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Filosofia Antiga - A concepção do homem na cultura arcaica grega

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17
INTRODUÇÃO
	
	O objetivo deste trabalho consiste em: apresentar a moral na cultura arcaica grega, trazendo em seu meio às origens deste povo, suas primeiras ideias de valor e moral e suas linhas de pensamento, visto que, é imprescindível conhecer a história de um povo para reconhecer a sua moral, os seus valores pessoais e comuns. 
	No primeiro capítulo tratemos uma visão histórica do povo heleno: a formação deste povo, que não provém de apenas uma tribo, mas de vários clãs, que por meio da troca de nomadismo para sedentarismo, se instalaram na península balcânica, dando início aos primórdios do povo de Hélade, isto é, o povo da Grécia. Também exporemos sua constituição como comunidade, sua forma de emprego da moral, seus valores, sua economia, e também suas classes sociais. Sabemos que, a Grécia é o exemplo da democracia e da sociedade para o mundo contemporâneo; porém observando seu contexto histórico, vemos que, dentro desta sociedade havia uma diferenciação exorbitante entre as classes de pessoas, classificando-as dentro dos quesitos de sexo, idade, nacionalidade, etc. Com o agravo e a desintegração das comunidades a diferenciação entre as classes sociais aumentou. De um lado, temos uma pequena proporção de privilegiados que dominavam as melhores propriedades, monopolizavam os instrumentos de guerra e conduziam os cultos e festas religiosas. De outro lado, pequenos proprietários se subordinavam ao poder dos grandes proprietários. As comunidades começaram a ser controladas não somente por um patriarca, mas pelo grupo abastado que continha em suas mãos os instrumentos de poder. E na continuidade, observaremos como, dentro deste contexto, a pólis grega foi constituída.
	No segundo capítulo abordaremos a concepção do homem na cultura arcaica grega. Inseridos já dentro do contexto histórico, vamos partir para o quesito da própria moral dos gregos, tendo como base o estudioso Pe. Henrique Claudio de Lima Vaz, que estuda a antropologia filosófica desde os seus primórdios. Nosso autor vai nos mostrar que, para o homem grego, havia três possíveis linhas de observar, apreender e valorar o mundo, criando assim seus próprios valores, costumes, isto é, sua própria moral. As linhas que nosso pensador nos traz são: A primeira linha é a Teológica/Religiosa, onde se traça uma nítida divisão, ou melhor, uma oposição entre o mundo dos homens e mundo dos deuses, e também a tentativa do homem de se igualar aos imortais. A segunda linha é a Cosmológica, onde o homem, a partir da observação do Universo, ou melhor, do Universo organizado, o Kósmos, tenta recriar, isto é, remontar esta organização perfeita dentro de sua sociedade humana. A terceira linha analisada é a Antropológica, que, segundo Lima Vaz lança um questionamento em sua primeira fase: Como se reflete a condição humana na imagem que o homem grego arcaico faz de si mesmo? E para responder essa questão, nosso autor vai nos mostrar os dois lados do homem grego: o apolíneo e o dionisíaco, que são os dois lados que cada ser humano tem dentro de si mesmo, em constante atrito. E também vai trazer a mediação desses dois lados, que é a excelência do ser humano, chamada pelos gregos de areté. 
	Por fim, traremos em nossa apreciação a tragédia de Antígone, que vai nos remontar o quesito da moral própria de cada ser humano, em vista dos acontecimentos que que vêm interferir em sua existência, e como lidar com tais situações, mantendo os valores primordiais contidos em seu próprio ser. É interessante observar que, a tragédia não faz parte do período arcaico grego, mas sim do período clássico dos helenos. Porém, ela vem remontar e explicar com extrema beleza e assiduidade tudo aquilo que aconteceu no período antecessor ao seu. Podemos enfim, contemplar desta forma, a beleza, a complexidade, a multiforme grandeza do período arcaico grego, que têm tremendo conteúdo a ser estudado e examinado. 
1. AS ORIGENS DO POVO HELENO
	
O povo heleno (gregos) começou a surgir na península balcânica, por volta de 4000 a. C. Este povo não se formou por apenas uma tribo, mas de uma mescla de vários clãs. Povos nômades começaram a habitar esta península, formando comunidades concentradas. Entre as tribos reconhecidas podemos elencar os aqueus, os jônios, os eólios e os dórios. Estas comunidades eram compostas por elementos de um parentesco antigo comum: eram chamados genos[footnoteRef:1]. Esta nomenclatura dada surge quando as comunidades estavam organizadas em grandes famílias, cujos membros eram descendentes de um único antepassado. Também alimentavam sua sede espiritual e religiosa e um só deus-protetor. Cada comunidade de genos era chefiada por um patriarca, e o mesmo continha em suas mãos o poder bélico, político, espiritual-religioso e jurídico. Era muito respeitado por ser considerado como detentor de “fórmulas” que lhe permitiam fazer contato com os ancestrais e com os deuses que protegiam as famílias. [1: In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira,1986. Art.: GENOS.] 
	A economia destas comunidades era autossuficiente, pois cada comunidade produzia somente o necessário para atender suas próprias necessidades, e a propriedade era coletiva, ou seja, não possuía somente um senhor; e natural porque se baseava na troca de produtos por produtos. Nessa época não existia ainda a moeda. As comunidades conquistaram grande autonomia política em consequência da independência econômica, mesmo a nova organização tendo base familiar, toda a população era favorecida. O trabalho desenvolvido na nova comunidade era de cunho individual; entretanto, o bem de todos era sempre almejado. O patriarca determinava o papel de cada um, e tudo o que era produzido era dividido igualmente entre os genos. A estrutura garantia que ninguém se desenvolvesse mais do que outros, e também as famílias que tinham dificuldades em suas produções agrícolas eram livres para utilizar mão de obra escrava.
	É evidente que, nas relações humanas, por mais que se preze pela igualdade social, sempre há situações que, de fato, prevalecem um determinado grupo de indivíduos, o que é efeito das próprias relações políticas – mesmo sendo arcaicas –. Apesar da comunidade ser igualitária, a proximidade de parentesco com o patriarca determinava a importância do indivíduo dentro da sociedade em que vivia. 
