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Formação da burocracia brasileira Danilo Fuster E-mail: danilo.fuster@tcm.sp.gov.br Num país como o Brasil do século XIX, ser funcionário público era estar perto dos “donos do poder”. (Antonio Candido) Brasil Colônia Do ponto de vista administrativo, é possível distinguir dias grandes formas de comando no período colonial. 1. A figura principal era o governador-geral, instituído como mecanismo contra o fracasso da administração privada das capitanias hereditárias. 2. Estrutura local de governança, marcada pelo poderio patrimonialista presente tanto nas câmaras municipais como nas capitanias hereditárias. Reformas pombalinas A partir de meados do século XVIII, iniciou-se um processo de revitalização da economia portuguesa, no bojo das políticas mercantilistas instauradas durante o governo de d. José I (1750-1777), por meio de seu ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro marquês de Pombal. Exemplo: • Juntas da Real Fazenda • Mesas de Inspeção Chegada da Coroa Portuguesa Em 1808, Dom João VI, ainda príncipe regente, acompanhado da família real e de uma corte com cerca de dez mil pessoas, desembarca no Brasil, trazendo para o Rio de Janeiro a sede do governo real. O Estado brasileiro nasce “a imagem e semelhança do Estado português, em sua arquitetura política e administrativa” (Malerba, 2009) Independência do Brasil Em 7 de setembro de 1822, Dom Pedro I declarou independência do país. Império A burocracia servia para a distribuição de empregos públicos para garantir o apoio político e social. Tratava-se do fenômeno da patronagem. A burocracia foi essencial para construir a nação brasileira, evitando o fracionamento que marcou o restante da América Latina e mitigando o localismo oligárquico presente no país. Império Vale ressaltar que naquele momento as administrações públicas pelo mundo afora ainda eram igualmente marcadas por fortes traços patrimonialistas. As primeiras reformas de sentido burocrático-weberiano começaram na segunda metade ou no final do século XIX. Proclamação da República Na capital brasileira (cidade do Rio de Janeiro) em 15 de novembro de 1889, o Marechal Deodoro da Fonseca liderou um golpe militar que derrubou a Monarquia e instaurou a República Federativa e Presidencialista no Brasil. República O sistema estadualista e oligárquico que prevaleceu na República Velha, ademais, tornou ainda mais importante o modelo de patronagem no plano subnacional, pela via da política do coronelismo, uma vez que era necessário arrebanhar mais eleitores para legitimar o processo político – embora as eleições fossem marcadas pelas fraudes. Interessante notar que os governos estaduais, em comparação às províncias do Império, ganharam muito mais autonomia político- administrativa. Exceções: Forças Armadas e Itamaraty. Era Vargas • Governo Provisório -1930-1934 • Governo Constitucional – 1934-1937 • Estado Novo – 1937-1945 • República Populista – 1951-1954 Era Vargas O modelo de administração pública criado por Vargas inaugura uma nova era por três razões. 1. Objetivo de expandir o papel do Estado, que aumentará sua intervenção nos domínios econômico e social em nome de um projeto de modernização nacional-desenvolvimentista. 2. Na proposta de administração pública de Vargas valiam mais a instituição e os objetivos do Estado, do que os burocratas e seus laços sociais. 3. Criação de uma burocracia, meritocrática, profissional e universalista. Era Vargas O Departamento Administrativo do Serviço Público – DASP Órgão previsto pela Constituição de 1937 e criado em 30 de julho de 1938, diretamente subordinado à Presidência da República, com o objetivo de aprofundar a reforma administrativa destinada a organizar e a racionalizar o serviço público no país Era Vargas - DASP O DASP seria o órgão central do sistema de controle da administração pública brasileira e a peça chave para a constituição de uma burocracia profissional institucionalizada, aos moldes weberianos. • Recursos Humanos: Na Constituição de 1934, foi a primeira vez na história constitucional, o concurso público foi proposto como regra geral de acesso aos cargos públicos. • Orçamento Público: Decreto-Lei n° 2.026 que criou a Comissão de Orçamento do Ministério da Fazenda. • Compras: Ocorreu em 1931 foi criada a Comissão Permanente de Compras. Era Vargas - DASP A reforma administrativa conduzida pelo DASP também foi responsável pela criação de unidades administrativas descentralizadas da burocracia federal, as chamadas autarquias. Até 1939, haviam sido criadas 35 agências estatais; entre 1940 e 1945 surgiram 21 agências englobando empresas públicas, sociedade de economia mista, autarquias e fundações. Essa expansão estava inserida dentro do projeto nacional-desenvolvimentista de Vargas, uma vez que os novos órgãos criados tinham a função, principalmente, de controlar e intervir nas atividades econômicas. Era Vargas - DASP Para entender a reforma do DASP, é preciso ressaltar sua dupla face. • Por um lado, ela buscava modernizar a gestão pública, conforme os princípios burocráticos weberianos prevalecentes na época no plano internacional. • Por outro lado, sua matriz política