cultura artística da Península Itálica durante os séculos VII e VIII foi predominantemente decorativa, com elementos romanos mesclados com os germânicos e bizantinos. Elemento típico da arquitetura são as abóbodas construídas por bordas que se sustentam por pilares e colunas. Saiba mais Para aprofundar conhecimento sobre a arte lombarda, acesse o site: <http://www.tempiettolongobardo.it>. 5.3 A arte hibérnico-saxônica e anglo-saxônica Apesar de ocupar terras da Grã-Bretanha, o Império Romano nunca se expandiu em direção à Escócia e à Irlanda, enfrentado a resistência dos pictos e dos escotos, respectivamente. Quando das ondas migratórias germânicas no século V, o exército romano presente na Bretanha retirou-se para o continente, deixando espaço para as invasões dos anglos, saxões e jutos. Apesar da resistência enfrentada, os conquistadores formaram sete reinos, mas que efetivamente nunca se uniram. São Patrício e seus discípulos iniciaram o processo de evangelização da Irlanda a partir do ano de 452 e, segundo Janson (1996, p. 107), Os irlandeses aceitaram prontamente o cristianismo, que os colocou em contato com a civilização do Mediterrâneo, sem que, no entanto, se tomassem um povo sob a orientação de Roma. Pelo contrário, adaptaram aquilo que receberam, com um espírito vigoroso de independência local. A estrutura institucional da Igreja Romana, sendo essencialmente urbana, não se adaptava bem ao caráter rural da vida irlandesa. Os cristãos irlandeses preferiam seguir o exemplo dos santos dos desertos do norte da África e do Oriente Próximo, que haviam abandonado as tentações da cidade em busca da perfeição espiritual na solidão das regiões ermas. Grupos desses ermitães, com um ideal comum de disciplina ascética, haviam fundado os primeiros mosteiros. Por volta do século V, os mosteiros haviam se espalhado até o Norte e chegando à Bretanha Ocidental, mas foi somente na Irlanda que o monasticismo tomou dos bispos o controle da Igreja. Santo Agostinho (de Canterbury) foi enviado pelo Papa para a Inglaterra com o objetivo de evangelizar os saxões. A região a qual ele se dirigiu (Kent) possuía um rei casado com uma cristã, por isso o monarca se converte ao catolicismo e doa terras para os evangelizadores. Então, esses religiosos constroem no local o primeiro monastério fora da Península Itálica, impondo-se uma importante cultura material com influências romanas. Atualmente, a Igreja de Canterbury é sede da Igreja Anglicana, porém a edificação atual não é a mesma do século VI, uma vez que foi reconstruída no século XII. 71 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 ARTES VISUAIS NA IDADE MÉDIA Foram erguidas igrejas e campanários em pedra que imitavam as estruturas de madeira como a torre saxônica da Igreja de Earls Barton, no condado de Northampton, levantada por volta do ano 1000. Figura 73 – Torre saxônica da Igreja de Earls Barton, condado de Northampton Apesar da presença beneditina, os monges irlandeses que evangelizaram a Grã-Bretanha produziam em seus mosteiros cópias da Bíblia e dos evangelhos em grande quantidade. Foi aí, em suas oficinas de escritas (scriptoria), que realizaram imensas produções artísticas, uma vez que “um manuscrito contendo a palavra de deus era visto como um objeto sagrado, cuja beleza visual devia refletir a importância de seu conteúdo” (JANSON, 1998, p. 105-106). Provavelmente, esses monges tiveram contato com as iluminuras da arte cristã primitiva, mas assim como vimos anteriormente, eles combinaram os modelos romanos com elementos decorativos germânicos e celtas como as formas geométricas e o animalismo. Observação A arte dos monges irlandeses também é conhecida como hiberno-saxã porque os irlandeses eram chamados de hibernos pelos romanos (a Irlanda era denominada Hibérnia). Nesse período, encontramos alguns trabalhos significativos como os Evangelhos de Durrow, obra de 680, na qual se destacam páginas cheias de entrelaçamentos e com elementos de vegetação e representações animalistas, que, por sua semelhança, às tapeçarias muitas vezes eram chamadas de “página-tapeçaria”. 