Com o crescimento da população, as terras começaram a ser inférteis, ocasionando a falta de alimentos. Os conflitos começaram e, mediante esta situação, os membros decidiram realizar uma divisão de territórios, conforme o critério de parentesco: os parentes mais próximos do patriarca ficaram com as maiores proporções de terras; os parentes menos próximos ficaram com menores proporções de terras e, aqueles mais afastados, que constituíam a grande maioria da comunidade, ficaram com nenhuma proporção de território. 
A desintegração das comunidades se agravou e também agravou a diferenciação entre as classes sociais. De um lado, temos uma pequena proporção de privilegiados que dominavam as melhores propriedades, monopolizavam os instrumentos de guerra e conduziam os cultos e festas religiosas. De outro lado, pequenos proprietários, artesãos, trabalhadores livres se subordinavam ao poder dos grandes proprietários. As comunidades começaram a ser controladas não somente por um patriarca, mas pelo grupo abastado que continha em suas mãos os instrumentos de poder. Formou-se então o grupo dos eupátridas, que eram os bem-nascidos, classe dominante e que continha o maior parentesco com o patriarca; dos georgóis, que eram os agricultores a artesãos, parentes mais distantes do ancião; e por fim os thetas: os escravos, estrangeiros e marginais que não tinham absolutamente nada e eram subjugados como a escória da comunidade.
Com o passar do tempo, a elite dominante, com afinidades culturais mais visíveis se uniram, tornando-se maiores, e assim poderiam assegurar o controle de suas propriedades. Surgiu assim as chamadas fratrias. A reunião destasfratrias eram, por sua vez, responsáveis pelo desenvolvimento das tribos que, quando se reuniam, davam origem ao demos – que quer dizer “poder do povo” –. Por meio da ampliação destas organizações temos a formação das primeiras Cidades-estados da Grécia Antiga e o fim da comunidade dos genos. 
Podemos assim dizer que, a Grécia Antiga não foi formada por um só povo. Portanto, quando falamos de “gregos” não falamos de uma só nação. Cada povo foi fundando suas comunidades, e assim formando a sociedade grega.
As grandes comunidades foram chamadas, posteriormente de Cidades- Estado, ou Pólis. O termo “Cidade-Estado” é aplicado a toda cidade que se autogoverna sem necessitar do auxílio ou mesmo intervenção de um ente que se baseia em outro centro administrativo. A estrutura de governo das Cidades-estados foi muito utilizada nesta época, onde a população humana sedentária era de proporção pequena, enquanto tribos nômades eram muito frequentes e de numeração de partícipes elevada. A noção de governo e sua composição para a formação de estado ainda eram bastante abstratas, em relação ao que conhecemos e convivemos na atualidade. Por isso, a maioria das cidades possuía um monarca, uma própria religião, um próprio deus-guardião e uma classe de governantes. Dentro deste regime encontramos os conceitos iniciais de cidadania. Em seu seio, a organização de dava com singulares direitos e privilégios para os homens e múltiplas diferenciações de diretos entre as mulheres, as crianças, os moradores estrangeiros e os escravos. Todos os homens, nascidos naquele território grego, sendo rico ou pobre, obtinha direitos políticos. 
Quando falamos de política, temos várias explicações e linhas de pensamento. Segundo Abbaganano[footnoteRef:2], entenderam-se por este nome várias coisas, porém a que mais se encaixe dentro do contexto é caracterizar política como a “Teoria do Estado”. O segundo significado do termo é aquele exposto na Política de Aristóteles. [2: In: ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. Editora Mestre Jou. [S.l],1973, Art.: POLITICA.] 
É claro, dizia Aristóteles, que existe uma ciência à qual cabe indagar qual dever ser a melhor constituição: qual pode ser, mais apta que qualquer outra, para satisfazer nossos ideais, quando não houvesse empecilhos externos; e qual a que se adapte às diversas condições em que podemos levá-la a efeito. Como é quase impossível que muitas pessoas possam realizar a melhor forma de governo, o bom legislador e o bom homem político precisam saber qual pode ser a melhor de governo quando existem certas condições. 
Neste sentido a política, segundo Aristóteles, tem das tarefas: 1ª – a de descrever a forma de um Estado ideal; 2ª – a de determinar a forma do melhor Estado possível em relação a determinadas circunstâncias. 
Uma grande característica da sociedade grega, como Pólis, era a união de conceitos primordiais para se obter uma sociedade estruturada e pluralizada: ela reunia as características principais, até então, para se formar um modo de expressão pautado de uma investigação racional, que seriam: condições sócio-políticas, conhecimentos sobre as culturas religião e poesia.	
Esses princípios foram obtidos pelos gregos por ventura de suas localizações estratégicas. Antes mesmo da existência das Pólis, a tribo nômade dos jônicos se instalou na costa da Ásia Menor (hoje Turquia) e em suas ilhas. Por conta de localização geográfica começaram a desenvolver atividades econômicas voltadas para o artesanato, comércio, agricultura, construção de canais e de pontes e, principalmente para a navegação. As navegações fizeram com que este povo se expandisse. Fundaram também as cidades de Éfeso e Mileto. Também se adotou o regime monetário, sendo necessário a criação da moeda, para o campo da compra e venda dos objetos e dos alimentos; que acabou fortalecendo ainda mais os princípios de construção de uma sociedade plural. 
Por dominar essas atividades econômicas e também tendo contato com outros povos, os gregos formaram colônias elitizadas intelectual e economicamente, nos quais dominavam os mais importantes conhecimentos da época: Astronomia, Geometria, Matemática, Aritmética, Escrita, Línguas Estrangeiras e conhecimento sobre as mais diversas Religiões. No plano do intelecto, toda a vasta gama desses conhecimentos fez com que este povo passasse a ver o Cosmos de uma maneira bem diferente da atual que eles vivenciavam. Começaram a indagar a natureza de tal forma, pelos métodos de observação e experiências que, obtiveram descobertas que marcam a civilização até a atualidade.
 Depois de uma breve introdução às origens do povo heleno, daremos início a concepção do homem na cultura arcaica grega.
