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Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 0 Avaliação Diagnóstica do Conhecimento Lógico Matemático sob a Perspectiva Psicopedagógica Circulação Interna Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 1 Sumário Introdução.................................................................................................................... 2 Capítulo 1 Histórico e objetivos da educação matemática............................................................. 3 Capítulo 2 O conhecimento lógico matemático............................................................................. 11 Capítulo 3 O conhecimento lógico matemático e a Psicopedagogia.............................................. 30 Capítulo 4 Dificuldade de aprendizagem da Matemática: Discalculia.......................................... 44 Capítulo 5 Matemática: O Processo Ensino-Aprendizagem.......................................................... 64 Referências................................................................................................................... 83 Atividades Avaliativas.................................................................................................. 86 Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 2 Introdução Ementa: Histórico e objetivos da aprendizagem da matemática. Apresentação e reflexão sobre as noções operatórias lógico-matemáticas: noção de número, sistema de numeração decimal, campo aditivo, campo multiplicativo. O trabalho com jogos, resolução de problemas e discussão. Delimitação da atuação psicopedagógica nas dificuldades de aprendizagem da matemática, o diagnóstico psicopedagógico. Caros alunos, A psicopedagogia se ocupa da aprendizagem do sujeito. Uma intervenção psicopedagógica tem como objetivo identificar os sintomas que interferem na aprendizagem desse sujeito durante o processo de aquisição do conhecimento. Vale ressaltar que, para que haja essa compreensão, o psicopedagogo precisa se fundamentar nas teorias que envolvem esse processo. Pois, não se pode avaliar o sujeito por um único referencial ou um grupo de habilidades, outros aspectos devem ser considerados desde o nascimento ao mais complexo grau de maturidade do ser humano. O sujeito em desenvolvimento engloba vários aspectos: psicológico, biológico e social, que se desdobram em cognitivo, sexual, ético, moral, linguagem, cultura; fatores que compõem o seu contexto evolutivo. Nesse sentido, o profissional psicopedagogo deve conhecer a educação matemática, deve ser capaz de detectar e agir para tratar os problemas na aprendizagem da Matemática. Neste estudo serão realizadas reflexões psicopedagógicas sobre a importância da aprendizagem das habilidades em matemática, os efeitos das dificuldades de aprendizagem da matemática e são sugeridas intervenções para melhorar o processo de aprendizagem da criança. Desejamos a todos, bons estudos! Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 3 Capítulo 1 Histórico e objetivos da educação matemática Antigamente, a Matemática para crianças em idade pré-escolar tinha como ideia central o ensino de atividades pré-numéricas – isto é, exercícios voltados para a lógica. O conhecimento que as crianças tinham sobre números era desconsiderado. Dessa forma, o trabalho na pré-escola era centrado nos aspectos lógicos do número. Equivocadamente, essa ideia foi baseada na teoria piagetiana, pois não se tratava de uma transposição didática da psicogenética para as salas de aula. A teoria piagetiana elucidou e contribuiu para o entendimento de como a criança pensa e aprende. Nas décadas de 1940 e 1950, a concepção de aprendizagem que permeava o ensino previa a memorização, os exercícios e a repetição. Os conteúdos eram estruturados linearmente, sendo compostos de verdades inquestionáveis pelos alunos. O surgimento de uma didática da Matemática se deu pela aproximação e o desenvolvimento da psicologia cognitiva, que tinha como grande estudioso o suíço Jean Piaget. Nas décadas de 1960 e 1970, surgiu a matemática moderna, que tinha como eixo a teoria dos conjuntos. Entretanto, embora já não se baseasse apenas na repetição e na memorização, essa concepção de aprendizagem deixou de considerar o processo individual de construção da inteligência proposto por Piaget. Na prática escolar, a teoria dos conjuntos era encaminhada por professores sem o aprofundamento necessário para considerá-la uma teoria abstrata e complexa. Dessa forma, o ensino da Matemática apresenta, tanto na matemática tradicional como na matemática moderna, um caráter estruturalista e de linearidade. Ao longo dos anos de 1970, era prática comum retardar o acesso à escrita na educação escolar para que a criança antes amadurecesse. Introduzia-se os elementos notacionais de um modo imposto e artificial. Hoje temos claro aquelas ideias obscurecidas do passado. A escrita não surge para representar aquilo que a criança não conseguia mais transmitir por meio do desenho. A criança pode fazer notações e representações. Entretanto, com relação a qualquer registro gráfico, que é geralmente muito valorizado, é preciso que se verifique a sua real necessidade e o interesse da criança em fazê-lo. Com o avanço dos estudos sobre a relação entre professor e aluno e sobre o objeto do conhecimento, assim como o avanço das teorias histórico-sociais desenvolvidas por Vygotsky e colaboradores, a educação passou a contar com um novo conceito para explicar a aprendizagem: a zona de desenvolvimento proximal, “que é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes”(VYGOTSKY, 1991, p. 94-95). Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 4 O primeiro nível, o de desenvolvimento real, é o nível de desenvolvimento das funções mentais da criança sobre ciclos já completados. É aquilo que elas conseguem fazer por si mesmas. Crianças com níveis iguais de desenvolvimento mental apresentam capacidades de aprendizagem diferentes. Isso foi o que evidenciou a diferença entre idade mental e idade biológica. Diz Vygotsky sobre os anos da idade cronológica: essa diferença entre doze e oito ou entre nove e oito, é o que nós chamamos a zona de desenvolvimento proximal. Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. (VYGOTSKY, 1991, p. 97, grifos do autor) Nesse sentido, Piaget e Vygotsky, embora percorrendo diferentes caminhos, apresentam teorias que buscam a constituição da inteligência e do pensamento. Para aprender sobre numeração as crianças devem lidar com números, e a ação do professor deve considerar como ponto referencial o conhecimento que a criança já possui, o conhecimento que a criança leva para a escola. Assim, professores devem passar a considerar os níveis de ajuda e intervenção mediadora para que a aprendizagem ocorra. A matemática deve ser desafiadora, possibilitando o trabalho coletivo e o confronto de diferentes pontos de vista. A visão deixa de ser a de uma área com conteúdos prontos e acabados para ser a de uma ciência em constante construção e evolução. Qualquer situação de aprendizado começa muito antes delas frequentarem a escola. Qualquersituação de aprendizado com a qual a criança se defronta na escola tem sempre uma história prévia. Por exemplo, as crianças começam a estudar aritmética na escola, mas muito antes elas tiveram alguma experiência com quantidades – elas tiveram que lidar com operações de divisão, adição, subtração, e determinação de tamanho. Consequentemente, as crianças têm a sua própria aritmética pré-escolar, que somente psicólogos míopes podem ignorar. (VYGOTSKY, 1991, p. 94-95) Além de aprenderem, pensarem e discutirem sobre o sistema de numeração e sobre as relações numéricas, as crianças devem ser capazes de compreender algumas situações matemáticas no dia a dia. A exploração do espaço e da forma amplia-se, não se reduz unicamente ao estudo de formas geométricas. A criança constrói sua noção de espaço a partir de explorações que faz a partir do próprio corpo. Segundo o Referencial Nacional para a Educação Infantil, a abordagem da matemática na Educação Infantil tem como finalidade proporcionar oportunidades para que as crianças desenvolvam a capacidade de “estabelecer aproximações a algumas noções matemáticas presentes no seu cotidiano como contagem, relações espaciais etc” (MEC, 1998). E para o aprofundamento do trabalho com crianças maiores de três anos, é prevista a criação de oportunidades para que sejam capazes de: reconhecer e valorizar os números, as operações numéricas, as contagens orais e as noções espaciais como ferramentas necessárias no seu cotidiano; Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 5 comunicar ideias matemáticas, hipóteses, processos utilizados e resultados encontrados em situações-problema relativas a quantidades, espaço físico e medida, utilizando a linguagem oral e a linguagem matemática; ter confiança em suas próprias estratégias e na sua capacidade para lidar com situações matemáticas novas, utilizando seus conhecimentos prévios. (BRASIL, 1998) Para que tais objetivos se cumpram, o professor pode promover brincadeiras que envolvam situações matemáticas como, por exemplo, simular compras no mercado, promover uma feira, organizar um salão de beleza para bonecas, montar um estacionamento e um lava-car de carrinhos, uma lanchonete, confecção de roupas e diversas outras representações simbólicas da vida real. Nesse tipo de exploração as crianças aplicam os conhecimentos matemáticos que vão adquirindo. A linguagem da matemática A linguagem matemática foi desenvolvida