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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO DISCIPLINA: PESQUISA EM CIÊNCIA DA EDUCAÇÃO-2015/1 Docente: Prof. Dr Cleomar F. Gomes RESENHA O PODER SIMBÓLICO NASCIMENTO, Alexandre Rauh Oliveira 1 Pierre Félix Bourdieu (1930-2002), sociólogo francês, filósofo de formação, começou a lecionar na Argélia, onde também prestou o serviço militar. Desenvolveu vasta obra e é contribuiu sobremaneira para o pensamento sociológico do século XX. “Eleito diretor, em 1965, da VI Seção da École pratique des hautes études, que em 1975 se tornou École des hautes études en sciences sociales, continuou sendo seu membro integral após ingressar no Collège de France, em 1982, até se aposentar, no verão de 2001. A partir de 1968, dirigiu no Collège de France o Centro de sociologia européia, fundado por Raymond Aron, onde criou, em 1975, sua célebre revista, Actes de la recherche en sciences sociales, que dispõe de um lugar à parte entre todas as revistas internacionais de sociologia, especialmente em razão de sua abertura às outras ciências sociais” (ENCREVÉ; LAGRAVE, 2005). A par de sua breve biografia destacamos a obra O Poder Simbólico, coletânea de trabalhos nos mais diversos campos das ciências sociais, reunidos pelo autor para publicação brasileira, na qual demarca as trocas desiguais que ocorrem no campo científico. A obra está dividida em dez capítulos, nos quais o autor aborda as relações sociais presentes na constituição de diversos campos, seus respectivos capitais e habitus, e a maneira 1 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá - 2015. como a sociologia do sociólogo deve interpretá-los. É uma obra em que Bourdieu apresenta ao leitor o resultado de suas vastas pesquisas em diversas áreas e ilustra como a teoria sociológica proposta por ele pode ser aplicada nos diversos fatos sociais. Nesta resenha, faz-se a opção por destacar três dos conceitos principais presentes na análise sociológica proposta por Bourdieu, quais sejam campo, capital e habitus. Conceitos que são expostos pelo autor de maneira esparsa ao longo da obra, com destaque no Capítulo III em que aborda a gênese dos termos campo e habitus. Assim, sua compreensão é feita a partir das demonstrações de como tais conceitos, que são entendidos como modus operandi, se aplicam aos fatos sociais pelo autor descritos. No primeiro capítulo, abordando o poder simbólico, o autor afirma que os sistemas simbólicos são instrumentos de conhecimento e comunicação, assim exercem um poder estruturante, possibilitando conhecer o mundo, por que são estruturados, entendendo o poder simbólico como um poder de construção da realidade. A produção simbólica é entendida como instrumento de dominação, relacionada a ideologia e produzida pela classe dominante – cultura dominante, que une, separa e legitima – com efeito sobre a classe dominada. Une porque intermedia a comunicação, separa porque é instrumento de distinção entre as classes e legitima, porque defina as culturas em suas distinções em relação a dominante. Nesse aspecto, há uma relação de luta em que as classes sociais concorrem para impor as demais sua visão de mundo. Ocorre que nessa luta a posição hierárquica da classe, definida pelo seu capital – que Bourdieu estende para além do econômico, como ver-se-á adiante – define o sucesso nas relações. “O poder simbólico, poder subordinado, é uma forma transformada, quer dizer, irreconhecível, transfigurada e legitimada, das outras formas de poder: só se pode passar para além da alternativa dos modelos energéticos que descrevem as relações sociais como relações de força e dos modelos cibernéticos que fazem delas relações de comunicação, na condição de se descreverem as leis de transformação que regem a transmutação das diferentes espécies de capital em capital simbólico e, em especial, o trabalho de dissimulação e de transfiguração (numa palavra, de eufemização) que garante uma verdadeira transubstanciação das relações de força fazendo ignorar-reconhecer a violência que elas encerram objetivamente e transformando-as assim em poder simbólico, capaz de produzir efeitos reais sem dispêndio aparente de energia” (Bourdieu, 1989, p. 15). No capítulo II, Bourdieu discorre