72 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 Unidade II Figura 74 – Página do Evangelho de Durrow Figura 75 – Outra página do Evangelho de Durrow Outra obra desse período é o Evangelho de Echternach, produzida em 698, e que atualmente está na coleção da Biblioteca Nacional de Paris. Uma das páginas do evangelho traz um leão, símbolo de São Marcos, rodeado por um labirinto formado por linhas retas. O que chama muito a atenção nesse desenho é o contraste entre as linhas estáticas e a impressão de movimento do leão. O Evangelho de Lindisfarne foi produzido aproximadamente por volta de 700. É uma obra que exemplifica magnificamente a arte desse período. Ricamente trabalhado, um dos principais exemplos dessa fusão de elementos pode ser vista na página da cruz. 73 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 ARTES VISUAIS NA IDADE MÉDIA Mostra a cruz composta de um rendilhado incrivelmente rico de dragões ou serpentes entrelaçados, contra um fundo de um padrão ainda mais complexo. É excitante procurarmos abrir caminho através desse espantoso labirinto de formas sinuosas e acompanhar as espirais desses corpos inextricavelmente entretecidos.É ainda mais espantoso constatar que o resultado não é confusão e que os vários padrões se correspondem rigorosa e mutuamente para formar uma complexa harmonia de desenho e cor. É difícil imaginar como pôde alguém ter pensado em tal trama e tido a paciência e perseverança para levá-la a termo. Prova, se fosse necessária uma prova, que os artistas que adotaram essa tradição nativa não careciam por certo de habilidade nem de técnica (GOMBRICH, 1998, p. 107). Figura 76 – Página da cruz do Livro de Lindisfarne Como podemos observar na imagem, o uso das cores e os motivos entrelaçados criam uma obra de extrema delicadesa e rica em detalhes. Ainda no evangelho de Lindisfarne é possível encontrarmos uma representação de São Mateus, em que o artista, apesar das restrições técnicas do período, procura trasmitir a ideia de espaço e a sensação de profundidade. Isso é possível, vide a figura e a banqueta na diagonal. Figura 77 – São Mateus no Evangelho de Lindisfarne 74 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 Unidade II Além da noção de profundidade, existe a presença de mais de uma pessoa na cena, como a figura que surge logo atrás da cortina e o anjo no alto. As roupas são marcadas por várias pregas, e percebe-se que São Mateus usa mais de uma veste. O Livro de Kells é mais um exemplo da arte hiberno-saxã. Produzido por volta do ano 800, é ricamente ilustrado e demonstra mais uma vez a fusão dos elementos romanos, germânicos e celtas. Escrito em latim, esse manuscrito contém os quatro evangelhos do Novo Testamento. Pela abundância de suas ilustrações, de iluminuras, e pela excelente técnica do seu acabamento, é considerado uma das obras- primas da arte religiosa medieval. As formas geométricas utilizadas no Livro de Kells lembram o trabalho em ourivesaria dos povos germânicos, como vimos no tampo esmaltado e com fecho em ouro de uma bolsa encontrada em Sutton-Hoo (figura a seguir). Essa característica é perceptível no detalhe das abraçadeiras da barca funerária, também encontrada em Sutton Hoo. Nessa obra, visualizamos perfeitamente os motivos animalistas e a formas geométricas estilizadas com traços vegetalistas. Figura 78 – Abraçadeiras da barca funerária de Sutton Hoo Esses motivos também eram encontrados na escultura saxônica, em que predominava a cruz de pedra. Essas cruzes aparecem esculpidas em baixo-relevo, mesclando cenas bíblicas com os motivos germânicos e celtas. 6 A ARTE DOS FRANCOS E A ARTE OTONIANA A alta Idade Média na Europa Ocidental vivenciou a formação de dois grandes impérios: o Império Carolíngio e o Sacro-Império Romano-Germânico. Essa organização política influencia a arte dessa região. Assim, veremos a arte dos francos (merovíngia e carolíngia) e a arte otoniana proclamada como herdeira cultural dos carolíngios. 75 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 ARTES VISUAIS NA IDADE MÉDIA 6.1 A arte dos francos Os francos eram povos germânicos originários da região da Panômia, no leste europeu. Inicialmente, estabeleceram-se nas margens do Reno; contudo, logo cruzaram essas fronteiras em direção ao Império Romano. Esse povo geralmente é descrito como sendo alto, com cabelo loiro ou ruivo e com bigodes. A expansão dos francos teve início com o movimento migratório dos demais povos germânicos durante o século V. Sob o comando de Meroveu, tomaram a atual Bélgica e parte da França. Aliados dos romanos, eles ajudaram o Império no combate aos hunos e, após a queda de Roma, iniciaram o seu expansionismo territorial. 