era bastante problemática: tratava-se de um modelo autoritário e centralizador, cuja proposta modernizadora não alterou profundamente o status quo. Era Vargas - DASP O resultado do modelo daspiano, desse modo, foi a consagração da modernização administrativa por um tipo de administração paralela. • Uma parte da administração pública brasileira era regida pelos princípios da meritocracia e profissionalismo, insulada das influencias externas. • Outra parte fora mantida sob a égide do patrimonialismo, sendo cooptada pelos diferentes grupos de interesse e atores que sustentariam politicamente Getúlio Vargas. Juscelino Kubitschek JK adotou uma estratégica dual: • Tentou realizar uma reforma ampla do serviço público. • Ao mesmo tempo criou instituições paralelas e insuladas para desenvolver as atividades do Plano de Metas. “como parte de sua política de evitar conflitos, Kubitschek raramente tentara abolir ou alterar radicalmente as instituições administrativas existentes. Preferiu uma atitude mais prática, como a de criar um novo órgão para solucionar um novo problema” Regime Militar Regime Militar O principal instrumento de legitimação simbólica, além do patriotismo difuso e do discurso anticomunista, advinha de uma ideologia antipolítica e tecnoburocrática, a partir da qual o regime se definia como um instrumento “modernizador” do país. A grande marca do período, do ponto de vista administrativo, foi a continuação da expansão do Estado brasileiro, especialmente pela via da administração indireta. Para realizar essa expansão do aparato estatal, instrumento fundamental foi a promulgação do Decreto-Lei n° 200/1967, considerado a segunda grande reforma administrativa do século XX. Regime Militar Principais características dessa reforma: • A desconcentração administrativa, dando maior raio decisório e flexibilidade gerencial à administração indireta. O objetivo era tornar o estado mais ágil para expandir suas ações, particularmente no campo econômico. • Novas áreas foram contempladas, incluindo o social, principalmente quando estava vinculada mais diretamente ao desenvolvimento econômico. Nesse caso, pode ser citado o tema do desenvolvimento urbano, por meio da atuação do Banco Nacional de Habitação (BNH) Regime Militar • Era a previsão de formas de coordenação e controle das unidades descentralizadas, fortalecendo os órgãos de planejamento e criando ou remodelando as agências responsáveis pelo orçamento, auditorias, compras e informação estatísticas. • O Decreto-Lei 200/67 continha um paradoxo: ao mesmo tempo que propugnava maior descentralização administrativa, estimulava a reprodução nos estados e municípios da estrutura institucional vigente no âmbito federal. A elite tecnoburocrática de Brasíliao justificava com o argumento de que o regime precisava “modernizar” o pais de “cima para baixo”. Regime Militar O modelo reformista do regime militar continha quatro problemas: 1. Seu caráter autoritário, que pode ser resumida pela ideia da superioridade da técnica sobre a política. 2. Fragmentação da administração pública causada pelo Decreto-Lei 200, que fracassou em seu objetivo de criar mecanismos de coordenação. 3. Fortalecer a administração indireta e, concomitantemente, não conseguir dar o mesmo valor à administração direta. 4. Não incentivou os governos locais a aprimorar a seleção e desenvolvimento da burocracia, mantendo a porta aberta à patronagem. Regime Militar – Programa Nacional de Desburocratização O Programa Nacional de Desburocratização foi idealizado pelo ministro Hélio Beltrão em 1979. O projeto procurava facilitar o acesso dos cidadãos aos serviços do Estado, atuando particularmente contra a “papelada” que dificulta o exercício da cidadania pela população. O Programa Nacional de Desburocratização preparou o terreno para as novas ideias que apareceram na Constituinte e na Reforma do Bresser Pereira. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=UgEcgr_Q8CI Regime Militar O fato de o regime autoritário ter sido pródigo em potencializar problemas históricos da administração pública brasileira, como o descontrole financeiro, a falta de responsabilização dos governantes e burocratas perante a sociedade, a politização indevida da burocracia nos estados e municípios, além da fragmentação excessiva das empresas públicas, com a perda de foco de atuação governamental. Redemocratização Redemocratização O processo recente de reforma do Estado no Brasil começou com o fim do período militar. Naquele momento, combinava-se dois fenômenos: a crise do regime autoritário e, sobretudo, a derrocada do modelo nacional- desenvolvimentista. Diferente das outras grandes reformas do século XX, o reformismo teria agora de ser realizado sob a égide democrática. Redemocratização – Nova república Para além da questão financeira, o reformismo administrativo da Nova República não foi muito longe. Jose Sarney, carecia de legitimidade política. Por isso, qualquer alteração mais substancial do aparelho de Estado enfrentaria enormes obstáculos. Em relação aos servidores públicos, essa situação de piora das condições do funcionamento e de fragilidade do governo favoreceu a expansão de uma perspectiva mais