sobre o trabalho de pesquisa do sociólogo, descrevendo o caminho de uma pesquisa, suas estratégias e características. Para ele o ápice da arte em ciências sociais está em aplicar „coisas teóricas‟ muito importantes sobre objetos „empíricos‟ menores na aparência, às vezes até irrisórios, assim o sociólogo demonstra conhecimento do fato social e do modus operandi de seu ofício. Discorre sobre o fazer da ciência sociológica, discutindo como o sociólogo olha o mundo apontando o foco nas relações como a maneira correta de se analisar um fato social, e nas relações por meio do conceito de campo pode ser feita uma análise que considere a dinâmica social. Para Bourdieu “a primeira tarefa da ciência social – portanto, do ensino da pesquisa em ciência social – é a de instaurar em norma fundamental da prática cientifica a conversão do pensamento, a revolução do olhar, a ruptura com o pré- construído e com tudo o que, na ordem social – e no universo doto – o sustenta” (Idem, p. 49). Preconiza que o trabalho de pesquisa do sociólogo não deve ser atado pelo método, embora se recorra a ele, pois se anulariam as possibilidades de compreensão da realidade pela mera antecipação do fato ao se definir entre esquemas metodológicos. Ao contrário defende a liberdade do pesquisador, para a partir das observações que sejam feitas as escolhas metodológicas. Nesse aspecto fala também da construção do objeto, fazendo indicações contrárias a construção do objeto previamente, pois nesse caso passa-se a análise de um objeto pré-construído. A respeito do objeto, Bourdieu fala da objetivação participante, assim definida: “É condição da ruptura com a propensão para investir no objeto(...). É preciso, de certo modo ter-se renunciado à tentação de se servir da ciência para intervir no objeto, para se estar em estado de operar uma objectivação que não seja a simples visão redutora e parcial que se pode ter, no interior do jogo, de outro jogador, mas sim a visão global que se tem de um jogo passível de ser apreendido como tal porque se saiu dele” (Ibidem, p. 58). Ainda sobre as escolhas metodológicas “Mas para tentar converter em preceito positivo todas estas críticas, direi apenas que é preciso desconfiar das recusas sectárias que se escondem por detrás das profissões de fé sectárias e tentar, em cada caso, mobilizar todas as técnicas que, dada a definição do objeto, possam parecer pertinentes e que, dadas as condições práticas de recolha dos dados, são praticamente utilizáveis”(Ibidem, p. 26). Nesse capítulo encontram-se fragmentos que esclarecem a noção de campo e habitus, porque contribuem para a compreensão da pesquisa em ciências sociais, que continuam no capítulo III no qual são abordadas a gênese de tais noções. Primeiramente, é importante destacar que tais conceitos não podem ser usados somente como teoria, pois constituem o modo como o sociólogo entende o fato social, de maneira prática, portanto, não apenas servindo de arcabouço. É na análise do campo científico que aparece seu habitus, constituído como regra elaborada pelo homem, um modus operandi científico funcionando em estado prático conforme as regras da ciência sem ter tais regras como origem (Ibidem, p. 23). Retoma a noção aristotélica de hexis, convertida em habitus, é um conhecimento adquirido, um capital haver, de um agente em ação. Rompe com alternativas sobre as quais a ciência social se assentou: a da consciência (ou do sujeito) e o do inconsciente,a do finalismo e do mecanicismo, etc. Para Bourdieu “os utilizadores da palavra habitus se inspiravam numa intenção teórica próxima da minha, que era a de sair da filosofia da consciência sem anular o agente na sua verdade de operador prático de construções do objeto” (Ibidem, p. 62). Superar a filosofia da consciência significa acreditar ao sujeito uma autonomia que se insere dentro de uma construção social, não uma autonomia absoluta, pela qual teria total independência na forma de pensar. Segundo Bourdieu, habitus é “...o produto de um trabalho social de nominação e de inculcação ao término do qual uma identidade social instituída por uma dessas 'linhas de demarcação mística', conhecidas e reconhecidas por todos, que o mundo social desenha, inscreve-se em uma natureza biológica e