6.1.1 A arte merovíngia Clóvis I, o Meroveu (466-511), derrotou seus principais inimigos e anexou grande parte da Gália, ultrapassando, assim, os antigos limites do Reino. Em 493, desposou a católica Clotilde, parente do rei da Burgúndia. Com essa união, conseguiu o apoio dos bispos católicos para a sua política expansionista, uma vez que estes encaravam essa empreitada como sinônimo da fé cristã. Em 496, os francos finalmente derrotaram os alamanos em Tolbiac (oeste da atual Alemanha). Depois de sua vitória, o rei foi batizado em Reims, com aproximadamente três mil guerreiros no natal desse mesmo ano, tornando-se o “legítimo rei dos bárbaros” aos olhos dos católicos. Esse fato mostrou a aliança entre o Estado e a Igreja e o fortalecimento do poder real. Assim, Clóvis e seus descendentes passaram a atuar em nome do cristianismo, servindo como braço armado da Igreja. Em nome da Igreja, o líder atacou os visigodos, impelindo-os para a Espanha e conquistando toda a Aquitânia. Com isso, o Reino Franco estendeu-se do Reno até o norte dos Pirineus. Contudo, com a sua morte em 511, o Reino foi dividido entre seus quatro filhos: Tierry (Teodorico) ficou com Reims; Clodomiro, com Orleans; Childeberto, com Paris; e Clotário, com Soissons. Os herdeiros de Clóvis deram continuidade à expansão territorial, submetendo a Borgonha e assumindo o território da atual França e parte da Alemanha. Porém, diante de diversas disputas, o Reino foi enfraquecendo e os príncipes herdeiros tornaram-se fracos, praticamente sem autoridade. Ficaram conhecidos como “reis indolentes”. Nesse momento, o Reino Franco passa a ser administrado pelo major domus, também conhecido como mordomos ou prefeitos do palácio, responsáveis pela administração dos territórios do Reino. Com o passar dos anos, essa personagem foi adquirindo cada vez mais poder. 76 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 Unidade II Figura 79 – Divisão do Reino Franco O major domus Pepino de Herstal, duque da Austrásia, soube se aproveitar da decadência dos merovíngios e, aliando-se à Igreja, submeteu os demais prefeitos de palácio e continuou lutando contra outros povos germânicos. Carlos Martel, filho de Herstal, demonstrando inteligência política e administrativa, consolida a subordinação dos francos e faz-se reconhecer como prefeito do palácio da Nêustria e da Austrásia. Após vencer o avanço muçulmano na Batalha de Poitiers (732), iniciou a centralização política. Recebendo o título de “defensor da cristandade contra os infiéis”, estabeleceu relações cordiais com a Igreja e cedeu terras para o uso de outros chefes francos, com o fim de garantir sua fidelidade. Observação Carlos Martel distribui aos chefes francos benefícios em formas de terras que podiam ser utilizadas sem que eles se tornassem proprietários. Dessa forma, garantia sua fidelidade, porém não diminuía seu patrimônio, uma vez que o benefício poderia ser retirado se considerasse necessário. Com a sua morte, em 740, o seu filho Pepino, o Breve, foi coroado rei dos francos com o apoio do Papa, encerrando, assim, a dinastia merovíngia. 77 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 ARTES VISUAIS NA IDADE MÉDIA Diante desse quadro político e social, como ficou a arte desse povo? Em que se destacaram? Numa sociedade organizada da forma basicamente tribal como a dos francos, a arquitetura civil praticamente se limitou às construções mais rurais, com muros extensos e pátios amplos, e eram feitas com vigas de madeiras. Como é de se esperar, devido ao material utilizado, tais edificações estão prestes e desaparecer. Em relação às construções religiosas, porém, alguns edifícios foram conservados. Com o passar do tempo e o fortalecimento do Reino dos Francos, os bispos tornam-se promotores de grandes conjuntos arquitetônicos, em que, além das igrejas, os monastérios e batistérios adquirem relevância. Uma das obras arquitetônicas