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POLÍCIA CIVIL ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS INSTITUTO DE CRIMINOLOGIA – NÚCLEO DE ESTUDOS EM SEGURANÇA PÚBLICA E PESQUISA – NESPP CRIMINOLOGIA Belo Horizonte 2007 2 POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS Academia de Polícia Civil de Minas Gerais Instituto de Criminologia Núcleo de Estudos em Segurança Pública e Pesquisa- NESPP Chefe de Polícia Marco Antônio Monteiro de Castro Diretor-Geral da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais Cylton Brandão da Matta Delegado-Geral – Direção Adjunta Renato Patrício Teixeira Diretor do Instituto de Criminologia Simeão Lopes Comissão Editorial Simeão Lopes/ Paulo Guilherme Santos Chaves Patrícia Luíza Costa/ Lola Aniyar de Castro (Venezuela) José Francisco de Almeida Pacheco (Portugal)/ Serge Desrosier (Canadá) Suely Félix Andruccioli (São Paulo- Marília) / Alexandre Magno Alves Diniz (PUCMINAS) Projeto Gráfico Noeinstein da Trindade Paula Artigos para publicação podem ser enviados para apreciação da Comissão Editorial, no seguinte endereço: Revista Criminologia – Academia de Polícia Civil/ Biblioteca Paulo Pinheiro Chagas Rua Oscar Negrão de Lima, 200, sala 302 Nova Gameleira – Belo Horizonte – Minas Gerais – CEP 30510-210 Fone: (31) 3379.50.41 fax: (31) 3379.50.02 Ficha catalográfica Criminologia/ Núcleo de Estudos em Segurança Pública e Pesquisa- NESPP/ ACADEPOL. Ano 2. N.2 (ago.2007) – Belo Horizonte, 2007 Anual ISSN 1676-0584 1.Criminologia. 2.Direitos Humanos. 3. Educação. 4.Segurança Pública. I. Polícia Civil de Minas Gerais. CDD 301.304 3 S U M Á R I O ESTUDO EPISTEMOLÓGICO DO TERMO “SERIAL KILLER”: CONCEITO E NOVA PROPOSTA DE CLASSIFICAÇÃO................................................................. Autor: CHAVES, Paulo Guilherme Santos et all (Equipe de Pesquisadores voluntários do Núcleo de Estudos em Criminalidade e Segurança – NESPP/ ACADEPOL) 5 A INFLUÊNCIA DO CONSUMISMO NO AUMENTO DA CRIMINALIDADE JUVENIL........................................................................................................................ Autor: RIBEIRO, Gláucia Maria e CHAVES, Paulo Guilherme Santos 15 A MILITARIZAÇÃO DOS APARELHOS POLICIAIS BRASILEIROS............................................................................................................. Autor: ZAVATARO, Bruno. 29 IMPLEMENTAÇÃO DA MALHA CURRICULAR NACIONAL: A FORMAÇÃO POLICIAL CIVIL EM MINAS GERAIS......................................................................... Autor: ALMEIDA, Silvano e COSTA, Patrícia Luíza. 45 A GEOGRAFIA DO CRIME E O ESTADO DE MINAS GERAIS: A Superintendência Geral de Polícia e a distribuição de Policiais Civis – um estudo de caso.......................................................................................................... Autor: SANTOS, Mário José Correia; CHAVES, Paulo Guilherme Santos; BATELLA, Wagner; COSTA, Patrícia Luíza. 63 A APLICAÇÃO DO SISTEMA DE INFORMAÇÃO NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL: O LIVRAMENTO CONDICIONAL................................................................................ Autor: COSTA, Andréa Luíza. 85 SEGURANÇA PÚBLICA, CRIMINOLOGIA, POLÍCIA COMUNITÁRIA E MÍDIA: Simbiose necessária para o século XXI. ................................................................. Autor: PEREIRA, Égina Glauce Santos 101 O PROGRAMA FICA VIVO EM BELO HORIZONTE VERSUS A NOVA RETÓRICA POLÍTICA DA ‘TOLERÂNCIA ZERO’......................................................................... Autor: CASTRO, Gustavo Almeida Paolinelli de 111 ANEXOS........................................................................................................................ 123 4 5 ESTUDO EPISTEMOLÓGICO DO TERMO “SERIAL KILLER”: CONCEITO E NOVA PROPOSTA DE CLASSIFICAÇÃO Paulo Guilherme Santos Chaves et all1 Ângela Romano Cristina Coelli Maria Regina Salles Pimentel Patrícia Helena Cardoso Tânia Maria Coutinho Patrícia Luíza Costa Rodrigo Piassi Márcia C. Laperrière de Moura Miguel Alves Franco Rossana Mary Neres Silva Tatiana Falconi INTRODUÇÃO Estudar o homicida em série tem sido muito explorado pela criminologia mundial. Influenciado pela visão da criminologia clínica bastante difundida na década de 70, os conhecimentos explorados pela psiquiatria permitiram uma vasta abordagem sobre a estrutura psíquica destes criminosos. De fato, embora hediondo e repulsivo o delito, o medo da população local onde atuam e a fascinação que este tipo de estudo gera nos criminólogos, incentivaram a produção científica sobre o tema. Uma delas, a enciclopédia do Serial Killer de Michael Newton (2005), faz um levantamento de quase todos os casos de matadores em série documentados durante todos os anos, apresentando assim uma gama enorme de exemplos a serem analisados, como seu modus operandi, assinaturas que o identificam, troféus que acumulavam das vítimas e o perfil da vítima escolhida. Considerava-se o assassino em série todos aqueles assassinos que cometeram mais de dois crimes com certo intervalo de tempo entre eles (FBI). Sendo assim, o conceito de “Serial Killer” tornou-se muito vago. Somente para exemplificar, o latrocida que cometeu mais de dois homicídios teria que ser considerado um Serial Killer o que não é a realidade. Outro que também estaria incluído neste grupo seria o indivíduo que cometeu um homicídio, causa de seu envolvimento no tráfico de drogas, e logo teve que repetir outros muitos assassinatos. 1 Paulo Guilherme Santos Chaves é bacharel em Fisioterapia pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Especialista em Geriatria e Gerontologia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Responsável técnico-científico pelo Curso de Gerontologia aplicada ao Agente Policial Civil realizado pela Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, em parceria com a Secretaria Nacional de Segurança Pública-SENASP e o Hospital Espírita André Luiz-HEAL. Responsável pelo Projeto de Violência Doméstica contra o Idoso, realizado na Delegacia Especializada de Proteção ao Idoso-DEPI, de Belo Horizonte, Minas Gerais. Professor-orientador de monografias do Curso de Pós-graduação "Lato Sensu" - Especialização em Criminologia, da PUCMINAS- ACADEPOL/MG. Este trabalho foi realizado com a Equipe de Pesquisadores, todos voluntários: Policiais Civis – Ângela Romano (Perito Criminal e Especialista em Criminologia); Cristina Coelli (Delegado de Polícia); Maria Regina Salles Pimentel (Escrivão de Polícia e Especialista em Criminologia); Patrícia Helena Cardoso (Escrivão de Polícia e Especialista em Criminalidade e Segurança Pública e Criminologia); Tânia Maria Coutinho Ricas (Agente de Polícia, Especialista em Psicologia e Psicanálise, Pedagoga); Patrícia Luíza Costa (Agente de Polícia, Bacharel em Química pela UFMG. Especialista em Fonética da Língua Inglesa pela UEMG. Mestre em Administração pela FGV. Doutora em Química Analítica pela UNICAMP. Pertence ao quadro da Polícia Civil de Minas Gerais, atuando com Agente de Polícia. Atua na Divisão Psicopedagógica da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais. Policiais Militares: Rodrigo Piassi (Capitão PM de Minas Gerais, Especialista em Criminologia); Márcia C. Laperrière de Moura (Tenente da PM de Minas Gerais, Odontóloga e Especialista em Criminologia). Os Administrativos: Miguel Alves Franco (Psicólogo e Especialista em Criminologia); Rossana Mary Neres Silva (Psicóloga) e Tatiana Falconi (Assistente Social) ambas atuando na Delegacia Especializada de Pessoas Desaparecidas, do Departamento de Investigações da Polícia Civil de Minas Gerais. 