Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
30 QUADRO 01 ― PRINCIPAIS DESENvOLvIMENTOS NOS PRIMEIROS PERíODOS DO CICLO DE vIDA Faixa etária Principais desenvolvimentos ■ Obtenção gradual do controle consciente das ações motoras; ■ Exploração ativa e intencional do ambiente; ■ Percepção imediata e focalizada do ambiente; ■ Interesse em estimulações sensoriais; ■ Tendência egocêntrica; ■ Ao final do estágio, o bebê começa a mostrar sinais de pensamento re- presentativo. Estágio Sensório-motor (0 a 2 anos) Estágio Pré-operacional (2 a 6 anos) ■ Desenvolvimento das representa- ções mentais; ■ Estabelecimento de uma comuni- cação verbal; ■ Tendência egocêntrica; ■ Início do desenvolvimento concei- tual (ainda primário). 31 ■ Capacidade de manipular repre- sentações mentalmente; ■ A manipulação mental está limita- da a objetos “concretos” e não a con- ceitos abstratos; ■ Conservação de quantidade e re- versibilidade do pensamento; ■ Pensamento descentralizado; ■ Início da teoria da mente. Estágio Operatório concreto (6 a 11-12 anos) Estágio Operatório Formal (acima de 11-12 anos) ■ Capacidade de realizar operações mentais sobre abstrações e símbolos que podem não ter formas concretas ou físicas; ■ Plena capacidade referente à teoria da mente. Resumo dos estágios de desenvolvimento de Jean Piaget. Fonte: Flavell, et alii,1999. O paradigma piagetiano direciona suas investiga- ções para o desenvolvimento qualitativo das estruturas intelectuais das crianças e dos adolescentes. Seu estu- do seguia uma referência ontogenética, que favorecia a compreensão do comportamento humano a partir de uma perspectiva evolutiva (FLAVELL, 1988). Sua principal contribuição está na descrição do desenvol- vimento e das mudanças evolutivas decorrentes como 32 um contínuo processo de acomodação e assimilação das informações ambientais. O sistema cognitivo ideali- zado por Piaget é extremamente ativo, pois seleciona e interpreta ativamente a informação ambiental à medida que constrói seu próprio conhecimento (FLAVELL et alii, 1999). Explicar como ocorre a aprendizagem é uma preocupação da Teoria Epistemológica Genética. Assim, neste enfoque, a educação deve estar com- promissada com o conhecimento e não somente com a aprendizagem. Educar para compreendê-lo é educar para o vir-a-ser, é educar para o conhecimento, e co- nhecimento implica construção da própria inteligência. Nessa construção, se as crianças cometem erros é porque, geralmente, estão usando sua inteligência a seu modo. Considerando que o erro é um reflexo do pensamento da criança, a tarefa do professor não é a de corrigir, mas descobrir como foi que a criança fez o erro (KAMII, 1992, p. 64). Seguindo esse rumo, a função do professor é fazer as intervenções necessárias para que o aluno venha a ultrapassar o estágio em que se encontra para alcançar um novo estágio com acréscimo em sua aprendizagem. A mediação está sob responsabilidade do professor em atuar na “zona de desenvolvimento proximal” em que se encontra o aluno, fazendo da avaliação um processo de ressignificação da sua aprendizagem e re-elaboração do plano de trabalho do professor. 33 O erro é lembrado por La Taille, (1997, p. 36), quando afirma que “um erro pode ser mais profícuo que um êxito precoce (...). Vale dizer que um erro pode levar o sujeito a modificar seus esquemas, enriquecen- do-os. Em uma palavra, o erro pode ser fonte de toma- da de consciência e, como tal, pode tornar-se valioso aliado da pedagogia”. O erro construtivo tem por característica a pers- pectiva lógico-matemática, ou seja, existe uma lógica nas hipóteses dos alunos frente à resolução de um novo problema qualquer (que não precisa ser necessaria- mente de matemática) que difere da lógica dos adultos. Mesmo que esta ideia, sob o ponto de vista do adulto, seja errada, este é um erro construtivo. É a hipótese do momento (atual) a respeito de um determinado saber. Pode-se dizer que são construtivas porque estas hipóteses, que foram