mais importantes desse período foi São João de Poitiers. Sua planta é simples, formando um retângulo com um abside central ressaltado em seu exterior e que abriga a pia batismal em forma octogonal. Os batistérios parecem ser presença comum na construção merovíngia, pois, além de São João de Poitiers, os batistérios de Riez e de Fréjus estão relativamenteconservados. O batistério de Riez possui uma planta quadrada com oito colunas, com capitéis que sustentam arcos e uma cúpula de arcos cruzados no centro. Possivelmente, essa abóbada de aresta tenha sido acrescentada depois, mas mesmo assim é um significativo representante da arquitetura merovíngia. Plazaola (2001, p. 39) afirma que o batistério de Fréjus, ao lado do de São João de Poitiers, é uma das construções mais representativas do período merovíngio. É um edifício de construção octogonal erguido no lado direito do pórtico da Catedral de Santo Ettiénne, com a qual se comunica por meio de uma galeria. Sua abóbada e seu tambor (arco circular no qual se sustenta a abóbada) se sustentam sobre um conjunto de arcos e oito colunas de granitos com capitéis em mármore. Os vãos entre as colunas formam oito capelas ou altares menores. Na figura a seguir conseguimos visualizar a cúpula e o tambor sobre os arcos e as colunas. Figura 80 – Batistério de Fréjus 78 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 Unidade II Também era comum nesses batistérios a presença da piscina batismal, onde entrava a pessoa a ser batizada. Figura 81 – Interior do batistério de Fréjus Outro destaque da arte merovíngia foram os monumentos funerários. Na abadia de Jouarre, fundada por volta do século VII, são encontrados na cripta o sarcófago da abadessa Teodelquita, seu irmão Agilberto e vários parentes que não pertencem à Igreja, mas que também são aí enterrados. Figura 82 – Cripta de Jouarre Figura 83 – Detalhe de sarcófago na cripta de Jouarre 79 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 ARTES VISUAIS NA IDADE MÉDIA A escultura merovíngia mais significativa se relacionava com a decoração das igrejas e dos sarcófagos. Figura 84 – Escultura merovíngia Os entalhes não eram muito elaborados e transmitiam mensagens religiosas. Na ourivesaria, a influência germânica é clara, destacando-se as fíbulas desenvolvidas com motivos abstratos. Figura 85 – Fíbula merovíngia 6.1.2 O Império Carolíngio A dinastia carolíngia iniciada por Pepino, o Breve, contou com o forte apoio da Igreja, que concedeu a Carlomano e a Carlos, filhos do novo rei, o título de patrícios dos romanos, transformando-os em defensores da cidade de Roma. A relação entre Pepino e a Igreja tornou-se mais estreita após a derrota dos lombardos pelos francos e a conquista dos territórios no centro da Itália. Esses torrões são doados à Igreja e foram chamados de patrimônio de São Pedro. Com essa gleba, o poder do Papa aumentou e se fortaleceu ainda mais. Com a morte de Pepino, o Reino foi dividido entre seus dois filhos, Carlos e Carlomano. Porém, em 771, após a morte de seu do irmão, Carlos assumiria definitivamente o controle do Império. 80 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 Unidade II Durante seu governo, lutou novamente com os lombardos, que ameaçavam conquistar os territórios da Igreja. Anexou a seguir a Saxônia (parte da Alemanha) e a Baviera. Durante a tentativa de invadir a Península Ibérica, seu sobrinho Rolando morreu e as tropas francas recuaram. Saiba mais A história de Rolando e o episódio de sua morte são representados pela Canção de Rolando e tornou-se parte da tradição da cavalaria medieval. Para saber um pouco mais sobre essa história e a mentalidade da época, leia: FAUSTINO, E. A mentalidade medieval: interpretando a “Canção de Rolando”. São Paulo: Moderna, 2001. No contexto da conversão pela espada e na luta contra os muçulmanos, Carlos Magno retomou a conquista da Península Ibérica ocupando Barcelona, Pamplona e Navarra, criando as marcas da Espanha. Para melhorar o controle administrativo e a disciplina, o soberano dividiu o território em condados ou circunscrições territoriais. A autoridade nessas regiões era exercida por um bispo e um conde ao mesmo tempo, sendo que ao religioso cabiam os assuntos pertinentes aos