6 A priori, o conceito de homicidas em série esbarra em questões etimológicas2. Os maiores esforços na busca de entender estes homicidas iniciaram pelos estudiosos americanos. Tal fato, fez com que o termo Serial Killers tornara-se referencia na identificação do tipo de homicida a que as investigações se referiam. O termo “Serial Killer” foi posteriormente relacionadoao estado mental patológico destes indivíduos, sendo eles imputáveis ou não. Assim sendo, etimologicamente, o termo do homicida em série remete a uma busca de homicidas que são caracterizados por um fator etiológico; isto é, homicida com certo grau de patologia mental cujo caráter doentio se torna a causa que o impulsiona para tais atos. O termo sofre então mudanças com o tempo o que indica a necessidade de analisar-se sua semântica uma vez que inúmeros outros casos foram aparecendo. Casos que variam em sua causalidade, em seu perfil geral quanto ao criminoso, em relação aos locais em que atuam e principalmente em sua finalidade; em seu objetivo fim. Muitas dúvidas giram em torno dos homicidas em série. Uma delas refere-se ao próprio termo traduzido para as línguas vernáculas. Qual a diferença de Serial Killer para o homicida em série? Em fim, existe diferença? Se um termo é a tradução do outro como pode haver uma diferença? O fato de que o Serial Killer seja considerado o “verdadeiro homicida em série”, encontra-se por detrás das brumas da semântica. O termo americano, tão explorado na literatura e nos filmes sensacionalistas, com o tempo, criou um autoconceito e estabeleceu o típico homicida em série do qual a população teme e muitas vezes altera, inclusive, seus hábitos normais de vida. De fato este estudo tem a pretensão de definir o conceito do termo Serial Killer além estabelecer uma classificação dos homicidas em série explorando o perfil psíquico deste indivíduo. Assim sendo, faz-se necessário um esforço hermenêutico3 sobre o “termo” no intuito de definir com exatidão qual o tipo de homicida é considerado um Serial Killer. Muitos são os questionamentos que serão abordados no estudo de um indivíduo que aparentemente escarnece da importância da vida humana desrespeitando a lei primeira de cunho jurídico e também religioso, “não matarás”. Como pode um ser humano desrespeitar por simples prazer o direito a vida? Se trata de um doente mental? Seria o ambiente e sua história de vida pregressa os desencadeadores desta patologia ou tal patologia passa a existir em conseqüência destes? Isto é, os doentes mentais nascem homicidas ou vão se estruturando homicidas em série de acordo com suas vivências? Tem uma patologia ou apenas um distúrbio de comportamento? Podemos acreditar que alguns destes homicidas em série podem ser completamente sãos, ao referir-se a seu estado mental? Todas estas questões parecem difíceis de serem respondidas, mas não impossíveis. O dano maior dos crimes dos homicidas seriais é o sentimento de insegurança. Não que outros tipos de homicídios não incomodem a população geral, mas nem sempre o cidadão “comum” é alvo destes homicídios. É sabido que o maior percentual de homicídios gira em torno das vítimas jovens de 18 a 24 anos que envolveram-se com o tráfico de drogas (BEATO, 2003). Entretanto, mesmo o indivíduo que não freqüenta nenhum tipo de ambiente de consumo de drogas e nem está envolvido em rixas diversas ou qualquer conflito passional seja ele de qualquer natureza, está exposto, ainda assim, a principalmente três tipos de crimes que pode vitimizá-lo a qualquer momento fazendo-o perder a sua vida. 2 Etimologia vem do grego antigo sendo parte da gramática que trata da história ou origem das palavras e da explicação de seu significado através da análise dos elementos que as constituem. Por outras palavras, é o estudo da composição dos vocábulos e das regras em sua evolução histórica. No caso não se trata de uma palavra senão de um termo composto. 3 O termo "hermenêutica" provém do verbo grego "hermēneuein" e significa declarar, anunciar, interpretar, esclarecer e, por último, traduzir. Significa que alguma coisa é "tornada compreensível" ou "levada à compreensão". 7 O seqüestro seria o primeiro, o que por princípio geral, coloca sobre ameaça uma pequena parcela da população, a de classe alta. O segundo, o latrocínio incluindo o seqüestro relâmpago, caso a vítima tente reagir ao assalto. Este crime pode ameaçar qualquer pessoa, sendo ela de classe alta, média ou baixa. Porém, este tipo de crime pode ser semicontrolado pela vítima bem informada caso saiba agir durante a abordagem do assaltante. E por fim, o homicídio cometido por um homicida em série. Neste, ninguém se encontra protegido. Qualquer pessoa pode cruzar com um homicida em série e tornar-se vítima destes e não há muitos recursos de controle da situação. Por tanto, a suspeita de um homicida em série em uma região causa pânico à população local e altera os hábitos de vida de pessoas comuns. REVISÃO DA LITERATURA O termo assassino surgiu na Síria no século XI quando um fundamentalista mulçumano para estimular os atos de crueldade de seus seguidores, os induzia a consumir “hachís”, uma droga extraída do cânhamo, uma planta comum da índia. Em árabe, a planta era chamada de “hassís” . Tais seguidores do chamado “o velho da montanha” eram conhecidos como “hassasí” que em árabe é “consumidor de haxixe”. A palavra passou a ser usada para designar os matadores. A palavra “assassino” aparece usada pela primeira vez em português por volta do Século XII. Este vocábulo, que foi trazido do Oriente pelos Cruzados, chegou também ao francês e inglês como “assassin”, ao espanhol como “asesino”, ao italiano como “assassino”. O comportamento dos Serial Killers foi descrito pela primeira vez, em 1840, com base em um militar francês que, durante o dia, trabalhava e convivia pacificamente com sua família porém, a noite, invadia cemitérios para violentar cadáveres. (GUIDO PALOMBA, 2004) Usava-se então a palavra Stranger Killer (Assassino Desconhecido) pois acreditava-se que os assassinos não conheciam suas vítimas. O agente do FBI Robert K. Ressel observou que em alguns casos os assassinos tinham algum tipo de contato com as vítimas e cunhou o termo Serial Killer, a partir 1970. Alguns estudiosos consideram que o ato de matar duas pessoas já é suficiente para classificar o assassino como Serial killer, outros consideram que somente com quatro homicídios é que se deveria aplicar tal classificação. (ILANA CASOY, 2004). Pesquisas feitas por médicos americanos em 1984 revelaram que na maioria dos casos, os Serial Killers tem uma doença denominada DPA (Distúrbio da Personalidade Anti-social). (SABBATINI, 1998). Psicopatia Uma grande dúvida gira em torno dos matadores em série. São todos psicopatas? A psicopatia é uma doença ou apenas um transtorno do comportamento? Será que ela é uma disfunção cerebral? A evolução dos conceitos sobre a personalidade psicopática, em geral, têm dedicado, há tempo, preocupação com o quadro conhecido por psicopatia ou sociopatia, transtorno dissocial, transtorno sociopático, transtorno anti-social. É um esforço para colocar as pessoas que não se encaixam nas doenças mentais já bem definidas e com características bastante delineadas. Situam-se à margem do considerado normal do psico-emocional ou no mínimo, comportamental. Psicopatas, são os indivíduos cujo tipo de conduta chama a atenção e que não se podem qualificar de ‘loucos’ nem de débeis, eles estão em um campo intermediário. Atuam em termos de comportamento, conduta moral e ética. Em 1801, Pinel publica o Tratado Médico Filosófico sobre a alienação mental e fala de pessoas que têm todas as características de mania, mas que carecem de delírio. Chamava de mania os estados de furor persistente e o comportamento florido, distinto do conceito atual de mania. Esquirol, J. discípulo de Pinel cunhou o termo monomania, enfocando um determinado aspecto de comportamento (monomania homicida, monomania incendiária). Defendia a idéia de que a monomania poderia resultar em atos criminosos, portanto, passíveis de tratamento e, não de punição. 8 Emil Kraepeliin (1904) psiquiatra alemã, cunhou o termo personalidade psicopática, para pessoas que se mantém em choque contundente com os parâmetros sociais vigentes. Kurt Schneider (1923) falou sobre o termo personalidades anormais que sofrem porsua anormalidade ou, por ela, fazer sofrer a sociedade. Freud (vol.XIV) em “alguns tipos característicos encontrados no trabalho psicanalítico”, especificamente, no texto Criminosos em conseqüência de um sentimento de culpa, faz da culpa um divisor de águas em relação a criminosos analisáveis e não analisáveis, isto porque ele localiza a culpa num tempo anterior ao ato criminoso, que é cometido com vistas à punição. Nas décadas de 60 e 70, outros autores foram definindo os traços característicos da psicopatia com termos tais como, perturbações afetivas, perturbações do instinto, deficiência superegóica, tendência a viver só o presente, baixa tolerância às frustrações. Alguns classificam esse transtorno como anomalias do caráter e da personalidade ressaltando sempre a impulsividade e a propensão para condutas anti-sociais. (Gover, Henry Ey, Kolb, Liberman) Debray (1982) dizia sobre, como é a conduta anti-social o elemento crucial da descrição o termo adequado seria a sociopatia e personalidade anti-social. O termo sociopatia é preferido pelos behavioristas enfatizando o aspecto aprendido, através do meio, por reforçamento e punição. Classificação da Organização Mundial da Saúde- OMS, refere-se a distúrbio da personalidade, com predominância de manifestações sociopáticas ou associais. “Distúrbio da personalidade caracterizado pela inobservância das obrigações sociais, indiferença para com outrem, violência impulsiva ou fria insensibilidade”. O Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders- DSM foi elaborado por psiquiatras em grupo de trabalho estabelecido pela American Psychiatric Association com o objetivo de criar um sistema classificatório compreensivo que refletisse o estado atual de conhecimento sobre ‘doença mental’. Importante notar que o termo transtorno da personalidade dissocial é colocado como sinônimo de psicopatia e sociopatia. O DSM- IV acaba por reagrupar aquilo que o DSM-I distinguia entre reação anti-social e reação dissocial. O primeiro termo diria respeito ao psicopata e o segundo a um grupo de pacientes que ignoram normas sociais, que se criam em ambiente social anormal, mas que ainda são capazes de mostrar fortes sentimentos de fidelidade na área pessoal (Kernberg, 1995). O termo reação associal é usado também por COLEMAN (1973) com o mesmo sentido de reação dissocial. Henry Ey, em seu “Tratado de Psiquiatria I” inclui as personalidades psicopáticas dentro do capítulo das doenças mentais crônicas, as quais considera como um desequilíbrio psíquico resultante das anomalias caracteriológicas das pessoas. Cita as características básicas das Personalidades Psicopáticas como sendo a Anti-Sociabilidade e impulsividade (1996) Classicamente, hoje em dia a Personalidade Psicopática tem sido caracterizada, principalmente, por ausência de sentimentos afetuosos, amoralidade, impulsividade, falta de adaptação social e incorregibilidade. A maioria das pessoas é incapaz de entender como uma personalidade antisocial e criminosa, tal como a de um “serial killer” (assassino serial), é possível, em um ser humano. Os sociopatas são incapazes de aprender com a punição, e de modificar seus comportamentos. Ao descobrirem que seu comportamento não é tolerado pela sociedade, reagem escondendo-o, mas nunca o suprimindo, e disfarçando de forma inteligente as suas características de personalidade. Por isso, os psiquiatras usaram no passado o termo “insanidade moral”. De fato, tais indivíduos são incapazes de sentirem emoções “sociais” tais como simpatia, empatia, gratidão, etc. Isto pode explicar porque os sociopatas são tão desejosos de infringir 9 sofrimento e dor em outras pessoas sem sentir qualquer remorso. Para eles, as emoções de outras pessoas não têm qualquer importância; eles são “incapazes de construir uma similitude emocional do outro”. Perfil e características Serial Killers, em sua maioria, são homens jovens e de raça branca, sendo que seu primeiro crime ocorrerá entre os 20 e 30 anos. Apenas 5% são considerados doentes mentais. Os aspectos que contribuem para a formação de Serial Killers são complexos. Atualmente, adota- se a abordagem biopsicossocial na tentativa de compreendê-los. (ILANA CASOY, 2004 e BALLONE, 2002). Os aspectos biológicos são alterações genéticas, síndromes, tumores, lesões ou mal funcionamento cerebral e descontroles bioquímicos. Outros aspéctos são a Tríade; enurese em idade avançada, sadismo com animais ou crianças e destruição de propriedades como casos de piromania. A mitomania, fobias, possessividade destrutiva, agressividade, baixa auto- estima, problemas alimentares, automutilações, traumas de infância e masturbação compulsiva completam o quadro psicológico. Normalmente são frios, vaidosos, egoístas e sem sentimentos de culpa ou piedade. Os aspectos sociais são o isolamento familiar e social, crianças vítima de abusos sexuais, rebeldia, roubos e envolvimento com drogas, abandono do lar, família mal estruturada (pais ausentes, agressivos, alcoólatras ou portadores de sofrimento mental). As vítimas são partes das fantasias dos Serial Killers. Após se livrarem dos corpos, os homicídios são revividos ou reencenados por eles através de vários métodos. Alguns gravam, filmam ou fotografam seus crimes para revê-los. Outros pegam souvenirs tais como: roupas, sapatos, aparelhos eletrônicos ou partes do corpo de suas vítimas. (ILANA CASOY, 2004 e GUIDO PALOMBA, 2004). O Modus Operandi é determinado observando-se no crime: o tipo de vítima selecionada, o local do crime e a arma utilizada. Na maioria das vezes os Serial Killers utilizam-se de armas brancas (facas, navalhas, estiletes, etc.) podendo também estrangular ou desferir fortes golpes na vítima. A utilização de armas de fogo é rara. (ILANA CASOY, 2004 e GUIDO PALOMBA, 2004). O Serial Killer sempre tem um importante aspecto comportamental em seus crimes: ele normalmente os “assina”. Esta assinatura é sempre única. São consideradas assinaturas: atividade sexual em uma ordem específica; tipo específico de amarração; mesmo tipo de ferimento em todas as vítimas; corpo disposto de certa maneira; torturas, mutilações, rituais. (ILANA CASOY, 2004) Embora esses assassinos possam não Ter domínio no controle de seus impulsos, eles distinguem muito bem o certo do errado, tendo plena consciência de que estão praticando um crime e que seu comportamento não é aceito pela sociedade. Os Serial Killers param de matar somente quando presos ou mortos. Eventualmente, param também quando sentem que a polícia está perto de descobri-los e prendê-los, voltando a agir quando se sentirem mais seguros. CONCEITO DE HOMICIDA EM SÉRIE Segundo considerações acima, o conceito do homicida em série deve levar em consideração como principal indicador, a finalidade através da qual o homicida é levado a cometer o crime e não sua causalidade. Isso é, deve adotar como fundamento estruturador para a conceitualização, a motivação para o crime. Caso seja levado em consideração que indivíduos 10 com uma mesma patologia estão propensos a cometerem crimes diversificados dentro do código penal, a causalidade, então, deixa de ser importante para conceituar e para definir a classificação dos homicidas em série. A exemplo, a psicopatia pode ser a causa do indivíduo de cometer assassinatos em série, como cometer estupros sem homicídio, como também envolver-se apenas em crimes de lesão corporal como brigas de gangues ou outros crimes como pedofilia, etc... Entretanto, a finalidade nos permite definir o porque o homicida em série resolveu cometer seus assassinatos tornando-se dentro do conceito o principal norteador. Existem vários tipos de homicidas em série segundo o parâmetro motivação. Esta nova classificação, distribui os homicidas segundo a motivação para o crime. Desta forma, os homicidas que serão considerados, HOMICIDAS EM SÉRIE se distribuem em duas classificações gerais: b) Homicidas seriais atípicos São chamados assim aqueles homicidas cujo objetivo principal é eliminar suas vítimas por motivos definidos quenão tenha relação com o prazer pessoal e nem com insanidade mental. Dentro destes homicidas encontram-se distribuídos os matadores de aluguel, os homicidas ideológicos que exterminam grupos específicos seguindo suas crenças pessoais sem influência de qualquer organização, os latrocidas que premeditam o homicídio de suas vítimas, e matadores que pretendem deixar uma mensagem política ou não através da morte de inocentes. Alguns destes homicidas podem apresentar outros objetivos relacionados com o prazer em matar. Se o prazer em matar, torna-se tão importante ou mais importante que a própria morte de suas vítimas, eles se encaixam na próxima opção descrita abaixo. b) Homicidas seriais típicos ou “Serial Killer” São aqueles homicidas que agem por total insanidade ou por Ter como objetivo principal a satisfação do prazer pessoal. • Homicidas seriais típicos simples: matam pelo simples prazer em tirar a vida de suas vítimas. Satisfazem seu prazer através da relação de poder que estabelece entre ele e o número de vítimas como representação de sua capacidade e poder; • Homicidas seriais típicos sexuais: o objetivo principal destes homicidas é alcançar durante ou após o homicídio a satisfação de seus impulsos e desejos sexuais; • Assassinos seriais típicos sádicos: o objetivo principal destes homicidas é subjugar suas vítimas convertendo-as em objeto impotente de sua vontade de onde alcançam prazer através do sofrimento que imprimem; • Homicidas seriais típicos insanos: o objetivo principal destes homicidas é obedecer a comandos de ordem transcendente de cunho psiquiátrico e/ou paranormal; • Homicidas seriais típicos mistos: homicidas que tem mais de um objetivo citado acima, como os relacionados ao sadismo, à sexualidade e podendo apresentar também traços de insanidade. O conceito do típico homicida em série conhecido como SERIAL KILLER fica definido assim: Indivíduos que cometem três ou mais homicídios com um espaço de tempo entre um e outro, cuja finalidade venha a satisfazer uma necessidade pessoal que foge ao âmbito de auto-preservação e das ideologias de grupos. Assim sendo, podemos excluir alguns homicidas que comentem vários assassinatos consecutivos como os matadores ligados a grupos radicais religiosos, políticos e étnicos, matadores ligados a esquadrões da morte que seguem a ideologia de um grupo e/ou ordem de 11 instância superior, matadores ligados a um comando maior como os liderados por traficantes de drogas, latrocidas que não tem a intenção de matar, não tendo premeditado o homicídio, matadores que após seu primeiro assassinato são