para facilitar a comunicação do conhecimento matemático entre as pessoas. Entretanto, quando abusamos do uso de símbolos e não nos preocupamos em trabalhar a sua compreensão, clareando o seu significado, conseguimos o efeito contrário: dificultamos o processo de aprendizagem da matemática. Frequentemente, o excesso de simbologia cria dificuldades desnecessárias para o aluno, chegando até mesmo a impedir que ele compreenda a ideia representada pelo símbolo. Por exemplo, a apresentação precoce e inadequada do símbolo que representa a fração (etc.) pode prejudicar a compreensão do conceito de fração. Gerada por uma apresentação inadequada da linguagem matemática, essa dificuldade é bastante lamentável – afinal de contas, tal linguagem foi desenvolvida justamente com a intenção oposta. Ensino da Matemática Conhecer a origem de certos símbolos pode ajudar o professor a compreendê-los. Nas civilizações da Antiguidade (babilônios, gregos, chineses, romanos etc.), cada povo utilizava palavras e símbolos próprios para representar os números. Os babilônios, por exemplo, desenvolveram uma escrita dos números que, embora bastante sofisticada, usava basicamente um único sinal em forma de cunha (escrita cuneiforme). Durante a Idade Média (séculos V a XIV, aproximadamente), os livros de matemática eram praticamente desprovidos de símbolos. As ideias eram expressas por extenso, usando-se principalmente o latim. Hoje, esse período é denominado fase retórica da linguagem matemática. Naquela época, a subtração era indicada pela palavra latina minus. Com o tempo, os copistas passaram a abreviar as palavras e minus foi substituída pela sua inicial com um traço em cima. Mais tarde, passou-se a usar apenas o traço para indicar a subtração. O sinal que usamos hoje para indicar a adição tem uma história parecida. A palavra latina et corresponde ao nosso e, indicando adição: dezoito é dez e oito (dez mais oito). O sinal de adição (+) é uma derivação da letra t da palavra et. E é comum ouvir que a Matemática é uma área de linguagem abstrata, de difícil compreensão, e que não admite erros. Entretanto, é uma área de enorme valor e possui linguagem própria. Assim, a linguagem matemática apresenta diferentes níveis de elaboração e Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 6 mesmo a linguagem não profissional pode admitir termos e registros complexos, dependendo da competência dos seus usuários. Por vezes, a linguagem matemática já foi comparada ao estudo de línguas estrangeiras, pois não é uma linguagem praticada nas ruas, mas no meio acadêmico e escolar. Segundo Eleonora Brum e Adair Nacarato, A linguagem matemática pode e deve ser estimulada a partir de diferentes meios: oral, escrito, pictórico, gestual, mas os escritos são muito importantes, uma vez que podem ser retomados pelo professor e discutidos com a criança, tanto individualmente como em grupo. Esses registros, quando realizados a partir de atividades de jogo, promovem a reflexão do professor a respeito de sua prática, permitindo-lhe conhecer os diferentes caminhos que a criança busca para expressar seu raciocínio. (BRUM; NACARATO, 2007) A matemática não se resume à linguagem, ela é um conhecimento, por isso, na Educação Infantil é importante deixar a criança agir. As crianças não vão para a escola infantil para se prepararem para a educação acadêmica e formal do Ensino Fundamental, período em que, gradativamente, farão uso de uma linguagem matemática cada vez mais formal. A respeito dos registros das crianças, é preciso ter claro o que é representação e o que é notação. Para tanto, Lee e Karmiloff-Smith (1996) esclarecem que, [...] frequentemente, o termo representação é usado para se referir aos desenhos das crianças. Na verdade, é preciso distinguir representação de notação. Representação se refere ao que é interno à mente, e notação, ao que é externo. Representação reflete como o conhecimento é construído na mente e notação estabelece o suporte das relações entre um referente e um signo. Notações não são meramente cópias idênticas, nem externalizações ilimitadas de representações internas. Notações têm suas próprias e singulares propriedades que refletem a relação dinâmica interativa entre notação e representação. (p. 26) Diante da complexidade do conhecimento matemático e do desenvolvimento da cognição humana, quanto mais liberdade para aprender tiver a criança, maiores serão os benefícios. A construção social da criança e da aprendizagem matemática O conhecimento matemático trazido e percebido pelos alunos é advindo de contextos significativos. É o conhecimento social, real e necessário na vida cotidiana das pessoas, sem fragmentações, cortes ou segregações. Por isso, os conteúdos matemáticos – sistema de numeração, grandezas e medidas, espaço e forma – ocorrem simultaneamente, aparecem relacionados à sua função social. O professor deve ser capaz de definir atividades tendo em vista os objetivos gerais da Educação Infantil, pois a aprendizagem é significativa quando se compreende e conhece a sua aplicabilidade. Para tanto, é preciso conhecer a infância. Em entrevista sobre a infância, ao ser questionado sobre o significado das culturas infantis e sobre por que utiliza o termo infâncias, Miguel Arroyo (2006, p. 3-4) nos recorda que o ser humano não nasce pronto: ele é construído em um processo longo que acompanha a vida toda. A partir de determinantes biológicose das concepções culturais, vão sendo criadas as diversas temporalidades, cada uma com suas especificidades. A infância é uma dessas temporalidades, como o são a adolescência, a juventude, a vida adulta e a velhice. São tempos em que o ser humano está em um dado momento da construção de sua mente, das suas Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 7 faculdades superiores, assim como de seus valores e de sua ética. Tais temporalidades variam de acordo com cada povo e cultura. Em um ambiente rural, por exemplo, provavelmente a infância será mais curta, na medida em que as condições sociais e culturais determinam a duração da infância. Determinam a duração, as maneiras de viver esses tempos e o imaginário que se tem sobre eles. Desde o livro clássico de Philippe Áries na década de 1960, chamou-se a atenção para o fato de que a infância não é sempre a mesma, ela passa por temporalidades diferentes e, historicamente, ela se constrói como um tempo diferenciado. Uma coisa é a infância nos tempos mais primitivos e a outra a infância na Idade Medieval. [...] Passamos por tempos diversos na vida, então temos que respeitar a infância em suas especificidades. Temos que ter um currículo para a formação da adolescência, dentro dessa especificidade que é ser adolescente. [...] As imagens românticas da infância se quebraram. É hora de preparar os professores para lidar com a infância real. As diversidades de classe são muito mais fortes: se até agora falamos em infância, quando vemos as diversidades de classe vamos ter que falar em infâncias. Porque uma coisa é ser criança em uma favela, com o pai desempregado, com uma mãe que tem que sair cedo para poder trazer comida para casa, ser uma criança de seis anos que cuida do irmãozinho de dois. Essas infâncias são muito diversas das infâncias de classe média, das infâncias da elite. (ARROYO, 2006, p. 3-4) O professor deve encaminhar o seu trabalho com a matemática de acordo com os conhecimentos específicos da infância, pois a característica da infância é a brincadeira: a brincadeira (o jogo) é o meio pelo qual a criança aprende acerca do mundo e também o meio pelo qual ela aprenderá matemática. Parâmetros para o currículo de Matemática na Educação Infantil Um dos aspectos mais importantes para a formação de um currículo de ensino e aprendizagem na área da matemática é a superação de uma perspectiva linear e estruturalista dos conteúdos da área. As crianças aprendem em situações diversas e nem sempre a aprendizagem obedece à regra que vai do mais simples ao mais complexo, já que as crianças observam tudo ao seu redor, interagem, questionam, criam, comparam e refletem sobre o que aprendem. Para a definição de um currículo, deve-se levar em conta as características da etapa de ensino, a metodologia adequada. Segundo o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, a seleção e a organização dos conteúdos matemáticos representam um passo importante no planejamento. Para tanto, deve-se levar em conta que: aprender matemática é um processo contínuo de abstração no qual as crianças atribuem significados e estabelecem relações com base nas observações, experiências e ações que fazem, desde cedo, sobre elementos do seu ambiente físico e sociocultural; a construção de competências matemáticas pela criança ocorre simultaneamente ao desenvolvimento de inúmeras outras naturezas diferentes e igualmente importantes, tais como comunicar-se oralmente, desenhar, ler, escrever, movimentar-se, cantar etc. Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 8 Desse modo, o conhecimento matemático não pode ser tratado de forma desvinculada da realidade. Os projetos de trabalho, com áreas do saber integradas, constituem-se em um meio eficiente para a abordagem do conhecimento matemático com crianças em idade pré-escolar. Segundo Jodete Bayer Gomes Fullgraf (2006, p. 27), o conceito de currículo não corresponde a uma condição universal, natural, como algo sempre igual, homogêneo e de significado óbvio: ele é social e historicamente construído, tendo sido crivado por diferentes concepções teóricas ao longo da história. A realidade educacional apresenta diversos modelos de enquadramento curricular, de modo que as expressões propostas pedagógicas, currículos, Projeto Político Pedagógico, regimento escolar e diretrizes pedagógicas, ora aparecem com o mesmo significado, ora se diferenciam. Kramer (2001) destaca que “currículo é palavra polissêmica, carregada de sentidos construídos em tempos e espaços distintos. Sua evolução não obedece a uma ordem cronológica, mas se deve às contradições de um momento histórico, assumindo, portanto, vários significados ao mesmo tempo”. Muitos estudos que discutem propostas pedagógicas e currículo desvelaram uma realidade infinita e ímpar, na qual o processo educativo só pode ser observado de uma forma multifacetada. Segundo Gimeno Sacristán (1998), a realidade do currículo não se mostra em suas modelagens documentais, ou seja, nos projetos pedagógicos, mas na interação de todos os contextos educativos que compõem as práticas. Essa polissemia permite inferir a necessidade de um modelo pedagógico alicerçado em práticas cotidianas que respeitem as necessidades de desenvolvimento da criança. Texto complementar A Matemática na Educação Infantil: trajetória e perspectivas (LIMA, 2006) Os estudos atuais sobre o ensino da Matemática na Educação Infantil levam em consideração tanto as especificidades dos conteúdos a ensinar quanto a maneira pela qual os alunos aprendem e atribuem sentido aos conhecimentos matemáticos veiculados socialmente. O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (Recnei) e as publicações de pesquisadores como Guy Brousseau, Gérard Vergnaud, Anne Sinclair, Patrícia Sadovsky, Ana Cristina Rangel, entre outros, propõem que para as crianças construírem conhecimento é preciso que vivenciem múltiplas situações significativas em contextos adequados e tenham oportunidade para fazer reflexões sobre suas produções, interagindo com outros, crianças e/ou adultos, tanto para explicitar sua forma de pensar como para confrontar formas de resolução. Nessa perspectiva, desde a Educação Infantil, a criança aprende matemática a partir das ações que produz para a resolução de uma situação, ou seja, quando compara, discute, pergunta, cria, amplia ideias e percebe que o erro faz parte do seu processo de construção do conhecimento. Essas ações investigativas geram na criança o desejo de responder a uma pergunta interessante, ajustar-se às regras de um jogo, seguir as estratégias socializadas por um colega, entre outros procedimentos. [...] Nas décadas de 1940 e 1950, a concepção de aprendizagem que permeava o ensino era fundamentada na psicologia empirista. Nessa perspectiva, a aprendizagem reduzia-se à memorização, à exercitação e à repetição. Os conteúdos seguiam uma sequência linear, eram estruturados a partir de uma lista de temas e verbalizados pelo professor como um conjunto de verdades imutáveis. Mediante avanços dos estudos da psicologia cognitiva, inspirados, especialmente, na psicologia genética, difundida por Jean Piaget, a ênfase anterior dada à linguagem desloca-se para a ação. [...] A associação da teoria piagetiana com a ação pedagógica gerou dificuldades de interpretação pelos Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 9 professores, pois não ficava claro para esses profissionais que o processo de desenvolvimento cognitivo exige ações mentais que demandam tempo para possibilitar a efetiva construção do conhecimento pela criança. Nas décadas de 1960 e 1970, surge a matemática moderna com o grupo Bourbaki, tendo como eixo a teoria dos conjuntos. A concepção de aprendizagem, segundo esse grupo, não acontece mais pela repetição e pela manutenção de verdades. Entretanto, as tentativas de mudançano ensino-aprendizagem, com a difusão da matemática moderna, não levaram em conta as considerações sobre o processo de construção da inteligência propostas pela teoria construtivista de Piaget. Os professores, por não terem aprofundado, nos processos de formação, o estudo sobre a teoria dos conjuntos, não a concebiam como uma teoria abstrata, que necessitava para sua compreensão do uso de noções lógicas complexas. Diante disso, tratavam a teoria dos conjuntos com características muito concretas, e acabavam ensinando os conteúdos de forma linear, semelhante à concepção tradicional, seguindo uma sequência rígida. Em face do exposto, o ensino tanto na matemática tradicional como na matemática moderna apresenta um caráter estruturalista. No entanto, os novos rumos para o ensino dessa área apontam para uma atenção especial a estudos sobre os processos de desenvolvimento do indivíduo, bem como sobre a relação professor- aluno-objeto de conhecimento. Com os estudos de Vygotsky e seus colaboradores, que se centraram nas leis do desenvolvimento e do processo de ensino-aprendizagem, a partir da teoria sócio-histórico-cultural, é lançado um conceito básico para a educação: a zona de desenvolvimento proximal (ZDP) que “é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes”. Assim, na organização de sua prática, o professor deve considerar a ZDP das crianças para mediar o processo de ensino-aprendizagem a partir das necessidades do grupo, e, dessa forma, estruturar seu trabalho prevendo níveis de ajuda que possibilitem os avanços de todas as crianças. Em consonância com esse conceito básico de Vygotsky sobre a ZDP e os novos estudos sobre ensino-aprendizagem da matemática, realizados por pesquisadores da didática e divulgados pela publicação dos Referenciais Curriculares Nacionais, faz-se necessário repensar o papel do professor e, mais especificamente, da inter-relação professor-aluno-saber no âmbito escolar. A partir dos estudos de Brousseau, pertencente à corrente da didática matemática francesa, é lançada a ideia de ser implementado no processo de ensino-aprendizagem um contrato didático que funcionará como um regulador dos intercâmbios entre o professor e o aluno, delimitando deveres e direitos em um espaço de referência compartilhado: a sala de aula. Nesse contrato, as relações que as crianças e os professores mantêm com o saber estariam delineadas previamente. Logo, todas as situações propostas em classe teriam um papel desafiador, por possibilitarem confrontações de pontos de vista e evidenciarem seu efeito no trabalho coletivo do grupo sobre suas ideias iniciais e o desenvolvimento dos saberes individuais de cada criança. Retomando o enfoque sócio-histórico-cultural difundido por Vygotsky e seus seguidores, “a educação é uma fonte que promove o desenvolvimento, precisa então ser coerente, organizada e oportuna”. Daí o compromisso do professor em promover um processo de ensino-aprendizagem, concebendo o aluno como um ser singular, buscando conhecer as necessidades e potencialidades de cada criança e organizando sua prática educativa a partir da resolução de problemas. Como aponta Vergnaud, pesquisador da didática francesa, as concepções dos alunos são moldadas por situações que se encontram em contextos significativos. Daí a relevância de o tratamento de todos os conteúdos matemáticos – sistema de numeração, grandezas e medidas, e espaço e forma – acontecer simultaneamente e estar conectado com sua função social. Vale ressaltar que o professor deve saber que objetivos os alunos devem atingir e que atividade deve propor em função das metas traçadas para a Educação Infantil no que se refere a cada conteúdo, a fim de que possa possibilitar conexões entre eles. No tocante ao sistema de numeração, as crianças precisam conhecer a sucessão oral dos números; estabelecer relações entre eles: estar entre, um mais que, um menos que; reconhecer a sucessão escrita; iniciar a comparação de escritas numéricas e reconhecer as funções do número. Segundo Sinclair, é preciso considerar que os números são usados no cotidiano com diferentes funções comunicativas: os números de telefones, documentos, cartões bancários têm a função de codificar; nas receitas, balança, fita métrica, a função é de medir; já no elevador aparece para ordenar, e, nas embalagens, quando expressam o número de objetos que contêm, apresentam a função de quantificar. Ao identificar essas quatro funções do número, é possível perceber uma inter-relação entre estas e os diferentes conteúdos. Logo, ao trabalhar as grandezas e as medidas, as ações devem visar à relação do número Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 10 com a função de medir, com o uso pelas crianças de diferentes estratégias para comparar grandezas, efetivando as primeiras aproximações com medidas de comprimento, peso, volume e tempo, por meio de unidades convencionais e não convencionais. Diante disso, o professor pode organizar boas situações de aprendizagem na Educação Infantil a partir de oficinas matemáticas: simulação de salão de beleza, sapataria, lanchonete, consultório médico e ateliê de costura. No entanto, para possibilitar aprendizagens significativas, é necessário que seja construído um ambiente favorável com materiais que são utilizados no contexto real desses diferentes estabelecimentos comerciais. Além das oficinas, os conhecimentos matemáticos podem ser acionados pelo trabalho com jogos: baralho, pega- varetas, dominós, do resgate de músicas infantis (Mariana conta um; Um, dois, três indiozinhos) e de brincadeiras como esconde-esconde, coelhinho sai da toca, bem como a marcação do tempo por meio de calendários e experiências com dinheiro. Quanto ao processo de construção relacionado ao espaço e às formas, as situações devem visar ao estabelecimento de relações espaciais nos deslocamentos, que podem ser organizadas