construídas a priori, vão sendo progressivamente reconstruídas pelo sujeito através de comparações que são estabelecidas entre semelhanças e diferenças com outras situações ou através de um ques- tionamento por parte do professor, que possa levar o aluno a se desestabilizar, a desacomodar-se em relação ao que achava que era certo. A fim de ajudar nesse pro- cesso, a troca de pontos de vista, tanto em grupo como pelos pares, onde cada um tem suas ideias e seus argu- mentos para defender aquilo que acha que está certo, também é uma estratégia importante a considerar na 34 solução de determinado problema. Assumir tal compromisso exige do professor ser o mediador dos conceitos, propondo atividades diferen- ciadas que valorizem a construção do conhecimento e a apropriação desses conceitos matemáticos para que mais tarde eles possam ser utilizados quando os alunos forem aprender os conteúdos mais complexos de Matemática. Borba (2006) ressalta que o professor tem papel de fundamental importância nesse processo, que extrapo- lando o espaço de mediador, ele vem contar com pro- cessos afetivos por parte da criança para com ele e com o conteúdo. Nesse contexto, o autor é claro e enfatiza a relevância de o professor ter: habilidades de propor, planejar, organizar, orquestrar e realizar o ensino de Matemática, além da habilidade de criar um amplo es- pectro de situações de ensino/aprendizagem; descobrir, avaliar, selecionar e criar materiais pedagógicos; inspirar e estimular os alunos; discutir os currículos e justificar as atividades de ensino/aprendizagem com os estudantes (BORBA, 2006, p. 39). Tais habilidades, acompanhadas de compromisso profissional e com o intuito de formar cidadãos críticos e uma educação mais democrática fará com que a Educação Matemática tenha uma melhoria significativa que possa aumentar o êxito escolar. 35 1.1. O ESTUDO DA NATUREZA DO CONHECIMENTO LÓGICO-MATEMÁTICO E DO SEU PROCESSO DE CONSTRUÇÃO PELA CRIANÇA Piaget era um psicólogo do desenvolvimento, pre- ocupado em descobrir as mudanças ontogenéticas4 no funcionamento cognitivo, desde o nascimento até ado- lescência. Para o estudioso, o conhecimento é gerado através de uma interação do sujeito com seu meio, a partir de estruturas de pensamento e, consequentemen- te, sempre se dá após a consolidação do esquema que a suporta, da mesma forma a passagem de um estágio a outro está dependente da consolidação e superação do anterior. Como corolário, o desenvolvimento ocorre de forma que as aquisições de um período sejam necessaria- mente integradas nos períodos posteriores. Assim sendo, a aquisição do conhecimento depende tanto das estrutu- ras cognitivas do sujeito como de sua relação com os ob- jetos. Considerando que Piaget teve sua formação inicial em Biologia, alguns alicerces desta disciplina influencia- ram, decisivamente, sua teoria e descobertas sobre o de- senvolvimento da inteligência infantil. Pelo motivo de ter tido a oprtunidade de investigar a fundo os conceitos e os fundamentos desta ciência, evoluiu na área e, em con- 4 Ontogenética: refere-se às mudanças do desenvolvimento que ocorrem no indivíduo. 36 sequência, em sua teoria privilegiou a maturação biológi- ca (maturação do sistema nervoso central e fisiológica). Piaget defende a ideia de que as estruturas ope- ratórias da inteligência, que estão em formação, mani- festam a presença de três grandes tipos de organiza- ção, que correspondem ao que serão denominadas em Matemática como: estruturas algébricas, de ordem e as topológicas: Em sua origem, o desenvolvimento das operações aritmé- ticas e geométricas espontâneas da criança e, sobretudo, as operações lógicas que constituem suas necessárias condi- ções prévias se encontram em todas as etapas; primeiro, uma tendência fundamental de organização de totalidades ou sistemas, fora dos quais os elementos carecem de signifi- cado e de existência e, em seguida, uma distribuição desses sistemas de conjunto segundotrês espécies de