2. A CONCEPÇÃO DO HOMEM NA CULTURA ARCAICA GREGA
	Segundo ABBAGNANO[footnoteRef:3], homem pode ser caracterizado em três definições: 1. Definições que valem do confronto entre H. e Deus; 2. Definições que exprimem uma característica ou uma capacidade própria do H.; 3. Definições que exprimem, como própria do H. a capacidade de autoprojetar-se. Porém, a que utilizaremos será a segunda definição. [3: In: ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. Editora Mestre Jou. [S.l],1973. Art.: HOMEM.] 
As definições que exprimem uma característica ou uma capacidade julgada própria do homem são numerosas e delas a primeira e mais famosa é aquela segundo a qual o homem é “animal racional”. Esta definição exprime bem o ponto de vista do Iluminismo grego e o espírito da filosofia platônica e aristotélica. Mas, ela não é encontrada explicitamente em Platão, que teria dito que o homem é animal “capaz de ciência”. Entretanto, na Política de Aristóteles afirma que o homem é “o único animal que possui razão” e que a razão serve para indicar-lhe o útil e o nocivo, portanto, também, o justo e o injusto. Husserl exemplifica muito bem esta fala, dizendo que, se o homem é um ser racional, é-o na medida em que toda a sua humanidade é uma humanidade racional, na medida em que é latentemente orientado para a enteléquia que se relevou a si mesma e guia por fim, conscientemente, por uma necessidade essencial,” o tornar-se humano”.[footnoteRef:4] [4: HUSSERL. Die Krisis der europaischen Wissenschaften und die transzendentale Phanomenologiae. 1954, parágrafo 6.] 
Observando que o homem é um ser racional, logo vemos que ele carrega em si uma moral, ou seja, valores intrínsecos, que foram oferecidos por uma sociedade específica. Segundo o dicionário de Cambridge[footnoteRef:5], moral constitui-se como um sistema público informal aplicável a todas as pessoas racionais, que rege o comportamento que afeta os outros, e tem como objetivo a diminuição do mal ou dano, e inclui o que comumente se conhece como regras morais, ideais morais e virtudes morais. Ainda que a moral deva incluir as regras morais comumente aceitas por todos, tais como as que proíbem matar e enganar o outro, as mais diversas sociedades podem interpretar essas regras, ou seja, a moral em si, de diversas formas diferentes. Também podem diferir nas suas ideias sobre o âmbito da moral, isto é, por exemplo, se a moral protege a vida dos neonatos, fetos ou animais não-humanos. Dessa forma, sociedades diferentes podem ter morais diferentes, embora essa diferença tenha limites. Dentro de cada sociedade também uma pessoa pode ter sua própria posição sobre quando se justifica violar uma das normas, por exemplo, quando o dano deve ser evitado para justificar enganar alguém. Portanto, a moral de uma pessoa pode diferir em certa medida da moral de outra, mas ambas concordarão no número esmagador de casos não controversos. [5: MORAL. In. AUDI, Robert. Dicionário de Filosofia Cambridge. São Paulo: Paulus, 2006, p. 644-645.] 
A questão da moral dentro da concepção do homem como “animal racional” está presente desde os primórdios da nossa sociedade. A sociedade helena, de fato, deu ao mundo o exemplo eficaz de como a moral poderia ser vivida dentro de uma cultura, dentro de uma sociedade. Podemos dizer que, foram os gregos que trouxeram a nós a forma de compreender oque são as virtudes, o que é a moral em si. A espécie humana manifesta suas características essenciais em todas as épocas e lugares. Por características essenciais compreende-se a inteligência, vontade, liberdade, criatividade, engenhosidade, sociabilidade, abertura ao transcendente, trabalho, etc. E, dentro desta temática Pe. Henrique Claudio de Lima Vaz nos ajuda a compreender a questão da concepção clássica do homem dentro da cultura arcaica grega.
 Segundo Lima Vaz[footnoteRef:6], as raízes da concepção do homem que denominamos clássica, e sua expressão filosófica devem ser analisadas, sobretudo, na cultura arcaica grega, que floresce nos séculos VIII e VII a.C. e apresentam uma extraordinária riqueza de manifestações que a cultura clássica (a partir do século VI) recolherá e organizará num universo espiritual coerente e harmonioso. Herdada por Roma e fundindo-se com elementos especificamente romanos, irá constituir a cultura clássica greco-romana, que forneceu à civilização ocidental sua primeira e permanente constelação de ideias e valores. No que se diz respeito à concepção do homem tal como se exprime na filosofia, a cultura clássica elabora uma imagem do homem na qual são postos em relevo dois traços fundamentais: o homem como animal que fala e discorre – zôon logikón – e o homem como animal político – zôon politikón -. Esses dois traços estão em estreita correlação, pois só enquanto dotados do logos, o homem é capaz de entrar em uma relação consensual com seu semelhante e instituir a comunidade política. E a vida política, que é a vida humana por excelência segundo a concepção clássica, se exerce pela livre submissão ao logos codificado em leis justas – nomoi -. Por outro lado, essas duas características fundamentais do homem se manifestam em atividades dotadas de finalidades específicas: a atividade da contemplação – teoria – e a atividade do agir moral e político – práxis –. A harmonização dessas duas atividades é um dos principais problemas que a concepção clássica do homem propõe resolver. [6: VAZ, Pe. Henrique Claudio de Lima. Antropologia Filosófica. São Paulo: Edições Loyola, 1991, p. 19-23.] 
A imagem do homem que a cultura arcaica grega nos oferece é rica e muito complexa, e alguns de seus aspectos irão permanecer influindo profundamente na evolução da cultura ocidental. Para melhor compreendermos, Lima Vaz enfeixa a profusão de traços dessa imagem por meio de três linhas dominantes: 1. A linha teológica/religiosa. 2. A linha cosmológica. 3. A linha antropológica.