se torna um habitus, lei social incorporada" (Bourdieu, 2003, p. 64). Entendendo que a compreensão do fato social se faz de modo relacional, e não de maneira estagnada, Bourdieu utiliza a noção de campo, que compreende a realidade e o fato social a partir das relações que se estabelecem entre os agentes que compõem determinada classe social. Assim, para se analisar o comportamento das classes é preciso compreender suas relações de poder que se estabelecem dentro de um campo específico. Sobre isso, “campo de poder (de preferência a classe dominante, conceito realista que designa uma população verdadeiramente real de detentores dessa realidade tangível que se chama poder), entendendo por tal as relações de forças entre as posições sociais que garantem aos seus ocupantes um quantum suficiente de força social – ou de capital – de modo a que estes tenham a possibilidade de entrar nas lutas pelo monopólio do poder, entre as quais possuem uma dimensão capital as que têm por finalidade a definição da forma legítima de poder” (Bourdieu, 1989, p. 28-29). Os limites de um campo são estabelecidos pelos seus efeitos, em outras palavras, um agente – ou uma instituição – integra um campo na medida em que neste campo sofre ou produz efeitos. Na definição de campo Bourdieu começou com o campo intelectual, no qual se acumula capital cultural 2 . Para superar a noção de campo intelectual Bourdieu analisou o campo religioso mediante uma crítica da visão interacionista entre os agentes religiosos presente na obra de Max Weber, propôs “uma construção do campo religioso como estrutura de relações objectivas que pudesse explicar a forma concreta das interações que Max Weber descrevia em forma de uma tipologia realista” (Ibidem, p. 66). Foi uma forma de por a prova sua teoria para compreensão da realidade e na análise de diversos campos, “estes, em consequência das particularidades das suas funções e do seu funcionamento (...) denunciam de maneira mais ou menos clara propriedades comuns a todos os campos” (Ibidem, p. 67). Dentro do espaço social, que para Bourdieu é tão material quanto o espaço geográfico, é que ocorrem as lutas entre integrantes por legitimação de suas crenças, e na dinâmica que estabelecem por ascender a posições mais elevadas, com o necessário acúmulo de capital, acabam perpetuando as relações que mantém o campo. Por isso, “Compreender a gênese social de um campo, e apreender aquilo que faz a necessidade específica da crença que o sustenta, do jogo da linguagem que nele se joga, das coisas materiais e simbólicas em jogo que nele se geram, é explicar, tornar necessário, subtrair ao absurdo do arbitrário e do não- motivado os actos dos produtores e as obras por eles produzidas e não, como geralmente se julga, reduzir ou destruir” (Ibidem, p. 69). 2 Capital para Bourdieu vai além do capital econômico definido por Marx, que se restringe a materialidade, alcançando o plano simbólico, onde a posição dos indivíduos dentro de um campo é definida pelo volume de capital acumulado, com valor simbólico para cada campo. Assim teremos capital cultural, científico, econômico, tantos quanto sejam os campos e o que tem valor para cada campo e posiciona seus agentes, assegurando-lhe todas as vantagens e benefícios que se pode ter acumulando-os, e que agora o capital econômico, não se podem comprar com moeda. A maneira como se perpetuam as condições de existência de um campo são explicitadas por Bourdieu da seguinte forma: “é nas lutas internas – e por meio delas – dos clérigos, lutas em que o que está em jogo não é nem nunca poderá ser exclusivamente e explicitamente temporal, que eles mesmos produzem – sem necessariamente as pensarem como tais – as estratégias adequadas a assegurar as condições econômicas e sociais da sua própria reprodução social” (Ibidem, p. 76). Para compreensão do campo partir de sua história é a única forma legítima de análise, porque sempre há um predecessor antes do percussor, que analisados nas suas relações revelam as condições de sua existência, sua essência. No capítulo IV são abordadas as relações entre a história reificada e a história incorporada, sendo possível identificar, a partir da demonstração de Bourdieu como os conhecimentos, as práticas, as ideologias