por meio da comunicação oral e da reprodução de trajetos considerando elementos do entorno como pontos de referência. Além disso, devem ser estabelecidas relações espaciais também entre objetos e em objetos. As relações espaciais entre objetos podem ocorrer com a descrição e a interpretação da posição de objetos e pessoas em determinados espaços. No caso do estabelecimento de relações espaciais em objetos, é de fundamental importância que o professor organize situações para que as crianças iniciem os desenhos de construção, antecipem a própria ação para a conquista dos resultados esperados, modifiquem o produzido em função da ação do outro ou de resistências do objeto. No trabalho com as figuras geométricas, devem ser oportunizadas atividades em que as crianças descrevam as figuras a partir das formas que estão ao seu redor no cotidiano. Por conseguinte, é necessário, desde a Educação Infantil, abandonar a perspectiva linear na organização curricular para o ensino da matemática, do simples para o complexo, pois o processo de construção do conhecimento das crianças acontece a partir da sua interação com diferentes situações investigativas, como foram apresentadas neste artigo. Dessa forma, é a partir das comparações, das discussões, dos questionamentos, das criações, das socializações de ideias que as crianças põem em jogo o que aprenderam e têm oportunidade de refletir sobre essas aprendizagens. Atividade de reflexão Vimos neste capítulo que a Matemática para crianças em idade pré-escolar tinha como ideia central o ensino de atividades pré-numéricas, com exercícios voltados para a lógica. Procure se lembrar de como foi sua aprendizagem matemática, era voltada para a lógica? Como eram seus professores? Como eram as aulas? Você tinha algum tipo de dificuldade? __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 11 Capítulo 2 O conhecimento lógico matemático Desenvolvimento lógico-matemático do ponto de vista piagetiano A obra de Jean Piaget (1896-1980) revolucionou a psicologia, a epistemologia e a educação de sua época e continua a repercutir na atualidade pelas contribuições que trouxe à evolução do sistema de ensino e especialmente à valorização da atividade construtiva do sujeito para o desenvolvimento da inteligência. Mesmo sem pretender representar um modelo pedagógico, pois não tinham esse foco, as pesquisas e estudos de Jean Piaget acabaram por contribuir em muito para o entendimento de que o desenvolvimento é uma construção espontânea e gradual das estruturas lógico-matemáticas. Ele criou a epistemologia genética, e o conhecimento dos aspectos principais das ideias de Piaget justifica-se não só pelo legado científico da teoria sobre a gênese do conhecimento humano mas também pelo fato de grande parte de sua obra ser dedicada à construção do pensamento matemático. A contribuição da teoria piagetiana é de grande significado para a educação matemática e para a educação de forma geral, pois reforça a ideia de um aluno ativo, que interage, estabelece relações, ao invés de um aluno passivo que, como mero receptor, apenas repete sem compreender. Os estudos e proposições de Piaget precisam ser compreendidos à luz de seu contexto histórico e com a profundidade necessária ao entendimento do conjunto de sua obra. Como sugere Martí (1997), é imprescindível deixar de considerar a teoria de Piaget como um sistema fechado de propostas teóricas e experimentais para nela ver uma teoria geral que mostra os principais processos de aquisição do conhecimento. Assim, os estudos de Jean Piaget visam explicar como o sujeito é capaz de construir suas estruturas de conhecimento, tornando-as cada vez mais elaboradas e completas, a partir da interação do sujeito com o meio. Segundo Piaget, “conhecer um objeto é agir sobre ele, modificá-lo, transformá-lo e entender o processo de modificação. Para que a criança chegue a esse ponto, é preciso que ela interaja com seu meio externo”. Assim, a matemática não pode ser assimilada por uma simples transmissão verbal e tampouco por cópia da realidade exterior: é necessário entender a criança como construtora de seu próprio conhecimento e para tanto ela precisa estar em constante interação com o meio. A criança precisa desenvolver estruturas operatórias que lhe possibilitarão real compreensão do mundo que a cerca e também dos conceitos matemáticos elementares. Na teoria dos estágios de Piaget, cada etapa emerge daquela que a precedeu, por meio de uma reorganização do que ocorreu antes, tornando-se maior e mais complexa. Isso porque, segundo Jean Piaget, “o desenvolvimento mental é uma construção contínua comparável à de um grande edifício, que se torna sólido a cada novo acréscimo” (apud PULASKI, 1986, p. 31). A sucessão dos estágios é constante, porém a idade cronológica em que aparecem pode ser diferente entre as sociedades e crianças. Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 12 A Pirâmide da Inteligência (A mente do bebê. Aquisição da linguagem, raciocínio e conhecimento. 2. ed. n. 3. São Paulo: Duetto Editorial, 2008, p. 21) A figura mostra esquematicamente a relação entre a maturação da criança e o desenvolvimento funcional das áreas corticais. Esse desenvolvimento determina padrões cada vez mais complexos de ativação dos circuitos cerebrais específicos e também a evolução das condutas reflexas do recém-nascido para o comportamento essencialmente simbólico do adolescente e do adulto, tomando como base a teoria dos estágios de desenvolvimento intelectual de Piaget. Ao estudar o avanço qualitativo das estruturas da inteligência, Piaget destacou três níveis de construção do conhecimento: sensório-motor, operatório concreto, e operatório formal. Nessa ordem, um nível dá origem a outro, incorporando-o à nova estrutura. Estágios do desenvolvimento cognitivo de Piaget Período sensório-motor (dois primeiros anos) Estágio 1 (do nascimento até 1 mês) O comportamento do recém-nascido caracteriza-se por reflexos inatos. 1. ° m ês Esquemas reflexos Automatismos inatos ou adquiridos, que são a base da organização corporal e da consciência. 6. ° m ês Esquema sensório-motor Aprendizado prático, decorrente dos sentidos e das ações motoras. 2 an os Estágio pré-operatório Sofisticação da função simbólica e aquisição da linguagem. 7 an os Estágio operatório concreto Aparecimento do raciocínio lógico, ainda sem capacidade de abstração. 11 a no s Pensamento formal Capacidade de abstrair fatos por meio do raciocínio hipotético- dedutivo. Tronco cerebral Comanda ações reflexas e controla funções respiratórias e circulatórias Córtex primário Ligado à percepção, transmite impulsos sensoriais e motores para os mecanismos neuromusculares. Córtex associativo Processa informações (discrimina estímulos recebidos e os compara aos preexistentes). Córtex associativo heteromodal Integra estímulos sensoriais, compara informações e as envia ao sistema límbico (associado às emoções). Córtex associativo heteromodal Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 13 Estágio 2 (1 a 4 meses) O bebê começa a definir os limites de seu próprio corpo por meio de descobertas acidentais que se mostram interessantes. Estágio 3 (4 a 8 meses) O bebê aprende a adaptar os esquemas familiares a novas situações, empregando-os para “prolongar os espetáculos interessantes”. Estágio 4 (8 a 12 meses) Observa-se o surgimento do comportamento intencional à medida que o bebê afasta os obstáculos do caminho ou usa a mão de um dos pais para alcançar os objetos desejados. Estágio 5 (12 a 18 meses) A criança começa a experimentar sistematicamente, variando seus esquemas em um “tateamento orientado”. Emprega novos meios, tais como bastões e correntes, para atingir os objetos desejados, ou encontra novos usos para objetos já conhecidos. Estágio 6 (18 a 24 meses) Transição da atividade sensório-motora para a de representação: a criança inventa novos meios valendo-se da dedução mental – o “tateamento” por ensaio e erro já não é executado fisicamente e sim simbólica ou mentalmente. Formas do pensamento infantil Até os dois anos, o aprendizado é feito pelos sentidos e pela área motora. O pensador suíço Jean Piaget (1896-1980), um dos mais renomados teóricos do desenvolvimento cognitivo, investigou a lógica formal que rege a criança na resolução dos diferentes obstáculos com os quais ela se defronta ao longo da infância. Constatou que para cada idade há uma lógica de exploração e solução dos problemas.São padrões organizados de comportamentos característicos de cada faixa etária que se modificam segundo a relação que a criança mantém com o ambiente. Piaget nomeou quatro modos de ação da criança no mundo: sensório-motor (do nascimento a 2 anos de idade), pré-operatório (de 2 a 6 anos), operatório concreto (de 6 a 12 anos) e operatório formal (a partir dos 12 anos). O esquema sensório-motor caracteriza-se pelo aprendizado resultante dos sentidos e da atividade motora. Esse primeiro estágio divide-se em seis subestágios, descritos a seguir. Subestágio O que ocorre com o bebê De 0 a 1 mês Não coordena ações e sentidos. Os exercícios de repetição são centrados nos reflexos inatos de ver, ouvir, sugar, tocar e pegar. De 1 a 4 meses As sensações corporais prazerosas (sugar o dedo ou morder um brinquedo, por exemplo) casuais passam a ser repetidas. No entanto, ainda não diferencia seu corpo do meio, sua ação não é sistemática e não relaciona o resultado de suas atitudes a ele próprio. Começa a ter controle sobre as ações sensórias e a explorar distintos objetos de modos diversos. De 4 a 8 meses