2.1. A linha teológica/religiosa
A primeira linha, a teológica/religiosa é a linha que traça uma nítida divisão e mesmo, uma oposição entre o mundo dos deuses – theoi – e o mundo dos mortais – thanatoí -. Os primeiros são imortais – athánatoi – e bem-aventurados – eudaimones -. Os segundos são efêmeros – epheméroi – ou seja, seres de um dia, e infelizes – talaíporoi –. A mitologia grega evoca a hybris do homem, isto é, o seu orgulho, na tentativa de se igualar aos deuses, aos imortais. Para uma tal atitude desmedida, a resposta dos deuses é o decreto implacável do destino (moira) que determina o fim trágico na vida dos mortais. Sófocles, antigo poeta da cultura grega, ilustra muito sabiamente esta situação no mito de Prometeu, ao qual ele dá, em sua obra, o título de “Prometeu Acorrentado”.
Prometeu era um titã, filho de Jápeto e Ásia, e irmão de Epimeteu. Prometeu teria concebido o homem e o criado com argila e água, depois que seu irmão esgotou toda a matéria-prima de que dispunha com a geração dos outros animais, e lhe pediu auxílio para elaborar a raça humana. Ele concedeu ao ser humano o poder de pensar e raciocinar, bem como lhes transmitiu os mais variados ofícios e aptidões. Mas esta preferência de Prometeu pela companhia dos homens deixou enciumado o grande Zeus. A raiva desta divindade cresceu cada vez mais quando ele descobriu que seu pretenso amigo o estava traindo. O titã matou um boi e o fracionou em dois pedaços, ambos ocultos em tiras de couro; destas frações uma detinha somente gordura e ossos, enquanto a carne estava reservada para o pedaço menor. Prometeu tentou oferecer a parte mínima para os deuses olímpicos, mas Zeus não aceitou, pois desejava o bocado maior. Assim sendo, o filho de Jápeto lhe concedeu este capricho, mas ao se dar conta de que havia sido ludibriado, Zeus se enfurece e subtrai da raça humana o domínio do fogo. É quando Prometeu, mais uma vez desejando favorecer a humanidade, rouba o fogo do Olimpo, pregando uma peça nos poderosos deuses. Já outra versão justifica essa peripécia de Prometeu como uma forma de obter para a raça humana um elemento que lhe garantiria a necessária supremacia sobre os demais seres vivos.
O fato é que, Zeus decidiu punir Prometeu, decretando ao ferreiro dos deuses, Hefesto, que o prendesse em correntes junto ao alto do monte Cáucaso, durante trinta mil anos, durante os quais ele seria diariamente bicado por uma águia, a qual lhe destruiria o fígado. Como Prometeu era imortal, seu órgão se regenerava constantemente, e o ciclo destrutivo se reiniciava a cada dia. Isto durou até que o herói Hércules o libertou, substituindo-o no cativeiro pelo centauro Quíron, igualmente imortal.
A situação apresentada pelo mito de Prometeu mostra esta impassibilidade entre deuses e homens, donde o ser humano jamais poderia chegar a ter ou ser aquilo que os deuses tinham e eram. E, diante desta situação, tudo o que estivesse contra a vontade dos deuses sofreria o decreto implacável do destino – moira – que provoca as peripécias e o desfecho trágico na vida dos mortais. Essa situação do homem diante do divino está na origem da sabedoria gnômica ou sapiencial ligada sobretudo ao templo de Apolo em Delfos e que multiplica os preceitos de moderação – sophrosyne -: méden ágan (que significa “Nada em excesso”), gnothi sautón (que significa “Conhece-te a ti mesmo”).
2.2. A linha cosmológica
A segunda linha, a cosmológica, realça duas atitudes comuns às várias culturas antigas: a admiração e a contemplação da ordem do mundo. Podemos ver esta admiração principalmente entre os chineses, babilônios, assírios e egípcios. Naquela época, os astros eram estudados com objetivos práticos, como medir a passagem do tempo (fazer calendários) para prever a melhor época para o plantio e a colheita, ou com objetivos mais relacionados à astrologia, como fazer previsões do futuro, já que, não tendo qualquer conhecimento das leis da natureza (física), acreditavam que os deuses do céu tinham o poder da colheita, da chuva e mesmo da vida.
Um dos grandes pensadores do povo heleno sobre a questão de um universo ordenado é Anaximandro. Não sabemos de fato se ele empregou a palavra “Kósmos”. No seu sucessor Anaxímenes já a encontramos, se é autêntico o fragmento que se atribui a ele. Mas, em princípio, a ideia de cosmos encontra-se na concepção de um acontecer natural governado pela dike eterna, de Anaximandro. Por isso, têm-se o direito de caracterizar a “concepção de mundo” de Anaximandro como a íntima descoberta do cosmos.[footnoteRef:7] Esta descoberta não podia se fazer senão no fundo da alma humana. Nada se fez com telescópios, observatórios ou qualquer outro tipo de investigação empírica. Foi da mesma faculdade intuitiva que brotou a ideia de infinidade dos mundos, atribuída a Anaximandro pela tradição. Sem dúvidas, a ideia filosófica do cosmos representou uma ruptura com as representações religiosas habituais. Porém, esta ruptura representa a aparição de uma nova concepção da divindade do ser, no meio do horror da fugacidade e da destruição, que tanto impressionou as novas gerações, como mostram os eruditos poetas. [7: JAEGER, Werner. Paideia. A formação do homem grego. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994, p. 202-203.] 
É neste estado de espírito que reside o gérmen de incontáveis desenvolvimentos filosóficos. O conceito de cosmos constituiu até nossos dias uma das categorias essenciais de toda concepção de mundo, embora das modernas interpretações científicas tenha, gradualmente, perdidoo sentido metafísico original. A ideia de cosmos mostra, com simbólica evidência, a importância da primitiva filosofia natural para a formação do homem grego. Assim como em Sólon o conceito ético-jurídico da responsabilidade deriva da teodiceia para a epopeia, também a justiça do mundo recorda que o conceito grego de causa, fundamental para o novo pensamento, coincidia originalmente com o conceito de culpa e foi transferido da imputação jurídica à causalidade física. Esta transportação espiritual está ligada à transportação análoga dos conceitos de kósmos, dike e tisis, originários da vida jurídica, para acontecer o natural. 