levados a cometer outros homicídios para esconder o primeiro ou por conseqüência do mesmo, causa da necessidade de auto- preservação. Todos estes são classificados dentro dos homicidas seriais atípicos. CONSIDERAÇÕES FINAIS Não é muito comum em nossa realidade a freqüência da atuação de Seriais Killers no Estado de Minas Gerias. Algumas críticas são feitas pelo fato de dispensar tempo para um estudo que não exprime grande demanda. Entretanto, segundo relato da responsável pela delegacia de desaparecidos Dra. Cristina Coelli (2004-2006), muitas das crianças desaparecidas procuradas, são focos de suspeitas da atuação de homicidas seriais típicos. A dificuldade de apuração destes crimes, e de recursos para tal leva a um descrédito deste tipo estudo. Entretanto, está viva no consciente dos investigadores da desaparecidos, a suspeita da atividade de homicidas em série típicos no Estado de Minas Gerais. A importância deste estudo está na definição do parâmetro pelo qual se buscará compreender melhor a conduta de determinados criminosos. Com a nova classificação será possível vislumbrar futuros estudos que investigarão a real motivação pela qual, indivíduos sociopatas foram conduzidos a cometer seus crimes. Na literatura, pouco se sabe sobre a motivação que levou cada conduta criminosa dos Seriais. Isto nos permitiu detectar um vazio de informações na ciência criminológica que é fundamental para a prevenção e investigação deste tipo de crime. Futuros estudos permitirão descobrir qual a maior motivação da maioria dos homicidas seriais típicos citados na literatura nacional e internacional o que facilitará a atuação na prevenção de novos homicídios relacionados a prováveis Seriais Killers da atualidade. 12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS • ANDRESEN, D. R., MARSOLEK, C. J. Does a causal relation exist between the functional hemispheric asymmetries of visual processing subsystems? Brain and Cognition, 2005, 59. • BEATO, C. Conglomerados de Homicídios e o Tráfico de Drogas em Belo Horizonte de 1995 a 1999. 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Diante disso, surge uma proposta de pesquisa do fator “consumo”, essência do capitalismo, a fim de comprovar se opera discretamente como pano de fundo para o incremento da criminalidade entre os jovens, ou seria meramente um dos microelementos que constroem a dinâmica da criminalidade. Os dados estatísticos apresentados à sociedade pelos órgãos da Defesa Social, revelam um acentuado aumento da criminalidade verificado a partir de 1996. O que chama a atenção para os números apresentados, é o destaque dos crimes violentos diretamente ligados aos crimes contra o patrimônio. Dado conexo e de grande relevância, é o fato da concentração dos números de agentes e vítimas de tais crimes que se dá na faixa etária jovem; motivo pelo qual, a presente pesquisa se restringe ao comportamento e à criminalidade dos jovens com idade entre 12 e 18 anos. A proposta do presente trabalho é investigar se a explosão do consumo influenciou no aumento da criminalidade juvenil. Se tais processos sociais se desenvolveram dentro de um mesmo contexto, quais as interferências deste novo modo de vida no aumento da criminalidade que envolve os jovens no Estado de Minas Gerais. A pesquisa busca traçar o perfil do adolescente, tecer conexões que possibilitem verificar a correlação entre o novo modus vivendi da população jovem e a identidade que constroem diante da cultura do consumo, verificando se há uma relação real entre esses fatos e a crescente onda de crimes. REVISÃO DA LITERATURA Associe-se a estas informações, dados da pesquisa realizada por Pogianelo (2004), que mostra a acessibilidade que têm os jovens do Estado de Minas Gerais, às armas de fogo. Paralelo a isto, cresceu o número de ocorrências de crimes violentos e das apreensões de armas de fogo, o que parece estar estritamente correlacionado. Vários fatores de ordem política, econômica e sociais, ocorridos ao longo da historia do Brasil são considerados nesta pesquisa: Chaves (2005) pontua estes fatores, tomando como marco histórico a década de 60, quando a Criminologia, como ciência que estuda o crime, a pessoa do infrator, a vitima e o controle social do comportamento delitivo, direciona seu foco para a sociedade. Após o golpe militar de 64, o Brasil sinalizava mudanças com a abertura política. O povo clamava pela democracia. O Brasil vivia grande tensão e a criminalidade começava dar indícios de avanço. 4 Bacharel em Direito e especialista em Criminologia. É Policial Civil responsável pela Coordenação Pedagógica do Curso de Especialização em Criminologia, uma parceria entre a Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, através do Instituto de Educação Continuada- PUCMINAS-IEC e a Academia de Polícia Civil de Minas Gerais- ACADEPOL/MG. Pesquisadora voluntária do Núcleo de Estudos em Segurança Pública e Pesquisa- NESPP/ ACADEPOL/MG. 16 Em relação aos aspectos econômicos, no período de 1980 e 1983, a economia estagnada, já mostrava uma significativa distancia entre ricos e pobres. Ao mesmo tempo em que crescia a população dos grandes centros urbanos, crescia continuamente a pobreza e a criminalidade violenta. Mudanças de governos e estratégias várias. Os planos econômicos adotados nos últimos nove anos tiveram como resultado uma concentração de renda, da qual se deduz em contrapartida, uma grande “desigualdade social”. Mudanças na cultura também revelaram-se como fatores de influência no aumento da criminalidade, tendo seu foco direcionado para a família. As conquistas e superações da mulher na sociedade, a ausência no lar, tanto do pai como da mãe, produzindo uma educação informal das crianças. A maior parte dos jovens envolvidos na criminalidade, sugerem uma ausência real ou de omissão dos pais, produzindo na personalidade daqueles menores, indiferença, frieza e egoísmo (CHAVES 2005). Houve, além de todo esse processo, uma mudança de valores, influenciada pela vida urbana, estimulada pela industrialização e pelo crescimento econômico. A omissão dos governos atuais nos programas de investimentos sociais, especialmente na educação, base para o desenvolvimento das crianças e adolescentes alimentam os números dos “grupos alvos de exclusão social”. O neoliberalismo obediente à doutrina cega do capitalismo, afogou a humanidade num ritmo de produção e consumo. A ordem é consumir. Os recursos de imagem utilizados pela publicidade imprimem uma abundância de audiovisuais dirigidos às pessoas, restando pouco ou nenhum espaço para a reflexão e manifestações individuais. E o lugar privilegiado de constituição de identidades se desloca da família e da escola para a mídia. A Internet torna-se a influência avassaladora do mercado consumista americano que consolidou-se em grande parte do mundo mercantil. Os jovens, alvos vulneráveis, e conseqüentemente mais suscetíveis às influências dos modismos propostos por esse mercado, constroem suas identidades transitórias e tensas nos objetos de consumo (FISCHER, 2000). A cultura do consumo, sua origem e seus efeitos A cultura do consumo é uma expressão que nos remete à era da pós-modernidade e do capitalismo pós-fordista, ou “desorganizado”, assim descrito na visão do sociólogo Don Slater (2002). Esse modelo tem sido referenciado como um modo de reprodução cultural desenvolvido pelo Ocidente e que se estende desde o século XVIII até o presente. Conceitua-se a “cultura do consumo” destacada do termo consumo. Ela define um sistema em que o consumo é dominado pelo consumo de mercadorias, e onde a reprodução cultural é geralmente compreendida como algo a ser realizado por meio do exercício do livre-arbítrio pessoal na esfera privada da vida cotidiana. A cultura do consumo é o modo dominante que permite estruturar e subordinar todas as outras formas. Pressupõe dominação, onde o Ocidente se via como “civilizado e rico por direito” (Slater, 2002). Uma forma bem clara de situar a origem do consumo é pensar que na visão sociológica,a sua prática constitui o lúdico, o hedônico. Partindo desta visão, em um raciocínio lógico, tem-se que o trabalho precede a diversão. De fato, no contexto histórico, em que a produção revela-se como essência da modernidade, no auge da Revolução Industrial foi que o consumo passou a ser compreendido de formas caracteristicamente modernas. A cultura do consumo, portanto, seguiu-se à industrialização, ao “boon” da exploração do trabalho. 