Interessa-se mais pelo ambiente e o explora de várias maneiras Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 14 (não só pega um objeto que está próximo, mas o chacoalha, por exemplo). Há ação intencional, mas não uma meta a atingir. Começa a perceber que sua ação produz efeitos. De 8 a 12 meses Já age com intenção; é capaz de traçar esquemas para atingir um objetivo (por exemplo, ao visualizar um objeto que deseja, engatinha em sua direção para pegá-lo). É capaz de antecipar acontecimentos. De 12 a 18 meses Explora um mesmo objeto de formas variadas. A capacidade motora está muito desenvolvida. Experimenta ações e resolve problemas por meio de tentativa e erro. De 18 a 24 meses Já tem representação mental dos objetos e faz uso de imagens, palavras e gestos para significá-los. Encontra-se no registro do pensamento simbólico, sendo capaz de antecipar os acontecimentos e suas consequências sem precisar necessariamente passar à ação. (CAVALCANTI, 2006) Período pré-operacional (2 a 7 anos) Estágio pré-conceitual (2 a 4 anos) – a criança opera em nível de representação simbólica, o que se evidencia na imitação e na memória, exibidas nos desenhos, no sonho, na linguagem e na atividade do faz de conta. Surgem as primeiras tentativas de conceituação, supergeneralizadoras, nas quais os representantes de uma classe não são distinguidos da própria classe (por exemplo, todas as lesmas são a mesma lesma). Embora a criança atue de modo bastante realista no mundo físico, seu pensamento ainda é egocêntrico e dominado por um sentimento de onipotência mágica. Ela presume que todos os objetos naturais estão vivos e são dotados de sentimentos e intenções, porque isso é o que se dá com ela. Raciocina que os eventos que coincidem têm entre si uma relação de causa e efeito. Por exemplo, uma criança pode responder que um relógio está vivo, pois está em funcionamento e mostra as horas, ou ainda que um rio, as nuvens, uma árvore e o sol estão vivos porque são elementos da natureza. Uma bola ou qualquer outro objeto que bata na criança é tido como responsável pela ação e não raro ouvem-se adultos reforçando essa ideia ao dizerem “Que boba” ou “Que feia é essa bola que bateu em você”. A criança presume que o mundo seja como se afigura a seus olhos e não consegue conceber mentalmente o ponto de vista de outra pessoa (cf. PULASKI, 1986). Estágio pré-lógico ou intuitivo (4 a 7 anos) – Surge o raciocínio pré-lógico, baseado em aparências perceptuais (por exemplo, meia xícara de leite que encha completamente um copo pequeno é mais do que meia xícara que não encha um copo grande). O ensaio e o erro podem levar a uma descoberta intuitiva das relações corretas, mas a criança é incapaz de considerar mais de um atributo de cada vez (por exemplo, as contas azuis não podem, ao mesmo tempo, ser contas de madeira). A linguagem é usada de maneira egocêntrica, refletindo a limitada experiência da criança. Período de operações concretas (7 a 12 anos) Durante a primeira e a segunda séries do Ensino Fundamental no regime de oito anos (nessas séries estavam Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 15 crianças com 7 e 8 anos de idade), há uma transição gradual para o período de operações concretas, que se prolonga até a idade de 11 ou 12 anos. Nesse estágio, a criança pensa logicamente sobre as coisas que experimentou e as manipula simbolicamente, como nas operações aritméticas. Uma conquista extremamente importante é o fato de agora ela ser capaz de raciocinar retrospectiva e prospectivamente no tempo. A isso Piaget denomina reversibilidade. Essa característica acelera imensamente o raciocínio lógico e torna possíveis as deduções matemáticas. Nessa fase, evolui a espiral ascendente do desenvolvimento intelectual. Período das operações formais (de 12 anos à idade adulta) Em algum ponto em torno dos 11 ou 12 anos, a criança se torna capaz de raciocinar logicamente sobre proposições, coisas ou propriedades abstratas que jamais experimentou diretamente. Essa capacidade de hipotetizar caracteriza o período das operações formais, o último e mais elevado período no modelo do desenvolvimento de Piaget: o sujeito é capaz de raciocinar indutiva e dedutivamente. Nem todos os adultos atingem completamente esse último e mais elevado estágio do desenvolvimento intelectual, mas esse raciocínio é, decerto, característico dos cientistas e pesquisadores que trabalham com átomos, partículas, e com a fissão nuclear. Esses pensadores são capazes de examinar imensas quantidades de material e fazer surgir uma explicação clara e abrangente. Como teria comentado Einstein acerca da teoria de Piaget: “Ela é tão simples que somente um gênio a poderia haver concebido”. Em cada nível do processo de construção da inteligência, Piaget distingue fatores que regulam as constâncias e variações do processo: a maturação, as experiências com o mundo físico (envolvendo o conhecimento físico e o conhecimento lógico-matemático), as interações sociais e o processo de equilibração. Ao dinâmico e contínuo processo autorregulador, Piaget denomina equilibração. De acordo com Jeanette Gallagher, esse é “o cerne da teoria piagetiana do desenvolvimento cognitivo” (apud PULASKI, 1986, p. 25). Sua função é harmonizar a assimilação e a acomodação, assim como um termostato mantém equilíbrio constante entre o calor e frio. Piaget concebe esse processo como sendo o mecanismo de crescimento e aprendizagem no desenvolvimento cognitivo. Em certo sentido, escreve ele: o desenvolvimento é uma equilibração progressiva a partir de um estado inferior até um estado mais elevado de equilíbrio. A mente visa compreender e explicar em todos os níveis, mas as explicações vagas e incoerentes da infância estão muito distantes da riqueza e flexibilidade do pensamento adulto. É a busca do equilíbrio e de respostas satisfatórias que impulsiona a mente em direção a níveis mais elevados de pensamento. (apud PULASKI, 1986, p. 25) A construção das estruturas cognitivas por meio da equilibração é pressuposto teórico fundamental para explicar porque a criança ou mesmo adultos não aprendem conceitos matemáticos somente pela transmissão verbal. Assim sendo, a prática dos professores de Educação Infantil deve estar de acordo com as possibilidades de avanço que apresenta a seus alunos, a eles permitindo a construção dos conhecimentos lógico-matemáticos. Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 16 Incluindo número e aritmética, o conhecimento lógico-matemático é construído por cada criança de dentro para fora, na interação com o ambiente. Em outras palavras, o conhecimento lógico-matemático não é adquirido diretamente do ambiente, por internalização. Conhecimento físico, sociale lógico-matemático Piaget diferenciava três tipos de conhecimento de acordo com suas fontes e modos finais de estruturação: conhecimento físico, conhecimento social ou convencional, e conhecimento lógico-matemático. O conhecimento lógico-matemático consiste de relações mentais, e a fonte final dessas relações está em cada indivíduo. Por exemplo, quando nos apresentam uma ficha vermelha e uma azul, podemos pensar nelas como sendo diferentes ou semelhantes. É igualmente verdadeiro dizer que as fichas são diferentes (porque uma é vermelha e uma é azul) quanto dizer que elas são semelhantes (porque ambas são redondas e feitas de plástico). “A semelhança e a diferença não existem nem na ficha vermelha, nem na ficha azul, e se uma pessoa não colocasse os objetos em uma relação, estas relações não existiriam para ela” (KAMII, 1986, p. 17). Da mesma forma, a quantidade de fichas ou quaisquer outros objetos também está relacionada ao conhecimento lógico-matemático, pois as fichas são observáveis, perceptíveis, mas a dualidade ou a ideia de quantidade não. As crianças constroem o conhecimento lógico-matemático estabelecendo relações entre igual e diferente, entre o mesmo e o diferente. As relações se estabelecem entre objetos, fatos do mundo físico e social e entre quantidades. Assim, as crianças se tornam capazes de deduzir que há mais flores do que rosas no mundo, ou mais animais do que gatos, ou que 2 + 2 + 2 +2 = 8, que é o mesmo que 4 x 2 = 8 e assim por diante. Portanto, a fonte de conhecimento físico e social é parcialmente externa para a criança e a fonte de conhecimento lógico-matemático é interna. A experiência é um dos fatores ao qual Piaget recorre para explicar o desenvolvimento cognitivo. A partir da experiência física ou empírica que realiza – por exemplo – ao brincar, a criança constrói o conhecimento físico que se refere à exploração dos objetos para apreender suas propriedades e características básicas. Isso é chamado de abstração simples, expressão utilizada por Piaget para designar a abstração das propriedades a partir de objetos. Para a abstração do número, Piaget utiliza a expressão abstração reflexiva. Na abstração empírica, tudo o que a criança faz é focalizar uma certa propriedade do objeto e ignorar outras. Já na abstração reflexiva, há a construção de relações entre os objetos: essas relações não existem na realidade externa e sim no pensamento daqueles que a criaram. Constance Kamii (1986) afirma que a expressão abstração construtiva poderia ser mais fácil de entender do que abstração reflexiva, indicando que essa abstração é uma construção feita pela mente em vez de representar apenas o enfoque sobre algo já existente nos objetos. Um tipo de abstração depende do outro: se a criança não observasse propriedades diferentes entre os objetos não poderia construir o conceito diferente. E a criança também não poderia construir o conhecimento físico sem um sistema de referência lógico-matemático, de modo a poder relacionar novas observações a um conhecimento já existente. Por exemplo, para perceber a cor verde de um sapo é necessário um esquema classificatório que diferencie a cor verde das demais cores, além de distinguir o animal sapo de todos os outros que já conhece. Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 17 Como se desenvolve o pensamento lógico? Cerquetti-Aberkane e Berdonneau (2001) nos lembram que atividades de refinamento da percepção contribuem com o desenvolvimento do raciocínio lógico, pois este se dá paralelamente ao desenvolvimento sensorial. A percepção é produzida pela estimulação de um órgão sensorial e constitui-se em instrumento indispensável para qualquer atividade mental. Sem a percepção não seria possível aprender. Os sentidos precisam ser desenvolvidos, estimulados, a fim de que todo o organismo se beneficie. Quando um único sentido é desenvolvido, por exemplo, a audição, todos os outros melhoram. Os sentidos a que se referem estes estudiosos são mais numerosos do que os designados habitualmente sob o mesmo termo. Para a percepção obtida pela visão distingue-se o sentido cromático e o estereognóstico que são, respectivamente, percepção das cores e das formas e volumes. Para as percepções obtidas pela pele, há o sentido do tato e o térmico (percepção das temperaturas). As percepções referentes aos músculos dos membros superiores correspondem ao sentido bárico (percepção das massas). O sentido cinestésico corresponde à percepção dos movimentos. Maria Montessori foi pioneira no desenvolvimento sistemático de uma educação sensorial e ao relacioná-la com as primeiras aprendizagens matemáticas. Muitas dessas práticas se perderam na escola de Educação Infantil, pelo desconhecimento de sua importância e pelo radicalismo em sua implementação. Ainda que com certo reforço ao individualismo e práticas que mereciam contextualização, vale destacar que as escolas montessorianas sempre tiveram muito boa reputação. Da vasta coleção de materiais pedagógicos desenvolvidos, muitos propiciavam às crianças os elementos para contagem, comparação de tamanhos, quantidades e exploração de diversas outras propriedades e possibilidades. Assim, comparar quantidades de objetos, fazer a triagem dos elementos, isto é, separá-los previamente, classificá-los buscando suas propriedades, semelhanças e diferenças, fazer a seriação estimulando as crianças a estabelecer relações entre os elementos, contribui para a formação do pensamento lógico e, portanto, para a construção do conceito de número. Para o reconhecimento do que é semelhante e do que é diferente, um dos primeiros jogos a ser proposto às crianças, é o de formação de pares. A seriação consiste na construção de séries de elementos que são colocados em ordem de acordo com as diferenças entre eles. Ao fazer uma seriação, a criança utiliza um elemento que é ao mesmo tempo maior e menor que outro. Com relação à seriação, Cerketti-Aberkane adverte que materiais apropriados sejam utilizados para cada faixa etária a fim de se obter bons resultados: [...] o material com o qual se pede que seja feita a seriação, e em particular a importância perceptiva da diferença entre dois elementos consecutivos na seriação, influi de maneira notável na média de idade das crianças que obtêm sucesso: é isto que explica, no caso, a seriação de comprimentos, que a partir dos quatro anos de idade as crianças reconstituam a seriação das barras de Montessori (dez barras de 10cm, 20cm, 30cm,...até 1m de comprimento), enquanto que no caso das barras variando de 1 em 1cm até 10cm não se obtenha resultado até um ano mais tarde; e que no caso dos bastonetes de Piaget a diferença entre dois elementos consecutivos seja de 0,8cm na primeira parte do teste e de 0,4 na segunda parte: neste caso, a criança somente tem sucesso ao redor de 7-8 anos. (p. 64) Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 18 Dessa forma, o professor precisa estar atento ao que cada aluno consegue realizar em termos de seriação de elementos. As atividades podem ser encaminhadas com materiais de encaixe, como panelinhas, potes, caixas, tampas, pratos de papelão, o que puder ser colocado um dentro do outro, oferecendo pelo menos 5 ou 6 unidades de tamanhos diferentes. Problematizar a situação, pedindo, por exemplo, que guardem os blocos naquelas caixas, preparando previamente para que as crianças não encontrem uma situação ideal, mas uma situação que as faça pensar sobre o problema a ser resolvido. Classificar é uma operação lógica muito importante na vida de qualquer pessoa, pois ajuda a organizar a realidade. A classificação trabalha com as relações de pertinência e de inclusão de classe. Sem se dar conta, as pessoas fazem classificações o tempo todo, diariamente, fazendo compras, organizando seus pertences e também seus pensamentos. Entretanto, a noção matemática de conjunto é complexa e diferenteda noção intuitiva que possamos ter da ideia de classificação ou de coleção. Há coleções de objetos que não podem ser definidas por critérios matemáticos. Por exemplo, pessoas com cabelos castanhos ou louros, coleções de objetos definidos por nenhum outro critério senão os absolutamente particulares da pessoa que os reuniu. Por essas e outras características bem mais complexas da teoria de conjuntos é que operações entre conjuntos não são mais encontrados nos currículos do Ensino Fundamental. Na Educação Infantil, todas as atividades que o professor puder realizar com seus alunos relacionadas à comparação e formação de pares, triagem e classificação, seriações e organizações, além de gráficos e também quadros de dupla entrada, ajudarão no desenvolvimento do raciocínio lógico, especialmente se vinculados às sensações. Autonomia: a finalidade da educação para Piaget Autonomia significa ser governado por si mesmo. É o contrário de heteronomia, que significa ser governado por outro. A autonomia é um direito do indivíduo, como quando exerce seu direito autônomo do voto, isto é, o sujeito toma uma decisão por si mesmo. Na teoria de Piaget (KAMII, 1986), autonomia significa a capacidade de governar a si mesmo, em sentido moral e intelectual. Na esfera moral, decide-se sobre o que é certo e o que é errado e na esfera intelectual, decide-se entre verdade e inverdade. Pessoas heterônomas são governadas por outras pessoas na medida em que são incapazes de fazer julgamentos por si próprias. Quais tarefas propostas por Piaget as crianças podem realizar com menos idade atualmente? Com o avanço da tecnologia e o surgimento de novas abordagens teóricas que investigam o desenvolvimento cognitivo, novas metodologias foram propostas para verificar as ideias inicialmente levantadas por Piaget. Sem questionar o legado de uma impressionante obra, de mais de 20 000 páginas, traduzida para mais de 18 línguas, já completamos bem mais de 100 anos com Piaget. Algumas de suas ideias têm sido corroboradas, outras contestadas. Alguns pesquisadores demonstraram que as habilidades cognitivas dos bebês são impressionantes. Existem indícios de que as limitações identificadas por Piaget nas capacidades cognitivas dos bebês podem ser reflexos da imaturidade de suas habilidades linguísticas e motoras. Para Piaget, a passagem do comportamento reflexo para os primórdios do pensamento é longa e lenta. Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 19 Por volta de 1 ano e 6 meses, os bebês aprendem por meio dos sentidos e dos movimentos. Na segunda metade do 2.º ano é que avançam para o pensamento conceitual. Questiona-se a pesquisa piagetiana de permanência do objeto em bebês pequenos pelo fato de não serem ainda capazes de realizar uma sequência de duas ações como, por exemplo, mover uma almofada ou levantar a tampa de uma caixa para pegar o objeto. Outros pesquisadores propõem um método de pesquisa mais apropriado à faixa de idade do bebê. O objeto é escondido apenas por escuridão e assim pode ser encontrado com 1 movimento. Os bebês no 3.º subestágio (4 a 8 meses) conseguem realizar essa tarefa com êxito. Em outro estudo sobre permanência do objeto, bebês de seis meses e meio viam uma bola sair de uma calha e cair em um de dois pontos, cada uma identificável por um som característico quando a luz era apagada e o procedimento repetido. Os pesquisadores eliminaram a necessidade da atividade motora e utilizaram recursos que permitiam focar os resultados no que os bebês observavam e durante quanto tempo. Dessa forma sugere-se que os bebês, desde muito cedo, podem formar representações mentais, isto é, imagens ou lembranças de objetos fisicamente ausentes. Essa capacidade, Piaget atribuía aos bebês após os 18 meses. Entretanto, Piaget não negou que o desenvolvimento poderia ser acelerado ou retardado. Pôs sim, em dúvida, a necessidade de fazê-lo. O que ele sustentava como importante no desenvolvimento era a sequência na qual ocorria o progresso e não as idades. De qualquer forma, as pesquisas encaminham a investigação da capacidade de bebês e crianças pequenas de lembrar e imitar o que veem. Bebês de apenas seis semanas imitariam os movimentos faciais de um adulto após 24 horas, na presença do mesmo adulto, que dessa vez mostrava-se sem expressão. A esse tipo de imitação, de um ato que se vê algum tempo antes, denominada imitação diferida, Piaget não atribuía a crianças menores de 18 meses. Em uma experiência na Nova Zelândia, bebês de diversas idades, após terem visto um pesquisador