O fragmento de Anaximandro permite-nos obter uma visão profunda do desenvolvimento do problema da causalidade a partir do problema teológico. A sua dike é o princípio do processo de projeção da pólis no universo. É certo que, nos pensadores jônicos não encontramos uma transposição expressa da ordenação do mundo e da vida do Homem para o ser das coisas não humanas. Isso não podia acontecer, porque as suas investigações prescindiam das coisas humanas e visavam exclusivamente a determinação do fundamento eterno das coisas. Mas, dado que se serviram a ordem da existência humana para tirar conclusões a propósito da physis e sua interpretação, a sua concepção continha em germe, desde o início, uma futura e nova harmonia entre o ser eterno e o mundo da vida humana com seus valores.
Lima Vaz demonstra que, entre os gregos, essa atitude de observar o universo assume características originais que passarão a constituir um dos traços marcantes da imagem do homem grego. Entre essas características convém assinalar a admiração – thauma – pela ordem e beleza que fazem do universo visível um todo bem adornado, faz dele o kósmos. Seguindo esta linha, e observando o testemunho de Platão e Aristóteles, essas atitudes deram origem à Filosofia e ao estilo de vida teorética que os gregos assumem como sendo um de seus traços mais marcantes. Uma outra característica é a descoberta da correspondência entre a physis e a ordem da pólis, que deve ser instituída por leis justas. Essa correspondência será um dos motivos para a prática da ciência do agir humano, que terá uma profunda significação para a formação da ideia do homem formada do mundo ocidental.
 A linha cosmológica tem um ponto em comum muito importante com a linha teológica, uma vez que ambas contemplam o conceito de necessidade, chamado ananké, que é inerente à ordem do mundo, ao kósmos, à qual deverão se submeter homens e deuses. Nessa perspectiva, um dos desafios permanentes da Filosofia será conciliar a necessidade cósmica e a liberdade humana, permanentemente diante de si.
2.3. A linha antropológica
A pergunta que se coloca em questão na terceira e última linha analisada neste trabalho é que, como se reflete a condição humana na imagem que o homem grego arcaico faz de si mesmo? Lima Vaz responde essa questão utilizando-se da demonstração de F. Nietzche, que celebrizou na questão da oposição entre o apolíneo e o dionisíaco, como dimensões da alma grega, donde se demonstra as experiências humanas fundamentais e a relação do homem com os deuses. Essa oposição aparece sobretudo na tragédia, que é contada por célebres autores, como Sófocles, Ésquilo, Euripedes, etc.
Para ser mais específico, essa oposição é demonstrada especialmente no final da leitura da Eumênidas de Ésquilo, e das Bacantes de Eurípedes.
Em Eumênidas, conta-se que, Orestes é perseguido pelas Erínias (Fúrias para os romanos) que, cansadas de perseguir o fugitivo, haviam adormecido nos bancos do templo de Apolo. Prometendo-lhe ajuda, Apolo manda Orestes fugir para Atenas, onde deveria submeter sua causa a julgamento e seria libertado de seus sofrimentos. O fantasma de Clitemnestra (sua mãe) aparece e censura as Fúrias por sua negligência, conduta essa que a expõe ao desprezo dos outros mortos no inferno. Despertadas pelo ápodos de Clitemnestra, elas recriminam Apolo por haver acolhido em seu templo um homem maldito que elas perseguem impelidas por seu direito de vingar os crimes cometidos entre consangüíneos. As Erínias perseguem Orestes até Atenas, onde ali Orestes é atendido pela deusa da cidade. Atendendo a uma prece da vítima, Atena aparece e convence as Fúrias a concordarem com o julgamento da causa, não pela deusa sozinha, mas com a colaboração de seis dos mais distinguidos cidadãos de Atenas, que constituiriam um júri.
Iniciado o julgamento, Apolo aparece como defensor de seu suplicante e como representante do próprio Zeus, a cujos mandamentos inapeláveis obedeciam os oráculos do deus-profeta. Apolo declara que Orestes matou sua mãe obedecendo a uma injunção divina. O acusado confessa o crime mas enfatiza em sua defesa que, ao matar o marido e rei, Clitemnestra assassinou o pai de Orestes, e que suas perseguidoras deveriam elas mesmas ter-se vingado dela. Atena proclama que o tribunal – o primeiro a julgar um crime de homicídio – fica instituído por ela para sempre. Os juízes (jurados) depositam seus votos numa urna, e a deusa, declarando que é seu dever pronunciar o veredito final da causa, esclarece que seu voto deve ser contado a favor de Orestes, que seria absolvido ainda que os votos se dividissem igualmente. 	Proclamado vencedor em face de um empate entre os juízes e do voto de desempate de Atena, Orestes sai de cena. Suas antagonistas ameaçam amaldiçoar Atena e trazer a ruína para a região cujos juízes absolveram o acusado. Mediante promessa de honrarias eternas às Fúrias, Atena consegue apaziguá-las, e elas deixam desde então de ser as deusas do ódio para passarem a ser as deusas benévolas: as Eumênidas. Em sua nova condição, as deusas saem numa procissão solene para o santuário que Atena lhes proporcionou numa gruta no sopé da colina de Ares (o Areópago, que deu o nome ao tribunal).
Dentro da tragédia, podemos observar que, o apolíneo reflete o lado luminoso da visão grega do homem, a presença ordenadora do logos da vida humana, que orienta para a claridade do pensar e do agir razoáveis, que foi representado pela deusa Atena, em seu justo julgamento para com Orestes, e também a defesa feita pelo deus Apolo, para com Orestes. Já o lado dionisíaco traduz o lado obscuro, ou terreno, onde reinam as forças desencadeadas do eros ou do desejo e da paixão. Este lado é demonstrado pelas Erínias, ainda não convertidas por Atena, que desejavam ardentemente vingar-se de Orestes, e assim o fazer beber do cálice de sua cólera. 
Dentro deste quesito, entra o trabalho ardoroso da filosofia, para tentar conciliar esses dois aspectos. E é Platão que, no Banquete, consagrará nas páginas esse tema. E este mesmo tema da alma, desde a alma como um sopro – psiché -, dublê do corpo e que vai viver uma vida umbrátil no Hades em Homero, até a representação religioso-metafísica da alma no Orfismo como entidade separada do corpo e nele reencarnando-se e sucessivas existências, (chamado de metensomatôse) é outra constante da visão grega arcaica do homem que transmitirá à antropologia filosófica e política um de seus quesitos fundamentais.