corporativista, que permanecerá importante nos próximos anos, afetando os processos reformistas. Constituição Federal de 1988 Constituição Federal de 1988 Os avanços na nova ordem constitucional 1. Redemocratização 2. Descentralização 3. Profissionalização meritocrática do serviço público A interpretação à época da Constituinte era que tais medidas consolidavam o modelo burocrático weberiano no país, sempre incompleto desde a reforma do DASP. Collor Pouco a pouco, a opinião pública percebeu que a Constituição de 1988 não tinha resolvido uma série de problemas da administração pública brasileira. Essa percepção infelizmente foi transformada, com a era Collor, em dois raciocínios falsos e que contaminaram o debate público: a ideia do Estado mínimo e o conceito de marajás. Com o funcionário público transformado no bode expiatório dos problemas nacionais, disseminou-se uma sensação de desconfiança por toda a máquina federal, algo que produziu uma lógica do “salve-se quem puder”. FHC A gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso foi bastante ativa. Entre os seus pilares, estava a criação do Ministério da Administração e Reforma do Estado – MARE. O ideal meritocrático contido no chamado weberiano não foi abandonado pelo MARE; ao contrário, foi aperfeiçoado. O campo das críticas à Constituição de 1988 fica claro nas Emendas n° 19 e 20. Aparelho do Estado REDESENHO DO APARELHO DO ESTADO ATIVIDADES EXCLUSIVAS DO ESTADO ATIVIDADES NÃO- EXCLUSIVAS PRESSUPÕEM O EXERCÍCIO DE PODER DO ESTADO DE REGULAMENTAR, FISCALIZAR E FOMENTAR Arrecadação Tributária Segurança Pública Controle Ambiental, etc SÃO DE INTERESSE PÚBLICO, MAS PODEM SER DELEGADAS OU PRODUZIDAS POR TERCEIROS COM O APOIO E SUPERVISÃO DO ESTADO Educação Saúde Meio Ambiente Agências Executivas Organizações Sociais Agências Reguladoras Mandato de Diretores e Independência do Governo Contrato de Gestão Serviços Públicos FHC PROBLEMAS: • O termo reforma do Estado, no fundo, foi ideologizado na disputa política e na produção acadêmica, em boa medida como resultado deste legado inicial da década de 1990. • Subordinação da reforma administrativa para a área econômica. • Os parlamentares temiam a implantação de um modelo administrativo mais transparente e voltado ao desempenho, pois isso diminuiria a capacidade de a classe política influenciar os órgãos públicos. No começo dos anos 2000, com a eleição do presidente Luís Inácio Lula da Silva, o funcionalismo público almejava uma mudança na condução das políticas de recursos humanos na máquina pública, até pelo histórico sindicalista do presidente. A “a temática da profissionalização da burocracia continuou na agenda governamental, sobretudo em função de uma forte pressão dos sindicatos de servidores por reposição do quadro funcional e melhorias salariais”. Anos 2000 Os primeiros impactos no funcionalismo com o novo governo foi através da Lei n° 10.910, de 15 de julho de 2004, com uma ampla reestruturação do sistema remuneratório das carreiras “típicas de Estado”. Contudo, a política remuneratória no governo Lula repetia o modelo utilizado pelo governo Fernando Henrique Cardoso, que consistia no acréscimo ou criação de gratificação ou vantagens em detrimento do reajustamento dos vencimentos básicos. Isso foi criando uma distorção chamando “atenção a baixa participação do vencimento básico no total da remuneração”. Governo Lula Nos últimos anos, com o governo Dilma Rousseff e Michel Temer, as políticas de recursos humanos pouco avançaram. A agenda de controle orçamentário impactou diretamente a abertura de novos concursos públicos para a reposição da força de trabalho e, também, “as negociações salariais no governo Dilma Rousseff foram mais duras para a representação dos servidores públicos, os quais encontraram maior resistência do governo” (GOMES e SÓRIA, 2014). Governos Dilma Rousseff e Michel Temer ❖ ABRUCIO, F. L.; PEDROTI, P.; PÓ, M. V. A formação da burocracia brasileira: a trajetória e o significado das reformas administrativas. In: Loureiro, M. R.; AbrUcio, F. L.; PACHECO, R. S. (Org.). Burocracia e política no Brasil: desafios para o Estado democrático no século XXI. Rio de Janeiro: FGV, 2010. p. 27-72. ARAÚJO, Florivaldo Dutra de. Os regimes jurídicos dos servidores públicos no Brasil e suas vicissitudes históricas. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, v. 1, n. 50, p.143-169, 01 jan. 2007. BRESSER-PEREIRA, L. C. Da administração pública burocrática à gerencial. Revista do Serviço Público, v. 120, n. 1, 1996. CAVALCANTE, P.; CARVALHO, P. Democracia, Desenvolvimento e Profissionalização da Burocracia na Administração Federal Brasileira: Reformas ou Mudanças Incrementais?. In: CONGRESO INTERNACIONAL DEL CLAD, XIX, Quito, Equador. Anais... Quito, 2014 GOMES, Darcilene Cláudio; SILVA, Leonardo Barbosa e; SORIA, Sidartha. Condições e relações de trabalho no serviço público: o caso do governo Lula. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 20, n. 42, p. 167-181, junho 2012. GUERZONI FILHO, G. Tentativas e perspectiva de formação de uma burocracia pública no Brasil. Revista do Serviço Público, v. 47, n. 1, p. 41 - 66, 22 jan. 2015. Principais referências Obrigado