tirar a luva de um fantoche, soar um sino dentro da luva três vezes e depois recolocar a luva no fantoche, imitaram a mesma ação, desde que estivessem no mesmo lugar com as mesmas pessoas. A experiência foi feita com bebês de até seis meses. Bebês maiores imitavam com mais precisão (BARR; DOWDEN; HAYNE,1996). Com dois anos, os bebês demonstram imitação diferida após 24 horas somente quando a cor e a forma do fantoche são praticamente idênticas às originais. Em outra pesquisa, bebês de 14 a 18 meses observaram outras crianças brincarem com objetos e repetiram o comportamento em casa, após dois dias, com os mesmos objetos (HANNA; MELTZOFF, 1993). De modo geral, os bebês e as crianças pequenas parecem ser mais competentes do que pressupunha Piaget, entretanto, as pesquisas abrem novos caminhos para novas práticas aos poucos, pois as crianças não veem ao mundo com suas mentes plenamente formadas. Autonomia moral e intelectual Em suas pesquisas, Piaget perguntava a crianças de 6 a 14 se era pior dizer uma mentira a um adulto ou a uma criança. As crianças pequenas respondiam que era pior dizer mentira a um adulto e, ao explicarem o porquê, diziam que os adultos podem saber quando uma afirmação não é verdadeira. Por sua vez, as crianças maiores respondiam que se sentiam forçadas a mentir para adultos, mas que era maldade mentir para outras crianças. Esse exemplo de autonomia moral demonstra que, para pessoas autônomas, as mentiras são ruins em qualquer caso, em qualquer situação. Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 20 Piaget investigou a relação de desenvolvimento entre autonomia e heteronomia, verificando que, em condições ideais, a criança torna-se progressivamente mais autônoma à medida que cresce. Contudo, a maioria das pessoas não tem sua autonomia moral desenvolvida plenamente, os adultos são autônomos até certo ponto. Isso pode ser ilustrado com o que facilmente se observa na vida cotidiana: são poucos os adultos virtuosos, são muitos os casos de corrupção, roubo, violência. As implicações pedagógicas estão relacionadas com os fatores que geram autonomia ou reforçam a heteronomia na criança. Muitas vezes, pais e professores reforçam a heteronomia da criança quando utilizam recompensas, castigos, punições. Para que a criança desenvolva a autonomia moral, é preciso reduzir o poder adulto, encorajando-as a construirem por si mesmas seus próprios valores morais: com uma orientação dialogada, a criança terá a possibilidade de pensar sobre a importância de valores como respeito, honestidade, verdade. Por exemplo, quando uma criança derruba algo no chão, não deveria ser repreendida pelo adulto, mas orientada: – Você gostaria que eu ajudasse a limpar? – O que é preciso fazer quando derrubamos ou sujamos algo? Entre pais e filhos, alunos e professores, deve haver uma relação mútua de respeito e afeto. Com relação à autonomia intelectual, Kamii nos oferece um exemplo extremo. Copérnico desenvolveu a teoria heliocêntrica quando todos os demais acreditavam que o Sol girava ao redor da Terra. Foi ridicularizado e afastado do meio acadêmico porque manteve sua posição. Ele agiu com bastante autonomia para continuar a afirmar seu ponto de vista, não se deixando governar por outros. Outro exemplo que se pode usar para explicar a autonomia intelectual é o de uma criançaque, por exemplo acredita em Papai Noel. A criança surpreende a mãe perguntando como é que Papai Noel usava os mesmos presentes que os que eram comprados pela família. A mãe responde com alguma explicação que não é suficiente e a criança volta a questionar: – Como é que o Papai Noel tem a mesma letra que o papai? Ocorre que, quando colocou Papai Noel em relação a tudo que conhecia, a criança começou a perceber que havia outras evidências que confirmavam sua suspeita. Ora, essa criança pensava por conta própria e não se deixava governar por outros ou aceitar o que era dito a ela. De acordo com Piaget, a criança adquire o conhecimento ao construí-lo a partir de seu interior – em vez de internalizá-lo diretamente de seu meio. As crianças podem internalizar o conhecimento transmitido por um momento, mas elas não são como recipientes que meramente retêm o que é ensinado: elas constroem o conhecimento, criando e coordenando ações. Ao desejarem respostas certas de seus alunos, os professores acabam, até mesmo sem perceber, utilizando sanções que desencorajam o questionamento e o pensamento autônomo. Por exemplo, se uma criança escrever 4 + 2 = 5 e receber a correção do professor sem a devida explicação ou o encaminhamento da atividade, ela pode passar a pensar que a verdade advém somente da cabeça do professor. Há crianças que chegam a duvidar de seu próprio pensamento, apagando seus resultados quando o professor se aproxima. No exemplo da operação 4 + 2 = 5, sugere-se perguntar à criança: Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 21 – Como você conseguiu 5? Ao tentar explicar à outra pessoa o seu modo de raciocínio, a criança acaba, ela mesma, por corrigir o resultado autonomamente: ao tentar coordenar seu ponto de vista com o do outro, a criança se dá conta do próprio erro. Segundo a teoria de Piaget, a coordenação de pontos de vista entre colegas é mais eficaz do que a correção feita pelo professor. Autonomia na escola A autonomia intelectual está relacionada à capacidade de reflexão que o aluno pode vir a ter sobre seus atos. Nos primeiros dias de aula, é comum professores e alunos estabelecerem acordos que revelam as regras da escola e também a postura do professor, pois na maioria das vezes esses acordos são produzidos antes do início da convivência. Para o desenvolvimento da autonomia, seria melhor deixar os problemas surgirem. Por exemplo, a professora pode dizer aos alunos que se incomoda quando há alguém falando quando ela fala ao grupo e perguntar se mais alguém se incomoda em não poder ouvir o que ela tenta explicar, e então perguntar às crianças o que pode ser feito para resolver esse problema. As crianças provavelmente irão pensar e sugerir uma variedade de soluções como mandar os que incomodam para a sala do diretor. A professora pode então dizer, como membro da comunidade, igual a todos os outros membros, que ela não votaria em mandar a pessoa para o diretor porque o diretor não tem nada a ver com o problema em discussão. As reuniões para a discussão de problemas são muito melhores do que a imposição de regras prontas: nas reuniões, as crianças têm a chance de pensar sobre cada problema. Se a professora não sugere uma solução, a responsabilidade para resolver o problema recai sobre as crianças. Uma regra sugerida por elas, e aceita pelo voto da maioria, tem muito mais probabilidade de ser respeitada pelo grupo do que a mesma regra imposta pela professora. E, continuando o exemplo, as crianças também têm que pensar nas condições sob as quais se pode ou não conversar. Esse julgamento pode ser feito relacionando as perspectivas de todas as partes envolvidas e, assim, as crianças aprendem a descentrar seu ponto de vista, coordenando-o com as perspectivas dos outros. Hoje há enormes problemas sociais, largamente causados pela incapacidade das pessoas para levar em consideração fatores relevantes na tomada de decisão. Por exemplo, quando uma pessoa fuma, ela decidiu fazer isso. Pessoas que conseguem levar em consideração fatores relevantes ao tomarem decisões, provavelmente tomarão decisões mais sensatas do que aquelas que são cegas a fatores relevantes. A educação moral acontece a cada minuto do dia escolar, as pessoas estando conscientes desse fato ou não. Quando uma criança é ameaçada com punição, reforça-se sua heteronomia. Quando há chantagem ou manipulação, reforça-se a heteronomia. O princípio mais importante de uma educação voltada para a autonomia é pedir às crianças que tomem decisões por si mesmas, levando em consideração fatos relevantes. A Construção do Conhecimento Lógico-Matemático: Aspectos Afetivos e Cognitivos Autora: Fátima Aparecida Bolognese Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 22 Caros alunos, vamos procurar compreender que o desenvolvimento cognitivo do ser humano está relacionado a fatores sociais, biológicos, psicológicos e afetivos. Tecemos neste artigo alguns comentários referentes ao desenvolvimento lógico-matemático relacionado à afetividade como estímulo para a construção das estruturas cognitivas. O desejo positivo inconsciente tende a impulsionar um determinado repertório de emoções que integram a aprendizagem dando sentida a ação do aprendiz, restabelecendo as sinapses proporcionando satisfação na articulação dos esquemas cognitivos. Ao contrário, pode levar a problemas de aprendizagens, baixa autoestima, entre outros transtornos. Portanto é preciso ter consciência que o ser humano passa por fases de desenvolvimentos em tempos individuais e que a aprendizagem acontece desde o seu nascimento até o fim da vida do ser humano, e este processo de aprender envolve situações afetivas, sociais e biológicas, que devem ser conhecidas pelo ensinante para que possa encontrar subsídios nas teorias pedagógicas ou nos processos práticos para atingir o objetivo que é levar à criança a apropriação do conhecimento com liberdade de pensamento. Deixamos passar despercebido o processo do aprender das crianças, sem dar conta dos problemas por elas enfrentados, decorrentes de qual natureza ou fator. É muito comum encontrarmos escritos, que interagem a aprendizagem e a afetividade como sucesso do bom desenvolvimento cognitivo. Para haver bom desempenho cognitivo é