costumes e à religião e, ao nobre, os conteúdos militares e financeiros. Como as disputas entre o poder espiritual e o temporal eram constantes, Magno criou o cargo de missi dominici, ou seja, os emissários do senhor, que anualmente visitavam as unidades administrativas do Império para a consolidação da justiça real. Existiam ordens obrigatórias para todo o território imperial, também chamadas de leis capitulares. Estas abrangiam assuntos diversos, como instruções aos funcionários reais, a regulamentação da economia doméstica e as diretrizes para a exploração do domínio real concedido aos nobres. No Natal do ano 800, Carlos Magno foi coroado imperador romano do Ocidente pelo papa Leão III. Para Le Goff (1995), o Papa, com boa parte do clero romano, buscava em Carlos Magno a liderança necessária para fortalecer o poder temporal da Igreja. A capital do Império foi estabelecida em Aachen, atual Alemanha, e Magno fez que as populações das terras conquistadas fossem catequisadas, mesmo que à força. Durante o seu reinado, houve a revalorização das artes e das letras clássicas, que ficou conhecida como Renascimento Carolíngio. Com a morte de Carlos Magno, em 814, o trono franco foi assumido pelo seu filho Luís, o Piedoso. Durante o seu governo permitiu a interferência da Igreja nos assuntos administrativos. Não conseguindo equilibrar as forças com a Igreja, resolveu dividir o Reino entre seus filhos: Carlos, o Calvo; Luís, o Germânico; e Lotário. 81 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 ARTES VISUAIS NA IDADE MÉDIA Após um longo tempo de disputas entre os seus herdeiros, ficou decidido pelo tratado de Verdun, em 843, que Lotário ficaria com a Itália e uma parte da antiga Austrásia, que, devido a isso, passou a chamar-se Lotaríngia; Luís herdou a França Oriental (Alemanha); e Carlos recebeu a França Ocidental. Essa divisão enfraqueceu o Império e foi fundamental para a estruturação do feudalismo, uma vez que permitiu a descentralização do poder real e favoreceu a autoridade dos nobres dirigentes das províncias. Figura 86 – Tratado de Verdun O Império se dividiu e enfraqueceu cada vez mais e, em 987, Hugo Capeto, conde de Paris, pôs fim à dinastia Carolíngia e iniciou a dos Capetíngios. 6.1.3 O Renascimento Carolíngio Durante o seu governo, Carlos Magno questionou a decadência cultural e literária de seus antecessores. Defendia a ideia de que o clero deveria ser culto e capaz de explicar a Bíblia para os seus fiéis, e que os funcionários do Império deveriam ser bem instruídos. Esse pensamento levou o Império Carolíngio a um renascer das letras e das artes. Para atingir o seu objetivo, o Imperador criou uma escola em seu palácio e trouxe para a Aachen monges conhecidos por sua erudição, criando a Escola Palatina. Entre os mestres trazidos para a corte 82 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 Unidade II carolíngia, citam-se: Paulo, o Diácono, historiador; Pedro de Pisa, gramático; Eginardo, biógrafo do Imperador, além de Alcuíno de York, que organizou a criação de escolas e bibliotecas, incentivando a produção de textos clássicos e sagrados nos monastérios. O próprio Imperador incentivou a construção de novas igrejas. Carlos Magno, então, procurou latinizar não apenas a sua corte, mas todos os povos germânicos conquistados, trazendo-os para a fé cristã. As belas-artes representaram, desde o início, um importante papel no programa cultural de Carlos Magno. Em suas visitas à Itália, ele familiarizara- se com os monumentos arquitetônicos da era constantiniana em Roma e com aqueles do reinado de Justiniano em Ravena; ele sentia que sua própria capital, em Aachen, deveria expressar a majestade do império através de edificações igualmente impressionantes. Sua famosa Capela do Palácio é, de fato, diretamente inspirada na Igreja de San Vitale, em Ravena. Erigir semelhante estruturano solo do Norte era um empreendimento difícil: as colunas e as grades de bronze tinham que ser importadas da Itália, e deve ter sido difícil encontrar pedreiros especializados. O projeto de Odo de Metz (provavelmente o primeiro arquiteto ao norte dos Alpes de cujo nome temos conhecimento), não é, de modo algum, uma mera cópia de seu modelo, mas sim uma vigorosa