Lima Vaz demonstra que, no que se diz respeito à vida social e política, a visão arcaica grega do homem, profundamente marcada pela excelência, ou melhor, pela areté. Tanto em Homero como nos séculos posteriores, o conceito de areté é frequentemente usado no sentido mais amplo, isto é, não só para designar a excelência humana, como a superioridade dos seres humanos: a força dos deuses ou a coragem e rapidez dos cavalos de raça.[footnoteRef:8] Ao contrário, o homem comum não tem areté e, se um escravo descende por acaso de uma família de alta estirpe, Zeus tira-lhe metade de sua excelência, e ele deixa de ser quem ele era antes. A areté é um atributo próprio da nobreza. Os helenos sempre consideraram a destreza e a força incomuns como base indiscutível de qualquer posição dominante. Senhorio e areté estavam, indiscutivelmente, unidos. Também reconhecemos que, a originária e tradicional identificação do sentido da palavra areté com a destreza guerreiranão constitui para uma nova idade um obstáculo à transformação da imagem do homem nobre, de acordo com as mais altas exigências espirituais dela, como sucedeu na evolução posterior de seu significado. [8: Cf. JAEGER, Werner. Paideia. A formação do homem grego. 3ªed. São Paulo: Martins Fontes, 1994, p. 26-27.] 
Então, esta ideia fixa-se, de um lado, na imagem do herói, dotado primeiramente de uma areté guerreira, e depois da areté civilizadora como herói fundador da cidade. De outro lado, a ideia de areté se transpõe pouco a pouco do herói para o sábio, no momento que ocorre o declínio da aristocracia guerreira e a cidade se organiza segundo formas democráticas e participativas. O conceito de areté passa a se vincular intimamente ao conceito de diké – justiça -, e o herói fundador passa a ser celebrado como herói legislador, como no caso exemplar de Sólon. Ao ethos da areté guerreira e política vem juntar-se, finalmente, o ethos laborioso do trabalho no campo, como uma escola de virtude, que foi demonstrado e celebrado por Hesíodo em “Os Trabalhos e os Dias”.
Toda a concepção do homem na cultura arcaica grega se explica dentro da tragédia, que é posterior ao período arcaico, já dentro de um período clássico do homem. Porém, mesmo sendo posterior, a tragédia vem remontar e explicar todo o sentido da excelência do homem, de sus destreza, e de seus valores, de sua moral. Dentro desta dinâmica, nosso próximo capítulo irá demonstrar a tragédia de Antígone, que vem nos mostrar a questão da moral e dos valores pessoais do homem grego, em relação às circunstâncias que deve enfrentar em sua vida.
3. A TRAGÉDIA DE ANTÍGONE
	A obra Antígone narra o desfecho da vida dos filhos de Édipo: Antígone, Ismênia, Etéocles e Polinice. Ela se inicia com o diálogo entre as irmãs Antígone e Ismênia acerca do decreto promulgado por Creonte, rei de Tebas, cuja sentença fazia referência a seus irmãos: Etéocles e Polinice, que disputaram o trono de seu pai falecido. O que ocorrera foi que Polinice se retirou da cidade para casar-se com a filha do rei da cidade de Adrasto, que se dispôs a auxiliá-lo na guerra contra Tebas para obter o reinado. Com isso, tomou partido oposto ao de seu irmão. Em combate, ambos foram mortalmente feridos um pelo outro. A seguir vejamos a postura dos três principais personagens da tragédia quanto ao ocorrido e seu decurso.
	Para Creonte, rei tebano, aquele que preza um amigo mais do que a própria pátria merece desprezo. Jamais pode ser considerado amigo quem for inimigo da cidade. Sendo assim, ele concedeu a Etéocles, que lutou em prol da cidade, sepultamento e todos os ritos fúnebres e oferendas oferecidas aos mortos mais ilustres. A Polinice, que estava exilado, privou-o, sob pena de morte, à honra do túmulo, tal como a lamentação por sua morte; condenou-o a permanecer insepulto, reduzido à presa de aves carniceiras e cães, pois era um criminoso.
	Antígone se encontra inconformada perante tal decreto, e convida sua irmã, Ismênia, para realizar o sepultamento e os ritos fúnebres a Polinice, descumprindo a lei, pois, em sua visão, ela não poderia ser acusada de traição se cumpre o seu dever para com as leis divinas, bem como Creonte não pode coagi-la a abandonar os seus. Em última instância, morrer na busca de cumprir a vontade de quem se ama é um belo fim, isto é, um crime louvável. Assim sendo, seu sofrimento se torna incomparável a sua glória, já que se há mais tempo para agradar aos mortos do que aos vivos.[footnoteRef:9] [9: Cf. SÓFOCLES. Antígone. In.: Teatro Grego, vol. XXII. São Paulo: Brasileira, 1970. p.124] 
	Ismênia possui uma postura diferente a de sua irmã. Relembrando as desgraças ocorrentes na família delas, se contenta com sua posição de mulher (sinônimo de submissão ao masculino) e paralisa-se perante a hierarquia que a submerge. Segundo ela, as leis, por mais arbitrárias que sejam, tem de ser obedecidas. Mesmo sem desprezar as leis divinas, vê-se sem forças para opor-se às da cidade, pois é imprudente tentar o irrealizável.
No decorrer da obra, um dos guardas responsável por zelar pelo corpo de Polinice se apresenta ao rei e informa-lhe que o corpo fora sepultado por um desconhecido que não deixara vestígios. Creonte se inquieta com tal notícia e ordena que o criminoso seja descoberto.