17 Esse fato é razoavelmente explicável. Na história econômica a modernização, até o século XX, estava voltada para o trabalho. Houve neste período, um acúmulo de recursos, investimentos em energias de produção de meios de produção; uma contenção, de certo modo forçada, dos recursos produtivos. O consumo restringia-se às necessidades básicas. A cultura era vista como excedente econômico, e só então, após atingir certo nível de riqueza, a sociedade se permitia a “opção cultural” pelos bens desejáveis, caracterizadores da cultura de consumo. Por óbvio, tudo isso se desenrolou através do processo de circulação de mercadorias, que passaram a fazer parte do cotidiano das classes sociais; a disseminação da cultura do consumo (moda – gosto); o desenvolvimento de infra-estruturas, organizações e práticas que suportassem os novos tipos de mercado, de onde surgem os veículos necessários à propagação do consumo: shoppings, publicidade e o marketing. Mas o comércio é que se apresentou como propulsor da transição da sociedade agrária tradicional para a sociedade moderna. O comércio é que forneceu novas imagens e conceitos por meio dos quais o consumo foi reconhecido, trazendo a marca da cultura do consumo, com noções de economia, governo, idéia de sociedade civil e da própria sociedade, imagens da individualidade, de interesse individual, da razão e desejo, de novos conceitos de status e cultura. Partiu de uma tradição onde consumir significava esbanjar, desperdiçar. No final do século XVIII “consumo” tornou-se um termo discutível sem tensões e compreendido segundo Smith (1986) como a única finalidade e propósito de toda a produção, só importando ao produtor atender os interesses do consumidor. O consumidor é o ator principal no contexto de desenvolvimento da cultura consumista pós- moderna. De um ângulo é visto como um escravo irracional dos desejos materialistas, manipulado por produtores de larga escala. De outro lado, o consumidor é visto como um herói, na medida em que manifesta sua autonomia e racionalidade, já que, somente as necessidades por ele definidas podem legitimar as instituições econômicas e sociais. Adolescentes como atores no contexto neoliberal A criação do termo “adolescência”, em plena virada do século, veio designar a transição da infância para a idade adulta. Moujan (1993), um psicanalista argentino, define assim a adolescência: “A adolescência é estado confusional transitório criado pela amplidão dos processos de luto e do polimorfismo zonal libidinal e agressivo, que leva a uma crise de identidade que estabelece uma luta estimuladora do pensamento lógico formal, das funções discriminadoras e sintéticas do ego e protetoras do superego, chegando ao estabelecimento de novos vínculos objetais mais reais pela elaboração das fantasias pré-edipianas e edipianas”. A adolescência é uma fase caracterizada por um processo de reorganização interior denominado por alguns teóricos como “turbilhão”. Nesta fase ocorre nos adolescentes uma ruptura na sua personalidade, que provoca alterações do humor e do comportamento que se apresenta variável e imprevisível, confusão de pensamentos e rebeldia, normalmente com os pais. Essa ruptura refere- se também à separação do jovem de seus pais, momento em que se inicia um processo de desenvolvimento da própria identidade. Poder-se-ia dizer que é a fase em que o adolescente encontra-se consigo mesmo. Fase em que o indivíduo desperta para o relacionamento com seus pares (feminino ou masculino) e busca a construção de uma personalidade estável. 18 Vários autores preferem concordar com a idéia de que a fase adolescente inicia depois da infância, por volta dos 12 (doze) anos e termina por volta dos 18 (dezoito). Este foi o entendimento adotado pela legislação brasileira, através do Estatuto da Criança e do Adolescente. Atualmente, crianças e adolescentes participam avidamente da vida dos adultos e passam também a fazer parte da realidade do consumo e dos prazeres. Esse fenômeno tem levado observadores a uma reflexão no conceito de adolescente e puberdade, aparentemente, termos sinônimos ou ao menos correlatos. É comum na sociedade atual, verificar-se crianças precocemente assumindo papel de adolescentes, e estes, papel de adultos. Analiticamente falando, se estes papéis têm sido exercidos precocemente, também de forma precoce tem se manifestado a puberdade. As meninas, principalmente, vêm amadurecendo muito cedo. Deste modo, o conceito de adolescência não se define mais como o efeito do biológico humano (puberdade) sobre o papel social do indivíduo, mas ao contrário, a puberdade precoce explica-se como sendo a interferência do panorama social no biológico humano. Formação da identidade dos jovens e o sistema capitalista O psicólogo Erik Erikson (1976) observa que a adolescência é marcada por um aumento dos conflitos caracterizados por uma flutuação normal e necessária da força do ego. Esta colocação é bem explicada por Telles (2004), na conceituação do que convencionou chamar de “a crise do adolescente” e de seu “problema de identidade”. A identidade é uma idéia integradora, totalizadora da própria pessoa, percebida, negada ou deformada por seu ego. Nesta fase, o ego percebe uma ruptura de continuidade da unidade, e o adolescente se vê com um corpo estranho, com novos impulsos e sensações. Na tentativa de preencher o vazio causado pela perda da identidade antiga, vale qualquer coisa para ter uma nova identidade. Há uma fragilidade neste estágio de desenvolvimento do indivíduo adolescente, expondo-o a uma suscetibilidade de influências. O adolescente se identifica temporariamente com as mais variadas pessoas, aspectos que não são inteiramente assimilados e elaborados em seu ego, são tentativas provisórias de manter uma identidade. Às vezes apresenta identidades negativas, assumindo tudo aquilo que é negado ou proibido por seu grupo familiar ou social. A partir destes conflitos e das lutas que se travam no adolescente, ele precisa ser capaz de desenvolver um senso de identidade pessoal. Como postula Erikson (1976) “sem um senso vigoroso de quem são, os adolescentes tornam-se vulneráveis à delinqüência, à pressão dos companheiros e a distúrbios psicológicos mais graves.” A “crise de identidade” é, portanto, um fenômeno psicossocial ligado a uma cultura particular, porque se a sociedade muda, muda também a busca de identidade do adolescente. Quando o organismo do adolescente se transforma, eles são naturalmente afetados por sua interação com o grupo de iguais, pelas alterações na estrutura e no funcionamento da família, pelas opções de participação no mundo adulto, pela cultura da época. Diante desta assertiva Straus (1994) propõe que antes de ser resolvido o debate entre os pesquisadores sobre o que constitui um desenvolvimento adolescente normal, deve-se considerar as estruturas familiares em mudança e outros fatores sócio-econômicos, raciais e étnicos. Tem-se, pois, um panorama geral do processo psicológico de formação da identidade adolescente comum no desenvolvimento humano. Como bem expressa Anna Freud (1978) “ser normal durante o período adolescente é em si anormal”. 19 Hetkowski e Gewehr (1999) em seu artigo atribui ao processo de globalização a propagação do modo de produção capitalista baseado no consumo. E esclarecem que, segundo Achugar (1994) e Beyaut (1994), esta tendência mundial interfere na cultura e cria forma de agir e pensar de certa forma “homogênea”, incutindo seus produtos no âmbito global. Esta homogeneização é fonte de graves descaracterizações nas culturas nacionais, com repercussõesseriíssimas no desenvolvimento do adolescente, “uma sensação de nau à deriva”. A globalização, a sociedade, com referência especial aos adolescentes, interage de forma íntima e muitas vezes velada, e esta inter-relação traz conseqüências na formação da identidade dos adolescentes contemporâneos. Freud (1996) explica que o processo de identificação é, primordialmente, uma forma de ligação emocional com um objeto. Enquanto Mato (1996) entende a identidade com um processo de construção simbólica, fruto de interações sociais. Há, pois, neste processo de construção da identidade uma interação social em que o indivíduo se liga emocionalmente ao objeto. Esta ligação é de grande importância para a formação da identidade adulta. A instabilidade que vive o adolescente faz com que ele busque modelos que inspirem o adulto que quer ser, a fim de afirmar com eficiência a sua posição no mundo. Exatamente neste momento que surgem os problemas mais comuns da atualidade, e que se tornam um desafio para o próprio jovem: a ausência paterna, a mentalidade consumista do mundo atual, que tem como conseqüência a descaracterização da cultura local e nacional. Esses fatores transportam o jovem para fora da realidade. Com a consolidação do capitalismo a sociedade entrou na “era das comunicações de massa”, que tem por finalidade precípua manter esse estilo de vida e a ordem social, capitalista. O estilo de vida norte-americano, difundido para todo o mundo, só foi possível, assim como sua manutenção, através da comunicação de massa. E os países em desenvolvimento são os mais influenciados, devido ao fato de apoiarem seu desenvolvimento nos modelos estáveis economicamente, como o