reinterpretação, com elementos estruturais ousados que delineiam e equilibram as divisões claras e objetivas de seu espaço interno (JANSON, 1996, p. 107). Figura 87 – Planta da Capela Palatina e Complexo Palaciano de Aachen Segundo Fazio, (2011), essa construção tinha uma planta centralizada com 16 lados e uma cúpula octogonal com arcos perfeitos e arestas. Possuía uma fachada oeste com vestíbulo de entrada, chamada 83 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 ARTES VISUAIS NA IDADE MÉDIA cabeceira ocidental, na entrada principal, e cômodos em um ou mais níveis acima, além de uma ou mais torres. O acréscimo da cabeceira ocidental às igrejas seria uma das contribuições carolíngias à arquitetura ocidental. O segundo nível da capela seria ocupada por Carlos Magno e seu séquito durante as celebrações. Figura 88 – Vista interna da Capela Palatina de Aachen O interior da capela é decorado com elementos religiosos. As paredes são recobertas principalmente por mosaicos. O oratório de Germigny-des-Prés é outro exemplo da arquitetura carolíngia. Construído entre os anos de 806 e 810 a pedido do Bispo de Orleans, possui uma planta em forma de cruz grega, uma torre central quadrada e arcos em forma de ferradura. No interior existem mosaicos com uma clara influência bizantina. Figura 89 – Mosaico de Germigny-des-Prés 84 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 Unidade II Figura 90 – Exterior de Germigny-des-Prés O Imperador também incentivou a edificação de mosteiros. A planta de um mosteiro que se encontra conservado na Biblioteca Capitular de Sant Gall, na Suíça, demonstra as características pensadas para esse tipo de projeto. Carlos Magno determinou que o modelo monástico a ser seguido seria o beneditino, baseado na pobreza, na castidade e na obediência. A planta determina que o mosteiro deve ser um complexo autossuficiente, em que a igreja é a maior construção. Ao sul desse edifício ficava o claustro, um pátio central com planta quadrada de 30 metros de lado fechado por uma passarela coberta e com uma arcada que conectava os principais prédios de cada lado: a casa do Capítulo, a sala de trabalho e a sala para os monges se aquecerem, sob o dormitório, a leste; o refeitório, a sul; e a adega ou despensa a oeste. Uma escada conectava o dormitório ao transepto sul, pois os monges se levantavam às duas horas (FAZIO, 2011, p. 204). Figura 91 – Planta de mosteiro, Saint Gall 85 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 ARTES VISUAIS NA IDADE MÉDIA A arquitetura carolíngia mesclou elementos da arte germânica, bizantina e romana, e contribuiu para a romanização das construções medievais. As fontes escritas desse período fazem referências à presença dos mosaicos, murais e esculturas em relevo nas igrejas carolíngias, porém existem poucos exemplos preservados. A escultura em bronze mais representativa dessa época é uma figura de um corcel sustentando um cavaleiro que muitos identificam como Carlos Magno. Foram encontradas algumas moedas com a efígie de Magno, o que comprova a unidade do Império e certo dinamismo econômico. A influência romana é clara na representação do Imperador. Figura 92 – Moeda do Império Carolíngio Com a valorização das letras, os manuscritos produzidos durante o período carolíngio foram significativos. As pinturas não foram realizadas pensando na beleza, mas sim na capacidade de transmitir a mensagem bíblica para os fiéis. Figura 93 – Miniatura carolíngia representando São Mateus 86 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 Unidade II Confeccionados nas oficinas dos palácios ou nos monastérios, as iluminuras presentes nos manuscritos eram destaques. Os trabalhos mais representativos foram os evangelhos, que pertenciam a figuras importantes como Carlos Magno e seus descendentes. Figura 94 – Evangelhos de Carlos, o Calvo Figura 95 – Evangelhos de Lotário I A ourivesaria era uma arte com influência germânica e que se manteve de forma significativa durante o período carolíngio. Figura 96 – Urna com restos mortais de Carlos Magno 87 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 ARTES VISUAIS NA IDADE MÉDIA As capas dos livros também poderiam ser uma verdadeira obra de arte como observado nos