	Certo tempo passado, retorna ao rei o mesmo guarda com Antígone de cabeça inclinada. Ele se dirige ao rei dizendo tê-la flagrado em ritual de libação a seu irmão. Ao captura-la, abordou que ela não resistiu nem desmentiu o que fizera. Quando Creonte a questiona sobre o feito, ela, fitando-o nos olhos, assume inteiramente a responsabilidade do ato, e lhe diz que não cabe a um mortal infligir as leis divinas que, embora não escritas, são irrevogáveis e eternas.[footnoteRef:10] Antígone se mostra pronta a condenação, abordando que quem vive em meio a tantas desgraças nada tem a perder com a morte. [10: Cf. SÓFOCLES. Antígone. In.: Teatro Grego, vol. XXII. São Paulo: Brasileira, 1970. p.138] 
Segundo Scheler, aludido por Ferrater, em sua obra Zum phänomen des tragischen (Para o fenômeno do trágico), dentre outras, os portadores de valores são os trágicos por excelência, pois se recusam a viver em uma posição de contentamento, em um estado de satisfação. Estes possuem uma sensibilidade que perpassa a visão comum.[footnoteRef:11] [11: Cf. MORA, José Ferrater. Dicionário de filosofia, vol. 4. 2ª ed. São Paulo: Loyola, 2004. Art. Tragédi] 
	Antígone expõe a Creonte que tem a admiração do povo perante seu feito, apesar de ter ciência de que estes não se expressam por medo. O rei partilha da convicção que não se dá a um homem de mal o mesmo tratamento que se dá a um de bem; logo, um inimigo nunca lhe será querido, mesmo morto. Mas Antígone não partilha de ódios, e sim de amor;[footnoteRef:12] o fato de seu irmão ter traído a cidade não o exume dos ritos fúnebres elencados pelos deuses. [12: Cf. SÓFOCLES. Antígone. In.: Teatro Grego, vol. XXII. São Paulo: Brasileira, 1970. p.141] 
	Na sequência, aparece Ismênia em prantos; ela se encontra disposta a partilhar da mesma sentença que sua irmã, pois não se vê apta a suportar a solidão. Antígone repudia a aparente abnegação, pois não se ama só por palavras, e é inconcebível que se morra por algo que não se fez. Ela escolheu a morte. Sua irmã a vida. Há quem louve ambas as posturas. Ismênia se volta a Creonte, suplicando-lhe que não dê fim à vida da noiva de seu próprio filho, Hémon. O rei se mostra relutante e manda amarrá-las e leva-las ao palácio.
Na ausência das filhas de Édipo, Creonte avista Hémon, seu filho mais novo. Sua vinda causa-lhe curiosidade quanto a posição que tomaria perante seu juízo. A princípio, Hémon se mostra submisso a seu pai, anulando o próprio desejo de casar-se. Orgulhoso, Creonte ressalta que um rei deve ser obedecido em tudo, independente da justiça de seus atos, pois a rebeldia arruína os povos, enquanto a voluntária obediência os rege. Cumpre atender a ordem geral, não a particular. Cautelosamente, Hémon examina junto ao pai a situação que os circunda: aborda que o povo teme seu rei e sussurra a favor de Antígone, assim como ninguém é possuidor da razão, e sempre podemos retroceder em juízos errôneos.
	Vendo-se contrariado, Creonte começa a alterar-se com seu filho; abordando, principalmente, sua autoridade de rei. Hémon deixa claro que um rei só governaria sozinho se ocupasse um país onde fosse o único habitante e que a autoridade de um monarca não pode elevar-se acima dos preceitos dos deuses. Vendo a postura rígida de seu pai, lhe diz que a morte de Antígone causará outra. Creonte entende isso como uma ameaça, enxerga seu filho como um insensato e ordena a morte de sua futura esposa em sua frente. Hémon, com lágrimas, afirma que o pai não mais o verá.
	Determinado, Creonte poupou Ismênia (por influência do Corifeu, um líder da cidade) e condenou Antígone a ser enterrada viva em um sítio deserto. O povo e até mesmo os que a conduziam a seu fim se sensibilizam com ela, vendo nela glória semelhante àquelados seres divinos. Antígone lamenta sua descendência e destino; expõe que jamais faria o que fez por um filho ou marido, pois poderia ter outros, mas irmão ela nunca mais teria. No ápice de sua lamentação chega a indagar se seu julgamento provém dos deuses ou dos homens.
	Dada a sentença de Antígone, Tirésias, ancião cego e anunciador de profecias, chega com seu guia de longa viagem que fez para aconselhar Creonte, como fazia de costume. Este anuncia-lhe que, quando um homem sensato comete um erro, é feliz quando pode reparar o mal que praticou, e que de nada serviria ao rei matar pela segunda vez quem jaz morto. A sepultura e as honras fúnebres são um direito que não pode ser vetado nem pelas divindades. E ainda: os próprios deuses punem àqueles que causam males. Devido a impertinência do rei, imutável e agressivo em sua postura com seu próprio conselheiro, Tirésias se viu forçado a dizer a Creonte que o resgate da morte que causaria seria pago com outra morte, a de um de seus descendentes. Ao proferir com pesar sua adivinhação, se retira com seu guia.
	A revelação de Tirésias fez Creonte afligir-se. Para ele, ceder passa a ser uma desgraça menor a de resistir. Aconselhado pelo Corifeu, se convence em revogar sua sentença, consciente de que mais vale obedecer as leis que regem o mundo as dos homens. Parte o rei de Tebas com o intuito de consertar o que fizera e de mudar o destino anunciado por Tirésias. Assim, o monarca vê-se decidido a abdicar de sua unicidade em prol de uma universalidade transcendente.
	Depois de certo tempo corrido, o mensageiro aparece para expor o que se sucedera da operação que Creonte fez com alguns dos seus. A mais interessada em saber detalhes do ocorrido é Eurídice, esposa de Creonte, mãe de Hémon. O mensageiro lhe exprimiu que encontraram o corpo de Polinice e, embora estivesse despedaçado pelos animais, cumpriram seu sepultamento e ritos fúnebres. 
	Em seguida partiram para a caverna onde estava encerrada Antígone. No caminho, ouve-se um forte brado familiar. Ao chegar, constataram que Hémon lamentava a crueldade de seu pai por causa da morte de sua amada, que se enforcara com os cadarços de sua cintura. Atônito, o rei se aproxima de seu filho, que lhe cospe no rosto e puxa a espada, o que o faz recuar. Com vigor, crava a espada no próprio peito e abraça o corpo de sua amada, para no Hades ter com ela suas núpcias. Após a revelação, Eurídice, sem nada falar, entra no palácio.