se materializam e passam a ser naturais aos indivíduos de determinado campo, que as reproduzem automaticamente, pois já foram incorporados os elemento de sua reprodução. Para isso, é dado o exemplo do cumprimento em que um cidadão retira o chapéu para saudar outro, vejamos: “Aquele que tira o chapéu para cumprimentar reactiva, sem saber um sinal convencional herdado da Idade Média no qual, como relembra Panofsky os homens de armas costumavam tirar seu elmo para manifestarem as suas intenções pacíficas. Esta atualização é consequência do habitus, produto de uma aquisição histórica que permite a apropriação do adquirido histórico” (Ibidem, p. 82-83). Pode-se perceber o habitus incorporado na atitude do indivíduo, sem questionamentos, como algo natural. Assim ocorre com as leis dentro de um campo, que são incorporadas pelos indivíduos e reproduzidas natural e automaticamente. Nos movimentos da história, em que instituições e ações de agentes são analisadas Bourdieu as sintetiza da seguinte maneira: “A razão e a razão de ser de uma instituição (ou de uma medida administrativa) e dos seus efeitos sociais, não está na „vontade‟ de um individuo ou de um grupo mas sim no campo de forças antagônicas ou complementares no qual, em função dos interesses associados às diferentes posições e do habitus dos seus ocupantes, se geram as „vontades‟ e no qual se define e se redefine continuamente, na luta – e através da luta – a realidade das instituições e dos seus efeitos sociais, previstos e imprevistos” (Ibidem, p. 81). As condições de funcionamento e perpetuação do campo são de tal maneira incorporadas, assumidas e realizadas pelos indivíduos que não tem outra alternativa senão a reprodução de tais condições, jogar o jogo, mesmo aqueles que estão em posições hierárquicas elevadas, pois não se pode enganar o jogo. Tem-se somente a opção por deixar o jogo, ao que corresponderia a morte social. Deixar um campo no qual se acumula algum capital para migrar a outro corresponde sempre a represálias dos indivíduos deste novo campo, pois não se transfere capital de um campo a outro. Assim, “O princípio do movimento perpétuo que agita o campo não reside num qualquer primeiro motor imóvel – o Rei-Sol neste caso – mas sim na própria luta que, sendo produzida pelas estruturas constitutivas do campo, reproduz as estruturas e as hierarquias deste. Ele reside nas acções e nas reações dos agentes que, a menos que se excluam do jogo e caiam no nada, não tem outras escolhas a não ser lutar para manterem ou melhorarem a sua posição no campo, quer dizer, para conservarem ou aumentarem o capital específico que só no campo se gera, contribuindo assim para fazer pesar sobre todos os outros os constrangimentos,frequentemente vividos como insuportáveis, que nascem da concorrência” (Ibidem, p. 85). Comenta que a teoria dos Aparelhos – Igreja, Estado ou Partido – permite “uma denúncia abstrata do Estado ou da Escola que reabilita os agentes, consentindo que eles vivam no desdobramento da sua prática profissional e das suas opções políticas” (Ibidem, p. 86). Faz uma crítica a tal teoria que considera o sujeito como passivo dentro de tais estruturas, pois para Bourdieu há uma ação do sujeito na perpetuação de tais estruturas, por que delas acredita se criarem as condições para sua sobrevivência, por força do habitus que lhe foi incorporado. “Quanto mais nos afastamos do funcionamento dos campos como campos de lutas para passar a estados-limites,(...) tanto mais a instituição tende a consagrar agentes que tudo dão à instituição (ao „Partido‟ ou à „Igreja‟, por exemplo) e que realizam esta oblação de maneira tanto mais fácil quanto menos capital possuírem fora da instituição, logo, quanto menos liberdade tiverem em relação a ela e em relação ao capital e aos ganhos específicos que ela oferece”(Ibidem, p. 95). No capítulo V, são abordados elementos para uma reflexão crítica sobre a ideia de região. A definição de região é uma disputa entre escolas da ciência, especialmente a geografia e economia, que considerando o capital que acumulam na sociedade, acabam incluindo aí mais ou menos elementos de definição. Assim na geografia se incorporaram elementos da economia, dada que esta escola tem maior prestígio social – por sua composição de campo – que a geografia, escola menor mesmo entre seus pares, na faculdade de Letras, considerando-se a origem social dos estudantes. Assim a definição de região também é relacional, incluindo também agentes fora do contexto acadêmico que atuam. Nesse campo em disputa a existência negativa de determinadas regiões em relação ao centro, atua como dominação simbólica e econômica, fazendo com que alguns agentes sejam levados a lutar para alterar sua definição. “a tendência para a partilha indefinida das nações que impressionou todos os observadores compreende-se se se vir que, na lógica propriamente simbólica da distinção – em que existir não é somente ser diferente mas também ser reconhecido legitimamente diferente e em que, por outras palavras, a existência real da identidade supõe a possibilidade real, juridicamente e politicamente garantida, de afirmar oficialmente a diferença – qualquer unificação, que assimile aquilo que é diferente, encerra o princípio da dominação de uma identidade sobre outras, da negação de uma identidade por outra” (Ibidem, p. 129). Na sequência o capítulo VI apresenta a gênese de “classes”, na qual Bourdieu apresenta uma ruptura com a teoria marxista em três aspectos: i. com a substância (grupos reais, para os quais se pretende definir número) em favor das relações, amplamente defendidas por Bourdieu para análise do fato social; ii. economismo que reduz o campo social, que é multidimensional, unicamente ao campo econômico, desconsiderando todas as demais variantes simbólicas que atuam na luta de forças dentro do campo; iii. Objetivismo, que caminha com o intelectualismo, ignorando as lutas simbólicas dos diferentes campos “nas quais está em jogo a própria representação do mundo social e, sobretudo, a hierarquia no seio de cada um dos campos e entre os diferentes campos” (Ibidem, p. 133). Para Bourdieu a definição de classe como objeto estático não corresponde à realidade, o que existe “é um espaço de relações qual é tão real como um espaço geográfico, no qual as mudanças de lugar se pagam em trabalho, em esforços e sobretudo em tempo (ir de baixo para cima é guindar-se, trepar e trazer as marcas e estigmas desse esforço)” (Ibidem, p. 137). Assim, todo esforço por quantificar, identificar, diferenciar classe assemelha-se ao trabalho taxonômico, e que nesse sentido desconsidera a dinâmica real do espaço social. Neste capítulo encontra-se uma definição bastante esclarecedora do capital, que como dito anteriormente, Bourdieu expande para além do econômico. “O capital – que pode existir no estado objetivado, em forma de propriedades materiais, ou, no caso do capital cultural, o estado incorporado, e que pode ser juridicamente garantido – representa um poder sobre um campo (num dado momento) e, mais precisamente, sobre o produto acumulado do trabalho passado (em particular sobre o conjunto dos instrumentos de produção), logo sobre os mecanismos que contribuem para assegurar a produção de uma categoria de bens e, deste modo, sobre um conjunto de rendimentos. (...) Por exemplo, o volume de capital cultural (o mesmo valeria, mutatis mutandis, para o capital econômico) determina as probabilidades agregadas de ganho em todos os jogos em que o capital cultural é eficiente, contribuindo deste modo para determinar a posição no espaço social” (Ibidem, p. 134). Importante destacar que embora o capital possa apresentar diferentes configurações quantos forem os campos e seus agentes e o que tem valor de acúmulo e reconhecimento, o campo econômico impõe sua estrutura aos demais campos, e mesmo dentro de outros campos o capital econômico também exerce grande influência. Para exemplificar o acúmulo de capital, que à maneira do econômico também pode ser acumulado e pelo estado é defendido inclusive juridicamente, temos o poder de nomeação, pelo qual a justiça e o estado com seus atos escritos estabelecem normas, temos a constituição do capital acadêmico, que acumulado pelos agentes do campo acadêmico lhes confere poder e benefícios sobre os demais. “O título profissional ou escolar é uma espécie de regra jurídica de percepção social, um ser-percebido que é garantido como um direito. É um capital simbólico institucionalizado, legal (e não