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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO Magnum Eltz Direito, justiça e equidade Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Diferenciar justiça de equidade. � Classificar as diversas espécies de justiça. � Reconhecer a importância da justiça para o Direito. Introdução A justiça é o ideal do Direito, que busca reconhecer desigualdades para atender a todos os indivíduos com equidade. Ao entender a justiça como conceito amplo, que não necessariamente representa uma prática igualitá- ria, é possível entender também o conceito de equidade, por meio do qual os indivíduos que se posicionam como desiguais (independentemente do contexto em que estão inseridos) podem receber a correta assistência do Direito, na medida da desigualdade em que se encontram — assim é que se verifica a verdadeira consolidação da justiça. Neste capítulo, você vai ler a respeito dos conceitos de justiça, igual- dade e equidade, que consistem em princípios norteadores para a efetiva aplicação das normas jurídicas, além de compreender a sua função para o ordenamento jurídico. Justiça versus equidade A justiça é um ideal que o Direito busca atingir, podendo ser conceituada como o elemento que supre desigualdades e ampara os que estão em situação vulnerável, protegendo os seus interesses. Para que se faça justiça, é funda- mental analisar o caso concreto, ou seja, a situação que está sob julgamento, pois, o que para um contexto é considerado justiça, para outro pode não ser. Ao se refletir sobre justiça, tem-se em mente que as relações sociais devem ser equilibradas, visando à proporcionalidade na distribuição daquilo que pretende, a fim de atingir o próprio ideal de justiça. Porém, justiça não é regra Direito, justiça e equidade2 aritmética — dessa forma, a regra da igualdade consiste, essencialmente, em tratar os desiguais de forma desigual, na medida em que se desigualam. É importante observar que cada um, na sua sociedade, comporta em si as suas pecu- liaridades, que o distinguem dos seus semelhantes — por isso, a desigualdade deve ser uma adaptação das normas jurídicas ao caso concreto. É nessa perspectiva que surge o conceito de equidade. Equidade pode ser entendida como o instrumento por meio do qual a justiça pode ser aplicada, considerando que trata aqueles que estão em situação de desigualdade de maneira desigual, a fim de equilibrar as suas condições. Entender a equidade como meio como se atinge a justiça é compreender o quanto esses institutos se complementam. Aristóteles foi um filósofo grego que se dedicou a estudar a justiça na antiguidade clássica. Para o filósofo, a justiça é uma virtude e deve ser exercida não só em relação a si mesmo, mas principalmente em relação ao outro. Assim, a justiça é a maior das virtudes porque incide nas duas esferas possíveis de relação humana: a interna e a externa. O conceito de justiça elaborado por Aristóteles ainda nos dias atuais encontra-se em plena harmonia com os conceitos de equidade e igualdade que direcionam grande parte dos ordenamentos jurídicos vigentes no mundo atual. Assim comenta Paulo Nader (1996, p. 41): Os filósofos que antecederam Aristóteles não chegaram a abordar o tema de justiça dentro de uma perspectiva jurídica, mas como valor relacionado à generalidade das relações interindividuais ou coletivas. [...] Tão bem elaborado o seu estudo que se pode afirmar, sem receio de erro, que muito pouco se acrescentou, até nossos dias, àquele pensamento original. Sob esse prisma, a equidade exerce a função de adequar a lei ao caso concreto, tendo em vista que o legislador, ao elaborar a lei, desconhece as particularidades das situações às quais ela se aplica, fazendo com que caiba ao juiz a ponderação da intenção legislativa. A equidade, portanto, é fundamentada na igualdade da ordem social e no equilíbrio das relações entre os indivíduos. Serve para que a lei seja aplicada 3Direito, justiça e equidade de maneira justa no caso concreto, evitando as injustiças ao se aplicar o Direito. Nesse sentido, Diniz comenta (2003, p. 469): Do que foi exposto infere-se a inegável função da equidade de suplementar a lei, ante as possíveis lacunas. No nosso entender, a equidade é elemento de integração, pois, consiste, uma vez esgotados os mecanismos previstos no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, em restituir à norma, a que acaso falte, por imprecisão de seu texto ou por imprevisão de certa circunstância fática, a exata avaliação da situação a que esta corresponde, a flexibilidade necessária à sua aplicação, afastando por imposição do fim social da própria norma o risco de convertê-la num instrumento iníquo. Contudo, é importante ressaltar que essa aplicação não é livre e deve estar atenta ao expresso conteúdo do ordenamento jurídico, considerando a moral vigente, o regime político e as normas jurídicas na sua mais ampla acepção. No livro Ética a Nicômaco, Aristóteles apresenta reflexões sobre justiça e equidade, sob a perspectiva da lei e do Direito, que conduzem a um raciocínio atual e completo sobre esses conceitos e a sua aplicação na atualidade. Espécies de justiça Na doutrina, surgem diversas classificações de justiça, sendo que a mais relevante e mais bem aceita é a aquela trazida por Aristóteles, que considera a condição dos beneficiados e as necessidades que a justiça busca suprir. Nessa perspectiva, há a justiça distributiva, a justiça comutativa, a justiça geral e a justiça social. Na justiça distributiva, o Estado exerce a função de agente, a quem se atribui a prerrogativa de repartir bens e encargos entre os membros da socie- dade. Essa espécie de justiça é orientada pela igualdade proporcional, ou seja, aplica-se aos diferentes níveis de necessidades, como a justiça penal, na qual o Estado participa da relação jurídica e determina penas a quem comete delitos. Já a justiça