proprieda- des que correspondem precisamente às das estruturas algé- bricas, de ordem e topológicas (PIAGET, 1968, p.7). Assim, as estruturas algébricas, de ordem e as to- pológicas constituem-se a base da educação matemáti- ca, que precisa estar compromissada com o desenvol- vimento parcialmente espontâneo e progressivo destas estruturas do pensamento infantil. Neste paradigma de educação matemática o professor ocupa papel relevan- 37 te, à medida que deve liderar este processo de desen- volvimento no dia a dia escolar, o que passa a ser de- safiante. Piaget deixou clara qual seria a diretriz maior deste compromisso: O educador, para ser fiel ao espírito das matemáticas con- temporâneas, deve considerar o pensamento matemático como um prolongamento das construções espontâneas da inteligência e recorrer, assim, aos ensinamentos da Psi- cologia tanto como da Lógica (...) O objeto do ensino da Matemática será alcançar o rigor lógico e a compreensão de um formalismo suficiente. Somente a Psicologia está em condições de proporcionar aos pedagogos dados sobre o modo de conseguir, com maior segurança, este rigor e este formalismo. Nada prova que colocando o formalismo a princípio o encontramos ao final. Porém, os estragos de um pseudoformalismo por ser demasiado precoce, mostram os perigos de um método que ignora as leis do desenvolvi- mento mental (PIAGET et alii, 1968, p. 27). Numa concepção piagetiana, a educação matemá- tica deve estabelecer como prioridade a construção de dos conceitos matemáticos, mediante ação da criança, ação esta planejada e intencional, que utiliza a experi- mentação ativa, seja a experimentação física como a ló- gico-matemática, como suporte para o desenvolvimento 38 das estruturas do pensamento infantil. Posteriormente, terá lugar a formalização destes conceitos matemáticos através da linguagem dos sinais operatórios. Piaget lembra que as estruturas lógicas não devem ser interpretadas como formas a priori, uma vez que a apren- dizagem e a experiência são necessárias a sua elaboração. Trata-se, é verdade, de um tipo especial, que não comporta, como e experiência física, uma abstração a partir das ações se exercendo sobre esses objetos e sim de coordenações que ligam essas ações (experiência lógico-matemática). A aprendizagem das estruturas lógicas é, pois, ela mesma, um tipo especial, pois consiste simplesmente em exercer ou diferenciar estruturas lógicas ou pré-lógicas anteriormente adquiridas (PIAGET, 1973, p.99). Com propriedade ímpar, Rangel conceitua experi- ência física como: “... corresponde à concepção clássica do que seja expe- riência; consiste em agir sobre os objetos propriamente ditos. Nela, o sujeito age sobre o objeto e, pela abstração das suas ações se exercendo sobre os objetos, descobre as propriedades físicas deste objeto, bem como as proprie- dades observáveis das ações realizadas materialmente” (RANGEL, 1992, p.22). 39 Na experiência física, a criança constrói o conhe- cimento físico, como por exemplo: ao entregarmos à criança um exemplar de bloco lógico (quadrado verme- lho, grande e grosso), o qual nunca o observou e o ma- nipulou, irá agir sobre o objeto e descobrir que é con- sistente, não quebra, não rasga como o papel, é feito de madeira, é leve e pintado com tinta colorida, serve para brincar etc. A experiência física permite que a criança descubra as características do objeto, suas propriedades, conceber o que é bloco lógico pela abstração das ações exercidas sobre ele. Em decorrência desta ação direta sobre o bloco lógico, a criança tenta transformá-lo na busca pelo seu entendimento e, pela resposta que este objeto retribui à sua ação, descobre quais as proprie- dades físicas que ele abarca: é um quadrado vermelho, grande e grosso; é consistente, não quebra e não rasga como o papel; serve para brincar, é feito de madeira, é leve e pintado com tinta colorida. Para a criança observar e descobrir as proprie- dades dos objetos, mediante a experiência