apenas legítimo). Cada vez mais indissociável do título escolar, visto que o sistema escolar tende cada vez mais a representar a última e única garantia de todos os títulos profissionais, ele tem em si mesmo um valor e, se bem que se trate de um nome comum, funciona à maneira de um grande nome (nome de grande família ou nome próprio), conferindo todas as espécies de ganhos simbólicos (e dos bens que não é possível adquirir diretamente com a moeda)” (Ibidem, p. 148-149). No capítulo VII é feita análise do campo político, entendendo-se como também um campo de força onde acontecem as lutas que lhes perpetuam, assim como os demais campos, porque como demonstrado por Bourdieu os campos seguem alguns princípios. Neste campo, o monopólio da produção das formas de percepção e expressão é o que confere acúmulo de capital que sujeita os demais agentes do campo. Sem o capital necessário, resta aos integrantes renunciarem aos membros da classe dominante, pois não tem outra escolha senão a demissão ou a entrega ao partido, que representa a continuidade da classe. O habitus político, neste caso composto de teorias, problemáticas, tradições, é o que confere aos profissionais da classe, aliado a habilidades de retórica e domínio da linguagem poder sobre os demais. “Em matéria de política como em matéria de arte, o desapossamento dos que são em maior número é correlativo, ou mesmo consecutivo, da concentração dos meios de produção propriamente políticos nas mãos de profissionais, que só com a condição de possuírem uma competência específica podem entrar com alguma probabilidade de sucesso no jogo propriamente político” (Ibidem, p. 169). No capítulo VIII é abordado o campo do direito, trazendo elementos para uma sociologia do direito. Para Boudieu o campo jurídico é concebido por seus participantes como a história da evolução interna de conceitos e métodos, considerando assim o um sistema fechado e autônomo. O monopólio dos meios jurídicos herdados do passado é o que garante o funcionamento do campo. O domínio de processos linguísticos próprios criauma linguagem jurídica que intenta o efeito da neutralização e da universalização, assim o habitus jurídico consiste na habilidade de interpretação dos textos. O espaço judicial constitui assim uma barreira que separa os que detém o capital e aqueles que não possuem o habitus necessário para compreensão do jogo, excluindo-os. Sua autoridade é exercida por meio da proclamação pública acompanhado de coerção física – retirada da vida, liberdade ou propriedade. “A função de manutenção da ordem simbólica que é assegurada pela contribuição do campo jurídico é – como a função de reprodução do próprio campo jurídico, das suas divisões e das suas hierarquias, e do princípio de visão e de divisão que está no seu fundamento – produto de inúmeras acções que não têm como fim a realização desta função e que podem mesmo inspirar- se em intenções opostas” (Ibidem, p. 254). No capítulo IX é abordado a institucionalização da anomia, representando uma análise da revolução simbólico operada por Manet, e depois dele pelos Impressionistas, qual seja “o desabamento das estruturas sociais do aparelho acadêmico („ateliers‟, Salões, etc) e das estruturas mentais que lhe estavam associadas encontrou condições favoráveis nas contradições introduzidas pelo aumento numérico da população dos pintores oficiais” (Ibidem, p. 255). Faz assim uma análise de como operaram as forças na construção de um campo autônomo de produção independente da rigidez acadêmica, exercida pelo controle do Estado. No último capítulo, gênese histórica de uma estética pura, Bourdieu fala da importância da compreensão histórica e em se tratando de um campo onde atuam agentes lutando pela imposição de suas crenças aos demais, também aqui se constituem as condições para perpetuação do campo, no caso para referência do que é considerado obra de arte. Assim, não é sujeito somente que define o que é obra de arte, mas o conjunto dos agentes. “Se é esta a lógica do campo, então compreende-se eu os conceitos utilizados para pensar as obras de arte e, em particular, para as classificar, se caracterizem, como observava Wittgenstein, por uma extrema indeterminação, quer se trate de géneros (tragédia, comédia, drama