norte-americano. Segundo Hetkowski e Gewehr (1999): o ser humano é vulnerável a influências, e, portanto, vive sob os entorpecentes efeitos dos meios de comunicação. De modo contraditório, o mesmo meio que veicula os direitos garantidos pelo regime democrático de direito, “regime da livre escolha”, torna a sociedade sujeita ao despotismo do capitalismo, escrava do consumo. E os adolescentes são os alvos prediletos dessa tendência social, o que deveria ser motivo de preocupação. Os apelos das propagandas exibidas na mídia demonstram a grande pressão exercida sobre as pessoas. Frases do tipo “Você precisa ter”, repercute na consciência do consumidor, principalmente do adolescente, como: “você precisa TER para SER”. Tais apelos repetem-se dia e noite, divulgando produtos, ideologias, corroborando e confirmando cada vez mais os ideais do sistema capitalista, impregnando a vida diária do sentimento de que tudo e todos são descartáveis. Como bem expôs Hetkowski e Gewehr (1999), não é a religião “o ópio do povo”, como afirmavam Marx e Freud, e sim a mídia e seu show de efeitos especiais que escondem o ser humano em BMW’s, Channel’s, Coca-Colas, Nikes, Mc Donald’s e tantos outros símbolos do consumo e da sociedade como um todo. Interessante apontar nesta pesquisa, além do que se observa como efeitos da intensa influência do consumismo no comportamento dos jovens, a visão que eles próprios fazem de si. Uma pesquisa realizada pela MTV no início de maio de 20055, a fim de identificar os valores e comportamentos dos jovens com idade entre 15 e 30 anos, definiu da seguinte forma o perfil do jovem brasileiro: “vaidade exacerbada, falta de rumo, excesso de hedonismo e individualismo” (Menes, 2005). 5 Dossiê Universo Jovem 3. Pesquisa realizada pela MTV, coordenada por Ione Maria Menes através da entrevista com 2.359 jovens das classes A, B e C das cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Salvador e Porto Alegre. 20 Segundo a pesquisa realizada, o jovem brasileiro dá muito valor à aparência: 60% (sessenta por cento) acreditam que pessoas mais bonitas têm mais oportunidades na vida, e 15% (quinze por cento) dos jovens abririam mão de 25% de inteligência por 25% de beleza. Apresentam certa insegurança em relação ao futuro, sendo que 82% dos entrevistados preferem morar com os pais a assumir responsabilidades. Apesar de serem pessoas com menor poder financeiro, são os jovens o público-alvo que mais é persuadido pelas campanhas de publicidade. A mídia é responsável por criar novas necessidades. As crianças e jovens, incapazes de entender o significado da TV e o propósito da propaganda, passam a desejar tudo o que lhe é apresentado, crescendo assim hipersensíveis ao prazer. É o que Lorenz (1974) denominou de neofilia, entendida como a afinidade irresistível com tudo o que aparece como novidade resultante da doutrinação de massas. A neofilia é a patologia da sociedade contemporânea. Voltando à referência sobre a pesquisa realizada pela MTV, Menes (2005) apresentou numa amostra de 2.359 jovens entrevistados, pertencentes a classes sociais variadas, verificando que houve um crescimento vertiginoso do uso da tecnologia no cotidiano da parcela mais abastada da população jovem, comparado com a mesma pesquisa realizada no ano de 1999 (TAB 1). Os recursos utilizados pelos jovens entrevistados em 1999 se tornaram acessíveis a um número muito maior de usuários. Os celulares despontam como o bem mais cobiçado, aumentando de 19% para 71% de usuários. Os computadores apresentavam 22% de usuários, aumentando para 46% e o acesso à Internet evoluiu de 15% para 66% dos jovens entrevistados. Cerca de 79% dos jovens usam o "torpedo" do celular para falar com os amigos, e a avalanche de blogs e fotoblogs não passa despercebida pela geração plugada na Web: 79% dos jovens sabem o que é Blog, 77% sabem o que é Fotoblog, 48% já passaram pelo o Orkut, a principal rede de relacionamentos da Internet, e 43% usam o Messenger, programa de mensagens instantâneas da Microsoft. TABELA 1 Comparação do crescimento do uso da tecnologia no cotidiano da parcela mais abastada da população jovem entre os anos de 1999/2005 Tecnologia de uso Pesquisa de 1999 (%) Pesquisa de 2005 (%) Celular 19% 71% Computador 22% 46% Internet 15% 66% Torpedo - 79% Blog - 79% Fotoblog - 77% Orkut - 48% Messenger - 43% Fonte: Pesquisa realizada pela MTV por MENES, Ione Maria. Valores do jovem brasileiro. Apesar dos registros de furtos e roubos de objetos tais como aparelhos celulares relógios e outros objetos de uso pessoal, cometidos por menores, sugerirem uma incidência maior, não são dados seguros para aferir uma correlação desses “atos infracionais” ao desejo de consumo desses menores, vez que todo objeto de furto ou roubo pode ser convertido em valores para serem gastos com o que desejarem consumir. 21 CRIMINALIDADE E CONSUMISMO As ciências criminológicas, até então voltadas para o estudo do crime sob o enfoque da inadaptação do indivíduo, se deparou com uma mudança radical da sociedade por volta de 1960. Essa mudança traduziu na coexistência de manifestações criminosas ligadas ao subdesenvolvimento, com a violência em todas as suas formas, o tráfico de drogas, a criminalidade econômica como criminalidade transnacional. Através desse posicionamento da Criminologia, já era possível observar uma relação entre o subdesenvolvimento e a criminalidade. Embora tido como fato normal, assim proposto pela teoria de Durkheim (1990) para quem “o crime é normal porque seria inteiramente impossível uma sociedade que se mostrasse isenta dele”, a sua proliferação na sociedade parece sempre indicar um desajuste social. De todas as teorias propostas, abrangendo as mais modernas, há um consenso: a pobreza ou ausência de educação formal não seriam fatores causais suficientemente fortes para justificar o crime (Quételet in Magalhães, 1996). Não há relação direta entre pobreza e criminalidade. O que se torna evidente em todos os posicionamentos é a presença de desigualdades sócio-econômicas, que surge como um indicador para a análise do crime. A evidente ingerência do Estado, o que os muros não evitam, levam ao confronto a realidade social, gerando uma crescente onda de violência urbana como fruto da mais injusta distribuição de renda do mundo. Paramelhor compreender a agudez da desigualdade, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia Estatística – IBGE, os 20% mais pobres (32,6 milhões) dividem 2,5% (R$22,5 milhões) do PIB nacional que é de R$900 bilhões, enquanto que os 20% mais ricos abocanham 63,4% do PIB, o equivalente a R$570,6 bilhões. Certamente, se o Estado educasse e qualificasse os indivíduos da sociedade de modo igualitário para compreender esses números, eles seriam inadmissíveis pela população, base da pirâmide, que sustenta os 20% mais ricos. Os fatos demonstram a necessidade de medidas urgentes que evitem a convulsão social sugerida pela realidade. Esse desequilíbrio na sociedade provoca uma pressão em seus membros fazendo com que alguns se engajem em comportamentos não conformistas. É, portanto, necessário dimensionar o grau de pressão que os impele ao desvio de conduta, ao crime. Para Merton (1958), a anomia se apresenta quando uma sociedade está em situação de desequilíbrio entre metas estabelecidas e os meios legítimos para atingi-las. Da conduta alternativa que emerge sob a tensão entre metas culturais que enfatizam o sucesso pessoal e a escassez de meios legítimos, a resposta é anômica6. Mas esta resposta não é generalizada. O que se pretende esclarecer é o fato de situações sociais diversas exercerem pressões diferentes sobre determinados indivíduos que optam por condutas ilegítimas para atingirem seus objetivos. Esses desvios de comportamento sugerem uma forma de adaptação. Quételet (Magalhães, 1996) atribui maior propensão para o comportamento criminoso ao grupo dos jovens, justificando a força e a paixão como propulsores do comportamento, enquanto a razão ainda não é capaz de detê-los. A cultura do consumo como realidade atual, impõe às classes mais baixas demandas incompatíveis, induzindo seus membros a um comportamento desviante e criminoso, configurando a inovação como o modo de “adaptação” proposto por Merton7. 6 Magalhães (1996). Anomia de privação. 7 Na inovação, o indivíduo assimila a meta que é o sucesso e ignora os meios justos, dentro das normas, quando busca alcançá-lo. Normalmente, as causas que influenciam o comportamento dos indivíduos que cedem facilmente à inovação decorrem da privação econômica, do baixo nível de escolarização, socialização imperfeita, lar desfeito dentre tantos fatores que colocam o indivíduo à margem dos meios legítimos. 