física, há a necessidade de existir uma organização estruturada no nível da inteligência infantil, sem a qual não seria pos- sível o entendimento destas propriedades ou caracte- rísticas. Assim, é necessário que ocorra a assimilação deste objeto às estruturas mentais da criança, até então já construídas pela criança. Dessa forma, destaca-se que 40 é notória a inter-relação entre experiência física e expe- riência lógico-matemática. No exemplo citado do bloco lógico, poderia a crian- ça estabelecer relações entre o bloco lógico e os outros objetos que conhece e já pesquisou e, ao coordenar men- talmente essas relações, e assim, classificar os objetos que são de madeira e os que são de plástico, os grandes dos pequenos, os grossos dos finos, os vermelhos dos amare- los, e assim por diante. Não teria somente blocos lógicos, mas objetos diversificados (peças de quebra-cabeça, pe- ças de construção e peças de outras figuras geométricas). Entre todos os quadrados que têm em mãos, poderia or- dená-los dos maiores de todos, até chegar à sequência do menor de todos, graduando tais diferenças numa ordem lógica. Entre as peças dos blocos lógicos, poderia enu- merar quantos objetos são vermelhos, quantos são azuis, quantos são amarelos, quantos são quadrados, quantos são triângulos, e assim, sucessivamente. Neste exemplo, a criança está relacionando de- terminada peça dos blocos lógicos com outras peças e outros objetos, em função das ações exercidas sobre eles e coordenando tais relações no seu pensamento. Neste caso, não está mais pensando somente no qua- drado vermelho, grande e grosso, seu pensamento está indo além. Para que a experiência atinja o nível de desejabili- dade para o desenvolvimento das estruturas mentais in- 41 fantis, há necessidade de problematizar a situação, onde a criança será levada a refletir sobre estas ações. Este encorajamento deve partir dos estímulos desafiadores dos pais, dos professores e dos pares (os próprios cole- gas ou irmãos). Num primeiro momento, a criança, ao se envolver na experiência lógico-matemática, necessita agir sobre material concreto, da forma como Chiarottino (1984, p. 38) orienta: “as ações lógico-matemáticas do sujeito podem, num momento dado, dispensar aplicação dos objetos físicos, interiorizando-se em operações simbo- licamente manipuláveis”. Conclui-se que somente com os progressos da in- teligência, a criança poderá dispensar a aplicação sobre os objetos. Kamii e Joseph (1995, p. 57) afirmam que o co- nhecimento lógico-matemático tem suas fontes dentro de cada criança e é elaborado a partir de sua própria ação mental. No domínio lógico-matemático, as pesso- as não são fontes de conhecimento para a criança sim- plesmente interiorizar. Contudo, as ideias dos outros são importantes porque elas promovem situações que levam a criança a pensar criticamente sobre suas pró- prias ideias em relação a dos outros. Por ex.: Se no meio de uma atividade, a criança afirma que 5+3=7 e a outra diz que 5+3=8, essa polêmica levará, com certeza, am- bas a pensar criticamente sobre suas próprias ideias, a 42 partir da troca de pontos de vista. O conhecimento lógico-matemático não se adqui- re por interiorização daquilo que é de outrem, mas pela mão única do pensamento autônomo de cada criança. Quando as crianças se convencem de que a ideia do ou- tro é mais sensata, que a sua própria, elas mudam a sua forma de pensar, corrigindo-se de dentro para fora. Pia- get (1980) atribuiu importância relevante para a socioin- teração. Elucidou que essas trocas eram indispensáveis, tanto no sentido de a criança elaborar o seu pensamento lógico, como para a construção adulta das ciências. Apesar de Piaget não ter se dedicado experimental- mente e incorporado tal experimentação em sua teoria sobre a importância da interação social, estudos de Doi- se e Mugny (1984) – pesquisadores da Universidadede Genebra – demonstram que mesmo uma discussão de somente dez minutos entre duas pessoas que têm ambas