	O silêncio de Eurídice se torna tão perigoso quanto as esbravejantes lamentações. Nisto retorna Creonte com seu filho nos braços lamentando a sua infelicidade, se vendo como um alvo da justiça dos deuses. Seguidamente aparece aflito um mensageiro vindo do palácio, para onde tinha ido Eurídice; este relata que ela cravou em seu fígado um punhal, maldizendo o rei pela morte de seu filho. Creonte, que já se via morto, percebe-se golpeado com mais intensidade ainda. Para ele, a vida perdeu seu sentido, já não vale mais a pena ver clarear outro dia. Mas aos mortais, não é permitido evitar as desgraças que o destino lhes reserva[footnoteRef:13]. [13: Cf. SÓFOCLES. Antígone. In.: Teatro Grego, vol. XXII. São Paulo: Brasileira, 1970. p.170] 
CONCLUSÃO
	Nosso trabalho consistiu em apresentar a moral na cultura arcaica grega, utilizando-se, primeiramente do contexto histórico da época para entender, de fato, o que acontecia na antiguidade, para assim, com melhor eficácia observarmos a moral dos helenos. Foi interessante analisar a “bagagem” histórica que Hélade traz para o nosso tempo, visto que, este povo é agraciado com uma multiforme sabedoria e cultura, recebida de geração para geração. Os helenos foram formados a partir de vários clãs, isto é, várias tribos, cada qual com sua cultura e costumes, que se instalaram na península balcânica, e unindo-se, formaram o que conhecemos por gregos. Desta forma, construíram suas comunidades, sua economia, sua moeda, sua língua, suas leis; enfim, sua sociedade. E a partir daí a sua moral e os seus valores foram também se construindo.
Com a ajuda de muitos autores e estudiosos da área, mas principalmente do pensador Pe. Henrique Cláudio de Lima Vaz, conseguimos distinguir as três linhas por onde percorreu a concepção do homem dentro da cultura arcaica grega, que foram: 1. A linha Teológica/Religiosa. 2. A linha Cosmológica. 3. A linha Antropológica. Analisando estas três linhas, pudemos apreender conhecimentos significativos do conteúdo. Observamos na primeira linha que, o homem, naquela época, tinha uma estreita ligação com a religião. E por esta religião estar implicada em tudo o que os homens gregos faziam, ela tornou-se sua prima conduta dentro do quesito de valores. Primeiramente porque, existia uma nítida divisão entre o mundo dos deuses, dos imortais, chamado theoi, e o mundo dos humanos, dos mortais, chamado thanatoí. E por existir esta divisão, a hybris do homem, ou seja, o seu orgulho, sempre almejava chegar, ou mesmo conquistar, o mundo imortal. Em nosso trabalho esta situação foi exemplificada no mito de Prometeu Acorrentado. 
Já na segunda linha, que é a Cosmológica, conseguimos apreender que, utilizando-se da contemplação da organização do Universo, chamado de kósmos, o homem buscou construir sua sociedade, a sua pólis, tendo como ponto de referência esta mesma organização. Buscamos observar dentro dos pré-socráticos quem poderia trazer essa ideia de contemplação do universo, e chegamos até Anaximandro. Não sabemos se, de fato, foi ele que utilizou pela primeira vez a palavra kósmos, mas em seu sucessor, Anaxímenes já encontramos esta palavra. Lima Vaz demonstra que, entre os gregos, essa atitude de observar o universo assume características originais que passarão a constituir um dos traços marcantes da imagem do homem grego.
A última linha analisada foi a Antropológica, tendo como base a seguinte questão: “Como se reflete a condição humana na imagem que o homem grego arcaico faz de si mesmo?” E respondendo a essa questão, observamos a demonstração de Nietzche, que celebrizou seu pensamento na questão da oposição entre os lados apolíneo e o dionisíaco, que são encontrados como dimensões da alma grega, donde se demonstra as experiências humanas fundamentais e a relação do homem com os deuses. Ou seja, o lado apolíneo sempre está para construir, para vivificar, para organizar, para embelezar. Já o lado dionisíaco sempre está para destruir, para mortificar, para desorganizar, para obscurecer. Esses fatos acontecem como num círculo vicioso. Nunca param. Ou melhor, estão em constante convergência; por isso estes lados não podem nem destruir-se a si mesmos, ou converter-se ao outro. Mas sim, viver unidos para todo o sempre, pois não existe o bem sem o mal; não existe a luz sem as trevas. Um só pode existir com a presença do outro. 
Baseados em Lima Vaz também demonstramos dentro da linha Antropológica, a excelência do ser humano, ou melhor, a areté. O homem grego sempre esteve envolto de uma profunda areté, e por isso tinha a excelência para a guerra, para a justiça e para o governo (neste caso o rei filósofo) e também para a sabedoria. Interessante observar que, a cultura arcaica grega dizia que, algumas pessoas também não possuíam essa areté, e por essa circunstância, tinham de ser submetidas a uma vida de escravidão e submissão. O homem comum não tinha areté e, se um escravo descende por acaso de uma família de alta estirpe, Zeus tirava-lhe metade de sua excelência, e ele deixava de ser quem ele era antes. A areté era um atributo próprio da nobreza. Os helenos sempre consideraram a destreza e a força incomuns como base indiscutível de qualquer posição dominante. Senhorio e areté estavam, indiscutivelmente, unidos.
Por fim, mas não obstante, concluímos nosso trabalho trazendo como exemplo eficaz a tragédia de Antígone, que nos mostra verdadeiramente a questão da moral e dos valores pessoais do homem grego, em relação às circunstâncias que deve enfrentar em sua vida. Sabemos que, a tragédia não é, propriamente da era arcaica, mas sim da era clássica.Todavia, a concepção do homem na cultura arcaica grega se explica dentro da tragédia, mesmo sendo posterior, pois, a tragédia vem remontar e explicar todo o sentido da excelência do homem, de sua destreza, e de seus valores, de sua moral no período antecessor, que é o arcaico.
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