22 O AUMENTO DA CRIMINALIDADE JUVENIL NO ESTADO DE MINAS GERAIS Desde 1980 verifica-se um aumento dos crimes violentos na sociedade brasileira, especialmente nas regiões metropolitanas. Não se sabe ao certo se o crime aumenta a insegurança e a tensão relacionadas à situação político-econômica do país ou esta é que desencadeia o processo de violência e criminalidade. Chaves (2005) observou que no ano de 1996, os índices de criminalidade do Estado de Minas Gerais cresceram sobremaneira, com foco direcionado aos crimes contra o patrimônio, que tiveram grande destaque. Tendo em vista o intuito de verificar a correlação existente entre os crimes contra o patrimônio na categoria de crimes violentos, e o fator social de estímulo ao consumo, esta pesquisa se restringe à análise do envolvimento dos jovens do Estado de Minas Gerais, no período em que se percebe o aumento acentuado da criminalidade. A primeira observação a ser feita é que durante o período de 1986 a 1996 as taxas de crimes contra o patrimônio e crimes violentos mantiveram-se estáveis, tomando neste último ano, um pico contínuo e acelerado, despertando a atenção da sociedade e das autoridades. Estes dados se confirmam através das estatísticas realizadas pela Polícia Militar de Minas Gerais. Outro fator que não pode ser desprezado encontra-se embasado em pesquisa realizada por Pogianelo (2004), que retrata a facilidade do alcance dos jovens da cidade de Belo Horizonte em obter armas de fogo (GRAF 2). O aumento do número de jovens apreendidos no período de 1997 a 2004, independente de estarem portando ou não armas de fogo cresceu mais que os registros de crimes violentos. No período de 1997 a 2004, o número de ocorrências de crimes violentos na Região Metropolitana de Belo Horizonte cresceu 287%, enquanto as apreensões de armas cresceram 220% e a apreensão de jovens aumentou 4.293%. 23 Os GRÁFICOS 3 e 4 mostram o número de menores apreendidos e o número de menores apreendidos sem armas de fogo. GRÁFICO 2: Menores apreendidos na RMBH 1997-2004 envolvidos com armas de fogo. Fonte: Armazém de Dados/PMMG GRÁFICO 3: Número de menores apreendidos na RMBH 1997-2004. Fonte: Armazém de Dados/PMMG GRÁFICO 4: Menores apreendidos sem arma de fogo entre 1997-2004 Fonte: Armazém de Dados/PMMG Número de menores apreendidos na RMBH no período de 1997 a 2004 envolvidos com arma de fogo. 0 200 400 600 800 1000 1200 1997. 1998. 1999. 2000. 2001. 2002. 2003. 2004. N úm er o de M en or es A pr ee nd id os Número de menores apreendidos na RMBH no período de 1997 a 2004. 0 2000 4000 6000 8000 10000 12000 1997. 1998. 1999. 2000. 2001. 2002. 2003. 2004. N úm er o de a pr ee ns sõ es 4.006 5.373 5.415 2.438 2.953 3.543 3.992 4.612 0 1.000 2.000 3.000 4.000 5.000 6.000 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 24 Pautando-se pelos índices que traçam os contornos desta realidade, o perfil do principal ator deste contexto – o agente a quem se deve uma série de medidas paliativas ineficazes e para o qual seria mais viável a prevenção – é conhecido: são jovens e em sua vasta maioria, do sexo masculino e que vivem à margem da sociedade. Entretanto, numa análise mais ampla, verifica-se que a pobreza e as desvantagens a ela associadas, em competição com os valores aprovados para todos os membros da sociedade, estando articulados com uma ênfase cultural do êxito pecuniário como objetivo dominante, terá como resultado o aumento de comportamentos criminosos. A configuração total de pobreza, oportunidades limitadas e vinculação de alvos culturais, como é o caso da cultura do consumo implantada pela globalização, somam um quadro de informações que permite explicar uma maior correlação entre a pobreza e o crime na sociedade. O crescimento da mídia e a globalização da cultura e do mercado, também contribuem para a criação de símbolos, objetos de desejo e consumo que estão, muitas vezes, fora do alcance econômico da maioria da população. A pobreza no mundo contemporâneo ganha, então, novas características. As populações pobres são forçadas, de forma geral, a uma escolha entre viver fora do crime e distante dos símbolos de status e bens de consumo oferecidos pela sociedade ou entrar para a criminalidade e ter uma vida provavelmente curta mas com direito a todos os bens simbólicos e concretos. Os grupos excluídos passam a criar seus próprios valores e a investir nos jovens para as carreiras criminosas, recrutando-os principalmente para o mundo do tráfico de drogas, onde são disciplinados como “teleguiados” (Zaluar, 1994). DESVIOS DE COMPORTAMENTO DOS JOVENS As novas tendências consideram como objeto da criminologia o comportamento divergente ou desviante. O conceito de “desvio” absorve o da criminalidade (CHAVES, 2005). Quetelet chegou a atribuir maior propensão para os desvios de conduta aos jovens de 21 a 25 anos de idade, devido aos componentes da força e da paixão, afloradas enquanto não dotados de razão suficiente para detê-los. Considerando o fato já proposto de que a adolescência tem se iniciado precocemente e se estendido além da idade esperada, não se pode desconsiderar a proposta de Quételet. (MAGALHÃES, 1996). Entretanto, Merton vai mais adiante quando suscita a inovação como modo de adaptação às metas culturais para as quais a sociedade dá ênfase, sem no entanto, proporcionar meios em iguais condições para que estas metas sejam alcançadas. Verifica-se aqui, o raciocínio comum a todos os estudiosos dos aspectos sociais, a evidentedesigualdade social que imprime uma forte pressão a determinados grupos, levando-os ao desvio de comportamento. Levinsky (2000), em sua obra “Adolescência e violência” traça os contornos sociais que exercem influência sobre os jovens-adolescentes, que os tem conduzido à criminalidade. Para o autor, os adolescentes, por suas características biopsicossociais, tendem espontânea e naturalmente a passar ao ato, com maior tendência a descarregar seus impulsos agressivos e sexuais diretamente, através do processo primário, ou seja, das vias eferentes. São vias de expressão rápidas e buscam a satisfação imediata dos desejos, sem passar pelos critérios de avaliação, simbolização e linguagem que caracterizam o processo secundário. Freqüentemente os adolescentes pensam depois da ação ter sido realizada, sem considerar anteriormente as conseqüências de seus atos. Diante da fragilidade egóica e a predominância de mecanismos psíquicos primitivos diminuem suas possibilidades de postergar, substituir, ponderar ou reprimir eficazmente a satisfação de seus desejos. 25 Vandalismo, delinqüência, prostituição, perda de respeito pelo privado, pelos bens comuns da sociedade, a má qualidade das relações humanas, tornam-se modelos de auto-afirmação e contestação, reflexo da adoção de objetos caóticos de identificação por um lado, e de outro, uma tentativa inconsciente de recuperar algo que foi perdido ou não adquirido durante o processo evolutivo, e que necessita, na adolescência, ser resgatado, se não pela família, que seja através da sociedade. Há uma busca dos pais, que na maioria das vezes, foram maus ou inexistentes, passando a ser representado por líderes ou governantes que ocupam o espaço do objeto negativo e avalizador desta identidade. Freud (1996), estabeleceu uma correlação entre os aspectos narcísicos, o ego e os processos de identificação. Pode ocorrer dentro de um grupo a perda da identidade individual em detrimento da identidade grupal. Neste caso, os ideais narcísicos ligados à onipotência, à negação da realidade e à cisão podem predominar no ego culminando com a perda ou diminuição do senso crítico e da autonomia individual. A delinqüência pode muitas vezes significar um movimento criativo, uma forma de resgatar a capacidade de busca perdida nas falhas existentes nas primeiras relações emocionais. A auto- afirmação é um componente necessário no desenvolvimento da identidade do adolescente. O comportamento rebelde, revoltado, agressivo, por ser típico da idade, é tolerado. Torna-se grave, no entanto, quando o meio de auto-afirmação é a violência física, a baderna, o vandalismo, a amoralidade, configurando sintoma da patologia psicossocial. No processo de identificação, a violência é uma reação conseqüente a um sentimento de ameaça ou de falência da capacidade psíquica em suportar o conjunto de pressões internas e externas a que está submetida. Durante a adolescência, o ego apresenta-se instável e vulnerável às pressões pulsionais e às influências externas, sendo altamente suscetível às influências dos fenômenos sociais, momento oportuno para a incorporação de valores adequados ou não a uma relação construtiva dentro da sociedade. No contexto neoliberal os adolescentes são totalmente manipulados. Transformam em moda, material de consumo em massa, as influências originárias das pressões de mercado e da mídia. Desta interação somada à presença do comportamento rebelde, podem surgir distorções na qualidade das relações geradoras de violência. CONSIDERAÇÕES FINAIS Somos cúmplices da catástrofe que vive a