ideias errôneas num mesmo nível, pode resultar na cons- trução de um nível mais elevado de pensamento. Outra pesquisa liderada por Perret-Clermont (1980), que experimentou grupos de três crianças por vez e comprovou que o choque de opiniões e os esforços para resolver um desacordo durante dez minutos, esti- mulavam a criança pré-operatória a fazer novas relações e raciocinar a um nível mais alto do que as crianças do grupo de controle (as quais não tiveram a oportunidade). Rangel conceitua experiência lógico-matemática 43 como: “...refere-se não somente às abstrações das ações exercidas sobre os objetos, mas às abstrações das coorde- nações que ligam essas ações; ela se relaciona com as pro- priedades das ações e não apenas dos objetos” (RAN- GEL, 1992, p.23). Piaget (1973) ressalta a importância das ações e das experiências lógico-matemáticas concretas para o desen- volvimento cognitivo de crianças e adolescentes O papel inicial das ações e das experiências lógico- mate- máticas concretas é precisamente de preparação necessá- ria para chegar-se ao desenvolvimento de espírito deduti- vo, e isto por duas razões. A primeira é que as operações mentais ou intelectuais que intervém nestas deduções posteriores derivam justamente das ações: ações interio- rizadas, e quando esta interiorização, junto com as co- ordenações que supõem, são suficientes, as experiências lógico-matemáticas enquanto ações materiais resultam já inúteis e a dedução interior se bastará a si mesmo. A segunda razão é que a coordenação de ações e as experi- ências lógico-matemáticas dão lugar, ao interiorizar-se, a um tipo particular de abstração que corresponde precisa- mente à abstração lógica e matemática. Necessário se faz lembrar que Piaget (1950, 1967/71) denomina dois tipos de abstração: simples ou 44 empírica e reflexiva ou construtiva. A abstração simples é característica da experiên- cia física e a abstração reflexiva, própria da experiência lógico-matemática. A abstração simples ou empírica implica a criança focalizar apenas uma única propriedade do objeto, en- quanto ignora as demais. Por exemplo, abstraindo a cor (vermelha) de um objeto, simplesmente desconsidera as outras propriedades, como: peso, tamanho, espessura etc. Em contrapartida, na abstração reflexiva ou cons- trutiva, está envolvida a construção de relações entre os objetos, feita pela criança. É bom lembrar que tais rela- ções não existem na realidade externa. Assim, a simila- ridade ou a diferença entre dois objetos existe somen- te na mente de quem criou essas relações. A abstração reflexiva é uma construção feita pela mente, ao invés de representar apenas o enfoque sobre algo já existente nos objetos. Apesar de fazer a distinção teórica entre abstração empírica e construtiva, Piaget (1967/71) adverte que, na realidade psicológica da criança, nenhum dos dois tipos de abstração pode ocorrer sem o outro. Por exemplo, a criança não poderia construir a relação “diferente” se todos os objetos da realidade externa fossem idên- ticos. Reciprocamente, a criança não poderia construir conhecimentos físicos sem um sistema de referência ló- gico-matemático, que lhe possibilitasse relacionar novas 45 observações com um conhecimento já existente. Para saber que um cachorro é branco, por exemplo, a criança necessita de um esquema de classificação pelo qual pos- sa distinguir a cor “branca” de “todas as outras cores”. Necessita também de um esquema de classificação pelo qual possa distinguir “cachorro” de “todas as outras es- pécies” de animais. Um referencial lógico-matemático torna-se necessário para a abstração empírica porque a criança não poderia “ler” fatos da realidade externa se cada fato permanecesse como um fragmento isolado de conhecimento, sem relações com o conhecimento já construído de forma organizada. Piaget conclui afirmando que: A aprendizagem só é eficaz na medida em que procede a uma estruturação, e que esta estruturação não poderia ser produzida pela simples acumulação passiva de cons- tatações empíricas. Ela se faz a partir de intuições con- cretas, que têm por efeito coordenar, tornando-as mais móveis, e o sucesso de algumas aprendizagens, em vez de mostrar que a lógica pode ter uma origem empíri- ca, marca somente a filiação genética contínua entre as constatações intuitivas e as estruturas operatórias. Evi- dentemente, filiação não significa identidade de nature- za, mas construção progressiva, uma construção onde parece que a atividade do sujeito desempenha papel pri- mordial (PIAGET, 1974, p. 235 e 236). 