ou romance), de formas (balada, rondó, soneto ou sonata), de períodos ou estilos (gótico, barroco ou clássico) ou de movimentos (impressionista, simbolista, realista, naturalista)” (Ibidem, p. 291). Contribuição para a construção do objeto de pesquisa Considerando as análises feitas sobre diferentes fatos sociais e a maneira como Bourdieu aplica as noções de campo, habitus e capital é possível estabelecer o paradigma de como proceder uma análise do objeto de pesquisa baseada em sua teoria. A expansão da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica – EPT, após considerarmos o contexto político econômico no qual o capital, na sua identidade definida por Marx, opera sobremaneira, como também aponta Bourdieu, com as imposições que lhes são próprias na defesa de seus interesses e manutenção do sistema, podemos considerar as demais variantes que operam dento do campo acadêmico. Neste caso temos instituições que fazem parte de um campo em disputa – escolas técnicas, agrotécnicas, universidades tecnológicas, cefet‟s, e o próprio governo federal, como agente dominante nessa relação, uma vez que possui o capital econômico e o poder simbólico de dominação sobre os demais – que lutando por sua sobrevivência na busca pela manutenção de suas atividades e existência acabam por perpetuar as condições do campo. Em se tratando de politica educacional, não se pode furtar de exemplificar também com o processo de expansão das universidades públicas, por meio do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI, que acontece no mesmo momento da expansão da Rede de EPT, em que as universidades federais – em disputa dentro do campo acadêmico que lhes é próprio – se veem impelidas a aderir ao programa sob pena de sua exclusão do campo, que como aponta Bourdieu representa a morte social. Como imaginar uma universidade sem os recursos da expansão, vagas para docentes, técnicos e verba para assistência estudantil, dentre outros, obviamente acompanhadas de condições impostas pelo polo dominante, o governo federal, que exerce sobre os demais a violência simbólica da opressão das condições impostas, e a coerção pelo órgãos de controle, referenciados pelo aparato jurídico. Assim, temos tanto universidades como institutos federais, cada qual no seu campo, e dada a reforma também sofrida pela Rede de EPT, entrando em parte no campo das universidades sob condições inferiores – pois não possui o habitus científico e seu capital na educação profissional técnica não é transferido para o campo onde atuam as universidades, atuando pela perpetuação das condições do campo: disputa entre os integrantes por posições de prestígio dentro da hierarquia, pelo acúmulo de capital – econômico, cultural, científico – e condições de existência. Para a compreensão do fenômeno da expansão da rede de EPT Bourdieu acrescenta uma contribuição relevante e substancial, porque sem dúvida não somente condições econômicas, impostas pelo capital econômico, que atuaram e continuam atuando, há uma gama de valores simbólicos também em disputa que condicionam as instituições e são por elas reproduzidas como seu habitus dentro do campo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. Disponível em: http://monoskop.org/images/b/b3/Bourdieu_Pierre_O_poder_simbolico_1989.pdf Acesso em: 30 de abril 2015. BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 2003, p 64. Wikipedia – acesso em 29 de maio 2015, disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Habitus ENCREVÉ, P; LAGRAVE, R-M. Memória do trabalho, memória no trabalho. In: ENCREVÉ, P; LAGRAVE, R-M. Trabalhar com Bourdieu. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005, p. 8. Disponível em www.bourdieu.com.br Acesso em: 01, Junho de 2015. http://monoskop.org/images/b/b3/Bourdieu_Pierre_O_poder_simbolico_1989.pdf http://busca.livrariasaraiva.com.br/search?ID=C89151A17DD06120A132D0525&ID=0A34057C7DD061113322B0520&ID=745A8ADB7DD05101601300653&w=trabalhar+com+bourdieu&af=&x=-826&y=-152 http://busca.livrariasaraiva.com.br/search?ID=C89151A17DD06120A132D0525&ID=0A34057C7DD061113322B0520&ID=745A8ADB7DD05101601300653&w=trabalhar+com+bourdieu&af=&x=-826&y=-152 http://www.bourdieu.com.br/
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