sociedade. Obviamente, nada justifica a opção pelo crime como compensação pela desigualdade social. Mas o fenômeno da criminalidade faz parte de um contexto que transforma continuamente a realidade. À questão suscitada, eis a resposta: existe, sim, influência da explosão do consumo no aumento da criminalidade na medida em que se observa o crescimento de ambos proporcionalmente. Contudo, ela se processa num ciclo onde a desigualdade social e a falta de estrutura familiar mostram-se mais expressivos. O consumo como causador da criminalidade encontra suporte nestes fatores. Os jovens observados nesta pesquisa querem fazer parte da cultura que ostenta, querem a imagem e semelhança dos modelos que a mídia divulga. Se ela torna público determinado modo de ser, é para que todos o sejam. Para alcançar tais modelos, vale os meios permitidos pela realidade. Afinal, o mundo se globalizou genericamente e o Estado não se preocupou em proporcionar meios acessíveis a todos para se inserirem nestes modelos. Furtar e roubar de quem ostenta nada mais é do que “estar dentro da lei do consumo” e realizar o que o Estado tem sido negligente em fazer – a distribuição justa dos meios de sobrevivência, de gozo e prazer aos quais todos fazem jus – pelos menos é o que nos garante a Carta Magna Brasileira. O produto desta realidade: degradação dos valores morais, degradação da infância e da juventude, autodestruição, aniquilação do futuro, medo, tensão, violência constante. 26 Talvez nem tudo esteja perdido e certamente, assim como para se chegar ao ponto em que a violência e a insegurança alcançaram demorou tantos anos, reverter esta situação é tarefa para muitas gerações. E se algo não for feito com muita urgência, não se pode prever a proporção que a vida em sociedade pode tomar. Quem sabe estabelecer limites ao sistema capitalista, como uma forma de frear as compulsões dos homens levando-os a refletir mais sobre a essência humana e sobre as reais necessidades para a convivência social não seria um bom começo. O ritmo frenético da busca pelas riquezas não seria uma produção contínua de desigualdade social? Talvez se os governos buscassem conter esse ritmo, assumiriam o controle dos fatores que distanciam tanto as realidades sociais, produtoras da violência, e que vêm comprometendo o próprio futuro da humanidade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS • ACHUGAR, Hugo. Imagens da integração. Gráfica Fundação Memorial da América Latina, coleção memo, 1997. • BEYHAUT, Gustavo. Dimensão cultural da integração na América latina. Estudos Avançados, São Paulo, 1994. • CHAVES, Paulo Guilherme Santos et al. Transdisciplinaridade e Criminologia. A criminalidade do Estado de Minas Gerais. Estudo retrospectivo com foco em 1996 – Fatores históricos culturais. Apostila IEC PUC Minas. 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Entre as discussões que permeavam o grupo, o problema da militarização das polícias estava cada vez mais presente, embora nem sempre houvesse consenso em torno do seu real significado e aplicação à realidade policial brasileira9. Percebíamos que a militarização se tornava um conceito fluido diante da realidade histórica, caracterizada pela existência de mais de um século de uma força militarizada para a garantia da ordem pública. A questão que preponderava e ainda prepondera gira em torno da possibilidade de se aceitar a militarização das polícias como um processo recente de nossa formação histórica. A preocupação maior dizia e diz respeito às guardas municipais, embora estas instituições ainda não possam ser constitucionalmente consideradas polícias. Este artigo nasce, com efeito, da preocupação em se estabelecer uma aproximação mais aprofundada com relação ao conceito de militarização das polícias, a fim de que possamos melhor caracterizar a problemática das polícias brasileiras e, em especial, a relação existente entre polícias militarizadas e Estado democrático. Para este fim, pretendemos estabelecer uma tipologia da atividade policial em contraposição à atividade militar, contrabalançando-a, a partir de dados e da literatura especializada, com aspectos da realidade brasileira. O objetivo é mais problematizar o tema do que trazer conclusões prontas e acabadas em torno de um dos aspectos da atividade policial. Apenas uma ressalva: o estudo das instituições policiais se apresenta como uma realidade recente, datada das últimas décadas, sobretudo nos países anglo-saxões. O trabalho e o cotidiano policial se apresentavam, embora hoje de maneira um pouco mais atenuada, praticamente como tabus, protegidos por uma espécie de segredo profissional, razão pela qual não são poucas as dificuldades para o estudo do tema10. No Brasil, pode-se afirmar que as instituições policiais ainda não ganharam o status de objeto de pesquisa no âmbito de uma sociologia da ação ou de uma sociologia da polícia. O que se produz, em regra, é mais fruto do 8 * Bacharel em Direito e Ciências Sociais – UFPR; Especialista em Sociologia Política – UFPR; Membro do Laboratório de Estudos sobre Polícia – UFPR; Mestrando em Criminologia Université Libre de Bruxelles – ULB/Bélgica; Investigador da Polícia Civil do Estado do Paraná. E-mail: bzavataro@yahoo.com.br. � O Grupo de Estudos da Violência (GEV), coordenado pelo professor Pedro Rodolfo Bodê de Moraes, faz parte hoje do Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos (CESPDH) e congrega vários cursos e grupos de estudo, entre os quais os de Ciências Sociais e Direito, da Universidade Federal do Paraná (UFPR). 9 A militarização tornou-se hoje um daqueles conceitos altamente utilizados por analistas. Assim, fala-se em militarização das prisões, das relações internacionais, das empresas e suas relações com os trabalhadores, da segurança pública etc. Longe de desconsiderar a importância destas análises para o entendimento do mundo atual e das relações que ele estabelece , resta somente sublinhar a natureza nem sempre precisa destas análises. 10 Ver, a título de exemplo, Bayley (2002); Brodeur (1984), Kant de Lima (1995); Loubet Del Bayle (2006); Mingardi (1992); Muniz (1999); Monjardet (1996); Deluchey (2000) e (2001); Oliveira Júnior (2003) e muitos outros. 30 trabalho, muitas vezes em torno de temas específicos, de policiais que já se encontram inseridos na atividade policial11. AS POLÍCIAS NA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL Primeiramente, é necessário partir do seguinte pressuposto: não houve, durante o processo de transição ao regime democrático, reformas ou reestruturações nos aparelhos policiais capazes de coaduná-los ao novo espírito oriundo de um regime aberto e pretensamente garantidor de direitos fundamentais, de modo que o continuísmo é aqui o elemento central de análise (ZAVATARO, 2004). Esse continuísmo pode ser visto tanto no âmbito da relação entre instituições policiais e a população em geral ou sociedade civil, quanto no âmbito vertical das instituições policiais e as relações entre superiores e inferiores hierárquicos. Com isso, pode-se afirmar que o autoritarismo das instituições policiais perpassou a transição democrática de maneira inalterada, muito embora tenha sido o Brasil signatário de importantes tratados e instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos12. Permanecem, ao mesmo tempo, uma cultura policial antidemocrática e uma estrutura policial com caráter altamente militarizado, anacrônicas face ao novo regime democrático instaurado. Não houve, em suma, a transição de uma polícia de controle para um polícia cidadã (BENGOCHEA et alli, 2004). Observa-se a permanência da hegemonia da política de lei e da ordem, bem como de uma política criminal repressiva de criminalização e perseguição dos setores marginalizados da sociedade ou de movimentos sociais. Ou seja, a ideologia da Doutrina da Segurança Nacional repressiva e opressiva está mais presente do que nunca. Como nosso objetivo não é fazer uma análise das polícias na nova ordem constitucional pormenorizadamente, mas tão-somente introduzir o tema das polícias a fim de que possamos compreender o fenômeno da sua militarização, ater-nos-emos aqui a um breve inventário das polícias estaduais e das guardas municipais, além dos problemas atuais que estas instituições representam para a consolidação de um Estado Democrático, sobretudo porque são estas as mais tocadas pelo fenômeno em questão. Mesmo com o advento da Constituição Federal de 1988, poucas transformações dos aparelhos policiais foram realmente levadas a efeito. O seu artigo 144, por exemplo, manteve no âmbito dos estados-membros a dualidade das polícias, ou seja, de um lado uma polícia militar ostensiva e preventiva, e de outro, uma polícia civil de caráter repressivo e investigativo. Não é preciso dizer que duas corporações policiais num mesmo estado
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