46 Caminhando na mesma direção, infere-se que para ocorrer a aprendizagem, a criança precisa lançar mão das suas estruturas mentais. Lembra-se que a aprendi- zagem e a experiência são necessárias à elaboração das estruturas lógicas. A construção progressiva que leva à aprendizagem exige, em outras palavras, as experiências físicas e lógico-matemáticas (as abstrações necessárias e as coordenações que ligam as ações sobre os objetos). Na experiência física, a criança constrói o conhe- cimento físico e na experiência lógico-matemática, a criança constrói o conhecimento lógico-matemático. Piaget distingue três tipos de conhecimento, consi- derando suas fontes básicas e seu modo de estruturação: CONHECIMENTO FíSICO - a fonte deste conhecimen- to é parcialmente5 externa ao indivíduo, está no objeto. É o conhecimento das características ou propriedades físicas dos objetos da realidade externa. A criança só adquire este conhecimento através da sua ação sobre os objetos: explorando, manipulando, observando, amas- sando, jogando etc. Essas propriedades físicas estão nos objetos do meio externo e podem ser percebidas empi- ricamente por meio da observação. (ex.: atributos: cor, forma, textura, peso, flexibilidade, tamanho...); 5 Parcialmente, porque está incluso neste processo de construção dos co- nhecimentos a abstração empírica e reflexiva (implica também no envol- vimento das estruturas mentais para a construção dos conhecimentos). 47 CONHECIMENTO LÓGICO-MATEMÁTICO - a fonte está no próprio pensamento do indivíduo; é uma fonte in- terna. Implica na relação entre os objetos. Relações pre- cisam ser criadas por cada pessoa porque ideias como “diferente”, “maior” ou “dois” não existem no meio externo, não é observável. Para que a criança possa construir este conhecimento, é necessário estabelecer relação entre vários objetos. Este conhecimento não é empírico. A construção do conceito de número faz par- te do conhecimento lógico-matemático (ex.: número, classificação, seriação...); CONHECIMENTO SOCIAL (CONvENCIONAL) - a fonte deste conhecimento é parcialmente externa ao indiví- duo; está centrado nas normas sociais, nas convenções desenvolvidas pelas pessoas (ex.: despedir-se quando parte; agradecer, após receber um favor...). A principal característica do conhecimento social é sua natureza geralmente arbitrária. A criança adquire este conheci- mento através da transmissão social; são valores, nor- mas sociais, regras, nomes das pessoas e objetos que o indivíduo precisa saber para se integrar ao meio onde vive. Dessa forma, sua convivência com outras pessoas torna-se indispensável. Ex.: Cumprimentar as pessoas quando chega, dizer obrigado quando alguém lhe presta um favor etc. 48 Apesar dos três tipos de conhecimento coexisti- rem na vida de cada pessoa, deter-nos-emos ao lógico- matemático, objeto do nosso estudo. Na Teoria Epistemológica Genética para a crian- ça adquirir o conhecimento físico ela lança mão da abstração simples, característica da experiência física. E para adquirir o conhecimento lógico-matemático, utiliza a abstração reflexiva, característica da experiên- cia lógico-matemática. Para que a construção do pensamento lógico-mate- mático seja consolidada,a criança deve relacionar a abs- tração empírica com a abstração reflexiva distinguindo as partes do todo, deste modo construir o conhecimen- to físico para possibilitar a elaboração do conhecimento