Evangelhos de Lindau. Essa obra de ourivesaria com influências celto-germânica é toda trabalhada com ouro e pedras preciosas. As pedras não foram colocadas diretamente no ouro, mas sobre pequenos apoios de metal. No centro do trabalho está a representação da imagem de Cristo crucificado sem expressão de sofrimento. Figura 97 – Capa dos Evangelhos de Lindau 6.2 A arte otoniana Depois do fim do Império Carolíngio, os descendentes de Luís, o Piedoso, governaram a França Oriental. Apesar disso, o Império era fraco e sofria constantes invasões de povos como os sarracenos, os magiares e os normandos (vikings). Essas investidas eram basicamente incursões de pilhagem, que tinham como objetivo principal os mosteiros. Observação Sarracenos atacavam principalmente as regiões mediterrâneas. Essa era a designação que os cristãos da Idade Média davam aos muçulmanos. Já os magiares ocupavam a atual Hungria e invadiam as fronteiras ao leste. Os normandos, que eram ancestrais dos dinamarqueses e noruegueses, investiam contra a Irlanda e a Bretanha, apoderando-se do noroeste da França, que, desde então, passou a ser conhecido como Normandia. 88 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 Unidade II Após a morte do último monarca carolíngio, em 911, os duques germânicos da Francônia, da Saxônia, da Suábia e da Baviera fundaram o Reino Germânico. Nessa monarquia, o rei seria um dos duques eleito pelos outros três. Assim, em 936, assume o reinado Oto I (da Saxônia), que conquistou grande prestígio ao vencer os húngaros; pouco depois seria sagrado Imperador pelo papa João XII. Nascia, então, o Sacro Império Romano Germânico, que duraria até o século XIX. Durante o reinado de Oto I e seus sucessores (séculos X-XI), a Alemanha era o centro do Império. A produção artística do período otoniano é influenciada pelas obras carolíngias, porém logo desenvolve características próprias. Na escultura, a inspiração bizantina se faz presente com o Cristo, que é representado de forma dramática e expressando sofrimentos. Figura 98 – Cristo de Gereão em madeira, século X Na arquitetura houve uma continuidade da arte carolíngia, porém com novos elementos. Um dos exemplos dessa produção é a igreja otoniana de São Miguel Hildersheim. Essa basílica possui duas absides: uma a leste, contendo o altar, outra a oeste, com uma plataforma elevada para o imperador e seu séquito. 89 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 ARTES VISUAIS NA IDADE MÉDIA Figura 99 – Nave central da Igreja de São Miguel Hildesheim A luminosidade era garantida pela presença de pequenas aberturas na parede da nave central, e a presença de arcos coloridos e capitéis trabalhados eram comuns. A cada duas colunas existe um pilar quadrado. Figura 100 – Planta reconstruída da Igreja de São Miguel, Hildesheim Na planta da igreja, é possível observar a existência das duas absides e de dois transeptos. As estradas são laterais, e não frontais. O coro da face oeste foi projetado para ficar acima do nível do restante da igreja para poder abrigar, provavelmente,uma cripta especial para São Miguel. A entrada dessa cripta poderia ser feita tanto pelo transepto como pela face oeste. 90 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 Unidade II O bispo Bernward, responsável pela construção da igreja, encomendou um par de portas de bronze esculpida em alto-relevo para a cripta. Estas são divididas em painéis horizontais com cenas bíblicas, como a expulsão de Adão e Eva do Paraíso. Figura 101 – Detalhe da porta encomendada para a Igreja de São Miguel, Hildesheim A pintura dos manuscritos otonianos, assim como a carolíngia, é expressiva com os Evangelhos, sendo o de Oto III o mais conhecido desse período. Figura 102 – Evangeliário de Oto III 91 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 ARTES VISUAIS NA IDADE MÉDIA A pintura otoniana mesclou elementos romanos clássicos e bizantinos com um estilo próprio, como visto na cena de Cristo lavando os pés de seus discípulos. A ourivesaria também esteve presente na arte otoniana. A coroa em ouro, com incrustações de pedras preciosas, é uma das obras mais conhecidas. Figura 103 – Coroa do século X Exemplo de aplicação Compare a imagem da cruz dos Evangelhos de