comutativa se refere às relações entre os particulares, abrange os negócios jurídicos no âmbito do direito privado. Caracteriza-se por troca de obrigações, pelo cumprimento de encargos equilibrados, estipulados em uma relação entre indivíduos, como um contrato de compra e venda ou uma Direito, justiça e equidade4 negociação de prestação de serviços. É a virtude na qual um particular dá a outro particular o que lhe é devido, de acordo com o combinado entre eles. A justiça geral, também conhecida como justiça legal, fundamenta-se na observância da lei, no respeito aos ditames legais e possui como objetivo o bem comum. Refere-se, principalmente, ao ordenamento jurídico positivo, nas normas originadas nos costumes de uma sociedade, que acabam por se tornar leis escritas. No que se refere à justiça social, a sua finalidade consiste em proteger os mais desfavorecidos, adotando critérios que permitam a distribuição de riquezas de forma mais equilibrada. A justiça social observa os princípios da igualdade proporcional e considera as necessidades de alguns em contrapartida da capacidade de contribuição de outros. Um exemplo de justiça social é a intenção internacionalmente reconhecida de que nações mais ricas e poderosas contribuam com as nações que estão se desenvolvendo, principalmente os países conhecidos como subdesenvolvidos. A justiça social é uma espécie de justiça que transversaliza as outras espécies, pois busca implementar ações afirmativas que atendam aos menos favorecidos que, por razões históricas, enfrentam dificuldades no mundo contemporâneo. Para compreender a dinâmica das espécies de justiça no ordenamento jurídico vigente, observe a Figura 1. Figura 1. Dinâmica das espécies de justiça e o seu ordenamento jurídico vigente. 5Direito, justiça e equidade Podemos observar que as diversas espécies de justiça estão inseridas em um contexto no qual sua aplicação tem estreita relação com a justiça como virtude, que objetiva essencialmente o bem comum. A importância da justiça para o Direito A justiça é um ideal quefaz parte da essência do Direito e, para que a ordem jurídica seja legítima, é fundamental que seja o reflexo da justiça. As leis escritas, conhecidas como Direito Positivo, devem ser compreendidas como o instru- mento adequado para que as relações sociais se desenvolvam com equilíbrio. A justiça deve ser incorporada às leis, dando sentido a elas, para que então seja efetivamente aplicada na vida em sociedade e praticada pelo sistema judiciário. Ao estabelecer os critérios da justiça nas normas jurídicas, o legislador deverá basear-se em uma fonte distribuidora de princípios, em que também os críticos vão buscar fundamentos para a avaliação da qualidade das leis. Essa fonte há de ser, necessariamente, o Direito Natural. Enquanto as leis se basearem na ordem natural das coisas, haverá o império da justiça. Por Direito Natural, entende-se as regras de conduta que regulam a vida em sociedade com base no bom senso, na equidade e no estado da natureza das coisas. É um conceito universal de justiça. A família de um parente falecido, por exemplo, tem o Direito Natural de sepultá-lo — trata-se de um senso comum e universal de justiça. Se o ordenamento jurídico não observa os princípios do Direito Natural, prevalecem leis injustas. Da mesma forma que o Direito depende da justiça para cumprir o seu papel, a justiça necessita também de se consolidar nas normas jurídicas, a fim de se tornar prática e aplicável. A simples ideia de justiça não é capaz de atender os anseios sociais. É necessário que os seus critérios se fixem em normas jurídicas, leis. A importância da justiça para o Direito reside no fundamento de que as leis e as decisões judiciais devem refletir o senso do que é justo ou injusto, tendo em vista o entendimento geral da sociedade ao qual o ordenamento jurídico se destina. Compreender o sistema jurídico como resultado de uma consciência Direito, justiça e equidade6 social ampla de justiça é o que traz sentido para o próprio conceito de justiça inserido no âmbito do Direito. Dessa forma, destaca-se que Direito e justiça não são sinônimos, mas devem estar vinculados. Esse vínculo se reflete não só no conjunto de normas jurídicas, que devem ser elaboradas sob o ideal de justiça, mas principalmente na aplicação das leis pelos juízes. De acordo com Kelsen (1998, p. 8): Direito e justiça são dois conceitos diferentes. O Direito, considerado como distinto da justiça, é o Direito Positivo. É o conceito de Direito positivo que está em questão aqui; e uma ciência do Direito positivo deve ser claramente distinguida de uma filosofia da justiça. A justiça ganha significado, portanto, quando se refere ao fato social, por intermédio de normas jurídicas. A justiça é importante não apenas no campo do Direito, mas em todos os fatos sociais por ela alcançados, pois a vida em sociedade, sem ela, seria insustentável. Criar escalas de prioridade para atendimentos de pacientes que chegam aos hospitais, de acordo com a gravidade das suas condições, é um exemplo de justiça por meio da equidade, pois busca atender aos que mais precisam com mais urgência, a fim de equiparar as suas condições de sobrevivência e bem-estar. DINIZ, M. H. Compêndio de introdução à ciência do Direito. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. KELSEN, H Teoria geral do Direito e do Estado. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. NADER, P. Filosofia do Direito. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. Leituras recomendadas ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 4. Ed. São Paulo: Martin Claret, 2001. BITTAR, E. C. B.; ALMEIDA, G. A. de. Curso de filosofia do Direito: panoramas históricos; tópicos conceituais. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002. Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra. Conteúdo:
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