matemático. O conhecimento lógico-matemático não é inato, porém é construído por meio do contato social. Este processo começa a ocorrer desde o estágio sensório-motor, acontecendo de forma interligada, sendo que mais tarde vem desvinculando da abstra- ção empírica, haja vista que a criança já organizou seu pensamento podendo vir a refletir de forma abstrata, no momento em que se situa no estágio operacional- -formal. Na medida em que vão sendo consolidados seus conhecimentos, reconstroem outros através dos já acumulados, relacionando um conhecimento a outro os adicionando a todos os tipos de conteúdos. Finalizando, a Teoria Epistemológica Genética é 49 essencialmente uma teoria do desenvolvimento e da aprendizagem, assim, pode-se resumi-la em 3 assertivas: ■ O conhecimento se adquire, gradualmente, pela inte- ração da criança com o seu meio; ■ A sofisticação com que uma criança representa o mundo depende do seu estágio de desenvolvimento, que é função de suas estruturas cognitivas; ■ O aprendizado é função da maturação, meio ambien- te, equilíbrio e socialização. 50 SíNTESE DO CAPíTULO Nesta unidade estudamos os principais fundamen- tos que sustentam a Teoria Epistemológica Genética. Considerou-se que a pessoa humana é um sujeito cultu- ral ativo, cuja ação tem dupla dimensão: assimiladora e acomodadora. Tais dimensões foram abordadas de for- ma detalhada. Os estágios de desenvolvimento, segun- do Jean Piaget, foram apresentados. Estudamos a na- tureza do conhecimento lógico-matemático e como se processa a construção pela criança. Foram abordados os conhecimentos físico, lógico-matemático e social. SUGESTÕES PARA COMPLEMENTAÇÃO DE ESTUDOS ■ Leitura individual do livro: Desenvolvimento cog- nitivo. FLAVELL, J.H.; MILLER, P.; MILLER, S.A. Porto Alegre: Artmed, 1999. ■ Leitura individual do livro: O nascimento da inteli- gência na criança. PIAGET, Jean. 4. Ed. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. ■ Leitura individual do texto intitulado: Aprendiza- gem e desenvolvimento – superando dificuldades. Lia Leme Zaia. P.17 a 36. In: Revista Eletrônica Apren- der – Caderno de Filosofia e Psicologia da Educação. Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Ano V, N. 9, jul/dez. 2007. Site: www.uesb.br/editora/publica- çoes. ■ Assista ao filme: Uma Mente Brilhante. 51 EXERCíCIOS DE FIXAÇÃO 1. Segundo a Teoria Piagetiana a evolução psicogenética é marcada por quatro grandes estágios. Transcreva-os e comente no mínimo duas características de cada estágio. 2. A aquisição do conhecimento lógico-matemático de- pende tanto das estruturas cognitivas do sujeito como de sua relação com os objetos. Comente tal afirmativa. 3. Na Teoria Epistemológica Genética, o desenvolvi- mento cognitivo do indivíduo ocorre através de cons- tantes desequilíbrios e equilibrações, em outras palavras: a inteligência funciona sempre da mesma forma: assimi- lações simultâneas e sucessivas tendendo ao equilíbrio. A pessoa humana é um sujeito cultural ativo, cuja ação tem dupla dimensão: assimiladora e acomodadora. Os processos de assimilação e a acomodação são necessá- rios para o crescimento e o desenvolvimento cognitivo. Comente como funcionam tais processos. 4. Compare a abstração simples ou empírica com a abs- tração reflexiva ou construtiva. 5. Estabeleça a distinção entre conhecimento físico, lógico-matemático e social. "Para os matemáticos, um perene problema é expli- car ao grande público que a importância da Mate- mática vai além de sua aplicabilidade. É como ex- plicar a alguém que nunca ouviu música a beleza de uma melodia. Que se aprenda a Matemática que resolve problemas práticos da vida, mas que não se pense que esta é a sua qualidade essencial. Existe uma grande tradição cultural a ser preservada e en- riquecida, em cada geração. Que se tenha cuidado, ao educar, para que nenhuma geração torne-se surda as melodias que são a substância de nossa grande cul- tura matemática..." Chandler & Edwards
Compartilhar