Lindisfarne com a capa dos Evangelhos de Lindau. Procure identificar as semelhanças e as diferenças entre ambos. Resumo Com a ocupação territorial da Europa Ocidental por diversos povos, iniciou-se uma fragmentação política e a formação de vários reinos. Essa regionalização, marcada pela insegurança propiciada pela ameaça de constantes invasões, criou condições para a formação de reinos estruturados, sendo que alguns constituíram verdadeiros impérios, como o Carolíngio. Em relação à arte, cada território europeu dominado apresenta sua produção cultural. A Europa Medieval se caracterizou pela presença de elementos culturais romanos, germânicos e cristãos. 92 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 Unidade II Assim, encontramos estilos bem diferentes, como o visigótico, o merovíngio, o ostrogodo, o hibérnico-saxão. Apesar das distinções, o sentido unificador dessa arte era dado pelo cristianismo. Nesta unidade, vimos que a Igreja impôs uma política cultural e artística, assumindo um papel de formação religiosa e social e apresentando, portanto, a liderança no incentivo à produção artística, uma vez que se tornou o verdadeiro poder político e econômico desse mundo medieval. Isso ocorreu com a apropriação da arte como forma de evangelização. O presente livro-texto ressaltou que arquitetura visigótica é sóbria e caracterizada pelo uso de uma planta basílica, ou seja, com uma nave central maior do que as laterais, comum nas construções paleocristãs. Eram utilizadas outras plantas como a de cruz latina e a de cruz grega. Destacamos, ainda, que a cultura artística da Península Itálica durante os séculos VII e VIII foi predominantemente decorativa, com elementos romanos mesclados com os germânicos e bizantinos. Elementos típicos da arquitetura são as abóbodas, construídas por bordas que se sustentam por pilares e colunas. Nesse período, encontramos alguns trabalhos significativos, como os Evangelhos de Durrow, o Evangelho de Echternach, produzido em 698 e que atualmente está na coleção da Biblioteca Nacional de Paris, e o Evangelho de Lindisfarne, produzido por volta de 700. Também estudamos que na escultura saxônica predominava a cruz de pedra. Elas são esculpidas em baixo-relevo, mesclando cenas bíblicas com os motivos germânicos e celtas. Na arquitetura merovíngia, as igrejas, os monastérios e os batistérios adquirem importância. Uma das obras arquitetônicas mais importantes desse período foi São João de Poitiers. Os batistérios parecem ser presença comum na construção merovíngia, pois, além de São João de Poitiers, as obras de Riez e de Fréjus estão relativamente conservadas. Durante o Renascimento Carolíngio, houve uma preocupação com a erudição e a construção de igrejas e monastérios. Além do complexo palaciano de Aachen, com sua capela, o oratório de Germigny-des-Prés é outro exemplo da arquitetura carolíngia. Os mosaicos decorativos foram influenciados pela arte bizantina. 93 AR TV - R ev isã o: V ito r - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 6/ 02 /2 01 5 ARTES VISUAIS NA IDADE MÉDIA A arquitetura carolíngia mesclou elementos da arte germânica, bizantina e romana, contribuindo para a romanização das construções medievais. A escultura em bronze mais representativa desse período é uma figura de um cavaleiro sobre um corcel, e muitos identificavam este homem como Carlos Magno. Durante o reinado de Oto I e seus sucessores (séculos X-XI), a Alemanha era o centro do Império. A produção artística do período otoniano é influenciada pelas obras carolíngias, porém logo desenvolve características próprias. Na escultura, a influência bizantina se faz presente com o Cristo, representado de maneira melancólica. Na arquitetura houve uma continuidade da arte carolíngia, porém com novos elementos. Um dos exemplos dessa produção é a igreja otoniana de São Miguel Hildersheim. A pintura dos manuscritos otonianos, assim como a carolíngia, é expressiva, destacando-se com os Evangelhos, sendo o de Oto III o mais conhecido desse período. A ourivesaria também esteve presente na arte otoniana, e uma das obras mais conhecidas é uma coroa em ouro e que apresenta incrustações de pedras preciosas.
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