preciso que haja interação de afetividade positiva, confiança, autoestima e entusiasmo com o processo de ensino-aprendizagem. Havendo lacunas nesta interação, incertezas, baixa autoestima, é quase certo que haverá problemas de aprendizagem como deficiência na leitura e na escrita, falta de habilidade de pensamento lógico, imaturidade intelectual e social, dificuldades em compreender conceitos de tempo e referência de espaço. Estudos mostram que sintomas deste tipo, muitas vezes são provocados por ambientes com regras rígidas e inflexíveis, desvalorização do ser, falta de limites, descontrole emocional do contexto familiar, instruções insuficientes ou mesmo por conviver em um meio desfavorável ao desenvolvimento da aprendizagem. A aprendizagem é um processo contínuo, gradual em que cada indivíduo tem seu ritmo, seja ele mais lento ou mais rápido, desde o seu nascimento até o último dia de sua vida, e este desenvolvimento depende da herança genética de cada indivíduo, de sua maturação do sistema nervoso e de seu esforço, interesse e envolvimento. À medida que vamos aos desenvolvendo estamos construindo e reconstruindo nossa aprendizagem diante das experiências vividas, organizando novos esquemas ou ainda reorganizando conhecimentos já existentes, num processo de estruturação cumulativa, isto é, vamos construindo conhecimentos a partir dos já existentes acrescentando ou subtraindo informações a esta aprendizagem, criando novas estruturas de pensamento ou esquemas. De acordo com Wadsworth (2003), “os esquemas mudam continuamente, estes são nada menos que estruturas mentais cognitivas pelas quais os indivíduosintelectualmente se adaptam e organizam o meio”. Ao nascermos, os esquemas são de natureza reflexa, na medida em que nos desenvolvemos, os esquemas tornam-se mais sensórios, mais numerosos tornando-se mais complexos estando em constante processo de construção e reconstrução. Este processo chama-se assimilação e acomodação. Tais esquemas refletem o nível de compreensão e conhecimento de mundo. Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 23 Do ponto de vista conceitual, é desta maneira que se processam o crescimento e o desenvolvimento cognitivo em todas as suas fases. Do nascimento até a fase adulta, o conhecimento é construído pelo indivíduo, sendo os esquemas dos adultos construídos a partir de esquemas da criança. Na assimilação o organismo encaixa os estímulos à estrutura que já existe na acomodação o organismo muda a estrutura para encaixar o estímulo. O processo de acomodação resulta numa mudança qualitativa na estrutura intelectual (esquemas) enquanto que a assimilação somente acrescenta à estrutura existente uma mudança quantitativa (WADSWORTH, 2003, p.23/24). Estamos em permanente aprendizagem, porém aprendemos com maior facilidade na infância até a juventude, desenvolvendo-se ainda na vida adulta e estabilizando na maturidade decrescendo na velhice devido ao enfraquecimento neuro-hormonal, este processo também acontece de forma individual dependendo da herança genética. A criança passa, segundo a teoria do desenvolvimento cognitivo, por estágios diferenciados na aprendizagem de acordo com sua maturação. O primeiro estágio da inteligência é chamado sensório-motor, indo até os dois anos de idade, nesta fase, ela usa os sentidos e seus movimentos são manifestos, logo em seguida passa para o estágio pré-operacional que vai aproximadamente até os sete anos, onde está iniciando a vida escolar, já é capaz de estabelecer relações, classificar objetos levando em conta formas, tamanhos, cores comprimento, espessuras e ainda seriar objetos de acordo com suas especificidades. Dos sete aos onze anos aproximadamente, entra no estágio das operações concretas, sendo capaz de perceber as variações, alterações de quantidades, reversibilidade passando então para a aprendizagem formal aos doze anos, como já dissemos anteriormente, este desenvolvimento intelectual varia de indivíduo para indivíduo diante da faixa etária apresentada, porém todo desenvolvimento intelectual atravessa por estas fases. Quando a criança se encontra em um ambiente que desfavorece seu desenvolvimento pode acorrer um atraso intelectual e cultural podendo transformar crianças capacitadas em crianças com potencial abaixo do nível esperado provocando uma desarmonia evolutiva impedindo a aprendizagem normal. É recomendável que a criança entre para a escola com certo amadurecimento social capaz de adaptar-se a novas situações e relações, permitindo um controle emocional benéfico ao seu desenvolvimento cognitivo. Alguns fatores favorecem ou desfavorecem a aprendizagem, como a hereditariedade, o ambiente físico, social e familiar, a maturação, as condições estruturais orgânicas e principalmente o fator emocional, do qual depende grande parte da educação infantil, estes atuam simultaneamente no desenvolvimento intelectual, portanto, por estes aspectos, é imprescindível que o educador tenha sempre em mente os princípios gerais do desenvolvimento do aprender como um processo contínuo e global. Para ampliar os conceitos estruturados, elaborando e reelaborando novas idéias e pensamentos, faz-se necessário que o aprender aconteça de forma provocante, significativa, relacionada ao cotidiano e realidade da criança. Nas palavras de José e Coelho (2002) “para ser significativa, é necessário que a aprendizagem envolva raciocínio, análise, imaginação e relacionamento entre ideias, coisas e acontecimentos”. Observe que, a primeira escola que a criança entra em contato é a família, nela aprende inconscientemente e retêm de forma marcante sentimentos, autoconceitos, atitudes positivas e negativas, determinando grande parte do adulto que se formará. Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 24 Portanto, crianças convivendo em um meio afetivamente desequilibrado, deixando de suprir suas necessidades essenciais de amor autêntico e infantil fatalmente entrará em situações problemáticas ou mesmo patológicas, podendo levar a manifestações de supersensibilidade, sentimento de rejeição, pânico, ansiedade, depressão ou infantilização, ausência de relacionamento social, agitação. Como o desejo é bastante significante para acontecer à aprendizagem, o indivíduo exposto a problemas emocionais, deixa de desejar o aprender impedindo-o de construir esquemas e assimilar de forma que não compreenda a dimensão simbólica, pois inconscientemente, as emoções não permitem efetivar uma estrutura lógica de pensamento que resulte na aprendizagem cognitiva, visto que “desejo e inteligência estão intimamente ligados” (Campos, 2002). Assim é fácil perceber que os problemas de aprendizagem são tão somente sintomas, os quais as crianças passam a exibi-los através de desenhos, ações, brincadeiras, comportamentos e fracasso escolar. Os sentimentos positivos é fator fundamental para o bom desenvolvimento cognitivo do indivíduo, é possível perceber facilmente nos diagnósticos clínicos crianças que apresentam fracasso escolar, estas em sua maioria, atravessam situações de estresse emocional, baixa autoestima e expectativas de sucesso acadêmico, apresentam também instabilidade e pouca persistência, tais sintomas os sintomas aparecem de forma diferenciada entre os sexos, tendo maior incidência no sexo masculino. Isto já é comprovado por estudos mais aprofundados. [...] As meninas mostraram um estilo de personalidade mais voltado para a constrição, ansiedade à separação, passividade e afastamento, enquanto os meninos foram descritos como mais impulsivos, agressivos, beligerantes, desafiantes e opositores. (MARTINELLI, 2001, p.112) Posições teóricas abordam em grande escala o aspecto afetivo e a aprendizagem, dentre elas, a teoria psicogenética, que relata o equilíbrio do indivíduo com a satisfação em desempenhar tarefas desejadas, fazendo com que o mesmo busque o conhecimento, acomodando-o, estruturando suas habilidades e conceitos, como sendo uma energia para o bom funcionamento da inteligência, capaz de modificar as estruturas do pensamento acelerando o desenvolvimento intelectual sendo assim, segundo Piaget, o processo entre aprendizagem e afetividade estão distintamente interligados. Portanto a inteligência age de acordo com os interesses do indivíduo, atribuindo ao aprendizado energia, despertando a motivação. É preciso ter sempre em mente, ao avaliar o fracasso escolar, os domínios afetivos, cognitivos e psicomotor, para não fragmentar o desenvolvimento do ser humano, vê-lo como ser uno, movido principalmente pela parte afetiva, visto que as emoções estão ligadas às glândulas suprarrenais, estimulando-as para aumento da produção de adrenalina, fazendo com que aumente o ritmo respiratório e cardíaco, criando um processo de liberação de glicose em alta quantidade no sangue alterando o metabolismo possibilitando uma maior produção de energia, é importante ressaltar também que a emoção mobiliza o corpo inteiro estabelecendo relações com o exterior e interior num processo cognitivo e afetivo. Consequentemente o processo educativo deve harmonizar estas dimensões para promover a aprendizagem social e pessoal da criança. Considerando que a criança progride em função do meio, da afetividade e do desenvolvimento biológico, é possível dizer que mediante as suas experiências vividas, vai adquirindo propriedades físicas e estruturando seu conhecimento lógico matemático, distinguindo cores, tamanhos, dimensão, compensação, igualdades e diferenças, relacionando Biblioteca online – sem valor comercial.
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